ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
61/06.9TASAT.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/30/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PIRES DA GRAÇA

DESCRITORES RECURSO PENAL
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
MEDIDA DA PENA
MATÉRIA DE DIREITO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO
DIREITOS DE DEFESA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

SUMÁRIO I -O recorrente interpôs recurso do acórdão proferido em 1.ª instância para o STJ, e foi admitido em conformidade. Porém, por lapso, os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação, onde foram distribuídos como recurso penal. O recurso tinha apenas por objecto questão exclusivamente de direito, a medida da pena, sendo que o arguido tinha sido condenado pelo tribunal colectivo na pena única de 7 anos de prisão. O Tribunal da Relação veio a conhecer do recurso, apreciando-o e decidindo-o.
II - O recorrente, notificado daquela decisão, não arguiu qualquer nulidade do acórdão da Relação, e dele interpôs recurso para o STJ, restrito à medida da pena, recurso esse que não veio a ser admitido. Notificado do despacho de não admissão do recurso, o recorrente também não deduziu reclamação sobre a não admissão do recurso. Consequentemente, o acórdão da Relação transitou em julgado.
III - Enquanto o procedimento penal se mantivesse, poderia o recorrente arguir nulidade insanável, por violação das regras de competência do Tribunal da Relação, nos termos do art. 119.º, al. e), do CPP, e por excesso de pronúncia, conforme o art. 379.º, n.º 2 do mesmo diploma. Porém, o recorrente, ao não reclamar do despacho que não lhe admitiu o recurso que tinha interposto para o STJ, conformou-se com o acórdão da Relação e deixou-o transitar em julgado.
IV - Consequentemente, não pode repristinar o recurso interposto do acórdão proferido na 1.ª instância, cujo objecto já foi decidido por acórdão de Tribunal de 2.ª instância, transitado em julgado.
V - Transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele – n.º 1 do art. 671.º do CPC. Produziu-se, assim, caso julgado material.
VI - Com o caso julgado ocorrido, não significa que tenha havido preterição de garantias de defesa, pois que ficaram salvaguardados todos os direitos do arguido, na apreciação do objecto do recurso, por uma instância superior, garantindo-se o duplo grau de jurisdição previsto no art. 32.º, n.º 1, da CRP.
VII - Sendo legalmente impossível apreciar o recurso ordinário atento o trânsito em julgado da decisão proferida sobre o objecto do mesmo, é de absolver o arguido da instância quanto ao recurso pretendido, e de julgar extinta a mesma por impossibilidade da lide.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                                     Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




Nos autos de processo comum nº 61/06.9TASAT do Tribunal Judicial de Sátão, foi julgado em tribunal colectivo, o arguido AA, casado, empresário, nascido a … de Dezembro de …, filho de BB e de CC, natural da Guiné-Bissau, residente na Rua …, nº …, …, …, na sequência de acusação pública que lhe imputava a prática, em autoria material e concurso efectivo de infracções, de um crime de burla informática, na forma continuada, 22 crimes de falsificação de documento, e um crime de burla qualificada, previstos e punidos, respectivamente, pelos arts. 221º, nº 1 e 5, al. b), 30º, nº 2, e 79º, 256º, nº 1, al.a), e 217º, nº 1, e 218º, nº 1 e 2, al. a), do Código Penal

O assistente “Banco DD, S.A.” deduziu acusação contra o arguido, aderindo à acusação pública, e formulou ainda pedido de indemnização civil, dele reclamando o pagamento das quantias de € 178.377,95 e € 82.421,86, relativamente aos prejuízos causados com a sua conduta, acrescidas de juros de mora, à taxa legal.

Realizado o julgamento foi proferido acórdão que decidiu “parcialmente procedente a acusação pública e a acusação do assistente, e, em consequência, alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido AA:

- como autor material de um crime de burla informática, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 221º, nº 1 e 5, al. b), 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal, numa pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- como autor material de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 256º, nº 1, al. a), 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal, na sua versão anterior à Lei nº 59/2007, de 04-09, numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do  Código Penal, na sua versão anterior à Lei nº 59/2007, de 04-09, numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Efectuando o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condena-se o identificado arguido na pena única de 7 (sete) anos de prisão.”

Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante civil “Banco DD, S.A.” contra o arguido, pelo que condenou este no pagamento àquele da quantia de € 175.620,53 (cento e setenta e cinco mil e seiscentos e vinte euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a data da notificação do arguido para contestar o pedido de indemnização civil e até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de 4 % ao ano.

Absolveu o arguido do demais peticionado

            Estabeleceu condenação em custas e ordenou o demais de lei.

            Inconformado, o arguido, “por não se conformar, do Douto Acórdão que o condenou pela prática de um crime de burla informática, na forma continuada, de um crime de falsificação de documento, na forma continuada e de um crime de burla qualificada, na pena única de sete anos de prisão efectiva” interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 399° e artigo 432 nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

1.         Elementos relevantes como as condições pessoais, a sua situação económica, a sua confissão espontânea, livre, integral e sem reservas, o arrependimento demonstrado e a colaboração daquele para a descoberta da verdade material, os motivos que levaram o arguido a cometer tal crime, bem como o grau do ilicitude do facto, ü modo de execução e a gravidade das suas consequências, como o impõe o artigo 710 do Código Penal, deveriam, salvo melhor opinião, ter sido ponderados, no momento da escolha da medida da pena a ser aplicada ao Arguido.

2.         Deveria ter sido ponderado e de especial relevância o facto do arguido/recorrente ter confessado o essencial, desde da fase do inquérito se mostrou colaborante com a justiça, no julgamento o arguido/recorrente revelou "consciência do desvalor das suas condutas" e sempre prestou declarações relevantes para a descoberta da verdade, contribuindo assim para a tão desejada aceleração processual e manifestou arrependimento sincero.

3.         O recorrente está familiar e socialmente inserido, exerce uma actividade profissional, sendo a única fonte de rendimentos para o sustento da sua família composta por um agregado familiar de quatro filhos menores e a esposa.

4.         O recorrente não tem antecedentes criminais.

5.         A pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente, pela prática do crime de burla informática, na forma continuada, não devia ser superior a 4 anos.

6.         Enquanto a pena de prisão aplicada ao crime de burla qualificada não deveria ser superior a 3 anos de prisão.

7.         Operando o cúmulo jurídico seria adequada a imposição ao ora recorrente, de uma pena única de cinco anos de prisão.

8.         Tal pena de prisão de cinco anos, atendendo o sentido pedagógico e ressocializador da pena, deverá ser suspensa na sua execução.

9.         É justa e suficiente para efeitos de exigências de prevenção, a aplicação da pena única de cinco anos, suspensa na sua execução.

10.       Assim, considerando a pena concretamente aplicada excessiva, deveria ter sido aplicada pena de substituição, devendo ser aplicada uma pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

NESTES TERMOS,

Deverá a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que aplique ao ora Recorrente uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução.

Assim decidindo farão Vossas Excelências inteira Justiça

            Normas infringidas:

- Artigo 70º do Código Penal

O Sr. Procurador da República no Círculo Judicial de Viseu respondeu à motivação do recurso, dirigindo-a aos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, rematando em conclusão que:

“Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se os termos da decisão recorrida.”

Também o Assistente Banco DD, S.A., respondeu
a motivação do recurso, no sentido de “dar-se provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, revogando-se a pena de sete anos de prisão aplicada pelo Tribunal
a quo e aplicando-se, em substituição desta, uma pena de prisão suspensa na sua execução deve ponderar-se estabelecer como condição para a suspensão da execução da pena de prisão o cumprimento do dever de pagar mensalmente ao Banco DD pelo menos parte do montante da indemnização devida, só assim se fazendo Justiça”

Por despacho de 2 de Fevereiro de 2011, o Mmo Juiz admitiu o recurso, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, e ordenou a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

A fls 273, o Sr. Oficial de Justiça, por ofício/remessa, de 16-02-2011, remeteu electronicamente os autos à secção central do Tribunal da Relação de Coimbra, para distribuição de recurso penal.

Distribuídos os autos na 2ª instância, em 17 de Fevereiro de 2011,veio o Tribunal da Relação de Coimbra a julgar o recurso, decidindo por acórdão de 6 de Abril de 2011,”negar provimento, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.”

Após notificação efectuada por via postal registada à Exma mandatária do arguido, veio interpor recurso do acórdão da Relação (reportando-o, por lapso, ao Tribunal da Relação de Évora – v. requerimento de interposição), para o Supremo Tribunal de Justiça, reeditando ipsis verbis as conclusões da motivação do recurso anteriormente existente,

O Senhor Procurador-Geral Ajunto naquele Relação, respondeu à motivação do recurso, dizendo na introdução:

“1.        Interpôs o arguido AA, recurso para este Venerando Tribunal da Relação, impugnando o acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n. o 61/06.9TASAT, da comarca de Sátão, o qual, pela prática dos cnmes Burla Informática, na forma continuada, de Falsificação de Documento, na forma continuada e de Burla Qualificada, na forma continuada, foi condenado, em cúmulo jurídico, numa pena única de 7 anos de prisão.

2.         Inconformado interpôs recurso para este Tribunal da Relação, restringindo-o a matéria de direito e pedindo uma redução das penas parcelares aplicadas, de modo a que a pena única não excedesse os 5 anos de prisão, permitindo a suspensão da pena, o que também solicitava ao Tribunal Superior.

3.         Não teve o recurso acolhimento nesta instância, tendo a decisão sido confirmada integralmente.

4.         Inconformado, veio de novo o arguido apresentar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”

E na  Fundamentação

“(…)

também não é o mesmo recurso de acórdão da Relação admissível para o Supremo Tribunal de Justiça.

3. Com efeito, de acordo com aI. f), do n. ° 1, do art. ° 400° só seria possível recorrer de acórdão que confirmasse condenação da 1 a instância, se a pena aplicada fosse superior a 8 anos de prisão.

4. Na verdade, o próprio recorrente vem assentar fundamento legal para o seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no art.° 432°, nº 1 a1. c) do CPP. Só que, o que tal norma legal permite é um recurso directo dos acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo proferidos em I a instância, para o Supremo Tribunal de Justiça e não um recurso de acórdão do Tribunal da Relação que já confirma a decisão da 1 a instância.

5. Deverá, deste modo, em nosso entendimento, atento o disposto nos artigos 414°, n.º 2 e 3, 417°, n.1 e 6 aI. a) e b), 420°, n.º 1, na sua conjugação com os artigos. 432°, n.º 1 aI. b) e 400°, n.º 1 aI. f) todos do CPP, recusar-se a admissão do presente recurso.

B - A não ser rejeitado o recurso:

1. E se o recurso for aceite, parece-nos que, em relação à questão substancial, não assiste qualquer razão ao recorrente que permita fazer abalar os fundamentos doutamente expostos no acórdão recorrido. Na verdade, o recorrente vem apresentar uma fundamentação em tudo semelhante à que já apresentara para a 2ª instância.

2. Deverá para esta hipótese o recurso ser julgado improcedente.

Vossas Excelências, porém, como sempre, não deixarão de fazer a costumada JUSTIÇA.”

            Por despacho de 1 de Setembro de 2011, o Senhor Desembargador, com fundamento na alínea c) do nº 1 do artº 432º, e alínea f) do nº 1 do artº 400º, ambos do CPP, não admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

            Notificada a Exma mandatária do recorrente por via postal registada, do despacho de não admissão do recurso, não deduziu reclamação do mesmo, pelo que baixaram os autos à 1ª instância em 6 de Outubro de 2011.

            Mas, em 10 do mesmo mês de Outubro, apresentou requerimento no Tribunal da Relação de Coimbra, dirigido aos “Venerandos juízes Desembargadores “, dizendo:

“Foi intentado recurso do acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância, na qual foi dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça por apenas se pretender o reexame da matéria de direito (artigo 432º nº1, alínea c) do C.P.P).

Ora, trata-se de um recurso directo, per saltum, para o Venerando S.T.J.

Assim, não se compreende por que o recurso entregue no tribunal “ quo” foi remetido e analisado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Portanto, requer-se que o mesmo recurso seja remetido para o Supremo Tribunal de Justiça”

O Tribunal Judicial de Sátão, veio a proferir despacho em 20 de Outubro de 2011, onde se diz

“Como resulta de fls.2706 a 2712, o arguido apresentou recurso do acórdão proferido nestes autos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art.432.º, n.º1, al. e) do Código de Processo Penal.

Por despacho exarado em 11/02/2011 foi admitido o recurso apresentado pelo arguido, sobre o acórdão proferido nestes autos, a fls.2633 a 2689, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos arts 406º, n.o 1,407.°, n.º 2, aI. a), 408.º, nº 1, al.. a) e 432.°, n.º1, a1.c), todos do Código de Processo Penal, mais aí se determinando a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça (v. fls.2733).

Todavia, por lapso, foram os autos remetidos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, que conheceu do recurso interposto pelo arguido.

Contudo, e por forma a que, em face do lapso cometido, sejam salvaguardados todos os direitos do arguido, que vem agora requerer que os autos sejam remetidos para o Supremo Tribunal de Justiça, e sendo certo que não pode este Tribunal deixar de atender a uma decisão proferida por um Tribunal superior, no caso o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, determino a remessa dos presentes autos ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos oportunamente determinados no âmbito do despacho exarado a fls.2733 e agora requeridos pelo arguido, para que aí seja conhecido o recurso interposto pelo arguido e tramitação subsequente para apreciação de eventuais nulidades.

Notifique.”

            Neste Supremo, o Dig.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, onde, além do mais, assinala:

            “2 – Da, eventual, violação das regras de competência do tribunal e do caso julgado:

2.1 – Liminarmente, e tendo em conta que as penas parcelares impugnadas são, ambas, não superiores a 5 anos de prisão, há que dizer que nem sequer está ainda estabilizada a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão da competência para conhecer do respectivo recurso.

Com efeito, e pelo menos na 5.ª Secção deste Tribunal há ainda uma corrente, porventura maioritária, que aponta no sentido de ser a Relação a competente para conhecer do recurso interposto de acórdão condenatório em que, não obstante a pena única fixada ser superior a 5 anos de prisão, o recorrente vise, também, o reexame das penas parcelares (componentes do concurso) inferiores àquela limitação[1].

Em todo o caso, e mesmo admitindo que a competência para conhecer do recurso caberia, em exclusivo, a este Supremo Tribunal, configurando o Acórdão da Relação a nulidade insanável normativamente prevista na alínea e) do art. 119.º do CPP, a verdade é que o recorrente foi notificado de tal Acórdão e, em vez de arguir o respectivo vício, optou, como vimos, pela interposição de recurso.

Por outro lado, e a entender que o vício processual em causa se verificava, poderia ainda tê-lo arguido no prazo de impugnação do despacho que não admitiu o recurso para o STJ, o que também não fez. O Acórdão da Relação transitou portanto, inexoravelmente, em julgado.

Ora, e como é por demais sabido, as nulidades – ainda que insanáveis - só podem ser arguidas (ou, se for caso disso, oficiosamente conhecidas), enquanto durar o procedimento. O que vale por dizer, por um lado que, sendo insanáveis não é sequer necessária a arguição pelos interessados, e por outro que, terminado o procedimento, já não é possível declará-las, ou seja, que as nulidades, uma vez transitada em julgado a decisão final, ficam sem possibilidades de conhecimento. Só podem, pois, ser invocadas e/ou declaradas enquanto perdurar a relação processual[2].

De resto, como assinala João Conde Correia, In “Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais”, Coimbra, 1999, pág. 195, «[o] termo de certos prazos, incluindo a formação de caso julgado – reflexo de um processo penal constituído por etapas sucessivas – , traduz uma importante e diversificada barreira à propagação da invalidade e serve como travão ao seu carácter demolidor. Se o interessado não reagir atempadamente, o acto fica consolidado.

Na mesma linha, também o Acórdão do STJ de 11-02-2010 [Processo n.º 21/07.2SULSB-E.S1-5.ª], salienta que transitada em julgado a decisão, jamais podem ser invocadas ou oficiosamente conhecidas quaisquer nulidades, mesmo as que a lei qualifica de insanáveis.

“In casu”, o recorrente, e ora requerente, ao ser notificado quer daquele Acórdão (da Relação de Coimbra), quer do despacho que subsequentemente rejeitou o recurso interposto para o STJ, teve oportunidade de arguir, nos respectivos prazos legais, aquela nulidade, e/ou quaisquer outras que entendesse verificarem-se, o que de todo não fez, assim propiciando o seu inexorável trânsito em julgado.

Assim, porque quando o recorrente – em 9-10-2011 – apresentou aquele requerimento de fls. 2830, ora em apreciação, o veredicto condenatório da Relação de Coimbra já havia adquirido o estatuto de “res judicata”, estava-lhe já vedada a possibilidade de suscitar a questão da eventual nulidade daquela decisão, nulidade essa em que, implicitamente, aquele requerimento se traduz.

O requerimento em causa é, assim, de todo intempestivo.

            2.2 – É certo que, como também é sabido, o CPP não contém qualquer norma expressa sobre o caso julgado.

            Perante a omissão legislativa, têm sido trilhados dois caminhos:

            a) o do texto do Assento do STJ de 27 de Janeiro de 1993 (DR I Série, de 10-3-1993 e BMJ n.º 423, pág. 47 e seguintes) segundo o qual os princípios que regem o caso julgado penal “se não articulam adequadamente com as regras do caso julgado cível , o que implica que estas últimas não possam ser aplicadas, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal”  pelo que “se tem de considerar como ainda em vigor as disposições regulamentadoras do tema que constavam do anterior Código de processo penal, na medida em que traduzem os princípios gerais do direito penal vigente entre nós”;

            b) o indicado pelo Prof. Germano Marques da Silva segundo o qual se deverá aplicar subsidiariamente a disciplina do Código de Processo Civil com as necessárias adaptações, por força do disposto no artigo 3.º do CPP (Curso de Processo Penal, vol. III, 2.ª ed., Verbo, 2000, págs. 36 e seguintes).

            No caso em apreço, qualquer que seja a orientação que deva ser perfilhada a solução sempre será a mesma: por força do trânsito em julgado daquele aresto de 6 de Abril de 2011, “esgotou-se no respectivo processo quanto à matéria da decisão o poder jurisdicional” (Cavaleiro de Ferreira), impedindo a renovação da apreciação judicial sobre a mesma matéria ou, o que é o mesmo, que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior.

3 – Termos em que, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido de que, por via do caso julgado firmado pelo sobredito Acórdão da Relação de Coimbra, não pode já este STJ conhecer do recurso interposto do veredicto condenatório da 1.ª Instância, motivo pelo qual o requerimento de fls. 2830 não pode deixar de ser objecto de rejeição liminar, por simples decisão sumária do Ex.mo relator (art. 417.º, n.º 6/a) do CPP).”

            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, tendo o recorrente apresentado resposta onde invocando o erro cometido pela secretaria judicial na remessa dos autos, considera que “o procedimento ainda não findou, pois permanece ainda a relação processual”

            Parecendo ao relator proceder questão – a do caso julgado - que obsta ao julgamento do recurso, colhidos os vistos legais simultâneos, seguiu o processo para conferência.

            Cumpre apreciar a questão suscitada

            O recorrente tinha interposto recurso do acórdão proferido em 1ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, e foi admitido em conformidade.

            Porém, por lapso do Sr. Funcionário judicial, os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra para distribuição como recurso penal, e assim foram distribuídos na 2ª instância.

            O recurso tinha apenas por objecto questão exclusivamente de direito, a medida da pena, sendo que o arguido tinha sido condenado pelo tribunal colectivo na pena única de sete anos de prisão.         

Era aplicável o disposto no artº 432º al. c) do CPP, corroborado pelo acórdão do Pleno das Secções Criminais deste Supremo, de 14 de Março de 2007, publicado em DR 107 Série I de 2007-06-04,que dispôs “«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.»

            O Tribunal da Relação, certamente não se apercebendo que o recurso fora dirigido e admitido para o Supremo Tribunal de Justiça, veio a conhecer do recurso, apreciando-o e decidindo-o, apesar de ao equacionar o seu objecto ter explicitado:

” Não obstante a gravação da prova declaratória, não foi impugnada a matéria-de-facto;

Assim como não foram alegados pelo recorrente, insuficiência, erro ou contradição insanável na apreciação da prova, nem tais vícios resultam do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da lógica e da experiência comum.

Reduz-se, pois, o âmbito do recurso à apreciação sobre a questão-de-direito.

Questão -de- Direito. Medida da pena:”          

O recorrente, notificado, através da sua Emxa Mandatária, não arguiu qualquer nulidade do acórdão da Relação, e dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à medida da pena, que, porém, não veio a ser admitido.

Notificado do despacho de não admissão do recurso, o recorrente, também não deduziu reclamação sobre a não admissão do recurso.

Nem consta que impugnasse em recurso para o Tribunal Constitucional a dimensão normativa da aplicação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação ao conhecer do recurso, e viesse a obter provimento,

Consequentemente, o acórdão da Relação transitou em julgado.

Na verdade, conforme normativos do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artº4º do CPP, e a seguir referidos, dispõe o artº 673º sobre o alcance do caso julgado: A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.             

Havendo repetição de uma causa que se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado – nº 1 do artº 497º

A excepção do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.- nº 2 do preceito.

            È o caso dos autos em que o Tribunal da Relação, por acórdão, conheceu em toda a amplitude do objecto do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, e o recorrente deixou esgotar o prazo posterior à notificação desse acórdão para pugnar pela admissibilidade do recurso que tinha interposto do acórdão da Relação e, que não tinha sido admitido.

            Enquanto o procedimento penal se mantivesse, poderia o recorrente arguir nulidade insanável, por violação das regras de competência do Tribunal da Relação nos termos do artº 119º al. e) do CPP, e por excesso de pronúncia, conforme artº 379ºnº 2 do mesmo diploma.

Porém, o recorrente, ao não reclamar do despacho que não lhe admitiu o recurso que tinha interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, conformou-se com o acórdão da Relação e deixou-o transitar em julgado.

Consequentemente, não pode vir repristinar o recurso interposto do acórdão proferido na 1ª instância, cujo objecto já foi decidido por acórdão de tribunal de 2ª instância, transitado em julgado.

Como esclarece o artigo 681.º do CPC:

1 – (…)

2 - Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.

3 - A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita. A aceitação tácita é a que deriva da

prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer

Por isso transitou em julgado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação,

Transitada em julgado a sentença [no caso, o acórdão da Relação] (…) que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele – nº 1 do Artigo 671.º do CPC

            Produziu-se, assim, caso julgado material.          

O caso julgado material em processo penal existe quando a decisão se torna firme, ficando por isso, impedida a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação dos mesmos factos ilícitos. - Ac. deste Supremo de 24 de Maio de 2006, proc. nº 1041/06, Col. Jur. Acs do STJ, ano XIV, tomo 2, 188.

            Sendo certo que o caso julgado formal também atinge as decisões judiciais processuais penais, isto porque se visa a prossecução de um fim tido por imutável – a paz jurídica; a inalterabilidade dos efeitos da decisão judicial surge como decorrência de sua irrecorribilidade ordinária- . Ac deste Supremo e desta Secção. de 3 de Março de 2004, proc. nº 215/03.

O efeito negativo do caso julgado em processo penal consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão, como já referia o Ac. deste Supremo de 2 de Março de 2006, Col. Jur., Acs do STJ, XIV, tomo I

Transitada em julgado a decisão proferida, verifica-se pois, a extinção definitiva da lide processual penal – v. Ac. deste Supremo de 18 de Junho de 1998, Col. Jur., Acs do STJ. VI, tomo 3, 167.

As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional. -. Artº 467º do CPP.

Também a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.- artº 84º do CPP.

A decisão transitada em julgado apenas pode ser impugnada em recurso extraordinário de revisão, se procederem os respectivos fundamentos e admissibilidade, nos termos previsto no artº 449º do CPP.

Com o caso julgado ocorrido, não significa que tenha havido preterição de garantias de defesa, pois que ficaram salvaguardados todos os direitos do arguido, na apreciação do objecto do recurso, por uma instância superior, garantindo-se o duplo grau de jurisdição previsto no artº 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

 Conforme disposições normativas do CPC, aplicáveis ex vi do artº 4º do CPP, a seguir indicadas

Dispõe o artº Artigo 493.º ,

1 - As excepções são dilatórias ou peremptórias.

2 - As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.

3 - As peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.

            Por sua vez estabelece o artº 494º

São dilatórias, entre outras, as excepções seguintes:

(…)

i) A litispendência ou o caso julgado;

j) (…)

            O artigo 495.º determina que o tribunal deve conhecer oficiosamente de todas as excepções dilatórias,

Por sua vez o artº 288º ao referir-se aos casos de extinção da instância, contempla o previsto na alínea e) : A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

            Sendo legalmente impossível apreciar o recurso ordinário atento o trânsito em julgado da decisão proferida sobre o objecto do mesmo, é de absolver o arguido da instância quanto ao recurso pretendido, e de julgar extinta a mesma por impossibilidade da lide.

            Termos em que, decidindo:

            Acordam os deste Supremo - 3ª Secção –  em absolver o arguido da instância quanto ao recurso pretendido e, julgam extinta a mesma por impossibilidade da lide, de harmonia com o disposto nos artºs 287. e) e 288º nº 1 e) do CPC, aplicáveis ex vi do art 4º do CPP.

            Tributam o recorrente em 4 UCS de taxa de Justiça

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Novembro de 2011

                                   Elaborado e revisto pelo relator

                                  

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges

___________________
[1] - Ver por exemplo, por todos, (i)o Acórdão de 14-01-10, publicado na CJ (STJ), 2010, Tomo I, pág. 189, com a seguinte pronúncia: «Tendo o recurso por objecto um concurso de crimes punidos com penas de prisão não superiores a 5 anos, cuja pena única seja de duração superior, se o recorrente puser em causa as penas parcelares, a competência para conhecer do recurso em matéria de direito é do tribunal da Relação, podendo vir a ser interposto recurso para o STJ do acórdão da 2 .ª Instância se a pena única for superior a 8 anos de prisão, ou de 5 anos e não se verificar “dupla conforme»; e (ii)o Acórdão de 27-01-2010, publicado na CJ (STJ), 2010, Tomo I, pág. 206, onde se decidiu que, citamos:«[…]Se, na decisão final do Tribunal do Júri ou do Tribunal Colectivo, forem aplicadas penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos e penas de prisão superiores a 5 anos, mas o objecto do recurso se referir, ou também se referir, a questões de direito relativas a crimes por que foram aplicadas penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos, a competência para conhecer do recurso cabe à Relação».
[2] - Assim, (i)“Código de Processo Penal Anotado”, Simas Santos e Leal Henriques, I volume, Lisboa 1996, anotação ao art. 119.º, pág. 498; (ii)Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, 15.ª edição, pág. 297; e (iii)Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/01, DR, II Série, de 22 de Maio de 2001, que decidiu não julgar inconstitucional o art. 119.º do CPP interpretado no sentido de que as nulidades, qualquer que seja a sua natureza, ficam sanadas logo que se forme caso julgado, não mais podendo ser arguidas ou conhecidas oficiosamente.