ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1112/09.0SFLSB.L2.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/26/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MAIA COSTA

DESCRITORES HOMICÍDIO
TENTATIVA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ILICITUDE
DOLO DIRECTO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
FINS DAS PENAS
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE

SUMÁRIO


I - Nos termos do art. 71.º do CP, a pena é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se na determinação da pena concreta a todas as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis ao agente, nomeadamente o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, a motivação do agente, as suas condições pessoais e a conduta anterior e posterior ao crime.
II - Analisando a matéria de facto no caso em apreço, e no que se refere ao crime de homicídio tentado, não pode deixar de se considerar elevada a ilicitude dos factos, pois a conduta do arguido foi executada sem prévio confronto ou disputa com o ofendido, tendo-se apurado apenas que entre eles existia um “desentendimento”. Acresce que foram graves as consequências da agressão, desde logo porque dela resultou perigo concreto para a vida do ofendido, como ainda pelo período de doença provocado (90 dias, com igual tempo de incapacidade para o trabalho), ficando o ofendido com sequelas físicas.
III - O arguido agiu com dolo directo, beneficiando do facto de se ter entregue voluntariamente às autoridades. Releva a seu favor a falta de antecedentes criminais, atendendo à sua idade (52 anos à data dos factos). Também é de referir a sua inserção familiar e social, embora tal facto não seja muito relevante neste tipo de criminalidade. De considerar, em sentido desfavorável, a limitada consciência crítica face ao dano e ao prejuízo para o ofendido e a ambivalência revelada ao atribuir a responsabilidade do seu comportamento a factores externos.
IV - Há que considerar, por último, os fins das penas. A conduta do arguido, se não motiva particulares preocupações de prevenção especial, dada a ausência de antecedentes criminais, impõe fortes exigências de prevenção geral.
V - Sendo a moldura penal aplicável ao crime de homicídio tentado de 1 ano, 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão, a pena fixada pelo tribunal recorrido – 5 anos de prisão – mostra-se inteiramente adequada às finalidades das penas, já que, não ultrapassando a medida da culpa, satisfaz minimamente as necessidades preventivas.
VI - O arguido tinha em seu poder, além da arma com que executou o crime de homicídio tentado (uma pistola de 8 mm adaptada a calibre 6,35 mm), duas armas de fogo feitas artesanalmente, uma de calibre 12 mm e outra de calibre 7,65 mm, uma arma branca também de construção artesanal, com cerca de 25 cm de lâmina, e duas munições, uma de calibre 12 mm e uma de calibre 7,65 mm.
VII - Embora o arguido tenha sido condenado apenas por um único crime de detenção de arma proibida, a detenção de uma pluralidade de armas proibidas não pode deixar de ser considerada, em termos de agravamento da ilicitude e consequentemente na medida da pena. É de atender, porém, ao facto de se tratar de armas artesanais, construídas pelo arguido.
VIII - O crime de detenção de arma proibida tem vindo a merecer especial censura do legislador e da sociedade, pelo perigo potencial para a vida e a integridade física das pessoas em geral que constitui a detenção de armas por parte de quem não está autorizado para tal. As exigências de prevenção geral são fortíssimas neste tipo de criminalidade. Por isso, e embora algumas das armas fossem de potencial destrutivo diminuto, entende-se adequada a pena de 2 anos e 8 meses de prisão aplicada, tendo em consideração ainda a medida da pena abstracta, que é de 1 a 5 anos de prisão.
IX - Atentas as penas parcelares fixadas, a moldura do concurso vai de 5 anos a 7 anos e 8 meses de prisão, sendo que, na fixação da pena do concurso, há que atender em conjunto aos factos e à personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do CP).
X - Apurou-se que o arguido tem uma situação social e familiar estável, estando laboralmente inserido. Não mostrou, no entanto, uma atitude crítica convincente quanto aos factos praticados, os quais revelam uma certa agressividade, ligada ao gosto pela detenção de armas. Este conjunto de factores constitui fundamento sólido para a pena única de 6 anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido, que não merece, assim, qualquer censura.
XI - Constituem danos não patrimoniais aqueles que são insusceptíveis de uma expressão pecuniária, embora traduzam um mal infligido ao lesado. Não sendo os danos não patrimoniais susceptíveis de reparação natural, a correspondente indemnização deverá ser fixada equitativamente, nos termos do art. 496.º, n.º 3, do CC, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias relevantes do caso. A indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, e fixada de acordo com critérios de boa prudência e ponderação das realidades da vida. A gravidade do dano há-de avaliar-se objectivamente.
XII - No caso dos autos, em consequência da agressão do arguido, o ofendido sofreu lesões graves ao nível do pulmão esquerdo, foi submetido a várias operações sucessivas, correu perigo de vida, e teve um período de 90 dias de doença, ficando com sequelas físicas da agressão. Sofreu dores intensas e fortíssimas, temeu pela vida e sofreu angústia e medo.
XIII - Perante este quadro fáctico, a indemnização de € 20 000 mostra-se adequada, proporcional e justa, não merecendo censura.





DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

AA, com os sinais dos autos, foi condenado na 7ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 30.6.2011, como autor dos seguintes crimes:

- um crime de homicídio tentado, p. e p. pelos arts. 131º, 22º e 23º, do Código Penal (CP), na pena de 5 anos de prisão;

- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c), com referência aos arts. 2º, nº 1, c), o), p) e ab), 3º, nºs 1 e 3, 5º e 13º, todos da Lei nº 5/2006, de 23-2, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão;

- em cúmulo, na pena única de 6 anos de prisão.

Foi ainda condenado no pagamento da quantia de 20.000,00 € ao ofendido e demandante BB a título de danos não patrimoniais.

Desta decisão interpôs o arguido recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 - O Tribunal entendeu condenar o arguido na pena de seis anos de prisão, efectiva.

2 - O Tribunal não justificou a(s) razão(ões) pela(s) quais considerou justa e adequada cada uma das penas parcelares aplicadas, bem como a pena única aplicada em cúmulo jurídico.

3 - Não ponderou os elementos constantes do Relatório Social para Determinação da Sanção.

4 - Não ponderou a circunstância do Arguido não ter antecedentes criminais.

5 - Não ponderou a idade do Arguido.

6 - Não ponderou a circunstância do Arguido, ao longo de 54 anos de vida sempre ter pautado a sua vida segundo as normas e regras da sociedade.

7 - Não ponderou a conduta do Arguido, posterior aos factos, em particular, a sua apresentação, voluntária e por sua iniciativa, junto das autoridades policiais, imediatamente após a prática dos factos, com o propósito, que concretizou, de confessar ter disparado um tiro sobre o ofendido.

8 - Não ponderou a conduta do Arguido em audiência de julgamento, mormente, a confissão de ter disparado um tiro sobre o ofendido, bem como de ter na sua posse as armas apreendidas.

9 - Não ponderou o arrependimento, sério, manifestado pelo Arguido, em audiência de julgamento, e que tem subjacente a reflexão crítica sobre a sua conduta, circunstância igualmente não ponderada.

10 - Não ponderou a circunstância das três armas e uma munição apreendidas, se encontrarem guardadas num armário, fechado com cadeado, ao qual, apenas o Arguido acedia, e de as mesmas se destinarem a decoração.

11 - O facto do Arguido se encontrar inserido sócio-economicamente, e a família aguardar e estar disponível para o reintegrar no seu seio.

12 - Não ponderou a circunstância do Arguido, à data dos factos, estar inserido laboralmente.

13 - Não ponderou a circunstância do Arguido ter reconhecida qualidade do seu trabalho e a facilidade de reingressar, de novo, no mercado laboral.

14 - Não ponderou quaisquer outras circunstâncias atenuantes na medida da pena.

15 - O tribunal a quo não fundamentou as medidas das penas aplicadas, da moldura penal em concreto, não tendo indicado qualquer razão, pela qual considera as mesmas justas e adequadas.

16 - Bem como, o valor excessivo, sem fundamento, concedido ao Ofendido, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais.

Nestes termos deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

- devem serem reduzidas as penas parcelares aplicadas ao Arguido relativamente a ambos os crimes pelos quais foi condenado;

- deve ser reduzida a pena única a aplicar, em cúmulo jurídico das penas parcelas, para uma pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos;

- deve ser suspensa na execução a pena de prisão aplicada;

- deve ser reduzido o montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais;

- Fazendo-se a Douta e costumada JUSTIÇA.

O Ministério Público respondeu, pedindo a confirmação do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer, quanto ao mérito do recurso:

2.1 – Penas parcelares:

O recorrente impugnou como vimos, expressamente, não só a pena conjunta decorrente do cúmulo jurídico operado, como também a medida concreta de cada uma das duas penas parcelares, ambas não superiores a 5 anos de prisão, em que foi condenado. De resto, e no essencial, há até que dizer que as circunstâncias que para tanto convoca relevam, sobretudo, como factores de determinação da medida de cada uma dessas penas parcelares, sendo que pelo menos um desses factores – o seu ora invocado arrependimento – não poderia, nem deveria, o tribunal ter sopesado, isto pela simples e singela razão de que o recorrente não impugnou a decisão proferida em matéria de facto e dela não consta, tal como da respectiva motivação [pontos 2.1 e 3], que ele, que apenas confessou parcialmente, tenha mostrado arrependimento.

Ora, e não ignorando a clivagem da jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão, acompanhamos a orientação firmada, entre outros, no Acórdão de 18-11-09, publicado na CJ (STJ), 2009, Tomo III, pág. 228, no sentido de que, citamos, «o STJ tem competência para conhecer dos recursos relativamente a condenações de penas unitárias superiores a 5 anos, mesmo que cada uma das respectivas penas parcelares sejam inferiores a esse limite. Ainda que essas penas parcelares não excedam os 5 anos de prisão, os mesmos podem ser objecto de recurso para o STJ, desde que a pena única aplicada e daí resultante seja superior a esse limite».

Assim, e nesta parte, dir-se-á então que a nosso ver, atentos os fundamentos aduzidos na decisão impugnada, e tendo em atenção quer os critérios legais ao caso convocáveis (arts. 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal), quer a moldura penal abstracta correspondente a cada um dos crimes, estamos em crer que a reacção criminal adequada não poderia deixar de passar pela fixação de cada uma daquelas penas: 5 anos de prisão para o crime de homicídio tentado, e 2 anos e 8 meses de prisão (ou pelo menos nunca menos de 2 anos) para o crime de detenção de arma proibida.

Sustenta o recorrente, como já vimos, que a decisão impugnada não teria valorado, entre outras circunstâncias, o seu arrependimento.

Tal crítica é porém, como também já vimos, de todo infundada. A que acresce ainda, bem entendido, que convirá não esquecer igualmente, como parece querer fazer o recorrente, o peso concreto das demais circunstâncias provadas, estas sim apuradas na sentença, que depõem contra si.      

A graduação da medida concreta da pena deve ser efectuada, como é sabido, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (art. 71.º, n.º 1 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2).

Nos termos do art. 40.º, n.º 1, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva), sendo certo que, como também se sabe, a referência (legal) aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade de pena e a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção.

Mas, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo art. 71.º), sendo certo que “disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva” (Ac. STJ de 10/4/96, CJ-STJ 96, II, 168).

Ora, in casu:  

- Não há dúvida de que a matéria de facto apurada preenche efectivamente os elementos constitutivos dos apontados crimes de homicídio tentado e detenção de armas proibidas, subsumíveis às previsões normativas acima indicadas e a que correspondem, respectivamente, as molduras penais abstractas de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão; e 1 mês a 5 anos de prisão.

- É muito elevada a intensidade da culpa e directo o dolo com que agiu o arguido.

- Por outro lado, para a gravidade da ilicitude há que atender, em particular no que diz respeito ao crime de homicídio tentado (i) ao modo de execução do crime e natureza do instrumento utilizado [uma arma de fogo]; e bem assim (ii) à gravidade das lesões provocadas ao ofendido, ao padecimento, sequelas e perigo, concreto, de vida delas resultante para o mesmo ofendido, o que se reflecte também na culpa, só passível de alguma atenuação pela ausência de antecedentes criminais.

Estes mesmos factores, dada a sua natureza ambivalente (atendíveis em sede de culpa e de prevenção), são também relevantes para aferir das necessidades de prevenção especial, necessidades que, particularmente quando está em causa uma conduta passível de atentar contra um dos bens jurídicos mais importantes, senão mesmo o mais importante, a tutelar, não podem também deixar de assumir aqui particular premência.

- Por último, e se é certo que o arguido não tem antecedentes criminais, não podem deixar de relevar os défices ao nível da sua personalidade, devidamente caracterizada nos pontos 82 e 83 da fundamentação da decisão de facto do Acórdão “sub judice”, entre os quais sobressai a desvalorização dos danos e fraca capacidade de descentração, bem como a sua demonstrada ambivalência ao atribuir a responsabilidade do seu comportamento a factores externos.

Ponderando, pois, as apontadas circunstâncias; tendo ainda em conta que, bem ao contrário do que sugere, foram também devidamente sopesadas a sua idade, confissão parcial e inserção social e familiar, (mas, como é bom de ver, isso não tinha valor atenuativo suficiente para que o Tribunal se devesse decidir por diminuição ainda maior das respectivas medidas); e não olvidando por outra banda as acentuadas exigências quer de (i) prevenção geral inerentes a este tipo de crimes, particularmente os que atentam contra a vida, sempre geradores de um forte sentimento de intranquilidade e de insegurança na população; quer de (ii) prevenção especial decorrentes do risco, indesmentível, de reincidência, tudo considerando e a tudo atendendo, estamos em crer que é ajustada a medida concreta de cada uma das penas parcelares aplicadas, posto que nos não repugnasse a redução, para os 2 anos de prisão, da pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida.

A nosso ver, qualquer reacção criminal de cariz ainda mais benevolente cremos que não satisfaria já, suficientemente, nem as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização – influência concreta sobre o agente – nem de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico – influência sobre a comunidade, no sentido de “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”.

2.2 – Medida da pena do concurso:

Como é por demais sabido e vem sendo repetidamente afirmado, aliás, pela Jurisprudência e pela doutrina, a medida concreta da pena do concurso – que se constrói, dentro da moldura abstracta aplicável definida no n.º 2 do art. 77.º do CP, a partir das penas aplicadas aos diversos crimes – é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP).

O que vale por dizer, pois, que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente. Isto é, e como ensina Figueiredo Dias, «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique».

A esta luz, e descendo agora ao caso dos autos, há que evidenciar que o arguido foi condenado pelos dois crimes no âmbito do mesmo processo, tendo a pena única sido determinada logo em seguida à fixação de ambas as pena singulares. E como meridianamente decorre da fundamentação da decisão recorrida em sede de determinação da medida das penas, o tribunal “a quo”, para além de ter desenvolvido uma fundamentação adequada para a determinação das penas concretas aplicadas, expendeu também logo de seguida, para efeitos de cúmulo, articuladas e, a nosso ver, suficientes considerações sobre a totalidade dos factos perpetrados e sobre a personalidade do arguido, o que tudo redunda em fundamentação da pena conjunta.

Nesta última sede há que considerar que o “ilícito global” – constituído agora por um crime de homicídio tentado e um crime de detenção de arma proibida (consumados ao mesmo tempo e na mesma ocasião) –, conjugado com a personalidade evidenciada nos factos, não pode deixar de assumir uma gravidade acentuada, denotando um considerável desvio em relação aos valores fundamentais da vida comunitária e revelando por parte do arguido uma personalidade potencialmente perigosa para a ordem jurídica, indiciadora de alguma falta de assimilação dos valores fundamentais da comunidade, especialmente na área dos bens jurídicos de carácter pessoal.

Neste quadro, tendo em conta que a moldura penal do concurso de crimes tem como limite mínimo 5 anos de prisão – [pena parcelar mais elevada] –, e como limite máximo 7 anos e 8 meses de prisão – [soma de todas as penas parcelares], estamos em crer que a pena fixada, graduada em 6 anos de prisão, é perfeitamente ajustada à gravidade do ilícito global e à personalidade revelada pelo arguido, não se nos afigurando muito elevada em face quer daqueles limites e das exigências de prevenção, quer da medida da culpa, enquanto englobadas naquele totalidade.

Quando muito, e a ser porventura ponderada a redução, para 2 anos de prisão, da pena parcelar pelo crime de detenção de arma proibida, não nos repugnaria então a correspondente redução da pena única do concurso para 5 anos e 6 meses de prisão.  

3. – Este é, pois, sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, o sentido do nosso parecer.

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Pretende o recorrente s redução das penas parcelares, bem como da pena conjunta, esta para medida não superior a 5 anos de prisão, e suspensa na sua execução.

Pede ainda a redução da indemnização fixada para montante que não especifica.

É a seguinte a matéria de facto apurada:

1. O arguido AA e o ofendido BB são colegas de trabalho na oficina denominada “S...E...”, sita na Rua ..., Lisboa.

2. Sendo certo que o arguido trabalha na secção de bate-chapas e o ofendido na secção de lavagens.

3. Entre o arguido e o ofendido existe um desentendimento cujas razões não se logrou apurar.

4. No dia 25 de Novembro de 2009, entre as 12,30 horas e as 12,45 horas, o arguido e o ofendido encontravam-se no local de trabalho, na cave da oficina.

5. A dado momento e em circunstâncias não esclarecidas, o arguido dirigiu ao ofendido a expressão “anda cá passarinho, anda cá, hoje não escapas”.

6. De seguida, quando ambos se encontravam junto à bancada de trabalho do arguido, este empunhou uma pistola de 8mm adaptada a calibre 6,35mm e disparou um tiro na direcção do ofendido, atingindo-o no tórax.

7. De seguida, abandonou o local.

8. Acabando, porém, por se entregar à autoridade policial na Esquadra da PSP do Bairro Alto, pouco tempo depois.

9. O projéctil disparado pelo arguido entrou na paraestrenal alta, terceiro espaço intercostal à esquerda do ofendido e alojou-se na zona da omoplata esquerda.

10. Provocando traumatismo penetrante do hemitórax esquerdo, com porta de entrada no 2° espaço intercostal, face anterior e para dentro da linha mamilar (para-esternal esquerda) (fls. 418).

11. O ofendido foi assistido no Hospital de São Francisco Xavier e, apesar de consciente e orientado, apresentava lesões graves ao nível do pulmão esquerdo, que foi perfurado, encontrando-se, naquele momento, em risco de vida.

12. O TAC torácico a que foi submetido revelou o trajecto da bala que perfurara o corpo da omoplata e com alojamento no tecido celular subcutâneo.

13. O lesado ficou na reanimação para vigilância, porém, face à elevada quantidade de líquido hemático drenado, a equipa médica decidiu operá-lo ainda no mesmo dia.

14. O lesado foi então sujeito a intervenção de urgência para toracotomia exploradora e controlo da hemorragia (fls. 418), com sutura de feridas pulmonares - orifício de entrada e saída do projéctil (fls. 419).

15. Essa intervenção durou cerca de sete horas e meia.

16. O lesado ficou internado nos cuidados intensivos continuados (UCIC) do Hospital São Francisco Xavier, sujeito a ventilação mecânica e vigilância hemodinâmica (fls. 430).

17. Em coma induzido, iniciando sedoanalgesia com propofol e morfina.

18. A 01.12.2009, por persistência da hemorragia com necessidade de transfusão de múltiplas unidades de concentrados eritrocitários e plasma fresco congelado, foi novamente ao Bloco Operatório (fls. 433).

19. O lesado é, então e de novo, intervencionado, com abertura da toracotomia e hemostase, com remoção de múltiplos coágulos organizados com colapso pulmonar marcado - múltiplos pontos sangrantes, difusos e sem local electivo.

20. A 06.12.2009, o lesado é sujeito a nova intervenção cirúrgica para controlar outra hemorragia que entretanto surgira.

21. O lesado continuou em estado de coma induzido até ao dia 24.12.2009, data em que foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos Intermédios do mesmo HSFX.

22. A 28.12.2009, foi transferido para o serviço de Cirurgia II do Hospital Egas Moniz (fls. 431).

23. De onde teve alta no dia 04.01.2010.

24. O lesado passou então a ser seguido em consultas semanais com médico especialista torácico.

25. Iniciou, igualmente, fisioterapia respiratória, duas vezes por semana.

26. Entretanto, devido ao seu estado debilitado foi-lhe diagnosticada uma broncopneumonia, voltando a ser internado no Hospital São Francisco Xavier.

27. Posteriormente foi transferido para o Hospital Egas Moniz, onde permaneceu quinze dias.

28. Pela dificuldade de remoção, a equipa cirúrgica decidira ser menos gravoso não extrair o projéctil (fls. 416).

29. Durante cerca de cinco meses, o lesado manteve alojado o projéctil no interior do seu corpo.

30. Até que a 22.04.2010, por apresentar fortes queixas na zona de penetração, foi novamente para o bloco operatório para remoção do projéctil.

31. Teve alta dois dias depois, indo a consulta, dia sim, dia não, inclusive ao fim de semana.

32. Perante nova hemorragia, o lesado foi novamente intervencionado, para drenar o líquido.

33. Presentemente, o lesado continua a fazer fisioterapia respiratória, duas vezes por semana, no Hospital Egas Moniz.

34. O lesado continua num penoso processo de recuperação que se vem arrastando ao longo de sete meses.

35. O lesado teve alta médica em 13.10.2010.

36. O lesado é lavador de carros - chefe de equipa - trabalhando para a C..., LDA, auferindo, em média, a quantia mensal ilíquida de 733,54€ (fls. 691), e líquidos 636,95€.

37. O ofendido BB, por causa directa dos presentes factos, recebeu da Companhia de Seguros Global um pagamento de indemnização de 70% da remuneração diária fixada em 27,77€ (fls.746).

38. O lesado sofreu dores intensas e fortíssimas.

39. Esteve em estado crítico.

40. Temeu pela sua vida, não só no momento do disparo efectuado pelo arguido.

41. Como em momentos críticos ao longo do processo de recuperação.

42. Sofreu angústia, medo.

43. Ficou impedido de trabalhar ou de fazer a sua vida normal.

44. E sem poder contribuir para o sustento da família.

45. Durante algumas semanas necessitou de ajuda parcial para necessidades básicas, como vestir-se e despir-se (fls. 444 v°).

46. Em consequência do tiro e das intervenções cirúrgicas a que foi submetido por causa daquele, o lesado ficou com as seguintes cicatrizes:

- cicatriz deprimida na região para-esternal esquerda e ao nível do 4° espaço intercostal com 1 cm de diâmetro;

- cicatriz de toracotomia com início a 6 cm para a esquerda da linha média, oblíqua para baixo e para a frente medindo 26 cm de comprimento;

- quatro cicatrizes de toracotomia (dreno) no hemitórax à esquerda dois na região subescapular medindo 2 x 1 cm e dois no plano axilar posterior e médio medindo 1,5 cm e 1 cm;

- cicatriz de ferida operatória com vestígios de pontos de sutura no plano axilar médio medindo cerca de 2,7 cm de comprimento.

47. E ainda as seguintes sequelas:

- amiotrofia do membro superior esquerdo com diminuição da força muscular;

- estigmas de toxicofilia na orega do cotovelo esquerdo;

- dificuldades na elevação e retropulsão do membro superior esquerdo;

- tudo conforme relatório clínico médico-legal de fls. 271.

48. Como decorre do teor do auto de apreensão de fls. 10 a 12, a arma disparada pelo arguido – de marca Walman - foi apreendida, juntamente com o respectivo carregador e uma munição de calibre 6,35mm.

49. No dia 27 de Novembro de 2009, pelas 11,00 horas, quando alguns trabalhadores da “S...- E...” procediam à limpeza do local de trabalho do arguido, deram conta que no interior do seu armário se encontravam várias armas.

50. Solicitaram a presença de agentes policiais que, após confirmarem a existência de armas no referido local, procederam à apreensão:

- uma arma de fogo feita artesanalmente com mecanismo de disparo, percutor, câmara de explosão, punho e reforço de punho, formando uma peça única e admitindo munição de calibre 12mm;

- uma arma de fogo feita artesanalmente que possui gatilho, cano não estriado, percutor e mola e admitindo munição de calibre 7,65mm;

- uma arma branca de construção artesanal, com formato de punhal, com punho de cerca de 12cm e lâmina de cerca de 25cm;

- uma munição de marca “Melhor” (Diamante), calibre 12mm, de cor vermelha;

- uma munição de marca “S e B”, calibre 7,65mm.

51. As características básicas das referidas armas constam do auto de apreensão de fls. 190.

52. A acima referida arma branca foi objecto de exame directo, junto a fls. 233, tendo-se verificado tratar-se de instrumento com o comprimento total de 36,5cm, dos quais 25 cm correspondem à lâmina.

53. As referidas armas de fogo - a pistola disparada referida no auto de apreensão de fls. 10 a 12 e as armas artesanais descritas no auto de apreensão de fls. 190 - foram objecto de exame pericial cujo relatório consta de fls. 466 a 476. Tendo-se constatado:

54. Que a pistola de calibre 6,35mm de marca Walman, utilizada pelo arguido na agressão ao ofendido se encontra em condições de efectuar disparos, apresentando, porém, deficiências pontuais ao nível da sequência de automatismo; esta pistola foi responsável pela deflagração da cápsula recolhida no local do disparo.

55. Que a arma artesanal de calibre métrico de 7,65mm não se encontra em condições de realizar disparos.

56. Que a arma artesanal de calibre 12mm encontra-se em condições de realizar deflagrações, efectuando, porém, pontualmente, percussões fracas.

57. A t-shirt e a camisola interior que o ofendido vestia aquando da agressão foram sujeitas a exame pericial, tendo em vista apurar a proveniência dos danos que apresentavam e estimar a distância de disparo.

58. Como resulta do relatório de fls. 406 a 410, apurou-se que os referidos danos se apresentavam compatíveis com projéctil de arma de fogo.

59. Não tendo sido, porém, possível fazer estimativa de distância de disparo.

60. Foram recolhidos diversos vestígios nas mãos, face e cabelo, zona anterior do vestuário e bolsos do arguido.

61. Tais vestígios foram sujeitos a exames periciais, tendo em vista determinar a presença de partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo. Como resulta do relatório de fls. 411 a 413, concluiu-se:

- nas amostras recolhidas foram detectadas partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo;

- a presença de tais partículas é compatível com um disparo, manipulação de arma ou proximidade a disparo de arma de fogo por parte do arguido;

- as partículas detectadas são compatíveis com as partículas identificadas na cápsula deflagrada de marca Geco descrita no relatório de balística de fls. 466 a 476 e reportada à arma disparada pelo arguido.

62. Na sequência da agressão descrita, o ofendido sofreu traumatismo torácico de que teve que receber assistência hospitalar.

63. Como decorre dos relatórios médico-legais de fls. 269 a 271 e 481 a 485, as lesões sofridas resultaram de traumatismo de natureza contuso-perfurante e determinaram um período de doença fixável em 90 dias, sendo 40 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 90 dias com afectação para o trabalho profissional.

64. Mais se concluiu que da agressão resultou, em concreto, perigo para a vida do ofendido.

65. E que atendendo ao instrumento empregue e à região corporal atingida, que aloja órgãos essenciais à vida, as lesões traumáticas resultantes da ofensa, por si só, revelam-se idóneas para poderem produzir a morte do ofendido.

66. A qual não se verificou devido à imediata e tempestiva conduta médico-cirúrgica. 

67. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, no intuito de atingir com o seu disparo, o ofendido no tórax.

68. Fê-lo com plena consciência de que se trata de região corporal onde se alojam órgãos vitais, querendo, por isso, provocar-lhe a morte.

69. Não obstante, não atingiu esse resultado, por motivos alheios à sua vontade, em virtude de o seu disparo não ter atingido de modo pleno nenhum órgão vital, apesar de ter atingido parte do pulmão do ofendido e este ter recebido a correcta assistência médica atempadamente.

70. Actuou, ainda, ciente das características da arma de fogo que utilizou e de que não lhe era permitida a respectiva posse.

71. A arma apreendida à ordem dos autos foi adquirida, pelo arguido, há bastante tempo, na sequência de ter sido vítima de roubo, na deslocação para o seu local de trabalho.

72. O arguido transportava a arma consigo mas nunca a exibiu perante qualquer Colega.

73. Do mesmo modo, estava ciente das características das armas de fogo que tinha no seu cacifo e cuja posse não lhe era legalmente permitida.

74. Sendo certo que as armas de fogo ali guardadas tinham sido construídas pelo arguido e pelas suas características eram insusceptíveis de ser legalizadas.

75. O arguido agiu sempre com plena consciência de que as suas condutas eram contrárias à lei penal, sendo, por isso, punidas.

76. O arguido não tem antecedentes criminais (fls. 619).

77. O arguido tem um passado de toxicodependência tendo feito um programa de desintoxicação ambulatório com o apoio do irmão, não consumindo, segundo afirma, há mais de 13 anos sentindo-se completamente recuperado, referindo não ter abusos de substâncias etílicas, situação corroborada pela esposa.

78. À data dos factos, AA vivia com a esposa numa habitação própria, encontrando-se a trabalhar na "S...E..." onde se mantinha há cerca de 8 anos numa situação laboral de efectividade. O arguido é um excelente profissional e cumpridor, embora seja referenciado como um indivíduo isolado e distante não mantendo grande proximidade com os colegas de trabalho nem se verificando situações conflituosas com os mesmos.

79. Em termos pessoais, AA apresenta uma postura cordata e afável mas com reduzida capacidade de auto-análise e auto-crítica, focalizando em factores externos a responsabilidade dos seus comportamentos.

80. O arguido perspectiva vir a regressar ao seu agregado familiar encontrando-se o cônjuge totalmente disponível para o apoiar continuando a usufruir do apoio de outros familiares, irmão e cunhados.

81. Em termos profissionais encontra-se a decorrer na empresa onde trabalhava um processo de averiguações desconhecendo qual será o desfecho.

82. O arguido AA encontra-se preso no Estabelecimento Prisional junto às instalações da Polícia Judiciária, evidenciando consciência da sua situação jurídica e das consequências que daí possam advir, revelando, todavia, desvalorização dos danos e fraca capacidade de descentração.

83. Ainda que o seu discurso indicie alguma consciência crítica face ao dano e face ao prejuízo para a vítima, demonstra ambivalência ao atribuir a responsabilidade do seu comportamento a factores externos.

84. O arguido AA é o mais velho de uma fratria de dois filhos, sendo proveniente de um agregado familiar de condição socioeconómica modesta mas equilibrada e com um relacionamento afectivo e harmonioso.

85. Habitavam uma casa própria, inserida numa zona rural, tendo o progenitor uma actividade profissional regular como empreiteiro de resinas sendo a mãe doméstica, estando satisfeitas as necessidades básicas do agregado familiar.

86. Ao nível escolar, apenas fez a 4ª classe porque os pais não permitiram que seguissem os estudos com vista a adquirir experiência na profissão de bate-chapas. Deste modo, iniciou a sua actividade profissional muito novo em várias garagens da zona de residência, e posteriormente noutras zonas do país, tendo mantido uma permanência regular nos vários locais onde trabalhou. Esteve 3 anos em Espanha também a trabalhar na mesma área profissional, acabando por regressar a Portugal e fixando a sua residência em Lisboa.

87. Depois da passagem por várias garagens ligadas ao ramo automóvel, encontrava-se presentemente a trabalhar há cerca de 8 anos na "S...E..." em Lisboa, com um vínculo laboral de efectividade.

88. Aos 32 anos contraiu matrimónio habitando na zona de Campo de Ourique numa casa arrendada, tendo adquirido há cerca de 13 anos uma casa própria na zona de Santo António dos Cavaleiros onde morava à data da sua prisão.

89. O cônjuge exerceu a actividade profissional de ama na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tendo vindo a desenvolver outras actividades na área da restauração pelo que as condições socioeconómicas eram satisfatórias.

90. Apresenta um comportamento adequado e uma postura adaptada ao meio institucional em causa, usufruindo de visitas regulares da esposa e irmão.

2.2. Matéria de facto não provada:

Da discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

- Que o ofendido não recebe qualquer retribuição desde a data do crime.

- O ofendido, durante a manhã, no local e horário de trabalho, provocou o arguido por diversas vezes cantando e dizendo a referida expressão de "curucucu”:

- Após o almoço e antes de retomar o trabalho, o arguido passou junto do computador, registando a sua entrada, bem como o retomar a obra que tinha suspendido, e não viu BB mas ouviu-o a fazer os referidos "curucucu".

- Enquanto continuava a caminhar para o seu local de trabalho, o arguido escutou, de novo, BB a fazer os referidos "curucucu”.

- O arguido em data anterior ao início das provocações, chegou a efectuar reparações na viatura de BB, à porta das instalações do local de trabalho, sem ter cobrado qualquer quantia monetária pelo trabalho desenvolvido.

- Ainda durante o horário de almoço do arguido, quando este se preparava para retomar o trabalho, BBdeslocou-se até ao local onde aquele presta o seu trabalho, sabendo que o ia encontrar ali, sozinho.

- E ao se aproximar do local de trabalho do arguido, movimentou-se de modo silencioso e matreiro, sem nada que o fizesse prever e sem motivo para se deslocar até ali, naquele período que era horário de almoço.

- Caminhando agachado junto a uma viatura que se encontrava estacionada junto ao local de trabalho do arguido, retirando a este a possibilidade de se aperceber da presença daquele.

- E quando a sua presença se torna visível ao arguido, BB surge de braços no ar, efectuando gestos indiciadores de violência, deslocando-se, então, com rapidez, na direcção do arguido.

- Todo este comportamento de BB fez com que o arguido entendesse que aquele se dirigia a si com o intuito de o agredir, e num acto irreflectido, e com intenção de se defender, o arguido empunhou a arma de fogo e disparou um tiro, na direcção de BB.

- O que fez por, naquele momento, ter temido pela sua vida.

Pena do crime de homicídio tentado

Critica o recorrente a pena fixada, por entender que o tribunal recorrido não atendeu a diversas circunstâncias atenuantes, como a apresentação voluntária às autoridades após a prática do crime, a confissão e o arrependimento sério manifestados em audiência, a falta de antecedentes criminais.

Nos termos do art. 71º do CP, a pena é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se na determinação da pena concreta a todas as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis ao agente, nomeadamente o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, a motivação do agente, as suas condições pessoais e a conduta anterior e posterior ao crime.

Analisando a matéria de facto, não pode deixar de se considerar elevada a ilicitude dos factos. Na verdade, a conduta do arguido foi executada sem prévio confronto ou disputa com o ofendido, tendo-se apurado apenas que entre eles existia um “desentendimento”. Por outro lado, foram graves a consequências da agressão, desde logo porque dela resultou perigo concreto para a vida do ofendido, como ainda pelo período de doença provocado (90 dias, com igual tempo de incapacidade para o trabalho), ficando o ofendido com as sequelas descritas nos nºs 46 e 47 da matéria de facto.

O arguido agiu com dolo directo.

Nada se apurou quanto às suas motivações.

Beneficia o arguido do facto de se ter entregue às autoridades voluntariamente.

Nenhuma referência é feita na matéria de facto quanto à confissão e ao arrependimento, que ele invoca, pois, sem fundamento.

Releva, no entanto, a favor do arguido a falta de antecedentes criminais, atendendo à sua idade (52 anos à data dos factos).

Também é de referir a sua inserção familiar e social, embora tal facto não seja muito relevante neste tipo de criminalidade.

De considerar, em sentido desfavorável, a limitada consciência crítica face ao dano e ao prejuízo para o ofendido e a ambivalência revelada ao atribuir a responsabilidade do seu comportamento a factores externos (nº 83 da matéria de facto).

Há que considerar, por último, os fins das penas. A conduta do arguido, se não motiva particulares preocupações de prevenção especial, dada a ausência de antecedentes criminais, impõe fortes exigências de prevenção geral.

Sendo a moldura penal aplicável ao crime de homicídio tentado de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão, a pena fixada pelo tribunal recorrido – 5 anos de prisão – mostra-se inteiramente adequada às finalidades das penas, já que, não ultrapassando a medida da culpa, satisfaz minimamente as necessidades preventivas.

Não merece, pois, provimento o recurso nesta parte.

Pena do crime de detenção de arma proibida

O arguido tinha em seu poder, além da arma com que executou o crime de homicídio tentado (uma pistola de 8 mm adaptada a calibre 6,35 mm), as armas referidas no nº 50 da matéria de facto.

Tendo embora o arguido sido condenado apenas por um único crime de detenção de arma proibida, a detenção de uma pluralidade de armas proibidas não pode deixar de ser considerada, em termos de agravamento da ilicitude e consequentemente na medida da pena.

Considera o recorrente que o tribunal não atendeu a que, com excepção da arma de fogo utilizada no homicídio tentado, as armas se destinavam a “decoração”.

Tal facto não ficou provado e aliás não se coaduna a finalidade decorativa com o facto de as armas estarem fechadas num armário, no local de trabalho de arguido.

É de atender, porém, ao facto de se tratar de armas artesanais, construídas pelo arguido (nº 74 da matéria de facto). Contudo, uma das armas de fogo encontrava-se em condições de disparar e a arma branca tinha um comprimento de 25 cm de lâmina, o que a tornava especialmente perigosa.

O crime de detenção de armas proibidas tem vindo a merecer especial censura do legislador e da sociedade, pelo perigo potencial para a vida e a integridade física das pessoas em geral que constitui a detenção de armas por parte de quem não está autorizado para tal.

As exigências de prevenção geral são fortíssimas neste tipo de criminalidade. Por isso, e embora algumas das armas fossem de potencial destrutivo diminuto, entende-se adequada a pena aplicada, tendo em consideração ainda a medida da pena abstracta, que é de 1 a 5 anos de prisão.

Pena do concurso

Tendo sido fixadas as penas parcelares em 5 anos de prisão, para o crime de homicídio tentado, e de 2 anos e 8 meses de prisão, para o crime de detenção de arma proibida, a moldura do concurso vai de 5 anos a 7 anos e 8 meses de prisão.

Na fixação da pena do concurso, há que atender em conjunto aos factos e à personalidade do agente (art. 77º, nº 1, do CP).

Apurou-se que o arguido tem uma situação social e familiar estável, não tendo antecedentes criminais. Laboralmente está inserido.

Não mostrou, no entanto, uma atitude crítica convincente quanto aos factos praticados, os quais revelam uma certa agressividade, ligada ao gosto pela detenção de armas.

Este conjunto de factores constitui fundamento sólido para a pena de 6 anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido, não merecendo, assim, essa pena qualquer censura.

A medida da pena obsta à suspensão da pena (art. 50º, nº 1, do CP).

Indemnização por danos não patrimoniais

Foi o arguido condenado no pagamento ao ofendido e demandante da quantia de 20.000,00 €, a título de danos não patrimoniais.

Considera o recorrente tal quantia “excessiva”, pedindo a sua redução para montante não indicado.

Constituem danos não patrimoniais aqueles que são insusceptíveis de uma expressão pecuniária, embora traduzam um mal infligido ao lesado. Entre os danos não patrimoniais relevantes, contam-se as dores, físicas ou psíquicas, os sofrimentos, as ofensas à honra ou à consideração.

Não sendo os danos não patrimoniais susceptíveis de reparação natural, a correspondente indemnização deverá ser fixada equitativamente, nos termos do art. 496º, nº 3, do Código Civil, tendo embora em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado, e as demais circunstâncias relevantes do caso. A indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, e fixada de acordo com critérios de boa prudência e ponderação das realidades da vida. A gravidade do dano há-de avaliar-se objectivamente.

No caso dos autos, em consequência da agressão do arguido, o ofendido sofreu lesões graves ao nível do pulmão esquerdo, foi submetido a várias operações sucessivas, correu perigo de vida, e teve um período de doença de 90 dias, apresentando como sequelas da agressão as referidas nos nºs 46 e 47 da matéria de facto. Sofreu dores intensas e fortíssimas (nº 38), temeu pela vida e sofreu angústia e medo (nºs 40 e 42).

Perante este quadro fáctico, a indemnização de 20.000,00 € mostra-se adequada, proporcional e justa, não merecendo censura.

Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

III. DECISÃO

Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.

Vai o recorrente condenado em 6 (seis) UC de taxa de justiça, nos termos do art. 8º do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 26 de Outubro de 2011

Maia Costa (relator) **
Pires da Graça