PROCESSO |
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DATA DO ACÓRDÃO | 11/30/2011 | ||
SECÇÃO | 3ª SECÇÃO |
RE | |
MEIO PROCESSUAL | RECURSO PENAL |
DECISÃO | REJEITADO O RECURSO |
VOTAÇÃO | UNANIMIDADE |
RELATOR | ARMINDO MONTEIRO |
DESCRITORES | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL ACORDÃO DA RELAÇÃO DUPLA CONFORME |
SUMÁRIO | I - A norma do art. 400.º, n.º 3, do CPP, deixa em aberto, por carência enunciativa de conteúdo, a admissibilidade do recurso relativamente à indemnização cível fixada em processo penal pela via do enxerto cível sempre que, a tal respeito, se registe a confirmação em recurso, da decisão de 1.ª instância, à semelhança do que sucede, em certas condições, quanto à medida da pena, em se realizando a chamada dupla conforme. II - Estamos em presença de uma lacuna de regulamentação sustentada e sugerida, desde logo, porque não se vê qualquer razão para os intervenientes processuais penais pleitando no enxerto cível usufruam de uma perspectiva de favor. III - Com a alteração ao CPP através do DL 48/07, de 29-08, teve-se o propósito de estabelecer a igualdade entre quem pretenda impugnar decisão cível proferida em processo penal ou cível no que respeita a matérias de indemnização. IV - Essa equiparação de procedimento na acção cível e penal introduz desejável parificação de procedimentos e, consequentemente, é a mais justa, tanto mais que, no caso vertente, estando já em vigor o DL 48/07, de 29-08 – o pedido cível foi interposto em 29-04-2008 – a ser instaurada a acção cível autonomamente, a inequívoca redacção actualizada do art. 721.º, n.º 3, do CPC, ser-lhe-ia aplicável. V - Se em matéria penal, onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual, por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária, reclamando intervenção vigorosa do direito penal, impera a regra da dupla conforme, por maioria de razão, estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo, mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro, a solução não deve ser divergente. VI - Por isso, o STJ, nos seus Acs. de 29-09-2010, in Proc. 343/05.7TAVFN.P1.S1, e de 22-06-2011, in Proc. 444/06.4TASEI, das 3.ª e 5.ª Secções, respectivamente, adoptou a solução da inadmissibilidade legal do recurso, sempre que, sem voto de vencido, ou seja, com confirmação do julgado de 1.ª instância, a questão cível seja decidida em recurso, como in casu, solução que aqui se subscreve. |
DECISÃO TEXTO INTEGRAL |
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal singular sob o n.º 4o1/06. O TJSTR.CS S1. do Tribunal Judicial de Santarém , foi submetido a julgamento AA, vindo , a final a decidir -se : Declarar extinto, por prescrição, o procedimento por contra – ordenações imputadas ao arguido; Condenar o arguido como autor material de: · Um crime de ofensa à integridade física por negligência, p e p pelo artº 148º nº 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a pena de multa de € 800,00 (oitocentos euros); · Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização cível deduzido por BB e, em consequência, condenar a demandada ... – Companhia de Seguros, SA, a pagar à demandante a quantia de € 91.968,09 (noventa e um mil, novecentos e sessenta e oito euros e nove cêntimos, da qual deve ser descontada a quantia de 1.000,00 (mil euros) já adiantada pela demandada), total a título de indemnização por facto ilícito, [sendo 51.968,09 € por danos patrimoniais e 40.000,00 € por danos morais], quantia total acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4%, desde a data de notificação para contestar, até integral pagamento [os juros são devidos desde a citação até integral pagamento , a) Absolver a demandada ... – Companhia de Seguros, SA do restante pedido formulado pela demandante BB. b) Condenar a demandada ... – Companhia de Seguros, SA, a pagar ao demandante Instituto de Segurança Social, IP – Centro Distrital de Santarém a quantia de 828,79 € a título de subsídio de doença pago à demandante no período entre 27 de Maio de 2008 a 18 de Outubro de 2008. A seguradora , demandada , inconformada com o teor do decidido , interpôs recurso para a Relação , que confirmou , inteiramente , o julgado . Inconformada , ainda , recorre a seguradora da parte cível , apresentando na motivação as seguintes conclusões: 1. A indemnização por danos futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho do lesado, é fixada em juízo de equidade, como decorre, conjugadamente, do disposto nos art.°s 562°, 564° e 566°, n.°s 2 e 3 do Código Civil 2. Como tem sido jurisprudência constante, na fixação da indemnização, deverão ser tidos em conta critérios de verosimilhança ou de probabilidade, encontrando-se um capital apto a proporcionar a parcela de rendimento perdido durante o período de vida activa do lesado, mas de modo a que se encontra esgotado no final desse período, tendo ainda em conta o benefício da antecipação. 3. A demandante BB tinha 43 anos de idade à data do acidente, exercia as funções de empregada de aviário, auferindo a remuneração mensal de € 385,90 e ficou a sofreu de uma IPP de 14%, que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da sua profissão, mas implica esforços suplementares. 4. Atendendo ao normativo legal e à orientação jurisprudencial já aludidas, o rendimento que a indemnização deverá substituir é de € 756,36 anuais, correspondente a € 385,90 X 14 X 14%, devendo a quantia arbitrada compensar essa perda, mostrando-se esgotada no final do período 5. Tendo em conta estes elementos, o valor fixado na douta sentença, a título de danos futuros, € de 50.000,00, é manifestamente excessivo, pois, só por si, a uma taxa fixa de 3%, representa um rendimento anual de € 1.500,00, que é pouco menos do dobro do rendimento a substituir. 6. E tendo em conta o um período de vida útil até aos 75 anos e considerando a idade da demandante à data do acidente, o rendimento perdido seria, no seu total, de € 24.919,88, correspondente a € 756,36 X 33 anos, menos de metade do que foi fixado pela douta sentença da Ia instância e confirmado pela Relação. 7. Pelo que a quantia arbitrada é excessiva, por muito superior ao prejuízo que a demandante tem, em consequência da incapacidade e nem mesmo tem em conta o benefício da antecipação, tendo o douto acórdão violado o disposto nos art.°s 562°, 564° e 566°, n.°s 2 e 3 do Código Civil, devendo o valor arbitrados a título de danos decorrente da incapacidade parcial permanente ser reduzido para quantia não superior a € 20.000,00. 8. Nos termos do art.° 496°, n°s 1 e 3 do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o tribunal ter em atenção as circunstâncias referidas no art.°494°. 9. Os danos não patrimoniais são aqueles que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, pela sua gravidade merecem a tutela do direito, cabendo ao julgador, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor dessa tutela e fixar a indemnização com base em critérios de equidade. 10. A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida.». 11. Na fixação do " quantum " indemnizatório, o julgador terá de se arrimar ainda mais intensamente ao que vem sendo fixado pelos tribunais, de modo a ultrapassar a contradição que resulta de fixar um montante relativo à perda do bem supremo que é a vida inferior ao que vem sendo fixado por outros danos não patrimoniais em que o lesado fica vivo. 12. Tendo em conta as circunstâncias do caso e a valorização corrente do direito à vida, em torno dos € 50.000,00, é exagerado o montante de € 40.000,00 arbitrado na douta sentença, correspondente a 80% daquela valor, mostrando-se violados os art.°s 494° e 496° do Código Civil, pelo tal quantia deverá ser reduzida para valor não superior a € 15.000,00. 13.0 Instituto da Segurança Social só tem direito a obter o reembolso das prestações que pagou, nos termos do n.° 1 do art.° 8.º do DL 132/88 «em situações de incapacidade para o trabalho decorrentes de acidente de trabalho ou de acto de terceiro pelas quais sejam devidas indemnizações, as instituições de segurança social asseguram a concessão provisória das correspondentes prestações enquanto não se encontrar reconhecida a responsabilidade de quem deva pagar aquelas, indemnizações». 14. Estando assente que a demandante BB teve alta em 27/05/2001, data da consolidação das lesões, não está a demandada obrigado a reembolsar o demandante Instituto da Segurança Social, dado que a quantia de € 828,79 se refere a subsídios de doença pago à demandante BB no período compreendido entre 27/05/2008 e 18/10/2008, muito posterior à data da alta, devendo ser absolvida do pedido. BB, demandante nos autos , apresentou a sua resposta ,notificada à recorrente, suscitando a questão prévia da admissibilidade do recurso , alegando que , com a alteração ao artigo 400° do C.P.P., operada pela Lei 48/2007, o legislador visou conferir ao recurso, na indemnização civil em processo penal, as mesmas possibilidades que no processo civil, ou seja, que as possibilidades de recurso sejam as mesmas, num e noutro tipo de processo, estabelecendo assim a igualdade entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal - Exposição de Motivos da Proposta de Lei n° 109/X. Daí que seja aplicável ao processo penal o disposto no artigo 721°, n° 3, do C.P.C.. O acórdão recorrido confirmou, sem qualquer voto de vencido, a decisão proferida em Ia instância. O pedido de indemnização foi formulado em 29 de Abril de 2008, pelo que, se deduzido em separado, ser-lhe-ia aplicável o regime do DL 303/2007 e, nomeadamente, o referido artigo 721° do C.P.C., pelo que a decisão seria irrecorrível, tal como o é em processo penal. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir : A questão da inadmissibilidade do recurso relativamente à indemnização cível fixada em processo penal pela via do enxerto cível sempre que , a tal respeito, se registe a confirmação, em recurso , da decisão de 1.ª instância , à semelhança do que sucede , em certas condições , quanto à medida da pena , em se realizando a chamada dupla conforme –art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP -, figura emergente do direito canónico , já foi suscitada ante este STJ . E deve dizer –se que , em nosso entendimento , concorre uma vasta gama de argumentos , que não cedem perante o preceituado no art.º 400.º n.º 3 , do CPP , na redacção trazida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8 , ao estabelecer que mesmo não seja admissível recurso da questão penal , pode ser interposto recurso da decisão relativamente à indemnização cível . Esta inovação tem de incoerente, desde logo , contra toda uma tradição legislativa , o facto de atribuir competência ao STJ para intervir , em recurso , no julgamento de decisões do tribunal singular , que , como regra, se quedam na esfera de competência da Relação , reservada , como está , aquele função , ao julgamento de veredictos colegiais . Mas , mesmo não havendo recurso da matéria penal , o legislador privilegiando o julgamento da questão cível , e não levando em conta a adesão da acção cível à acção penal, recebendo o processo penal o pedido cível , subordinando-se à sua ritologia adjectiva , só se destacando desta os pressupostos substantivos da acção cível , veio revogar tacitamente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência , deste STJ , n.º 1 /2002 , in DR 1-A , de 21.5. 2002 , ao significar que “…não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação , relativa à indemnização civil , se for irrecorrível a correspondente decisão penal . Como se não ignora orientou o legislador do actual CPP , de 87 , o princípio de regulamentar de forma global e autónoma o processo penal , de fazer dele um sistema fechado , completo , desnecessário sendo o recurso ao CPC , como lei subsidiária , cingindo esse recurso , em preenchimento de lacuna de regulamentação , bastando-se o CPP a si mesmo , por recurso ao seu feixe normativo . E assim se entende que a regulamentação estabelecida no CPP deve prevalecer , ainda que , em esforço interpretativo , sobre a fixada no CPC , afastando-se lacunas , onde os cânones interpretativos , ainda permitam arredá-las. De consignar que no CPC , a norma do art.º 721.º n.º 3 , do CPC , veio , em data recente , após a entrada em vigor da alteração introduzida pelo Dec.º-Lei n.º 303/2007 , de 24/8 , estabelecer que não é admitida revista de acórdãos da Relação que confirme , sem voto de vencido , a decisão de 1.ª instância …” A norma do art.º 400.º n.º 3 , do CPP , deixa em aberto , por carência enunciativa de conteúdo , a admissibilidade do recurso em caso de dupla conforme , limitando , apenas , a estabelecer que a admissibilidade do recurso tem de obedecer , desde logo , a dois pressupostos , a saber : ser o valor da acção superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada ser desfavorável para o recorrente em valor superior à metade dessa alçada, mas em confirmando-a , sem haver desconformidade , será admissível o recurso , pergunta-se . É que havendo confirmação , ocorre presunção de duplo acerto decisório , em termos de , também , em nome da celeridade processual , se não justificar o recurso , mais um grau de jurisdição de recurso . E sobre esta questão o predito preceito não nos responde . Estamos em presença de uma lacuna de regulamentação sustentada e sugerida desde logo porque não se vê qualquer razão para os intervenientes processuais penais pleiteando no enxerto cível usufruam de uma perspectiva de favor , aliás chocante , se lhes adicionarmos privilégios como , por ex.º , os de a falta de contestação não importar confissão , de o julgamento do enxerto não estar sujeito ao espartilho da base instrutória , de que o autor não goza em processo cível , ali beneficiado por uma postura inquisitória que se sobrepõe a um quase puro dispositivo de parte, sem falar já no aspecto tributário, onde , só a final , surge o custo da litigância . É uma postura de tratamento desigual , entre as partes , que merece , para não sobrelevar , que se considere que consta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X , o propósito de , com a alteração ao CPP através do citado Dec.º-Lei n.º 48/07 , de 29/8 , estabelecer a igualdade entre quem pretenda impugnar decisão cível proferida no processo penal ou cível no que respeita a matérias de indemnização . Isto quando se afirma que “ Para garantir o respeito pela igualdade admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização cível mesmo nas situações em que não caiba recurso da penal “ , havendo que levar essa equiparação às ultimas consequências . E também se visiona , com tal alteração , o intuito , inscrito na Proposta , de restringir o segundo grau de jurisdição de recurso e o triplo grau de jurisdição , ou seja o acesso ao sTJ , a casos de maior merecimento penal numa perspectiva de celeridade processual . Essa equiparação de procedimentos na acção cível e penal introduz desejável parificação de procedimentos e , consequentemente , é a mais justa, tanto mais que , estando já em vigor o Dec.º-Lei n.º 48/07 –o pedido cível foi interposto em 29/4 /2008 –a ser instaurada a acção cível autonomamente , a inequívoca redacção actualizada do art.º 721.º n.º 3 , do CPC ser-lhe-ia , sem dúvida , aplicável . Este STJ , nos seus Acs. de 29.9.2010 , in P.º n.º 343/05.7TAVFN.P1 .S1 e de 22.6.2011 , in P.º n.º 444/06.4TASEI , das suas 3.ª e 5.ª Secs., respectivamente, adoptaram a solução da inadmissibilidade legal do recurso , sempre que , sem voto de vencido , ou seja com confirmação do julgado de 1.ª instância , a questão cível seja decidida em recurso , como in casu , solução que , aqui , se subscreve . Se , em matéria penal , onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual , por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária , reclamando intervenção vigorosa do direito penal , impera a regra da dupla conforme , por maioria de razão , estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo , mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro , a solução não deve ser divergente . Termos em que se rejeita liminarmente o recurso , por inadmissibilidade legal . Custas pela recorrente . Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Novembro de 2011 Armindo Monteiro (Relator) Oliveira Mendes
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