ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1947/07.9TBAMT-B.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/03/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

DESCRITORES OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TÍTULO EXECUTIVO
LEGISLAÇÃO NACIONAL
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 46º, 96º, 97º, 466º, 813º, 814º, 816º, 817º
DL Nº 141/2001, DE 27 DE ABRIL
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃO DE 10 DE JULHO DE 2008 DO SUPREMO TRIBUNAL (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B794)


SUMÁRIO
1. Embora enxertada numa acção executiva, a oposição à execução traduz-se numa acção declaratória que tem por objectivo, no caso de o executado querer pôr em causa o direito de crédito invocado pelo exequente, a declaração da sua não existência, através da invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, com a amplitude de que disporia se estivesse a defender-se numa acção declarativa, caso a execução se não baseie em sentença.
2. No contexto da execução, a oposição desempenha a função de contestação.
3. Assim, assente a competência do tribunal para julgar a execução, a competência para apreciar a oposição estende-se ao conhecimento dos fundamentos nela invocados, por aplicação do regime definido no nº 1 do artigo 96º do Código de Processo Civil, aplicável à acção executiva nos termos do disposto no nº 1 do artigo 466º respectivo.
4. À mesma conclusão, aliás, se chega por via da aplicação do regime definido pelo artigo 97º do Código de Processo Civil para a competência para apreciar questões prejudiciais de natureza administrativa.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. No âmbito da execução movida no Tribunal Judicial de Amarante pelo Instituto de Turismo de Portugal contra AA, Lda, baseada em certidão negativa de pagamento, emitida pelo exequente em 3 de Outubro de 2007 (cfr. fls.86), foi deduzida oposição “nos termos dos arts. 813, 814 e 816 do Código de Processo Civil” (fls. 5).
Para o que agora especialmente releva, a executada veio contestar a resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros entre ambos celebrado, que lhe foi oposta pelo exequente, com a consequente exigência de reembolso da comparticipação recebida e do pagamento da cláusula penal prevista no contrato (cfr. fls. 96 e 99), resolução essa que esteve na base da emissão da certidão de fls. 86.
Na contestação à oposição, o exequente invocou a incompetência do tribunal para apreciar “o acto administrativo de rescisão do contrato de concessão de incentivos”, que se “consolidou na ordem jurídica” (artº 9º) por não ter sido oportunamente impugnado pela executada.
No despacho saneador, a fls. 157, o tribunal julgou-se competente. Segundo decidiu, trata-se de apreciar um “acto de resolução contratual” do exequente, fundado em “alegado incumprimento contratual” da executada, “pelo que considero que a questão suscitada nestes autos se reporta a uma relação entre um instituto público de regime especial integrado na administração indirecta do Estado (artº 1º, nº 1, do Dec-Lei nº 141/2007 de 27/04) e um particular, não estando tal instituto a actuar na hoste pública ou a exercer o denominado jus imperii”.
O exequente recorreu; o recurso foi recebido como agravo, com subida imediata e com efeito meramente devolutivo.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Maio de 2011, de fls. 120, negou provimento ao recurso. Manifestou concordância “quer com a decisão” recorrida,” quer com os fundamentos”, para ela remetendo ao abrigo do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, e citou o acórdão de 19 de Janeiro de 2010, do Tribunal da Relação de Coimbra, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 160/08.2TBFCR-C.C1, proferido numa execução instaurada pelo mesmo exequente, “que analisa uma situação prática em tudo idêntica à destes autos, cujo conteúdo e fundamentos concordamos inteiramente”, transcrevendo as respectivas conclusões:
“a. O título dado à execução enquadra-se na al. d) do artº 46º do CPC e pertence à categoria dos títulos executivos administrativos;
b. E embora provindo de um Instituto Público e os actos que lhe estão subjacentes tenham natureza administrativa, a competência da ordem dos tribunais judiciais para a acção executiva a que respeita deriva da lei que, especialmente, a determinou;
c. Embora esta o não prescreva especialmente, aquela competência estende-se ao apenso de oposição à execução, sendo indiferente para a definição da competência em razão da matéria que o seu objecto recaia sobre o cumprimento/incumprimento de contrato de natureza administrativa.”

2. O exequente recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como agravo em 2ª Instância (artigos 678º, nº 2 e 754º do Código de Processo Civil), com subida imediata e efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“A) Sendo o tribunal recorrido materialmente competente para apreciar e tramitar a execução é igualmente competente para conhecer da oposição que corre por apenso;
B) Apesar de ser materialmente competente para conhecer da oposição, o tribunal não tem competência para se pronunciar sobre questões que, em razão da matéria, constituam reserva de outros tribunais de competência especializada;
C) Nessas matérias incluem-se as que digam respeito à apreciação da validade do acto administrativo por força do qual foi resolvido um contrato de concessão de incentivos e que determinou a subsequente emissão do título dado à execução;
D) A emissão do título executivo não tem subjacente o exercício de um poder autoritário mas o exercício de um direito previsto no art. 22º da Lei Orgânica do exequente;
(…)
F) A via judicial comum é a única que é materialmente competente para tramitar a acção executiva nos termos da citada norma legal, que atribui a esta jurisdição competência exclusiva para a instância executiva;
G) A oponente pretende ver apreciadas questões do foro administrativo sendo que, tendo disposto de prazo para impugnar a rescisão do contrato, renunciou a esse direito, sendo incongruente que, caso a oponente pretendesse agora impugnar o acto administrativo já não o pudesse fazer, por não estar em prazo, aceitando, porém, o tribunal comum reabrir a porta a uma discussão pela qual a oponente não quis entrar;
H) Caso se entendesse que a questão invocada pelo exequente seria recondutível a uma questão prejudicial, nos termos do artº 97º do CPC (…), seríamos remetido para um cenário de ausência de decisão de fundo porquanto, face ao decurso do prazo e como consequência da inércia e da renúncia ao exercício de um direito pela oponente, o tribunal administrativo já não pode pronunciar-se sobre tal questão;
I) A oponente não «ataca» o título executivo mas o acto administrativo que o antecedeu e que esteve subjacente à sua emissão;
(…)
K) Apesar de o artº 817º do CPC determinar que o tribunal competente para a execução é o competente para conhecer da oposição, isso não significa que o tribunal não deve apreciar se, em razão dos fundamentos em que esta se louva, é ou não materialmente competente para conhecer de tais fundamentos;
(…) O) (…) a apreciação da eventual ilegalidade do acto administrativo rescisório, sempre caberia aos tribunais administrativos nos termos do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do artigo 46º do CPTA;
P)Ainda que se entenda que o facto de a oponente não ter impugnado o acto administrativo na jurisdição administrativa constituiria matéria de preclusão e, portanto, estranha a um juízo de competência material, sempre se obteria o mesmo resultado ainda que por distinto fundamento;
Q) Efectivamente, encontrando-se a liquidação que se seguiu à resolução do contrato e à emissão da «certidão negativa de pagamento» para além do acto administrativo de resolução e das suas consequências, apenas quanto a esta matéria assistiria à executada legitimidade para, em sede de oposição à execução, arguir os fundamentos que tivesse por conveniente;
R) A decisão sob recurso violou o disposto nos arts. 66º, 96º, 101º, 102º, 103º, 105º, 814º e 826º, todos do CPC, art. 18º da LOFTJ e art. 4º do ETAF.”

Não houve contra-alegações.

3. Foi entretanto julgada improcedente a oposição, por sentença de 11 de Agosto de 2010, com cópia a fls. 68, da qual se transcreve a matéria de facto provada com relevo para este recurso:

«1°) Ao abrigo da Portaria 317-A/2000 de 31 de Maio a opoente/executada apresentou, em Setembro de 2000, uma candidatura ao Sistema de Incentivos Financeiros a Pequenas Iniciativas Empresariais, designado pela sigla SIPIE, que ficou referenciada com o nº 00-2579 (artigo 11° da petição inicial).
(…) 4°) A candidatura da opoente foi admitida sendo-lhe atribuído um subsídio não reembolsável de 5 174 000$00, correspondente a 25 808 euros (artigo 14° da petição inicial).
5°) As partes celebraram o contrato de concessão de incentivos financeiros em 18 de Maio de 2001 (artigo 15° da petição inicial).
(…) 21°) Uma vez verificada a conclusão do projecto pelo promotor e aprovado o relatório de execução pelo exequente, foi entregue o montante do subsídio (artigo 34° da petição inicial).
(…)27°) A oponente nunca aceitou a resolução do contrato, tendo remetido ao exequente a sua posição por carta registada de 26 de Abril de 2007 (artigo 77° da petição inicial).
28°) A resolução do contrato foi comunicada à opoente pela carta de 26.02.2007 (artigo 78° da petição inicial).
(…)41°) A resolução do contrato foi notificada à oponente através do Of. N.º 400/07/DAC de 26 de Fevereiro, no âmbito da competente deliberação do Conselho Directivo, datada de 15 de Fevereiro de 2007 e exarada sobre a Informação de Serviço n.º 23/2007/DAC (artigo 51° da contestação).»

4. Cumpre conhecer do recurso, cujo objecto se reconduz a saber se o tribunal da execução (tribunal judicial) é ou não competente para apreciar a questão da resolução do contrato, que a opoente considera infundada.
Antes de mais, cabe recordar o seguinte:
– não está em causa a competência do tribunal para a instauração e julgamento da execução, baseada num título executivo extra-judicial, emitido ao abrigo do disposto no artigo 22º do Decreto-Lei nº 141/2007, de 27 de Abril – artigo 46º, nº 1, d) do Código de Processo Civil –, nem, consequentemente, a sua competência para conhecer da oposição, como o recorrente expressamente reconhece;
– não interessa agora saber se “a via judicial comum” é ou não “a única que é materialmente competente para tramitar a acção executiva” instaurada com base em certidão negativa de pagamento emitida pelo recorrente;
– não pode argumentar-se com o eventual decurso do prazo de impugnação de um acto administrativo (no entender da recorrente, “o acto administrativo de resolução”) para fundamentar a incompetência do tribunal; a apreciação de tal caducidade pressupõe que, previamente, se tenha reconhecido ao tribunal da execução a competência para sobre ele se pronunciar;
– reconhecer natureza pública e, em particular, administrativa, ao contrato em discussão nos autos não implica o entendimento de que, para reagir contra a resolução decretada pelo exequente, a executada tivesse de impugnar um acto administrativo dentro do prazo previsto no nº 2 do artigo 58º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, como sustenta o recorrente. Também cabe aos tribunais administrativos o contencioso dos contratos, processado como acção administrativa comum, nos termos dos artigos 37º e segs. do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (als. e) e f)).

5. Como já se escreveu, por exemplo, no acórdão de 10 de Julho de 2008 deste Supremo Tribunal (www.dgsi.pt, proc. nº 08B794), da mesma relatora, “É sabido que, embora enxertada numa acção executiva, a oposição à execução se traduz, com efeito, numa “acção” declaratória (cfr. artigo 817º, nº 2, do Código de Processo Civil) que tem por objectivo, no caso de o executado querer pôr em causa o direito de crédito invocado pelo exequente, a declaração da sua não existência, através da invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, com a amplitude de que disporia se estivesse a defender-se numa acção declarativa (caso a execução se não baseie em sentença, naturalmente).
Mas é igualmente sabido que, no contexto da execução, a oposição desempenha a função de contestação. Atente-se, por exemplo, nos efeitos que a lei atribui à falta de oposição, no nº 3 do citado artigo 817º.”
Significa isto que, assente a competência do tribunal para julgar a execução, a competência para apreciar a oposição estende-se ao conhecimento dos fundamentos nela invocados, por aplicação do regime definido no nº 1 do artigo 96º do Código de Processo Civil, aplicável à acção executiva nos termos do disposto no nº 1 do artigo 466º respectivo.
À mesma conclusão, aliás, se chega por via da aplicação do regime definido pelo artigo 97º do Código de Processo Civil para a competência para apreciar questões prejudiciais de natureza administrativa. Seja por uma via, seja por outra – por ventura será esta última a mais adequada à construção feita pelo recorrente, ao autonomizar o que designa de “acto administrativo de resolução” –, a verdade é que o tribunal da execução pode apreciar a resolução decretada pelo recorrente, ainda que – como está longe de ser líquido, veja-se a decisão da 1ª instância – se conclua que estaria em causa uma questão que, autonomamente considerada, seria da competência dos tribunais administrativos.
Não tem fundamento a objecção dirigida pelo recorrente a esta solução: não é possível concluir pela existência de “um cenário de ausência de decisão” nos termos que aponta, e que, como se observou atrás, pressupõe a competência do tribunal para, entendendo estar em causa um acto administrativo, nos termos pretendidos pelo recorrente, julgar caducado o direito de o impugnar.
Conclui-se, portanto, tal como o acórdão recorrido, que é indiferente para concluir pela competência do tribunal da execução para apreciar a oposição deduzida pela executada saber se, no caso, a resolução deve ser tratada como um acto de direito privado ou de direito administrativo.

6. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Novembro de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso