ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
397-B/1998.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 1.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR ALVES VELHO

DESCRITORES PRIVAÇÃO DO USO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
DANO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
LIQUIDAÇÃO PRÉVIA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE

SUMÁRIO I - Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto), o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano.

II - O que o requerente deveria demonstrar era o montante do efectivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real, que foi a privação do uso por determinado tempo, i.e., por exemplo, se procedeu ao aluguer de um veículo de substituição e qual o respectivo custo, se lançou mão de outros meios de transporte e correspondentes despesas, se, por impossibilidade de utilização da viatura, sofreu perdas e quais, em ordem a preencher, quanto ao cálculo da indemnização concreta devida, a previsão das normas dos arts. 564.º, n.º 1, e 566.º, n.º 2, ambos do CC, sob pena do tribunal, dispondo apenas dos factos consubstanciadores da existência dos danos, ter de lançar mão do critério subsidiário constante do n.º 3 do art. 566.º, ou seja, da equidade, fixando a indemnização dentro dos limites que a factualidade disponível equitativamente o permita.

III - Apesar de se ignorar o custo de aquisição e quilometragem do veículo (“imobilizado”), tal não interfere com o critério de valoração do dano: o que está em causa e releva é o valor económico das utilidades e comodidades que um veículo como aquele conferia ao respectivo dono e utilizador na finalidade a que o destinara, se pudesse continuar a utilizá-lo nas condições previstas em termos de normalidade.

IV - Seja o veículo mais recente ou mais antigo, desde que o seu proprietário o usasse normalmente, e não se mostre que a vetustez, a quilometragem percorrida ou outros factores teriam impedido ou alterado a continuação desse uso normal, a privação do uso deverá ser compensada atendendo exclusivamente à desvantagem económica decorrente da privação dessa utilização normal, desconsiderando aqueles factores, apenas relevantes quando esteja em causa indemnização pelo valor da coisa (perda ou substituição).

V - A indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha possibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, segundo critérios de equidade – art. 566.º, n.º 3, do CC.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA-“M... – Sistemas de Informação, Lda.” deduziu contra BB-“C. S... – Veículos e Peças, Lda.” liquidação prévia a execução de sentença pedindo a liquidação do crédito da Requerente, pela privação de uso do veiculo desde 1/06/1998 até à presente data, no montante de 38.900,00€, ou outro que resulte da liquidação e, ainda na quantia mensal de 350,00€ desde 1/06/2007 até à entrega dos documentos da viatura matricula VG-...-..., modelo M..., devidamente averbados em nome da Requerente.
Para liquidar a indemnização que lhe é devida, nos termos da decisão confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, a Requerente considerou o valor de aluguer de um veículo de substituição, por todo o período em que não pode usar o veículo que adquiriu à Requerida por esta não lhe ter entregue a necessária documentação.

A Requerida deduziu oposição à liquidação assim apurada, pois que a Requerente não celebrou qualquer contrato de aluguer de longa duração de veículo, não sendo esses os danos concretamente causados, como referido no acórdão do STJ, sendo que o atendimento da pretensão redundaria num enriquecimento injustificado da Requerente, que não sofreu os prejuízos que peticiona.

Na pendência do processo – em 25/11/2008 -, a Requerida procedeu à entrega os documentos da viatura em falta.

Julgada a causa, foi proferida sentença, em que foi decidido “fixar em 18.875,00 euros o valor da indemnização a pagar pela requerida, BB-C. S..., Lda. à requerente, AA- M..., Lda”.

A Requerida apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.


A mesma Requerida interpõe agora recurso de revista para pedir a revogação da «sentença» recorrida, a coberto do que, apresentado sob a epígrafe “conclusões”, se transcreve:
1ª - Se, como se refere, no douto Acórdão de 31 de Março de 2011, o dano consiste na privação de uso, sendo desnecessária qualquer prova, então, a decisão do Acórdão de 12 de Outubro de 2006 é, por, assim, dizer "letra morta";
2ª - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça refere danos concretamente causados e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa empenha-se em convencer -nos exactamente do oposto, ou seja, bastará a existência do dano em abstracto;
3ª – 4ª - O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa contrariou precisamente o Acórdão proferido pelo Tribunal superior.
5ª - Se o Acórdão de Outubro de 2006 tivesse querido a condenação da, agora, Recorrente em indemnização baseada em contrato de aluguer inexistente, então, poderia, desde logo, ter fixado o valor da indemnização.
6ª - A Recorrida, AA-M..., não logrou provar a verificação de qualquer prejuízo concreto, em sede de liquidação de sentença.
7ª - A inexistência de prova da amplitude do dano prejudica irremediavelmente o direito à indemnização.
8ª - O Acórdão de 31 de Março não podia ter confirmado uma sentença que ao mesmo tempo que “dá de barato" o dano de privação de uso, fixando, inc1usivamente, uma indemnização elevadíssima face ao valor de aquisição da viatura, refere que, da prova pericial realizada não foi possível retirar desde quando é que a viatura se encontrava imobilizada.
9ª - Impunha-se a produção de prova dos danos concretamente verificados.
10ª - Não tendo a indemnização tomado por base o ressarcimento de prejuízos concretos, houve claramente uma violação das premissas fixadas pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não podendo, por esse motivo, deixar de ser alterada.
11ª – O Acórdão proferido em 31 de Março de 2011 não se pronunciou sobre o argumento invocado pela Recorrente - indemnização pela privação do uso de uma viatura com 18 anos - o qual fazia parte das conclusões das alegações e, em consequência, violou o disposto nos arts. 660° nº 2, 684° nº 3 e 690° do C.P.C.
12ª - A condenação da, ora, Recorrente pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa não se fez com base nos contratos de aluguer de longa duração de viatura nova que a Requerente apresentou para efectuar a liquidação, o que se traduz, em certa medida, numa alteração da causa de pedir.
13ª - O facto que serviu de base à liquidação viu-se assim modificado pela sentença recorrida e pelo Acórdão que a confirmou, sem que a Recorrente se tivesse pronunciado, o que se traduz numa violação do disposto nos arts. 273° e no do art. 3° do c.P.c.
14ª - Verifica-se que existe contradição entre o direito aplicado pelo Acórdão de 31 de Março de 2011 e a matéria de facto assente (alínea J) indica da na sentença de 24 de Junho de 2010.
15ª - O recurso à equidade no caso concreto, em sede de liquidação, não se afigura de todo correcto.
16ª - Se no Acórdão de Outubro de 2006 estivesse prevista a condenação em indemnização que correspondesse a um contrato de aluguer não celebrado, então, não se justificaria, como já se disse, relegar a fixação da indemnização para execução de sentença.
17ª – A sentença recorrida não se limitou a fixar o valor, foi mais longe e fixou, inclusivamente, o próprio critério subjacente à atribuição da indemnização, por sinal discordante com o "critério" presente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
18ª - A douta sentença extrapolou claramente os limites impostos ao incidente de liquidação, violando também o disposto no nº 3 do art. 5660 do C.C., pelo que andou mal o Acórdão recorrido ao aceitar como válido o recurso à equidade.
19ª - O valor da indemnização não é justo porquanto foi a Recorrente condenada a pagar uma indemnização pela privação de uso de uma viatura com 18 anos.
20ª - Uma viatura com 18 anos, que aos oito anos já tinha mais de 120 mil km, não poderia alegadamente servir de transporte dos gerentes da AA-M... e outros serviços da respectiva actividade comercial.
21ª - A argumentação adoptada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o valor da indemnização e a não verificação do enriquecimento sem causa não pode colher.
22ª - Alugar uma viatura como aquela que se encontra em questão nos presentes autos não é mais oneroso do que comprar essa mesma viatura.
23ª - Se o Requerente tivesse efectivamente alugado uma viatura por valor superior, ou, estivesse demonstrado que o valor de aluguer de uma viatura equivalente à que se encontra em causa é superior, poder-se-ia entender o fundamento do valor fixado pelo tribunal.
24ª - A sobrevalorização do dano de privação de uso revela a falta de equidade da sentença ora recorrida
25ª - Se procedêssemos à colocação da, aqui, Recorrida na situação que existiria caso não tivesse ocorrido dano, verificaríamos que, não só o alegado lesado, AA-M..., é ressarcido como se coloca numa posição mais favorável à que tinha se o dano não tivesse existido, dado que recebe mais do que pagou pela viatura, tendo tido também o direito de a utilizar e de a comercializar (nem que seja como sucata).
26ª - Estamos aqui, mais uma vez, perante uma situação de enriquecimento sem causa, verificando-se preenchidos todos os seus requisitos para a sua existência”.

A Recorrida respondeu, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso





2. - As questões colocadas pelas conclusões da Recorrente reconduzem-se a saber:

- Se, relativamente ao dano de privação do uso, que a Recorrente foi condenada a indemnizar em montante a liquidar, se encontra provado o “dano”, requisito da obrigação de indemnização;

- Em caso afirmativo, qual o critério de determinação do montante da indemnização;

- Valoração do dano causado; e,
- no seu âmbito, invocabilidade de alteração da causa de pedir e de enriquecimento sem causa.





3. - A decisão impugnada assenta na factualidade que segue.

A) A sentença proferida pela 3.ª Secção da 6.ª Vara Cível de Lisboa, em 17 de Março de 2003, decidiu o seguinte:
a) julgar totalmente improcedente o pedido principal e dele absolvera R.
b) julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário, e, em consequência condenar a BB-R. C. S... – Veículos e Peças, Lda. a entregar à A. o livrete e título de propriedade do veículo matrícula VG-...-..., com a transferência de propriedade a favor da A. e a pagar-lhe uma indemnização no valor de 3.000.000$00 (14.963,94 E), pelos prejuízos que lhe causou.
B) Da referida sentença a Ré, aqui Requerida, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa tendo o Acórdão de 19 de Janeiro de 2006 determinado o seguinte: "… a R. tornou-se responsável pelo dano da privação do uso, pelo menos desde Junho/98 (data da próxima inspecção - facto D) até ao momento em que pôs à disposição da A. a documentação - podendo haver mora desta se se negou a fornecer o indispensável número de contribuinte a partir de certa altura. Isso tudo, ou seja a amplitude deste dano e da subsequente indemnização será apurado em execução de sentença.
O valor do dano não pode, sem mais, ser medido pelo valor dispendido na compra de um carro de substituição, pois isso acabaria por poder constituir um enriquecimento sem causa para o A. O critério mais idóneo ainda poderá ser o do valor do aluguer de um carro de substituição – ou outro que se reputar mais adequado. De todo o modo, sendo certo o dano (a privação é, de si, necessariamente um dano - maior ou menor) é incerto o seu montante. Daí que deva apurar-se em liquidação de sentença: art. 661.° n.º 2 do C. P. C.
Nesta medida o recurso procede.
Altera-se, assim, a sentença para ficar a constar o seguinte: a indemnização terá o valor que se apurar em liquidação de sentença, tudo o mais se mantendo”.
C) Deste Acórdão recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça ambas as Partes. Todavia, o recurso interposto pela Autora, ora Requerente, foi julgado deserto em virtude de não terem sido apresentadas alegações.
E) No que concerne ao recurso apresentado pela BB-“C. S... – Veículos e Peças, S.A.” foi proferido Acórdão, em 12 de Outubro de 2006.
O referido Acórdão concluiu nos seguintes termos: ". Nenhuma razão justificativa ou explicativa do cumprimento defeituoso a Ré conseguiu demonstrar. Logo, presuntivamente é culpada por tal cumprimento, em conformidade com o disposto no nº ° 1 do art. 799.º do C. Civil, tornando-se responsável pelo prejuízo causado à autora – art. 798 ° do C. Civil.
E porque se verificam os demais pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da ré, o que nem sequer foi questionado e, como tal, não constitui objecto do presente recurso, não poderia deixar de ser condenada a ressarcir os danos concretamente causados à autora”.
F) Os valores despendidos com o aluguer de um carro de substituição, de acordo com uma simulação de ALD, efectuada pelo Banco Millennium BCP em 30/11/2006, para uma viatura no valor de 18.704,92 € e um período de 60 meses são os seguintes:
G) Para a 1.ª renda do contrato o valor é de 542,37 € (quinhentos e quarenta e dois euros e trinta e sete cêntimos).
H) Para as rendas desde a 2.ª até à 60.ª o valor é de 360,87 € (trezentos e sessenta euros e oitenta e sete cêntimos) cada.
I) Desde Junho de 1998 até 30 de Maio de 2007, contabilizam-se 108 rendas, o que implica dois contratos de ALD, sendo 2 rendas de 542,37€ cada e 106 de 360,87€ cada.
J) As rendas mensais do contrato de ALD consubstanciam a um tempo a contraprestação pelo gozo da viatura e a antecipação do pagamento do preço, tendo em vista a aquisição futura da viatura.
L) A requerente não celebrou qualquer contrato de ALD para efeitos de substituir o VG-...-....
M) Em 20 de Novembro de 2008 foram entregues pelo Il. Mandatário da requerida, BB-C. S..., os documentos da viatura M... B... 300 CE-24, com a matricula VG-...-... e o respectivo requerimento – declaração de averbamento da viatura em nome da requerente AA- M..., Lda.
N) Por ofício de 25 de Novembro de 2008, foram os documentos referidos na alínea anterior remetidos ao Il. Mandatário da requerente.





4. - Mérito do recurso.

4. 1. - (In)existência da obrigação de indemnizar.

A Recorrente insiste na questão da inexistência do direito à indemnização reclamado pela Recorrida, a pretexto de o acórdão deste Supremo referir os “danos concretamente causados” e de esta não ter provado a verificação de qualquer prejuízo concreto, o que implica violação das premissas do acórdão do STJ.

No acórdão impugnado ponderou-se, em síntese, que está assente o dano, “causado com a impossibilidade de circulação do veículo”, pelo menos desde Junho de 1998, e que, embora não tenha sido “feita a prova dos danos concretos … a privação do uso causou à Requerente dano, como causa toda a privação da propriedade”, dano cujo montante, na impossibilidade de apurar valores concretos, deve ser aplicado o recurso à equidade, ainda que partindo do valor do aluguer de um veículo de substituição.


Ao questionar, antes de mais, a inexistência da obrigação de indemnizar por limitada aos “danos concretamente causados”, a Recorrente, embora sem o referir expressamente, põe em causa a interpretação da decisão sobre o objecto da liquidação e a violação dos limites da condenação por não respeitar a exigência de «determinação dos danos em concreto sofridos».

Sem razão, porém.

O acórdão do Supremo limita-se a julgar verificados “os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da Ré”, depois de ter reafirmado, na apreciação do objecto do recurso, o concurso dos requisitos ilicitude (cumprimento defeituoso) e culpa (presunção de culpa do devedor).
Depois de fazer notar que verificarem-se os demais pressupostos da obrigação de indemnizar – para além dos referidos ilicitude e culpa -, «o que nem sequer foi questionado e, como tal, não constitui objecto do presente recurso», remata, efectivamente, com a declaração que, por isso, “não poderia deixar de ser condenada (sublinhado nosso) a ressarcir os danos concretamente causados à autora”

Ora, como expressamente se fez constar do aresto de revista, não fazia parte do objecto da revista a apreciação da verificação do “dano”, como pressuposto da obrigação de indemnizar, sendo que, como também nele se deixou dito, nem sequer foi questionada a obrigação de indemnizar por inverificação dos demais pressupostos, leia-se do cumprimento defeituoso culposo, donde que, por imperativo do disposto no n.º 4 do art. 684º CPC, o julgado pela Relação, uma vez confirmado o concurso dos requisitos efectivamente questionados, não poderia sair prejudicado.
Assim, o sentido com que deve valer o segmento do acórdão em causa, será, como é bom de ver, o de reafirmar que confirmada a presença dos dois requisitos questionados, e não se levantando outras questões impeditivas da existência da obrigação de indemnizar, a condenação da Ré a ressarcir os danos que concretamente causou à autora não poderia deixar de ter lugar, nos termos em que o foi pela decisão então recorrida.
É o que necessariamente resulta da circunstância de a questão da existência dos danos e respectiva avaliação não ser objecto do recurso e, consequentemente, de apreciação e eventual alteração pelo Tribunal de revista.
Estava definitivamente assente a sua verificação, faltando apenas a valoração dos concretos prejuízos que foram causados e integram os danos – estes, insiste-se, enquanto supressão de uma vantagem económica tutelada pelo direito, concretizada na privação da utilização do veículo, já demonstrados -, mediante superação da incerteza sobre o seu montante, vale dizer, sobre o quantum da sua repercussão como desvantagem económica no património da Autora, como decidido, sem alteração pelo STJ, pela Relação.

Consistiria, ela, na concreta determinação e fixação do valor do prejuízo sofrido pelo concreto lesado, no caso, o valor do prejuízo que concretamente a Recorrida - e não um qualquer lesado privado de um veículo idêntico (avaliação abstracta do dano patrimonial) - terá sofrido com a impossibilidade de utilização daquela também concreta viatura (avaliação concreta do dano).
Em causa, portanto, a determinação em concreto prejuízo realmente sofrido pela Autora causado pela privação da utilização (dano real e concreto), em sede de liquidação ulterior (cfr., sobre o ponto, RUI DE ALARCÃO, “Direito das Obrigações”, 1983, 272/274).

Assim sendo, a Recorrida não tinha de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter indemnização, pois que o direito a esta estava já reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano.
O que a Recorrida deveria demonstrar era o montante do efectivo ou concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real, que foi a privação do uso por determinado tempo, isto é, por exemplo, se procedeu ao aluguer de um veículo de substituição e qual o respectivo custo, se laçou mão de outros meios de transporte e correspondentes despesas, se, por impossibilidade de utilização da sua viatura, sofreu perdas e quais, etc., tudo em ordem a preencher, quando ao cálculo da indemnização concreta devida, a previsão das normas dos arts. 564º-1 e 566º-2, ambos do C. Civil, sob pena de o Tribunal, dispondo apenas dos factos consubstanciadores da existência dos danos, ter de lançar mão do critério subsidiário constante do n.º 3 deste art. 566º, ou seja, da equidade, fixando a indemnização dentro dos limites que a factualidade disponível equitativamente o permita.

Falhando, como, no caso, falhou, a prova – e antes disso a própria alegação – de elementos de facto sobre os concretos prejuízos sofridos pela Recorrida com a privação da viatura, por forma a permitir a utilização do critério acolhido pelo n.º 2 do art. 566º, mas subsistindo o dano indemnizável, restará o recurso à equidade, como fez o acórdão impugnado.

Improcede, pois, a pretensão da Recorrente quanto à inexistência da obrigação de indemnizar.




4. 2. – Valoração do dano. Montante da indemnização.
4. 2. 1. - Assente que a obrigação de indemnizar está definitivamente reconhecida desde o acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Outubro de 2006, nos termos decididos pelo acórdão da Relação de 19 de Janeiro do mesmo ano, a questão que poderá colocar-se nesta fase de liquidação prévia à execução do ali sentenciado é a do montante da indemnização.

Com efeito, como decidido, trata-se apenas de tornar líquido, avaliando concretamente, o valor do prejuízo sofrido pela Recorrida com a provação do uso da viatura. Nada mais!



4. 2. 2. - Assim sendo, resultam completamente destituídas de fundamento questões como a invocação de alteração da causa de pedir por o cálculo da indemnização ter sido efectuado com base na equidade e não no critério constante do articulado inicial apoiado no custo de um contrato de ALD de viatura idêntica nova ou como a do enriquecimento sem causa.

Como é por demais evidente, não está em discussão qualquer pedido relativo ao cumprimento ou incumprimento de um contrato de ALD, designadamente, a pretensão de pagamento do custo das prestações pecuniárias relativas a um contrato efectivamente celebrado, mas, tão só, a invocação de uma simulação dos custos de um contrato em que se pretenderia obter o gozo de um bem semelhante ao que foi objecto de privação, para efeito de utilização como critério de avaliação do dano.
E sobre tudo isso, porque sobre o alegado no requerimento inicial, se pôde pronunciar, e pronunciou, a ora Recorrente.

A utilização do critério proposto ou de outro é questão que tem que ver com a aplicação do direito substantivo, em que o julgador é livre, desde que se mova dentro dos limites dos referidos arts. 564º e 5660.
De resto, nesta matéria, em processo de liquidação, o juiz goza mesmo de poderes de indagação oficiosa quando considere os elementos fornecidos pelas partes insuficientes para fixar a quantia devida (art. 807º-3 CPC, na redacção aplicável).

Despropositada, pois, a alegada violação das normas do art. 3º e do n.º 3 do art. 273º CPC.



4. 2. 3. - Descabida, também, a invocação de enriquecimento sem causa.

Sobre este ponto, dir-se-á, tão só, que o enriquecimento sem causa, como fonte de obrigações, designadamente da obrigação de restituir, pressupõe a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa de outrem, que não tenha causa justificativa – art. 473º C. Civil

Ora, se se está a determinar o montante de uma indemnização devida pela reparação de um dano, vale dizer, a fixar o objecto da obrigação de indemnização, jamais poderá falar-se, como parece óbvio, de falta de causa para a atribuição da prestação indemnizatória.
Poderá dizer-se que a quantia encontrada é excessiva e, por isso, além de deixar o lesado indemne, ainda o coloca numa situação de vantagem patrimonial.
Só que, ao menos a nosso ver, uma tal situação nada tem que ver com o instituto do enriquecimento sem causa no sentido técnico-jurídico regulado no art. 473º e ss. C. Civil, podendo, a ocorrer, configurar um erro de julgamento sobre a fixação do valor da obrigação de indemnizar.



4. 3. - Como se adiantou já, a Recorrida não demonstrou a existência de quaisquer específicos prejuízos sofridos com a privação do uso do automóvel que, como consta da decisão recorrida, destinava ao exercício da sua actividade comercial, utilização que lhe foi subtraída por mais de 10 anos.

Recorrendo a critérios de equidade, partindo do valor do custo do aluguer de um veículo novo idêntico, que seria de 300,00€/mês, e do fim a que se destinava a viatura, teve-se por equitativa uma verba de metade daquele valor, ou seja, de 150,00€ mensais.


A Recorrente, certamente “esquecida” de que sob censura está o acórdão da Relação tece considerações sobre o “critério subjacente à atribuição da indemnização utilizado na sentença”, em extrapolação dos limites impostos ao incidente de liquidação, em violação do disposto no n.º 3 do art. 566º CC.

Confessa-se que não se percebe o sentido e objecto da impugnação, na medida em que não houve outro critério de fixação do valor do dano que não fosse o do recurso à equidade.
De qualquer modo, situada a questão ao nível da sentença, e, consequentemente, fora de vício ou erro de julgamento do acórdão recorrido, que é o objecto do recurso, logo de apreciação precludida, nada haverá que conhecer.


Relativamente ao valor atribuído, a recorrente esgrime com a idade do veículo – que tinha oito anos e mais de 120.000km -, recebendo agora mais do que pagou pela sua aquisição.

Antes de mais, dir-se-á que, apesar de se ignorar o custo de aquisição e quilometragem do veículo, tal não interfere com o critério de valoração do dano.

Com efeito, o que está em causa, e unicamente releva, é o valor económico das utilidades e comodidades que um veículo como aquele conferia ao respectivo dono e utilizador na finalidade a que o destinara, se pudesse continuar a utilizá-lo nas condições previstas em termos de normalidade.

Seja o veículo mais recente ou mais antigo, desde que o seu proprietário o usasse normalmente, e não se mostre que a vetustez, a quilometragem percorrida ou outros factores teriam impedido ou alterado a continuação desse uso normal, a privação do uso deverá ser compensada atendendo exclusivamente à desvantagem económica decorrente da privação dessa utilização normal que também normalmente o veículo se destinava a proporcionar e proporcionava, desconsiderando aqueles factores, apenas relevantes quando esteja em causa indemnização pelo valor da coisa (perda ou substituição).

Por isso se tem entendido que a indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha disponibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, se necessário, segundo critérios de equidade – art. 566º-3 cit..


Ao assim agir, o acórdão recorrido decidiu em conformidade com a lei.


O montante indemnizatório, situado em cerca de metade do que seria devido fazendo intervir no cálculo o custo do aluguer de um veículo novo, tendo presente que o veículo se destinava a utilização em actividade comercial, logo em actividade económica lucrativa, nada nos parece ter de excessivo, situando-se nos parâmetros do que a jurisprudência tem atribuído em casos semelhantes (vd. ac. STJ, de 03/05/2011, proc. n.º 2618/06TBOVR.P1).

Mantém-se, pois, por justa e equitativa a indemnização que vem fixada, improcedendo todas as conclusões da revista.





5. - Decisão:

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

- Negar a revista;

- Manter a decisão impugnada; e,

- Condenar a recorrente nas custas.


Lisboa, 23 Novembro 2011

Alves Velho (relator)
Paulo Sá
Garcia Calejo