PROCESSO |
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DATA DO ACÓRDÃO | 11/10/2011 | ||
SECÇÃO | 1ª SECÇÃO |
RE | |
MEIO PROCESSUAL | REVISTA |
DECISÃO | CONCEDIDA A REVISTA |
VOTAÇÃO | UNANIMIDADE |
RELATOR | MÁRIO MENDES |
DESCRITORES | ENERGIA ELÉCTRICA DIREITO DE PROPRIEDADE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA EDP RESPONSABILIDADE ACTO LÍCITO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
ÁREA TEMÁTICA | DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDÕES ADMINISTRATIVAS DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA |
LEGISLAÇÃO NACIONAL | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 646,º, Nº 4, 660.º, N.º2. DL N.º 43335, DE 19-11-1960. – ARTIGO 37.º DL N.º 185/95, DE 27-06: - BASE XIII. |
SUMÁRIO | I - A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de todo de se pronunciar sobre questão ou questões que lhe foram colocadas, em violação do princípio consagrado no art. 660.º, n.º 2, do CPC, e não quando se pronuncie de forma insuficiente e aligeirada. II - As consequências de uma servidão administrativa aérea para passagem de energia eléctrica de alta tensão devem ser analisadas por recurso (e com fundamento) ao disposto no art. 37.º do DL n.º 43335, de 19-11-1960 (diploma que regulamenta, de forma actualizada, a Lei n.º 2002, de 26-12-1944, a qual estabelecia as bases de execução da política nacional de electrificação) e base XIII do anexo ao DL n.º 185/95, de 27-06 (regime jurídico do exercício da actividade de transporte de energia eléctrica). III - Nos termos do art. 37.º do DL n.º 43335 reconhece-se aos proprietários dos terrenos utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas o direito à indemnização pelos prejuízos causados pela instalação das linhas, enquanto que na base XIII se estabelece a obrigação de os concessionários procederem à reparação dos prejuízos resultantes dos trabalhos executados. |
DECISÃO TEXTO INTEGRAL | I. AA veio propor a presente acção sob a forma de processo ordinário contra EDP – Distribuição de Energia, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 500.000 EUR e juros legais desde a citação a titulo de indemnização pelos danos alegadamente causados pela R. Alegou, fundamentalmente e em síntese, ser o proprietário de cerca de 27.000 m2 de terreno todo junto, constituído pela S... ou da F... ou F..., no Lugar de L..., F..., freguesia de Santo Isidro, M..., terrenos que constituem uma península definida pelo Rio Tâmega e por um afluente deste, arborizada com espécies adaptadas ao local, devidamente murado, com caminhos que facilitam o seu percurso, na qual construiu uma moradia com a área de 320m2 e que, a partir de Outubro de 2004, esses terrenos passaram, sensivelmente a meio, a serem atravessados transversalmente por uma linha de alta tensão instalada pela Ré, cujos fios estão dotados de bolas de sinalização para aeronaves, que passa a cerca de 16 metros do ponto mais elevando do solo e num plano que se situa a cerca de 15 metros da casa. Segundo o A a localização da referida linha eléctrica causa uma enorme desvalorização paisagística e ambiental da propriedade, não só pelo seu posicionamento a uma cota próxima da habitação, como pelo seu desenvolvimento transversal ao terreno envolvente, introduzindo assim um factor de acentuado desequilíbrio visual e compositivo que deprecia de forma muito acentuada a propriedade e além disso, a passagem de fluído eléctrico provoca zumbido e o vento, a partir de uma certa intensidade, silva nas linhas e chega a abaná-las, o que causa incómodo e receio às pessoas que se encontram na casa ou no terreno. Com frequência os cães, que o Autor tem nas proximidades da casa, uivam por causa desses silvos, o que torna a situação mais desagradável ainda. Por outro lado, existe o perigo de acidente por causas naturais, como um raio ou um vento ciclónico, com um dano inerente para as pessoas e para as coisas. Segundo alega a propriedade que valia 750.000€ antes do atravessamento das linhas não vale agora mais de 250.000€ e que, além disso, sofreu o desgosto de deixar de fruir com prazer a sua propriedade e de a ver estética e ambientalmente desvalorizada, sentindo-se frustrado por ver gorados os esforços que fez para obter um imóvel aprazível, de grande beleza. A Ré contestou, concluindo pela improcedência total da acção e pela respectiva absolvição integral do pedido. Alega, para tanto que, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 51º do Dec. Lei nº 43335, de 19.11.1960 e 38º, n.º 2 do DL n.º 182/95 de 27.07, tem o direito de atravessar prédios particulares com linhas aéreas e de montar nesses prédios os necessários apoios, direito que exerceu aquando da instalação da linha de alta tensão sobre a propriedade do Autor. Ora, o projecto da linha em causa foi apreciado e aprovado pela entidade do Governo competente – Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia, sendo que no âmbito do processo de licenciamento da linha foram publicados éditos em Outubro e Novembro de 2003, publicitando o projecto para efeito de apresentação de eventuais reclamações contra a sua aprovação, sendo que nenhuma foi apresentada. À ré foi concedida licença de estabelecimento por despacho de 21 de Agosto de 2006. De todo o modo, a referida linha apenas ocupa pequena parte do espaço aéreo do prédio do Autor, não resultando dessa ocupação qualquer prejuízo para o referido prédio, atento o fim a que se destina, mais se achando implantada a uma altura do solo que vai de 28 a 34 metros, sendo que a distância que medeia entre os condutores da linha e a copa da árvore que se encontra mais próxima é de 14,40 metros, sendo aquela distância de 29 metros com relação à casa do Autor e por isso que a linha se encontra de acordo com o regulamento de segurança em vigor. Impugna o aduzido prejuízo de desvalorização, alegando que as linhas implantadas não interferem no campo de visão a partir da casa do Autor, numa cota bem inferior às linhas, sendo que, de todo o modo, a casa do Autor não se encontra protegida por legislação especial e a alegada desvalorização estética e ambiental constitui mera fantasia do Autor, que não merece a tutela do Direito. No despacho saneador aferiram-se pela positiva a totalidade dos pressupostos processuais, seleccionando-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa, assente e controvertida, sem reclamação alguma. Teve lugar a audiência de julgamento na sequencia do qual foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado a ré a pagar ao Autor, a título de indemnização pela desvalorização dos imóveis melhor descritos em A) e B) supra, conforme alínea CC) da matéria provada, a quantia que vier a ser liquidada, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a data em que o crédito do A. se tornar líquido até integral pagamento. Foi interposto recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão no qual se decidiu revogar a sentença recorrida substituindo-a por outra na qual a R foi absolvida do pedido. II. Desta decisão do Tribunal da Relação foi interposto o presente recurso de revista. Alega fundamentalmente e em síntese o recorrente nas conclusões da sua alegação que dos factos provados podem e devem extrair-se as consequências jurídicas obtidas pela sentença de primeira instancia, particularmente por entender constituírem evidencias que não carecem de demonstração quer a natureza agradável e aprazível da propriedade do A, quer o prejuízo estético e consequente desvalorização que a propriedade sofreu com o atravessamento dos cabos eléctricos instalados pela R. Acrescenta que a resposta dada ao quesito 8º não é excessivo, não sendo igualmente o quesito conclusivo (como entendeu o acórdão recorrido). III. Fundamentação de facto: Não merece a nossa concordância este segmento do acórdão recorrido. Tal como está formulado o mencionado quesito 8º deve concluir-se que nele se questiona um facto objectivo alegado pelo A e concretizado numa avaliação do valor de mercado dos prédios antes e depois da instalação das linhas de alta tensão e não, como entendeu o acórdão recorrido uma conclusão ou um mero juízo de valor. Por outro lado, a resposta dada ao quesito – provado apenas que o valor dos prédios se viu diminuído em consequência da instalação das linhas - não se apresenta, quanto a nós, como excessiva mas antes como restritiva, ao limitar-se a dar como provada uma diminuição do valor de mercado dos prédios do autor sem quantificar, por falta de elementos, essa desvalorização. O facto constante da resposta – constatação de uma redução do valor de mercado dos prédios em causa em resultado do atravessamento das linhas – está, aliás e ao contrario do que refere o acórdão recorrido, apoiado em outros factos instrumentais como a descrição feita da propriedade do A, a constatação do atravessamento (aéreo) dessa propriedade pela linha de alta tensão instalada pela R com menção das distancias entre esta e a casa e o solo e, por ultimo, a constatação de que “quando a atmosfera atinge um certo grau de humidade as linhas produzem zumbido e quando o vento as faz abanar silvam, o que incomoda as pessoas que, pelo menos, se encontrem no exterior da casa”. Perante a inteira validade/regularidade da resposta ao quesito 8º volta o conteúdo da mesma a ser incluído na factualidade relevante para a apreciação e decisão do mérito do presente recurso de revista. Existe no caso “sub judice” uma situação que qualificamos como de constituição de uma servidão administrativa aérea para passagem de energia eléctrica de alta tensão cujas consequências devem ser analisadas por recurso e com fundamento no disposto no artigo 37º do Decreto-lei nº 43335, de 19/11/60 (diploma que regulamenta actualizadoramente a Lei nº 2002, de 26 de Dezembro de 1944, a qual estabelecia as bases de execução da politica nacional de electrificação) e base XIII do anexo ao Decreto-lei nº 185/95, de 27/6 (Regime jurídico do exercício da actividade de transporte de energia eléctrica). Nos termos do supracitado artigo 37º reconhece-se aos proprietários dos terrenos utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas o direito à indemnização pelos prejuízos causados pela instalação das linhas enquanto que na referida base XIII se estabelece a obrigação de os concessionários procederem à reparação dos prejuízos resultantes dos trabalhos executados. Com base nestas mesmas disposições legais estamos perante uma situação de responsabilidade civil por acto licito a qual emerge por um lado da instalação/atravessamento das linhas eléctricas instaladas pela R e por outro dos prejuízos causados, decorrentes, nomeadamente, do que consta nos pontos E e T a CC da factualidade provada, e que se manifestam numa limitação (cuja quantificação não é possível efectuar) do direito de propriedade do A, visto quer na vertente do “jus utendi” como do “jus fruendi”. Merece, pois, procedência a pretensão formulada pelo A merecendo acolhimento a decisão da 1ª Instancia no sentido de, por falta de elementos quantificadores do prejuízo, relegar a fixação do quantum indemnizatório no que ulteriormente vier a ser liquidado – artigo 661º nº 2 CPC. |