ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
130/11.6YFLSB.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/09/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL CONFLITO DE COMPETÊNCIA
DECISÃO ATRIBUÍDA COMPETÊNCIA ENJEITADA À EXCEPCIONANTE 1ª VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE GUIMARÃES
VOTAÇÃO ------------

RELATOR PEREIRA MADEIRA

DESCRITORES CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
EFEITOS DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
NATUREZA DO INCIDENTE
NULIDADE DO PROCESSO PRINCIPAL

SUMÁRIO

I -A competência territorial já conferida no processo, por decisão do STJ, a um dos tribunais em conflito, não é passível de nova discussão.
II - O despacho que atribuiu tal competência é definitivo e irrevogável, pois dele não cabe recurso - art. 36.º, n.º 2, do CPP. É, em suma, uma decisão judicial transitada em julgado, com todas as consequências.
II -O incidente de resolução do conflito de competência é processualmente irrepetível e de tramitação sumária.
III - A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como não se declara a nulidade de actos de um processo que findou com decisão irrevogável.
IV - A decisão do conflito negativo de competência proferida no STJ, porque coberta pela força de caso julgado, está, assim, abrigada de todas as nulidades que o processo donde emergiu tal conflito encerre ou possa vir a encerrar, ou, até, de uma suposta nulidade total desse mesmo procedimento.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

1. Em 16 de Junho de 2009, após a abertura da audiência de julgamento, o Presidente do Tribunal Colectivo da l.ª Vara de Competência Mista de Guimarães decidiu «julgar [o] tribunal incompetente em razão do território para o julgamento dos factos imputados aos arguidos, sendo competente o Círculo de Santo Tirso, ao abrigo das disposições conjugadas do art. 19.º, n. °s 1 e 3 e 32. °, n.º 2 al. b) do CP.Penal».
Na sequência, o 2. ° Juízo Criminal do Tribunal de Santo Tirso, a quem o processo coube em distribuição, também se julgou incompetente.
Transitados ambos os despachos, gerou-se um conflito negativo de competência que, suscitado perante este Supremo Tribunal, veio a ser decidido por decisão do ora relator, de 12 de Fevereiro de 2010, com atribuição da escusada competência àquela 1.ª Vara do Tribunal de Guimarães.
Em 12 de Outubro de 2010, depois de um novo adiamento, ora por falta do juiz respectivo, aquando da audiência de julgamento que decorria na referida 1.ª Vara de Competência Mista de Guimarães, o tribunal respectivo decidiu «anular o processado subsequente à decisão instrutória proferida, devendo os autos como tal ser devolvidos à fase de instrução, tendo em vista a correcção da decisão proferida de forma que vier a ser tido por conveniente pelo M.mo Juiz de Instrução Criminal».
Em 13 de Março de 2011, com conclusão por ordem verbal, foi proferido o seguinte despacho:
«Por decisão de fls. 1001 foi determinado anular o processado subsequente à decisão instrutória proferida a fls. 704 e ss. nos termos e com os fundamentos aí consignados, decisão essa que não mereceu recurso.
(...)
Ora, atento o estado dos presentes autos, e bem assim aquilo que foi decidido pelo STJ (a fls. 924 e 925), uma vez que ainda não foi aberta a audiência de julgamento, após ter sido declarada a nulidade subsequente à supra referida decisão instrutória, entendemos estar em tempo de nos pronunciarmos quanto à competência territorial deste Tribunal para julgar apresente causa.
(...)
Os presentes autos estão na fase de julgamento, sendo que ainda não foi iniciada a audiência de julgamento.
Nestes termos decide-se julgar este tribunal incompetente em razão do território para julgamento dos factos imputados aos arguidos, sendo competente o Tribunal de Santo Tirso - cfr. os artigos 19. °, n. °s 1 e 3 e 32. °, n. ° 2, ai b) do C.PPenal.
Notifique.
Sem efeito as designadas datas para realização da audiência de julgamento.

Por despacho de 9 de Junho de 2011, o juiz do 1. ° Juízo Criminal do Tribunal de Santo Tirso voltou a julgar esse tribunal territorialmente incompetente, considerando pertencer tal competência à aludida 1.ª Vara Mista de Guimarães.
Novo conflito negativo assim surgiu entre os dois tribunais, pelo que decorridos mais de dois anos, em Novembro de 2011, ainda se continua a discutir a atribuição da aludida competência territorial.
Os despachos respectivos transitaram em julgado.
Surge assim de novo uma situação de impasse processual que cumpre resolver.
Cumprido o disposto no artigo 36.º do CPP, a Ex.ma Procurador-Geral Adjunta, para além de, com razão, estranhar que se tenha perdido tanto tempo com a competência já fixada por este Supremo Tribunal, defende que ela está definitivamente confiada à insistente 1.ª Vara Mista de Guimarães.
Este Supremo Tribunal, na pessoa do Presidente da Secção Criminal, é legalmente, competente para conhecer do presente conflito, por força do disposto na alínea a), do n.º 6 do art.º 11° do C.P.P.

2. Cumpre decidir.
O Supremo Tribunal de Justiça, justamente pela pena do ora responsável singular pela resolução do conflito, já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão base, qual seja a de saber qual o tribunal, entre os conflituantes, a quem compete julgar o pleito.
A competência territorial para o efeito foi deferida, sem possibilidade de discussão, à escusante 1.ª Vara de Competência Mista de Guimarães.
O despacho que atribuiu tal competência é definitivo e irrevogável, pois dele não cabe recurso – art.º 36.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
É, em suma, uma decisão transitada em julgado, com todas as consequências.
Como, aliás, se pode ver da recente história do artigo 36.º do Código de Processo Penal, ora citado, o incidente de resolução do conflito de competência é processualmente irrepetível e de tramitação sumária, sobretudo tendo em mente que a competência dos juízes é presumidamente idêntica em todo o País, sendo a questão da fixação da competência territorial processualmente, uma questão menor face, nomeadamente, aos interesses maiores que importa acautelar, mormente a celeridade processual e eficácia da decisão final que se almeja, para além da sempre presente necessidade urbana de não criar incómodos inúteis aos utentes dos serviços do tribunal, mormente com deslocações em vão.
Só assim se entende que tal incidente tenha transitado da esfera da competência do colectivo das secções para a competência singular exclusiva do presidente da secção, que lhe põe termo por decisão ora expressamente irrecorrível.
A este propósito escreveu, com pertinência, o Conselheiro Maia Gonçalves: «Sabe-se que a resolução dos conflitos de competência tem provocado atrasos injustificados no regular e desejável andamento dos processos, a que as alterações agora introduzidas procuram obstar». (1)
Por isso, repete-se, o incidente processual que decide o conflito é único e irrepetível, sob pena de os falados objectivos da lei não passarem de vã esperança.
E por aqui já se vê como mais uma vez falha base legal ao novo despacho do juiz escusante ao desfeitear, pela forma apontada, uma decisão definitiva há tanto tempo tomada neste Supremo Tribunal.
Tudo isto, para além de todas as nulidades que, com ou sem razão, tenha encontrado ou venha ainda a descobrir no processo, ou, até, da sua eventual nulidade total.
Com efeito, como é ensinamento há muito sedimentado na doutrina e veiculado nos livros de direito, «no processo, a nulidade absoluta é coberta pela impossibilidade, depois de findo aquele, de a fazer reviver, no seu todo ou parcialmente. A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como não se declara a nulidade de actos de um processo que findou com decisão irrevogável». (2)
A decisão do conflito negativo de competência já há muito proferida neste Supremo Tribunal, porque coberta pela força de caso julgado, está assim abrigada de todas as nulidades que o processo encerre ou possa vir a encerrar, ou, até, como fica dito, de uma suposta nulidade total desse procedimento.
Como tal, cumpre aos juízes em causa respeitá-la e cumpri-la. Nada mais.

3. Assim se dirime do conflito entre os juízes referidos, considerando atribuída, pelo menos desde 12 de Fevereiro de 2010, a competência enjeitada à excepcionante 1.ª Vara de Competência Mista de Guimarães.
Notifique via fax (art.º 36.º, n.º 3, do CPP).
Oportunamente remeta os autos à procedência, com prévia remessa ao CSM de cópia todo este processado, nomeadamente, a fim de se tentar encontrar um meio processual que permita, de futuro, preservar as pessoas convocadas para actos judiciais de incómodos que vão muito para além do estritamente necessário.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Novembro de 2011
O Presidente da 3.ª secção
a) António Pereira Madeira
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(1) Código de Processo Penal Anotado 17.ª edição, págs. 88
(2) Cfr., inter alios, Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, Lições proferidas no ano lectivo de 1954-55, edição da AAFDL, 1959, págs. 294