ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
875/07.2TTVIS.C1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PINTO HESPANHOL

DESCRITORES REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO
VALOR PROBATÓRIO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
DEVOLUÇÃO OBJECTOS PERTENÇA EMPREGADOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
ÓNUS DA PROVA

SUMÁRIO
1. Tendo o réu/trabalhador impugnado a exactidão da impressão de um inventário de bens elaborado com base nos dados sediados no sistema informático da entidade empregadora, tal reprodução mecânica não faz prova plena dos factos e das coisas que representa (artigo 368.º do Código Civil).

2. Não tendo a entidade empregadora provado, como lhe competia, que o trabalhador tinha na sua posse, aquando da cessação da relação laboral, os bens constantes do inventário junto aos autos, carece do necessário suporte fáctico, bem como de fundamento legal, a condenação do trabalhador no pagamento do valor respeitante aos mencionados bens.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 14 de Dezembro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Viseu, AA – …, LDA., instaurou a presente acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, pedindo que (i) o réu seja declarado seu trabalhador, desde o dia 15 de Janeiro de 2001, (ii) se declare «a inexistência de justa causa na carta enviada pelo Réu à Autora, no dia 18 de Dezembro de 2006, junta como Doc. 2, declarando-a assim ilícita», (iii) se declare que tal carta «teve por efeito a denúncia do contrato de trabalho que vinculava o Réu à Autora e que produziu os seus efeitos no dia 19 de Dezembro de 2006», (iv) se declare «a validade da compensação operada pela Autora na carta junta como Doc. 9, que enviou ao Réu», e que, em consequência, (v) se condene o réu a pagar-lhe: a) € 20.925,87, pelas mercadorias que estavam confiadas à sua guarda; b) € 368,12, a título das máquinas que recebeu de clientes e que nunca devolveu; c) € 4.611,11, a título do remanescente da factura junta como Doc. 52; d) € 99,49, pela reparação do veículo automóvel que lhe estava atribuído; e) juros de mora, à taxa legal, sobre as indicadas quantias, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em suma, que o réu foi admitido ao seu serviço, por contrato verbal, no dia 15 de Janeiro de 2001, tendo trabalhado sob as suas ordens e direcção até ao dia 19 de Dezembro de 2006, exercendo as funções de distribuidor, e que, por carta de 18 de Dezembro de 2006, que a autora recebeu em 19 de Dezembro de 2006, o réu lhe comunicou a resolução do contrato de trabalho invocando justa causa, não correspondendo à verdade os factos ali invocados, pelo que deve considerar-se tal resolução ilícita, valendo como denúncia do contrato, sem pré-aviso; assim, deverá o réu pagar-lhe indemnização correspondente às retribuições no período do pré-aviso em falta, no montante de € 840, porquanto a sua última retribuição base ascendia a € 420, sendo certo que compensou tal valor com créditos sobre o réu, facto que lhe comunicou por carta remetida em 27 de Dezembro de 2006, anexando-lhe um cheque de € 115,58, que o réu lhe devolveu, mas que a autora manteve ao seu dispor.

Aduziu, também, que o réu tinha em seu poder material pertencente à autora com valor que, em 12 de Dezembro de 2006, ascendia a € 28.146,93, o que consta de inventário que o réu aceitou e rubricou; porém, entretanto, o réu entregou-lhe parte desse material, no valor de € 4.387,43, comprovou o paradeiro de outro, no valor de € 1.704,50, e procedeu à venda de diversas mercadorias que lhe estavam entregues, no valor de € 1.129,13, pelo que, abatidas as aludidas verbas, o valor das mercadorias entregues ao réu ascendia a € 20.925,87, mercadorias que não devolveu, nem pagou.

Invocou, ainda, que o réu não devolveu máquinas a clientes, pelo que teve que entregar a tais clientes outras máquinas, o que lhe causou o prejuízo de € 368,12, que, no ano de 2004, o réu entregou a vários clientes, gratuitamente, diverso material por si comercializado, sem que estivesse autorizado, no valor de € 7.744,57, pelo que facturou tal material ao réu, que assumiu o seu pagamento, e que pagou parcialmente, mantendo-se em dívida o montante de € 4.611,11, e que o réu danificou a viatura automóvel que lhe estava atribuída, em cuja reparação a autora despendeu € 99,49.

O réu contestou, confirmando a existência de um contrato de trabalho entre as partes, mas apenas com início em 1 de Setembro de 1999, afirmando a veracidade dos factos que invocou para resolver o contrato com justa causa e negando ter na sua posse material da autora ou qualquer dívida para com esta, tendo pugnado pela improcedência da acção e pela condenação da autora como litigante de má fé.

A autora respondeu, impugnando os factos alegados pelo réu e referindo que o mesmo aceitou o inventário elaborado e o pagamento da factura, concluindo como na petição inicial e defendendo a improcedência do pedido de litigância de má fé.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o réu — na sequência da declaração de que o mesmo foi trabalhador da autora desde, pelo menos, 9 de Setembro 1999, de que inexistiu justa causa para a resolução do contrato por si efectuada, de que a carta enviada pelo réu à autora, em 18 de Dezembro de 2006, teve por efeito a denúncia do contrato que os vinculava, a partir de 19 de Dezembro 2006, e de que a compensação operada pela autora foi válida — no pagamento à autora de € 19.797,83, pelas mercadorias desta que estavam confiadas à sua guarda, de € 4.611,11, a título do remanescente da factura de fls. 85 a 88 dos autos e de juros de mora, à taxa legal, sobre as indicadas quantias, desde a citação até efectivo e integral pagamento, tendo, ainda, julgado improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé.

2. Inconformado, o réu apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu julgar improcedente o recurso de apelação e confirmar a sentença recorrida, com a rectificação do valor da condenação relativa às mercadorias confiadas à guarda do réu, que fixou em € 19.587,83, sendo contra esta decisão da Relação que o réu se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes:

                «1.ª   Provado que o réu subscreveu um documento — o “print” de um conjunto de bens — que não elaborou e que, quando o subscreveu, logo disse que não concordava com os movimentos dele constantes, nem tinha consigo os bens nele descritos, foi afastada a presunção de que quem subscreve um documento já elaborado adere ao seu conteúdo.
                    2.ª Afastada essa presunção tal subscrição só pode ser entendida — e sê-lo-ia para qualquer declaratário normal investido na posição da autora — que o réu confirmava que o “print” foi feito à sua frente, mas não assumia ter na sua posse aqueles artigos, não podendo extrair-se outro sentido do seu comportamento.
                    3.ª Por isso, não poderia o réu ter sido condenado na restituição do valor dos bens que constavam do “print”, mas apenas no valor dos bens que se apurasse estarem na sua posse àquela data, ou na sentença, ou em liquidação.
                    4.ª Se se expurgou da redacção do n.º 12 a expressão de que ao assiná-lo o réu confirmou os valores respeitantes a cada uma das parcelas é evidente que, também no que toca ao valor dos bens, a ser condenado o réu só poderia sê-lo num valor a liquidar, depois de fixado que material tinha consigo e não entregue à A.
                    5.ª Na interpretação que fez do sentido a atribuir à subscrição do inventário, nas circunstâncias em que ocorreu, violou a Relação o disposto no art. 236.º/1, e 376.º/2 do C. Civil.»

Conclui pela procedência do recurso, propugnando que seja exarado acórdão «que o absolva do pedido do pagamento das mercadorias a ele confiadas».

A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia improceder, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso, a única questão posta é a de saber se, atenta a matéria de facto dada como provada, existe fundamento legal para condenar o réu a pagar à autora uma indemnização em dinheiro relativa ao valor dos bens constantes do inventário de fls. 46-51, que não teria entregue, quando cessou o contrato de trabalho.

Tendo o contrato de trabalho cessado em 19 de Dezembro de 2006, isto é, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                               II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:
1) O réu foi admitido ao serviço da autora, por contrato verbal, exercendo pelo menos, desde 9 de Setembro de 1999, sob autoridade, fiscalização e direcção desta e mediante retribuição, as funções correspondentes à categoria de distribuidor;
2) Desde essa data que o réu sempre procedeu à venda e entrega de mercadorias comercializados pela autora, entregando-as nos clientes, que visitava para o efeito, recebendo destes máquinas para reparação, devolvendo-as reparadas;
3) O réu enviou à autora uma carta, datada de 18 de Dezembro de 2006 e que a autora recebeu no dia 19 de Dezembro de 2006, comunicando-lhe a cessação do contrato, invocando para o efeito «justa causa de despedimento», conforme documento de fls. 26 a 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4) Desde a data em que enviou a carta aludida no n.º 3 até hoje, o réu não mais compareceu no seu posto de trabalho;
5) A autora respondeu à missiva aludida no n.º 3 através de carta datada de 19 de Dezembro de 2006, que o réu recebeu, onde comunicou ao réu que os factos por aquele invocados na missiva aludida em 3) eram falsos e referindo além do mais que «…não reconhecemos nenhum facto susceptível de integrar o conceito de justa causa que invocou para pôr fim à relação laboral que vinha mantendo com esta empresa, assim a considerando ilegal. Como tal, fica V.ª Ex.ª constituído na obrigação de indemnizar a «AA, Lda.» pelo tempo do aviso prévio que não deu e deveria ter dado, correspondente à retribuição devida por 60 dias (…)», conforme documento de fls. 29 a 31, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
6) Em Dezembro de 2006, o Réu auferia pelo menos a retribuição-base de € 420;
7) Em 27 de Dezembro de 2006, a autora enviou uma missiva ao réu, que este recebeu, anexando um cheque no valor de € 115,58, bem como o recibo respectivo, informando-o que este era o valor do saldo existente a seu favor, com liquidação dos dias trabalhados em Dezembro de 2006, bem como os proporcionais de férias e de subsídio de férias, depois de deduzida a retribuição correspondente ao aviso prévio em falta, conforme documentos de fls. 36 a 40, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
8) O réu devolveu à autora o cheque aludido em 7), em missiva onde referia não aceitar a dedução efectuada na retribuição correspondente ao aviso prévio, conforme documento de fls. 42, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
9) A autora enviou ao réu carta, datada de 4 de Janeiro de 2007, que este recebeu, onde lhe comunicou que mantinha à sua disposição o cheque aludido em 7), por corresponder à quantia que lhe é devida, conforme documento de fls. 43, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
10) No dia 12 de Dezembro de 2006 e na sequência do réu se queixar de erros no sistema informático de software da autora, esta fez comparecer um técnico da empresa que lhe presta serviços de assistência, «CC, Lda.»;
11) Após vários testes de diagnóstico e de se ter concluído pela inexistência de nenhum problema, foi emitido um print do inventário que constava no computador como sendo todo o material levantado pelo réu e que se encontrava na posse dele, a fim de o vender, que nessa data estava avaliado na quantia de € 27.018,89, conforme documento de fls. 46 a 51, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
12) Após a emissão de tal print, foi solicitado pela A. ao R. que o assinasse e rubricasse a fim de o confirmar, tendo o R., sem ter sido forçado a isso, assinado e rubricado o dito inventário com o seu próprio punho, embora dizendo que não concordava com os movimentos e que não tinha aqueles artigos na sua posse [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
13) Apesar de no inventário aludido em 11) e 12) constarem com o valor de € 0,00 as máquinas aludidas nas linhas 1, 2 e 3 de tal inventário, com os números de referência 179085, 179101 e 179117, foram adquiridas pela autora, que pagou o respectivo preço, em 12 de Setembro de 2001, à empresa «DD», pelo preço de € 184,06 por cada uma, num total de € 552,18;
14) Apesar de no inventário aludido em 11) e 12) constar com o valor de € 0,00 a máquina aludida na linha 4 de tal inventário, com o número de referência 180513, foi adquirida pela autora, que pagou o respectivo preço, em 25 de Setembro de 2001, à empresa «DD», pelo preço de € 184,06;
15) Apesar de no inventário aludido em 11) e 12) constar com o valor de € 0,00 a máquina aludida na linha 5 de tal inventário, com o número de referência 195730, foi adquirida pela autora, que pagou o respectivo preço, em 19 de Setembro de 2001, à empresa «DD», pelo preço de € 184,06;
16) Apesar de no inventário aludido em 11) e 12) constar com o valor de € 0,00 a mercadoria descrita na linha 6 de tal inventário, respeitante às 1.600 «Paletina K08 TR [100] UN EMBAL INDIVIDUAL» foi adquirida pela autora, que pagou o respectivo preço, em 22 de Outubro de 2001, à empresa «EE», pelo preço de € 10,64;
17) No dia 15 de Dezembro de 2006, o réu entregou à autora os seguintes bens, constantes do inventário aludido em 11) e 12):
               a) Uma máquina BEL 3100 com a referência 165796, no valor de € 184,06;
               b) Uma máquina Express Italiano com a referência 1495, no valor de € 128,04;
               c) Uma máquina Express Italiano com a referência 1482, no valor de € 128,04;
               d) Uma máquina Express Italiano com a referência 1473, no valor de € 128,04;
               e) Uma máquina Express Italiano com a referência 1472, no valor de € 128,04;
               f) Uma máquina Express Italiano com a referência 1496, no valor de € 128,04;
               g) 6900 unidades de creme aroma 464, no valor de € 897;
               h) 300 unidades de aroma club 474, no valor de € 51;
               i)  700 unidades de creme aroma italiano 411, no valor de € 98;
               j) 1400 unidades de aroma point 429, no valor de € 224;
               k) 100 unidades de descafeinado 605, no valor de € 16;
               l)  50 unidades de Lipton montania 281, no valor de € 9,50;
              m) 50 unidades de leite 110, no valor de € 5;
               n) 150 unidades de chocolate, no valor de € 28,50;
               o) 1500 unidades de expresso intenso 940, no valor de € 210;
               p) 500 unidades de expresso dolce 920, no valor de € 70;
               q) 100 unidades de cevada 813, no valor de € 21;
               r) 200 unidades de Lipton Lemon 811, no valor de € 34;
               s) 200 unidades de Lipton Montania 809, no valor de € 34;
               t) 300 unidades de Lipton Yellow label 812, no valor de € 51;
               u) 200 unidades de leite 814, no valor de € 34;
               v) 100 unidades de descafeinado, no valor de € 14;
              w) Três pod’s 4483, no valor de € 48,99;
               x) Uma máquina LB 800, com a referência 113993, no valor de € 80;
               y) Uma máquina LB 800, com a referência 113992, no valor de € 80;
               z) Uma máquina LB 800, com a referência 113989, no valor de € 80;
               aa) Uma máquina LB 1000, com a referência 092953, no valor de € 190; 18150 unidades de paletine, no valor de € 181,50; 3350 unidades de copos AB 080, no valor de € 33,50; 50 unidades de kit de demonstração blue, no valor de € 400;
               bb) 1 móvel Paninfarina, no valor de € 120;
               cc)  Uma máquina EL 310, com a referência 202615, no valor de € 184,06;
               dd) Uma máquina BEL, com a referência 47632, no valor de € 184,06;
               ee)  Uma máquina EL 310, com a referência 173515, no valor de € 184,06;
18) No dia 15 de Dezembro de 2006, o trabalhador da autora, FF, assinou um documento onde consta que duas máquinas LB 800, no valor de € 80 cada, se encontravam em reparação, conforme documento de fls. 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
19) A autora emitiu uma guia de transporte da filial 1 n.º 260041, datada de 22-08-2006, a favor do cliente GG, relativa a uma máquina de café Lavazza BEL 3100, conforme documento de fls. 64, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que corresponde o valor de € 184,06;
20) A autora emitiu uma guia de transporte da filial 1 n.º 260043, datada de 23-08-2006, a favor do cliente «HH, Lda.», relativa a uma máquina de café Lavazza BEL MAXI n.º 76752, conforme documento de fls. 65, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que corresponde o valor de € 184,06;
21) A autora emitiu uma guia de transporte da filial 1 n.º 260034, datada de 21-07-2006, a favor do cliente «II, Lda.», onde consta, pelo menos, duas máquinas de café Lavazza BEL 3100 e uma máquina de café Easy cup n.º 1476 conforme documento de fls. 66, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que corresponde o valor de € 184,06 por cada uma das máquinas Lavazza BEL 3100 e de € 128,04 pela máquina Easy;
22) A autora emitiu uma guia de transporte da filial 1 n.º 260037, datada de 24-07-2006, a favor do cliente Franklim Martins Rodrigues, relativa a duas máquinas de café Lavazza BEL 3100 e uma máquina de café Easy cup n.º 1491, conforme documento de fls. 67, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que corresponde o valor de € 184,06 por cada uma das máquinas Lavazza BEL 3100 e de € 128,04 pela máquina Easy;
23) A autora emitiu uma guia de transporte da filial 1 n.º 260039, datada de 07-08-2006, a favor do cliente «JJ», relativo a uma máquina de café Lavazza BEL 3100, conforme documentos de fls. 68 e 173, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que corresponde o valor de € 184,06;
24) No período decorrido entre o dia da assinatura do inventário aludido em 11) e 12) e o dia 15 de Dezembro de 2006, o réu procedeu à venda de diversas mercadorias que lhe estavam entregues, tendo emitido várias facturas, cujo valor das mercadorias destas constantes e que constavam do dito inventário haverá de ser abatido, nos termos seguintes:
               a) No dia 12 de Dezembro de 2006, o Réu emitiu a factura n.º …, em favor da «KK – …», da qual há a abater a quantia de € 226,80;
               b) No dia 13 de Dezembro de 2006, o Réu emitiu a factura n.º …, em favor da «LL, Unipessoal, Lda.», da qual há a abater a quantia de € 510,75;
               c) No dia 14 de Dezembro de 2006, o Réu emitiu a factura n.º …, em favor da «MM, Lda.», da qual há a abater a quantia de € 263;
               d) No dia 13 de Dezembro de 2006, o Réu emitiu a venda a dinheiro n.º …, em favor da «NN, Lda.», da qual há a abater a quantia de € 29;
               e) No dia 13 de Dezembro de 2006, o Réu emitiu a venda a dinheiro n.º 260179, em favor da «OO, Lda.», da qual há a abater a quantia de € 15;
               f) No dia 15 de Dezembro de 2006, o Réu emitiu a venda a dinheiro n.º 260180, em favor de PP, da qual há a abater a quantia de € 129,33;
               g) No dia 15 de Dezembro de 2006, o Réu emitiu a venda a dinheiro n.º 260181, em favor de PP, da qual há a abater a quantia de € 14;
25) O réu não entregou à autora o material constante do inventário aludido em 11) e 12) e não referido nos n.os 17 a 24, tendo a autora por carta datada de 19 de Fevereiro de 2007 solicitado ao réu o pagamento da quantia de € 25.697,07, nos termos constantes do documento de fls. 76 a 77, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
26) No dia 31 de Dezembro de 2004, a Autora emitiu a favor do réu a factura n.º …, no valor de € 7.744,67, referente a material que este havia entregue gratuitamente a vários clientes, nela constando «material p/ demonstrações no ano de 2004 para descontar em comissões a atribuir no ano de 2005», conforme documento de fls. 85 a 88, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
27) O réu aceitou e rubricou a factura aludida em 26), tendo pago do respectivo montante, em várias tranches a quantia de € 3.133,56, tendo a autora solicitado ao réu o pagamento da restante quantia de € 4.611,11 através da missiva aludida no n.º 25;
28) No dia 15 de Dezembro de 2006, o réu procedeu à entrega à autora do veículo com que exercia as suas funções como distribuidor, sendo o réu o único trabalhador que circulava com tal veículo;
29) O réu sofre de esclerose múltipla, doença grave e incurável, facto que é do conhecimento do legal representante da autora;
30) Após a data aludida no n.º 3, o legal representante da autora e o réu apresentaram queixas crimes recíprocas, que deram origem a vários processos-crime que foram arquivados, conforme documentos de fls. 124 a 146, que aqui se dão por reproduzidos;
31) Após ser admitido ao serviço da autora e ainda no mês de Setembro de 1999, o autor angariou como cliente da autora, pelo menos a empresa «QQ», em Aveiro;
32) Após ter sido admitido ao serviço da autora e durante período não concretamente apurado, o réu utilizou um veículo de marca Opel Corsa, branco, de sua propriedade, no exercício das suas funções;
33) A autora emitiu a favor do réu os cheques n.os … e …, da CCAM Lafões, no valor de € 478,80 cada, datados, respectivamente de 08-11-2006 e 04-12-2006, que o réu apresentou a pagamento no dia 14-12-2006, conforme documentos de fls. 150 a 151, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
34) A autora emitiu uma guia de transporte/4, n.º 41, datada de 13-06-2007, a favor do cliente «RR, Lda.», relativa a uma máquina de café Lavazza BEL 3100, n.º 179085, conforme documento de fls. 84, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
35)  A autora, para angariação de clientes ou introdução de produtos novos, autorizava a oferta de consumíveis, em pequenas quantidades, sendo que, uma vez angariado o cliente, os vendedores, incluindo o réu, não estavam autorizados para oferecer produtos, salvo produtos novos.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no presente recurso.

2. O réu sustenta que, provado que «subscreveu um documento — o “print” de um conjunto de bens — que não elaborou e que, quando o subscreveu, logo disse que não concordava com os movimentos dele constantes, nem tinha consigo os bens nele descritos, foi afastada a presunção de que quem subscreve um documento já elaborado adere ao seu conteúdo», donde, «[a]fastada essa presunção, tal subscrição só pode ser entendida — e sê-lo-ia para qualquer declaratário normal investido na posição da autora — que o réu confirmava que o “print” foi feito à sua frente, mas não assumia ter na sua posse aqueles artigos, não podendo extrair-se outro sentido do seu comportamento». Assim, não poderia ter sido condenado na restituição do valor dos bens que constavam do “print”, mas apenas no valor dos bens que se apurasse estarem na sua posse àquela data, ou na sentença, ou em liquidação.

E mais aduz que, se foi expurgado da redacção do n.º 12 da matéria de facto «a expressão de que ao assiná-lo o réu confirmou os valores respeitantes a cada uma das parcelas é evidente que, também no que toca ao valor dos bens, a ser condenado o réu só poderia sê-lo num valor a liquidar, depois de fixado que material tinha consigo e não entregue à A.», termos em que conclui que «[n]a interpretação que fez do sentido a atribuir à subscrição do inventário, nas circunstâncias em que ocorreu, violou a Relação o disposto no art. 236.º/1, e 376.º/2 do C. Civil».

Diversamente, as instâncias convergiram no entendimento segundo o qual a assinatura do réu, aposta no inventário de bens de fls. 46-51, significava a assumpção da responsabilidade pelos mesmos e da obrigação de proceder à sua devolução à autora, aquando da cessação do contrato de trabalho, pelo que, não o tendo feito, estava o réu obrigado a pagar à autora o seu valor, que, após correcção efectuada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foi fixado em € 19.587,83.

Neste particular, o acórdão recorrido decidiu nos termos seguintes:

                  «O R. estava obrigado a restituir, aquando da cessação da relação laboral, todos os bens que lhe estavam confiados pela A. para que aquele os comercializasse no exercício das suas funções, ou a pagar o respectivo valor.
                      Assinando e rubricando, sem qualquer demonstrado vício de vontade, o rol desses bens, inventariados como estando em seu poder, estava implicitamente reconhecida a sua responsabilidade e a obrigação da devolução desse material à A., até então sua empregadora.
                      Isso resulta inequivocamente das regras civilistas constantes, entre outros, dos arts. 374.º e 376.º do C.C., conjugadas com o disposto nos arts. 119.º e 121.º/1, f), do Código do Trabalho.
                      Resta consignar que consideraremos, por respeito e coerência com a lógica e economia da decisão sujeita, e atenta a referência deduzida — …apesar de apenas reclamada na motivação e não contemplada posteriormente, como deveria, em bom rigor, no elenco conclusivo — a dedução das verbas constantes do ‘Inventário’ que não respeitam a material cuja posse e devolução fosse possível e devida — v.g. as parcelas relativas a ‘serviço de manutenção máquina’ e ‘manutenção transporte’.
                      (Tudo num total de € 210,00).
                      Uma nota final para deixar referido que a condenação nos valores correspondentes aos bens retidos, inventariados, resulta directa e obviamente da circunstância assumida pelo R. de que não detinha tal material, tendo feito a oportuna entrega dos bens que ainda tinha na sua posse, como se estampou no ponto 17.º da factualidade assente.
                      Ficou por isso afastada, ‘ab initio’, a referida restituição ‘in natura’ a que o R. alude.»

2.1. O n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho de 2003 determina que «[o] empregador e o trabalhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos devem proceder de boa fé» e o subsequente artigo 121.º, na alínea f) do seu n.º 1, estabelece que o trabalhador deve «[v]elar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho que lhe forem confiados pelo empregador», sendo que o artigo 386.º daquele Código, com a epígrafe «Devolução de instrumentos de trabalho», estipula que «[c]essando o contrato, o trabalhador deve devolver imediatamente ao empregador os instrumentos de trabalho e quaisquer outros objectos que sejam pertença deste, sob pena de incorrer em responsabilidade civil pelos danos causados», remissão que credencia a aplicação dos artigos 483.º e seguintes e 563.º e seguintes do Código Civil.

Ora, segundo o n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, «[a] indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor».

Num outro plano de consideração, o n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil refere que «[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».

E o artigo 368.º do Código Civil prevê que «[a]s reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão».

Doutra parte, o n.º 1 do artigo 374.º do Código Civil consigna que «[a] letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado […]», sendo que, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, «[o] documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento» (n.º 1) e que «[o]s factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; […]» (n.º 2).
2.2. No caso, resultou provado que, «[n]o  dia 12 de Dezembro de 2006 e na sequência do réu se queixar de erros no sistema informático de software da autora, esta fez comparecer um técnico da empresa que lhe presta serviços de assistência, «CC, Lda.» e que, «[a]pós vários testes de diagnóstico e de se ter concluído pela inexistência de nenhum problema, foi emitido um print do inventário que constava no computador como sendo todo o material levantado pelo réu e que se encontrava na posse dele, a fim de o vender, que nessa data estava avaliado na quantia de € 27.018,89, conforme documento de fls. 46 a 51», sendo que, «[a]pós a emissão de tal print, foi solicitado pela A. ao R. que o assinasse e rubricasse a fim de o confirmar, tendo o R., sem ter sido forçado a isso, assinado e rubricado o dito inventário com o seu próprio punho, embora dizendo que não concordava com os movimentos e que não tinha aqueles artigos na sua posse» [factos provados 10), 11) e 12)].

O conteúdo do item 12) da matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância era diferente, aí se consignando: «[a]pós a emissão de tal print foi solicitado pela Autora ao Réu que o assinasse e rubricasse, a fim de o confirmar, bem como os valores respeitantes a cada uma das parcelas, tendo o Réu, sem ter sido forçado a isso, assinado e rubricado o dito inventário com o seu próprio punho, reconhecendo dessa forma ser responsável pelo material ali descrito».

Em sede de impugnação da decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, o acórdão recorrido alterou o conteúdo do mencionado ponto 12), tendo, para tanto, explicitado a fundamentação seguinte:

                  «Já no que concerne ao conteúdo do ponto 12, a reacção é atendível, porque bem fundada.
                      Na realidade, não vimos/ouvimos, em momento algum, qualquer referência/evidência probatória (…explícita ou implícita, indiciária sequer), no sentido de que a solicitação do A. para que o R. assinasse e rubricasse o print do inventário implicasse a confirmação dos valores respeitantes a cada uma das parcelas…nem no sentido de que o R., ao assinar e rubricar o falado inventário, tenha reconhecido dessa forma ser responsável pelo material ali descrito.
                      Em boa verdade, o que resulta do depoimento é que, embora sem discussão, o R. foi dizendo que não concordava com os movimentos/quantidades constantes do inventário, pois não tinha aquele material, mas assinou-o, não obstante.
                      É a testemunha que diz/que entende/acha que o R., assinando o inventário, estava a assumi-lo, não lhe tendo sido impostas quaisquer condições para que o assinasse.
                      Ora, tudo visto, somos a concluir que o item em causa, não só contém materialidade que os meios probatórios que invoca como suporte de convicção não referem, por qualquer forma, como também consigna uma asserção final de feição jurídico-conclusiva (…’reconhecendo dessa forma ser responsável pelo material ali descrito’), que sempre teria de ser expurgada, havendo-se como não escrita, ex vi do preceituado no n.º4 do art. 646.º do C.P.C.
                      Assim, altera-se o conteúdo do polémico ponto 12, cuja redacção assim se estabelece:
                      “Após a emissão de tal print, foi solicitado pela A. ao R. que o assinasse e rubricasse a fim de o confirmar, tendo o R., sem ter sido forçado a isso, assinado e rubricado o dito inventário com o seu próprio punho, embora dizendo que não concordava com os movimentos e que não tinha aqueles artigos na sua posse”.»

2.3. Refira-se que o documento de fls. 46 a 51 titula um inventário de bens, com número de artigo, respectiva descrição, stock actual, preço e valor, inventário esse imprimido com base nos dados sediados no sistema informático da empresa autora e datado de 12 de Dezembro de 2006, tratando-se de um documento com seis páginas, que não é da autoria do réu, mas que este rubricou as cinco primeiras páginas e apôs, na última, a sua assinatura e a data de 12 de Dezembro de 2006.

Apurou-se, pois, que o réu, em 12 de Dezembro de 2006, rubricou e assinou um inventário de bens retirado do sistema informático da autora, mas não se provou que os bens constantes daquele inventário tivessem sido, efectivamente, levantados pelo réu e estivessem na sua posse, quando cessou o contrato de trabalho; se assim fosse, esses factos, porque alegados pela autora, teriam sido considerados provados, sendo certo que, tendo o réu impugnado a exactidão da sobredita impressão de dados importados do sistema informático da empresa autora, tal reprodução mecânica não faz prova plena dos factos e das coisas que representa (artigo 368.º do Código Civil).

A seguinte factualidade, tal qual resultou do veredicto decisório da Relação, apenas reforça o juízo exposto: o réu, ao rubricar e assinar o inventário, afirmou «que não concordava com os movimentos e que não tinha aqueles artigos na sua posse».

E que o inventário poderia não reproduzir, fielmente, as existências colhe-se do teor do facto provado 18), de acordo com o qual, no dia 15 de Dezembro de 2006, o trabalhador da autora, FF, assinou um documento onde consta que duas máquinas LB 800, no valor de € 80 cada, a que se reportavam os números de artigos 260236/7 e 260236/8, estavam, afinal, em reparação, conforme documento de fls. 63.

Tudo para concluir que não tendo a autora provado, como lhe competia, que o réu tinha na sua posse, quando da cessação da relação laboral, os bens constantes do inventário junto de fls. 46 a 51, carece do necessário suporte fáctico, bem como de fundamento legal, a correspectiva condenação decretada no acórdão recorrido.

                                             III

Pelo exposto, decide-se conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, na parte em que condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 19.587,83.

Custas, neste Supremo Tribunal e nas instâncias, pela autora e pelo réu, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)
Gonçalves Rocha
Sampaio Gomes