ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
41/10.0GCOAZ.P2.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROVIDO EM PARTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR RAUL BORGES

DESCRITORES FURTO
FALSIFICAÇÃO
BURLA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
PENA PARCELAR
MATÉRIA DE DIREITO
DIREITOS DE DEFESA
DIREITO AO RECURSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
TENTATIVA IMPOSSÍVEL
CRIME CONTINUADO
TOXICODEPENDÊNCIA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
FUNDAMENTAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO

SUMÁRIO I - Em caso de recurso directo para o STJ de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a 5 anos de prisão e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compensa a falta de possibilidade de recurso para a Relação.

II - Sabido que por força do n.º 2 do art. 432.°, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da Lei Constitucional 1/97, de 20-09, com a introdução na parte final do n.º 1 do art. 32.° da locução “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição.

III - Como refere Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado, 18.ª edição, 2007, pág. 135), a inidoneidade do meio ou a carência do objecto, salvo nos casos em que são manifestas, não constituem obstáculo à existência da tentativa. A inidoneidade do meio ou a carência do objecto não devem ser aferidas através daquilo que o agente se representa, mas sim através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, portanto objectivamente, segundo o critério da generalidade.

IV - No caso concreto, os furtos por que foi condenado o arguido foram cometidos em Fevereiro de 2010, em 29-04-2010 e em 09-07-2010, distanciados temporalmente, os dois primeiros consumados em empresas diferentes, com armazéns na mesma zona industrial, apropriando-se de cheques e ainda de € 160, no segundo caso, e os posteriores tentados, tendo assaltado uma residência e uma empresa. Em cada um dos casos o arguido renovava a resolução criminosa, sem qualquer elemento exógeno ou exterior que diminua ou mitigue a sua culpa; as novas acções foram desejadas, procuradas, queridas. As razões que conduziram à repetição criminosa foram, pois, sempre endógenas e não exteriores.

V - A toxicodependência de que padece o recorrente não é solicitação exógena facilitadora da execução e diminuidora do grau de culpa, para efeito de verificação de uma continuação criminosa. Assim, é de afastar a qualificação como continuação criminosa, a possibilidade de redução à unidade, considerado o ilícito global, isto é, a redução a um único crime de furto qualificado.

VI - As exigências de fundamentação colocam-se com maior acuidade nos casos de cúmulo por conhecimento superveniente e toda a jurisprudência do STJ tem sustentado a necessidade de maior rigor, de um especial cuidado na fundamentação nesses casos, quando está em causa a aplicação do art. 78.º do CP.

VII - Em casos como o presente, em que o cúmulo é feito no mesmo processo, em acto seguido, em contínuo, à aplicação das penas, apenas mais à frente, essa exigência não tem obviamente aquela amplitude, pois que os factos provados suportes daquelas condenações e enformadores da imagem global do ilícito total são imediatamente cognoscíveis, estão todos narrados, integram o texto, estando ali mesmo, ao alcance de uma simples leitura, embora não seja de todo despiciendo anotar a importância da consideração, análise e ponderação das ligações e conexões porventura existentes entre as diversas condutas, em ordem a poder definir-se os contornos de uma situação de mera pluriocasionalidade ou antes a figuração de uma delinquência por tendência.

VIII - No caso concreto, a moldura de punição é de 2 anos a 7 anos e 4 meses de prisão. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas. A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes. Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do art. 71.° do CP.

IX - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.

X - Importará indagar se a repetição de condutas se operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.

XI - Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto.

XII - Considerando que:
- o conjunto de ilícitos praticados pelo recorrente abarca condutas violadoras da propriedade, do património em geral e a vida em sociedade;
- a actividade ilícita julgada começou em 12-02-2010 e prolongou-se ao longo de 5 meses, e depois com actos isolados em 22-04 e 06-07, bem como em 12 e 13-03;
- os valor dos prejuízos patrimoniais causados não é elevado;
- a conexão entre a apropriação de cheques e o subsequente aproveitamento com as falsificações e burlas, surgindo mais distanciadas as duas tentativas de furto, agindo o arguido e companheira num quadro de toxicodependência;
- não é de considerar o ilícito global como resultado de uma tendência criminosa, reportando-se o caso a situação de pluriocasionalidade;
tendo em conta que a moldura do concurso vai de 2 anos de prisão a 7 anos e 4 meses de prisão (6 meses de prisão pela prática de um crime de furto, 2 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, 14 meses de prisão para cada um dos dois crimes de furto qualificado tentado, 18 meses de prisão pela prática de um crime de falsificação, e 1 ano e 1 mês de prisão pela prática de um crime de burla), entende-se fixar a pena conjunta em 4 anos e 6 meses de prisão, afastando-se a suspensão da execução por não haver razões e motivos para fundamentar um juízo de prognose favorável ao arguido.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

      No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 41/10.0GCOAZ, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis, integrante do Círculo Judicial de Oliveira de Azeméis, foram submetidos a julgamento os arguidos:

 - AA, nascido em …, em …, Oliveira de Azeméis, serralheiro, antes residente no lugar …, n.º …, ...º dt.°, …, Guimarães, e actualmente preso preventivamente à ordem destes autos no Estabelecimento Prisional de Custóias (fls. 1338); e

- BB, residente na Rua …, n° …, …, Paços de Ferreira.

      Realizado o julgamento, o Colectivo de Oliveira de Azeméis entendeu ser de proceder a uma alteração da qualificação jurídica, de modo a unificar os nove crimes de falsificação de documento [ponto de factos provados III] e cinco crimes de burla [ponto de factos provados III - a), b), e), g) e i)], por referência aos cheques furtados referidos no ponto I), que eram imputados em co-autoria a ambos os arguidos, passando a um crime continuado de falsificação de documento, p. p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 3 do Código Penal, e um crime continuado de burla, p. p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido observado o disposto no artigo 358.º, n.º 3, do CPP (cfr. acta de leitura de acórdão de 12-05-2011, a fls. 1364), sendo que no texto do acórdão não se consigna esta alteração.

     Por acórdão do Colectivo competente, datado de 12 de Maio de 2011, constante de fls. 1338 a 1362, foi deliberado:

1. Condenar:

1.1 - O arguido AA nas seguintes penas:

1.1.1. - Pela autoria material de:

1.1.1.1. - Um crime de furto, p. e p. pelos artigos 203.° e 204.º, n.º 2, alínea e) e n.º  4, do Código Penal, 6 (seis) meses (I);

1.1.1.2. - Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.° e 204.°, n.º 2, alínea e), do Código Penal, 2 (dois) anos de prisão (II);

1.1.1.3. - Dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.°, 23.°, 73.°, 203.°, 204.°, n.º 2, alínea e), do Código Penal, 14 (catorze) meses de prisão para cada um dos crimes (IV e V);

1.1.2. - E, ainda, pela prática em co-autoria com a arguida BB de:

1.1.2.1. - Um crime continuado de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (III); e

1.1.2.2. - Um crime continuado de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal (III a), b), e), g) e i)) por referência aos cheques furtados em I), na pena de 1 (um) ano de prisão;

1.1.3 - Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

1.2. - A arguida BB, pela co-autoria de:

1.2.1. - Um crime continuado de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.°, n.° 1, alíneas c) e d) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão (III); e

1.2.2. - Um crime continuado de burla, p. e p. pelo artigo 217.°, n.º 1, do Código Penal (III a), b), e), g) e i)) por referência aos cheques furtados em I), na pena de 1 (um) ano de prisão.

1.2.3. - Em cúmulo, foi a arguida condenada na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na execução por igual período de 3 anos, subordinada a regime de prova do qual constará obrigatoriamente o acompanhamento pela arguida de instituição adequada que controle a sua abstinência do consumo de drogas.

1.3. - Condenar os arguidos a pagar ao demandante “CC, S.A.” o montante de € 283,27, acrescidos de juros moratórios contados desde a notificação do pedido e até integral pagamento, à taxa legal.

      Inconformado com o deliberado, o arguido interpôs recurso, dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, apresentando a motivação de fls. 1381 a 1385, que remata com as seguintes conclusões:

1.°) O douto acórdão recorrido viola claramente a lei.

2.°) Em primeiro lugar porque ao fixar uma pena de prisão de seis anos ao arguido ultrapassou a medida da culpa. Com efeito,

3.°) O tipo de crime praticado e o montante que está envolvido no processo não é elevado.

4.°) Os crimes de furto em que o arguido foi condenado deveriam ter sido considerados como um só crime continuado, já que o seu cometimento preenche os requisitos do n.° 2 do artigo 30.° do Código Penal.

5.°) As circunstâncias atenuantes do arguido não foram tidas em conta, quer na fixação das penas parcelares, quer na do cúmulo jurídico.

6.°) Em segundo lugar o arguido foi erradamente condenado pela tentativa da prática do crime de furto descrito em IV da acusação, pois não teria nada de valor para furtar, dado que o potencial lesado tinha sido recentemente assaltado, o que preenche, assim o disposto no n.° 3 do artigo 23.° do Código Penal.

7.°) Importa ainda salientar que o arguido colaborou com o Tribunal, confessando todos os factos, e fez já um tratamento de desabituação dos opiáceos no estabelecimento prisional, com sucesso. Pelo exposto,

8.°) A pena em que o arguido deveria ter sido condenado pela prática dos crimes de furto nunca deveria ultrapassar os dois anos de prisão. E

9.°) A pena em que o arguido deveria ter sido condenado pela prática do crime de falsificação não deveria ultrapassar os 18 meses de prisão. Deste modo,

10.°) Em cúmulo jurídico o arguido deveria ter sido condenado a três anos de prisão, suspensa na sua execução, com a condição de o arguido continuar o seu tratamento na instituição que se prontificou para o acolher e o encaminhar sócio-profissionalmente.

     No provimento do recurso, pede que seja diminuída a medida da pena.

     O Ministério Público no tribunal a quo respondeu, conforme fls. 1391 a 1401, concluindo:

1ª - O acervo fáctico relativo ao crime de furto levado a cabo na residência do ofendido DD não é reconduzível à figura da tentativa impossível.

2ª - Os vários crimes de furto pelos quais o R. foi condenado não são susceptíveis de configurar um só crime de furto, na forma continuada, visto que os mesmos não foram realizados no quadro de uma situação exterior que diminuísse de maneira considerável a culpa daquele.

3ª - Mostra-se correctamente doseada a pena única aplicada ao R..

4ª - Se, por mera hipótese académica se vier a entender que a pena aplicar ao R. não deverá ser superior a cinco anos, não poderá a execução da pena do mesmo ser suspensa porquanto não será possível formular relativamente a ele um juízo de prognose favorável.

5ª - Deve o presente recurso ser julgado improcedente e, por consequência, confirmada a douta decisão recorrida.

      O recurso foi admitido por despacho de fls. 1402, ordenando-se a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto.

       Por despacho do Exmo. Desembargador Relator proferido em 23-08-2011, constante de fls. 1417 e verso, foi declarada a incompetência do Tribunal da Relação do Porto e declarado competente este Supremo Tribunal de Justiça para onde os autos foram remetidos.   

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, a fls. 1427 a 1433, defendendo a cognoscibilidade das penas parcelares, refutando as pretensões do recorrente relacionadas com a configuração de crime continuado para os crimes de furto, e de verificação de tentativa impossível de um dos furtos, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso quanto a redução das penas parcelares, mas defendendo redução da pena única para 5 anos, sem contudo poder o arguido beneficiar de suspensão de execução.

    

      Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.

      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

     Questões a decidir   

     Atento o teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, que traduzem de forma sintética as razões de divergência com o decidido, são três as questões a apreciar, aqui colocadas de acordo com razões de precedência lógica, pela seguinte ordem:

      I Questão – Tentativa impossível (de furto) Conclusão 6.ª

II Questão – Crime continuado de furto – Conclusão 4.ª 

      III Questão – Medida das penas parcelares e pena conjunta – Redução? - Suspensão da execução da pena? – Conclusões 2.ª, 3.ª, 5.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª.

      Oficiosamente, porém, atendendo a que se está perante um recurso directo haverá que colocar a questão prévia da admissibilidade do recurso, ou da sua cognoscibilidade pelo STJ, relativamente às penas parcelares, já que todas as penas aplicadas, por todos e cada um dos crimes - entre o mínimo de 6 meses de prisão pelo crime de furto simples e o máximo de 2 anos e 3 meses, pelo crime continuado de falsificação - revelam-se inferiores ao patamar de recorribilidade fixado para o Supremo Tribunal de Justiça.

     Há que assumir posição sobre tal questão, uma vez que a mesma é controvertida neste STJ, como de resto assinala o Exmo. PGA no seu parecer. 

     Factos Provados

Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

I) (41/10.0GCOAZ)

No dia 12 de Fevereiro de 2010, durante a noite, o arguido dirigiu-se à sociedade “EE - ..., L.da”, sita na Zona Industrial da freguesia de S…, em Oliveira de Azeméis, onde já tinha trabalhado.

Ali chegado, o arguido dirigiu-se à porta de saída de emergência, retirou as borrachas que servem de suporte ao vidro da porta de alumínio, retirou o vidro, e após introduziu-se no interior da empresa.

No interior das instalações da referida sociedade, o arguido remexeu todas as gavetas, tendo arrombado algumas, bem como em móveis dos diversos compartimentos, procurando objectos com valor económico.

Do interior de uma das gavetas, o arguido retirou e levou consigo cinco cheques, todos em branco, de contas da sociedade “EE - Azeméis, L.da”, no FF (… e …) e no CC (…, … e …) que fez seus, saindo da empresa pela mesma porta de saída de emergência.

O valor dos cinco cheques em branco é inferior a 102€.

II) (91/10.6GCOAZ-fls.70)

No mesmo mês de Fevereiro de 2010, em dia não concretamente apurado, o arguido deslocou-se às instalações da sociedade “GG, S.A,” empresa do Grupo HH, sita na Zona Industrial de S. …., em Oliveira de Azeméis, onde também tinha trabalhado, e como sabia que nem todas as janelas da empresa eram trancadas por dentro, abeirou-se de uma janela que dava acesso à sala de programação, e imprimindo força, conseguiu entrar pela janela, introduzindo-se deste modo no interior das instalações da sociedade.

Uma vez no interior, o arguido percorreu todos os compartimentos e remexeu as gavetas com vista a encontrar objectos com valor económico.

O arguido acabou por encontrar 160,00€ em dinheiro e quatro cheques, todos em branco, de contas da sociedade “II Técnicos S.A.”, no JJ (… e …) e no KK (… e ...), levando tal quantia e os cheques consigo, fazendo-os seus.

 A empresa “LL, S.A.” tem sede em … mas por ser uma empresa do “Grupo HH”, tem os seus serviços administrativos a cargo e em funcionamento nas instalações da “HH …”.

III) Na data da prática dos factos os arguidos AA e BB eram companheiros, viviam em união de facto, encontravam-se ambos desempregados e a residir em casa arrendada no lugar de …, n.°…, ….° …, Taipas, em Guimarães, na companhia de um filho de 3 anos, tendo ambos problemas de toxicodependência.

Assim, uma vez na posse dos nove cheques, enunciados supra em I) e II), acordaram providenciar pelo seu preenchimento e aposição de assinaturas nos mesmos como se de titulares das contas se tratassem e de comum acordo e comunhão de esforços e com a colaboração de ambos, à medida que fossem necessitando de obter dinheiro, bens ou serviços, trocarem-nos em numerário, ou efectuarem, na totalidade ou em parte, o pagamento de bens e serviços em benefício do casal, em estabelecimentos comerciais, fazendo-se passar por legítimos possuidores de tais títulos de crédito para, deste modo, gastarem as importâncias que fariam inscrever nos ditos cheques que lograssem fazer suas, em proveito do casal, o que veio efectivamente a ocorrer.

Pelo que, na concretização do referido plano assim delineado por ambos os arguidos, como se de titulares das contas se tratassem:

-a arguida BB, pelo seu próprio punho, apôs a assinatura no lugar de emitente, bem como preencheu o cheque …, do FF (cheque 1 do relatório pericial) e;

-nos restantes oito cheques, o arguido AA, pelo seu próprio punho, efectuou o preenchimento de todos os dizeres - com excepção dos constantes nos campos “à ordem de” e “não à ordem de” - e apôs as assinaturas no lugar dos emitentes.

Após, prosseguindo na execução do que haviam acordado, na posse do:

a)- cheque N° …, do FF, da conta da “EE - ..., Ld.a, onde ficou a constar a assinatura de “MM” e, nos locais destinados ao valor o montante de 95,50€, em algarismos e por extenso, local de emissão “O….” e a data 12/02/2010, a arguida BB entregou-o na “P…”, em Caldeias, Guimarães, ao seu proprietário NN que lhe deu o valor nele inscrito em numerário e depositou o título de crédito na sua conta n.° …;

b) cheque N.° . .., do CC, da conta da “EE - ..., Ld.a”, onde ficou a constar a assinatura de “MM” e, nos locais destinados ao valor o montante de 95,00€, em algarismos e por extenso, local de emissão “Porto” e a data 13/03/2010, a arguida BB entregou-o num talho, em Guimarães, da empresa “OO, Ld.a” em troca de numerário no valor nele inscrito, tendo esta aposto a sua assinatura e B.I. no verso do dito cheque no lugar do endosso.

Este foi apresentado a pagamento em 17/03/2010 numa sucursal de Guimarães, do FF, e foi depositado na conta N.°…, titulada pela referida empresa “OO, Ld.a”;

c) cheque N.° …., do KK, da conta da “II, S.A.”, onde ficou a constar a assinatura de “PP” e, nos locais destinados ao valor o montante de 60,00€, em algarismos e por extenso, local de emissão “Porto” e a data 26/02/2010, o arguido AA entregou-o no Restaurante P..., em Guimarães, propriedade de QQ, em troca de numerário e/ou pagamento de refeição, tendo o arguido aposto a sua assinatura no lugar do endosso, bem como o número do B.I..

Este título de crédito foi depois entregue pela referida empresa para pagamento de produtos adquiridos à sociedade “RR, Ld.a”, tendo o mesmo sido apresentado a pagamento em 19/03/2010, numa sucursal do FF em Braga, e sido depositado numa conta desta firma com o n.° …

d) cheque N.° …, do KK, da conta da “II, S.A.”, onde ficou a constar a assinatura de “PP” e, nos locais destinados ao valor o montante de 95,00€, em algarismos e por extenso, local de emissão “Porto” e a data 28/02/2010 foi entregue pelo arguido no “Super ...”, em Caldas das …, em troca de numerário e/ou pagamento de carnes ai adquiridas, tendo o arguido aposto a sua assinatura no lugar do endosso, bem como o número do B.I.. Este título de crédito foi apresentado a pagamento em 05/03/2010 na sucursal de Caldas … II, sita no Largo …, N.°10 do FF, tendo sido depositado numa conta N.°…, titulada pelas duas proprietárias do dito talho.

e)-cheque N.° …, do CC, da conta da “EE - ..., Ld.a”, onde ficou a constar a assinatura de “MM” e, nos locais destinados ao valor o montante de 110,00€, em algarismos e por extenso, local de emissão “Porto” e a data 26/02/2010 foi entregue pela arguida BB no Talho …. Foi o mesmo apresentado a pagamento, na Compensação, na sessão de 08-03-2010, através do ..., tendo sido depositado na conta D.O. n.°… da “..., Ld.a”;

Na posse dos cheques N.° …, do FF e N.° …, do CC, ambos da conta da “EE - ..., Ld.a, mencionados em I) e dos dois cheques n.°… e … do JJ, de uma conta da “II, S.A.”, referenciados em II), a arguida BB entregou-os a AA, proprietário da ourivesaria “H...”, sita em Vila …, em troca do numerário neles inscrito.

Na posse de AA o:

f) cheque N.° …, do JJ, onde ficou a constar a assinatura de “PP” e, nos locais destinados ao valor o montante de 125,00€, em algarismos e por extenso, local de emissão “...” e a data 15/02/2010, foi por este entregue à sua mulher SS, que o apresentou a pagamento, na Compensação a 18/02/2010, através do ..., depositando-o na sua conta de D.O. n. ….

g) cheque N.°…, do FF, da conta da “EE - ..., Ld.a”, onde ficou a constar a assinatura de “TT” e, nos locais destinados ao valor o montante de 135,50 €, em algarismos e por extenso, local de emissão “...” e a data 10/02/2010, foi também apresentado a pagamento, na Compensação, a 22/02/2010, através do ... e depositado na mencionada conta de D.O. titulada por SS;

h) cheque N.°… do JJ, onde ficou a constar a assinatura de “PP” e, nos locais destinados ao valor o montante de 155,00€, em algarismos e por extenso, local de emissão “...” e a data 17/02/2010, foi entregue ao representante legal da “UU, Unipessoal, Ld.a” que presta serviços de cabeleireiro num salão vizinho da “H...”, que o depositou numa máquina ATM, localizada na agência de Caldas ..., sita no .. … c/ Rua …, .., do … na conta de tal firma com o n.°…;

i) cheque N.° …, do CC, da conta da “EE - ..., Ld.a”, onde ficou a constar a assinatura de “MM” e, nos locais destinados ao valor o montante de 60,00€, em algarismos e por extenso, local de emissão “Porto” e a data 26/02/2010, que também foi entregue ao legal representante da “UU, Unipessoal, Ld.a” e depositado na mesma conta do … titulada por tal sociedade;

IV) 99/10.1GCOAZ (fls.25)

No dia 22 de Abril de 2010, cerca das 14h00, o arguido deslocou-se à residência de DD, sita na Rua …, n°…, em S …, Oliveira de Azeméis, subiu por um poste de electricidade existente na via pública para cima do telhado pertencente aos arrumos daquela habitação.

Após, o arguido abeirou-se de uma janela que dá para um corredor da zona residencial e retirou o vidro desta que colocou em cima do dito telhado.

Seguidamente, o arguido colocou as mãos na parte de dentro da janela e apoiou os pés no peitoral da janela para se introduzir no interior.

Nesse momento, o filho do proprietário da residência que se havia apercebido da movimentação do arguido, atirou-lhe umas botas e este colocou-se em fuga.

Após, perseguiu o arguido e alcançou-o volvidos alguns metros, e reteve-o até à chegada da patrulha da GNR que procedeu à sua detenção.

De seguida, o arguido foi revistado tendo sido apreendidos os seguintes objectos que se encontravam numa bolsa que trazia ao peito e que este utilizava na prática de crimes contra a propriedade, um par de luvas de lã pretas, um lenço vermelho, um alicate multifunção de cor cinzento e outro de cor azul, um canivete suíço de cor vermelha, uma lanterna de cores cinzenta e preta, uma faca de cozinha de inox, uma gazua de inox, uma chave de fendas de dupla função preta.

V) 168/10.8GCOAZ (fls.l66)

No dia 09 de Julho de 2010, cerca das 00h50m, o arguido deslocou-se à sociedade “MDA - ..., S.A.”, sita na zona Industrial de … Ul, onde já havia laborado.

Ali chegado, o arguido subiu por um andaime e abeirou-se de uma janela e, imprimindo força, conseguiu forçar a sua abertura. Acto contínuo, o arguido introduziu-se no interior das instalações da referida empresa.

No interior o arguido percorreu as diversas divisões de tal firma e remexeu as gavetas e armários à procura de objectos com valor económico.

Nessa altura, a patrulha da GNR foi chamada ao local e encontrou o arguido no interior das referidas instalações, tendo procedido à sua detenção.

Após revista, foram apreendidos na posse do arguido diversos objectos que este utilizava para a prática de factos de idêntica natureza: um alicate de cabo vermelho ajustável, um alicate de pontas de cabo vermelho, uma caixa de fósforos castanha e uma faca dobrada na ponta, duas chaves de fendas, uma de cabo laranja e outra de cabo preto e amarelo.

Mais foi apreendido junto com uma bolsa de cor azul, duas seringas, um isqueiro branco, uma tesoura, um x-acto amarelo, uma tampa de garrafa azul clarinha, comprimidos que o arguido utilizava para consumo de substâncias estupefacientes.

 O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito, concretizado, de fazer seus o dinheiro e cheques de que se apoderou, pela forma descrita supra em I) e II), bem sabendo que os mesmos lhe não pertenciam e que agia contra a vontade e sem autorização dos respectivos donos.

Com o comportamento supra descrito em III), ao providenciarem pelo preenchimento dos aludidos cheques, dos quais o arguido se havia apropriado contra a vontade e em prejuízo dos seus legítimos donos, quiseram os arguidos pôr em crise a fé pública inerente à circulação dos cheques, pondo em causa a segurança e confiança do tráfico jurídico, visando prejudicar os ofendidos e obter em seu proveito benefício ilegítimo.

Nos cheques da firma “EE, Ld.a” foram apostas as assinatura de “MM”, “TT” e de “MM” para que as mesmas passassem, junto das entidades bancárias, como veio a acontecer, como sendo as de um dos sócios-gerentes de tal sociedade, com nome idêntico, VV.

Nos cheques da sociedade “LL, S.A.” foram apostas as assinaturas de “PP”, querendo fazê-las passar, como de facto veio a suceder nos Bancos, como sendo as de um dos sócios-administradores de tal sociedade, com nome semelhante, XX.

Com o estratagema supra descrito, norteados com o objectivo de obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, criaram nos supra identificados estabelecimentos a convicção de que se encontravam na posse legítima daqueles cheques, conseguindo que, por este modo, aqueles lhes fizessem a entrega das quantias em dinheiro neles inscritas, os aceitassem como meio de pagamento de bens ou serviços, e os movimentassem nos moldes descritos, causando desfalque patrimonial, num primeiro momento, nas contas das sociedades “EE, Ld.a” e “LL, S.A”, melhor descritas em I) e II), de onde os montantes neles titulados foram retirados das respectivas contas e, a final, prejudicando as entidades bancárias que, face à discrepância das assinaturas apostas nos cheques em confronto com as constantes nas respectivas fichas de assinatura, tiveram que repor as quantias que haviam sido indevidamente debitadas nas contas dos seus respectivos clientes.

O arguido agiu, ainda, com o propósito de entrar na residência de DD, melhor id. supra em IV, bem como nas instalações da empresa sociedade “MDA - ..., S.A.”, melhor id. supra em V) com vista a fazer seus os objectos de valor e de fácil transporte, nomeadamente dinheiro, cheques, artigos de relojoaria e de ourivesaria, telemóveis, que ali se encontravam, de valor superior a 102€, e de os fazer seus, levando-os dali, só não o tendo logrado fazer pelos descritos motivos exteriores à sua vontade.

Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, e bem sabiam que praticavam factos proibidos e punidos pela lei penal.

Mais se provou:

O Demandante “CC” procedeu ao pagamento dos cheques n°s …, … e … da conta DO n° …, titulada pela “EE, Lda” no balcão desta cidade, irregularmente preenchidos e usados pelos arguidos, assim tendo ficado desapossado dos respectivos valores.

Provou-se também.

Ao tempo, os arguidos vivam juntos, tinham um filho de 3 anos de idade e estavam desempregados.

O arguido tem a profissão habitual de serralheiro e, à época, era consumidor de heroína e cocaína a uma média de 2/3 “pacotes” por dia.

Conclui a seu propósito a avaliação da DGRS: «Relativamente a AA parece-nos ser de realçar a problemática aditiva de que é portador, factor condicionador da adesão a um projecto de vida ajustado. Tal problemática, relativamente à qual tem enfrentado sérias dificuldades em se desvincular, apesar das várias tentativas por si encetadas, conduziu-o a contextos vivenciais precários e de risco.

No exterior não beneficiará de enquadramento habitacional, familiar e laboral, factores relevantes de risco de reincidência, reforçado pela sua dificuldade em desenvolver estratégias adequadas de inserção social, designadamente a desvinculação dos consumos de estupefacientes, pelo que não nos permite elaborar um prognóstico favorável quanto ao seu processo de ressocialização».

O arguido tem as seguintes condenações anteriores:

Por um crime de tráfico de menor gravidade praticado em 27.11.2000, decisão de 28.5.2001, transitada em 15.6.2001, 2 anos de prisão suspensa por 4 anos.

Pelos crimes de burla simples, falsificação de documento e uso de documento de identificação alheio, praticados em 1.4.2003, decisão de 6.5.2004, transitada em 1.6.2004, condenado na pena única de 360 dias de multa à taxa diária de €25,00.

    A arguida exercia profissão habitual na área do mobiliário, está desempregada e reside em casa dos pais, vivendo com a ajuda destes.

    A seu propósito conclui a DGRS: «BB iniciou o consumo de estupefacientes aos 18 anos, altura a partir da qual registou períodos de grande instabilidade pessoal, familiar e laboral, com períodos de internamento intercalados por fases de abstinência, factor que, inequivocamente, se constituiu de risco na sua trajectória.

   A reintegração no agregado de origem, tem sido fundamental, tem sido fundamental na recuperação da estabilidade emocional da arguida, a qual indicia manter-se afastada do consumo de drogas e dos meios de risco que comummente lhe estão associados».

   A arguida tem a seguinte condenação anterior: por um crime de roubo p° e p° pelo art° 210°,

n° 1, do Cód. Penal, praticado em 24.1.2003, decisão de 11.6.2003, transitada em 26.6.2003, 14 meses de prisão suspensa por 3 anos, pena declarada extinta pelo cumprimento em 7.9.2006.       

        Apreciando.

        Questão Prévia - Da admissibilidade do recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas, em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão

 

       Estamos no caso presente face a recurso directo de um acórdão final de tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça, sem passar pelo crivo da Relação.

       A questão coloca-se relativamente às penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas inferiores a 5 anos de prisão, em medidas concretas que variam entre a mais baixa de 6 meses, pelo crime de furto simples, e a mais elevada de 2 anos e 3 meses, pelo crime continuado de falsificação de documento, sendo controvertida a solução, já que neste Supremo Tribunal se perfilam duas posições sobre a matéria. 

       Vejamos.

       Estabelece o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (e inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto), que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.

       Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito, introduzido na revisão de 2007, que nos casos da alínea c) não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º, o qual previne a hipótese de haver vários recursos da mesma decisão, versando alguns sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, caso em que são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.    

        Esta solução legislativa veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007, proferido no processo n.º 2792/06-5.ª, publicado no Diário da República I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007 - Acórdão n.º 8/2007 - que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência: «Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do CPP, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».    

       A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recurso tivesse em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante visasse exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

       A questão que se coloca é a de saber se dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo ou do júri apenas é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, visando exclusivamente o reexame de direito, caso tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos.

       O que se discute aqui e agora é a questão de saber se em situação em que um arguido tenha sido condenado numa mesma decisão em várias penas de prisão, todas elas em medidas iguais ou inferiores a 5 anos, e apenas a pena única ultrapassando aquele limite, o Supremo, sabido que terá óbvia competência para conhecer da pena conjunta, tem ou não competência para apreciar também as penas parcelares, mesmo que aplicadas em medida inferior àquele patamar, erigido em condição de cognoscibilidade.

      Numa orientação que colheu numa fase inicial defensores em ambas as secções criminais, foi defendido que, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, condenado o arguido por vários crimes, o recurso para o STJ ficava limitado aos crimes punidos com pena de prisão superior a 5 anos, ou então, cingir-se-ia à pena única, caso esta ultrapassasse o referido limite de 5 anos de prisão.  

      De acordo com tal orientação as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podiam ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que aplicadas em medida superior a 5 anos de prisão.

      Neste sentido podem ver-se os acórdãos de 26-03-2008, no processo n.º 444/08, de 02-04-2008, no processo n.º 415/08, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 183, e de 19-11-2008, processo n.º 3776/08, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, e de 08-01-2009, no processo n.º 2153/08-5.ª e de 14-01-2010, processo n.º 548/3PTLSB.L1.S1-5.ª, ainda do mesmo relator e de 14-01-2010, processo n.º 269/07.0GAMCD.P1.S1-5.ª.

     Em sentido oposto, pronunciaram-se vários acórdãos.

     Referir-se-á, desde logo, o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1, da 3.ª Secção, com um voto de vencido, em que o arguido foi condenado pela prática de 10 crimes de roubo qualificado, um tentado e um simples, quatro crimes de furto simples, todos em co-autoria, e um de condução sem habilitação legal, e se considerava competente o Tribunal da Relação, e em que se diz que “… não exigindo o legislador que as penas parcelares, por não distinguir, sejam superiores a 5 anos, o que reduziria de forma drástica o acesso ao STJ, bastando que no caso de pena de conjunto, tida como referência na lei nova, como pressuposto de recorribilidade, se alcance tal patamar”.

      E acrescenta: “Sempre que o arguido queira recorrer de forma directa, de acórdão condenatório de 1.ª instância, a pena concretamente aplicada em cúmulo exceda 5 anos – como é o caso vertente - e intente rediscutir a matéria de direito aplicada, só lhe resta interpor recurso para o STJ, face à clareza do texto legal, obediente à vontade do legislador da Proposta, não sendo visível qualquer imperfeição linguística de corrigir, passando a conhecer-se do recurso”.    

      No acórdão de 07-10-2009, no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1-3.ª, defende-se que o “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares não superiores a 5 anos de prisão nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral da fixação da pena conjunta. Interpreta-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas.

      Na mesma linha e do mesmo relator, o acórdão de 21-10-2009, processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1, onde se pode ler: “Devendo o recurso ser dirigido ao Supremo, este não poderá deixar de ter competência para apreciar as penas inferiores a 5 anos de prisão, pois, de outra forma, seria sonegado ao recorrente o direito ao recurso da condenação relativamente a essas penas; a competência abrange a impugnação não só da pena conjunta como de todas as penas parcelares, ainda que inferiores àquela medida, assim se cumprindo o “desígnio” do legislador (celeridade e economia processual), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais”. 

      Ainda do mesmo relator, o acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 280/04.2GALNH.L1.S1-3.ª, onde se refere que “sendo a pena única aplicada ao arguido superior a 5 anos de prisão, e visando o recurso apenas matéria de direito, o STJ tem exclusiva competência para apreciar essa pena e, por arrastamento, para conhecer as penas parcelares, se elas forem impugnadas, ainda que estas sejam inferiores a 5 anos”. 

      No acórdão de 04-11-2009, no processo n.º 137/07.5GDPTM.E1.S1, da 3.ª Secção, o relator, revendo posição assumida anteriormente, maxime, nos três acórdãos de 2008 supra referidos (de 26 de Março, de 02 de Abril e de 19 de Novembro, e no voto de vencido no acórdão de 17-09-2009), afirma que o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para o conhecimento das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão), na medida em que se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral de fixação de pena conjunta, pronunciando-se no mesmo sentido no subsequente acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 947/06.0GCALM.S1, CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 228.

      Neste sentido, podem ver-se ainda os acórdãos de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT.S1-3.ª e de 14-07-2010, processo n.º 364/09.0GESLV.E1.S1-3.ª. 

      Em sentido diverso, pronunciaram-se por essa altura, os acórdãos da mesma relatora, de 12-11-2009, no processo n.º 19/06.8JAFAR.S1, de 26-11-2009, proferido no processo n.º 1387/08.8JDLSB.L1.S1, de 27-01-2010, no processo n.º 293/08.5GAVLG.P1.S1 e de 14-07-2010, processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, todos da 5.ª Secção, sendo os três últimos com voto de vencido, e onde se defende que: “Quando num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito.

      A questão tem sido decidida uniformemente (expressão usada no primeiro acórdão e substituída por maioritariamente, nos seguintes, por força do voto de vencido neles aposto), nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”.  

      Nesta orientação entende-se que se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação.

      Ainda neste sentido se pronunciou o acórdão de 14-01-2010, processo n.º 269/09.0GAMCD.P1.S1-5.ª, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 189.

      Como exemplos de concretizações da tese da ampla recorribilidade, podem ver-se os seguintes acórdãos por nós relatados, em que foram apreciadas, para além do mais, as medidas das penas parcelares, iguais e inferiores a 5 anos de prisão, conhecendo-se do recurso na sua globalidade.   

      No acórdão de 28-11-2007, proferido no processo n.º 3294/07, estando em concurso um crime de tráfico de estupefaciente, p. p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, por que o arguido foi condenado em 6 anos de prisão, e ainda um crime de detenção de arma proibida, pelo qual foi condenado em 9 meses de prisão, e um crime de condução sem habilitação legal, por que foi condenado na pena de 1 ano de prisão, discutindo-se quanto a este crime se era correcta ou não a opção assumida por pena de prisão em detrimento da prevista em alternativa pena de multa (discussão que desde logo inculca a sindicabilidade da pena parcelar em causa, o que noutros contextos ocorrerá com a discussão de aplicabilidade ou não da medida premial de atenuação especial ou de aplicação do regime de jovens adultos previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09, desde que não reportada a indagação, em exclusivo, a eventual pena aplicada em medida superior ao limite mínimo atendível para efeitos de cognição), foram reapreciadas todas as penas aplicadas.

      No acórdão de 27-01-2009, proferido no processo n.º 3853/08, estavam em causa penas aplicadas por roubo agravado e por roubo simples - penas de 5 anos por aquele, de 2 anos e 6 meses por este, e pena única de 6 anos, sendo conhecidas todas. 
      No acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 360/08.5GEPTM, em causa, a prática pelo arguido, como reincidente, de dois crimes de furto qualificado, por que foram aplicadas as penas de 3 anos e de 3 anos e 6 meses de prisão, e de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, com as penas de 10 e de 20 meses de prisão, e sendo condenado na pena única de 6 anos de prisão, foram conhecidas as penas parcelares e única.

      No acórdão de 25-11-2009, proferido no processo n.º 490/07.0TAVVD, estando em causa a prática de 3 crimes de abuso sexual de menor, na forma continuada, p. p. pelos artigos 171.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2, do Código Penal, com as penas parcelares de 4 anos e 6 meses, 4 anos, e 4 anos e 6 meses de prisão, e pena única de 7 anos de prisão, foram conhecidas as penas parcelares e única. 

      No acórdão de 20-10-2010, proferido no processo n.º 845/09.6JDLSB-3.ª, em que estavam em causa a prática por cada um dos dois arguidos de um crime de roubo qualificado e um outro de sequestro, pelos quais haviam sido condenados, cada um, nas penas de 5 anos e de 10 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 3 meses, foram apreciadas a medida da pena do roubo (5 anos de prisão), única suscitada pelos recorrentes, e a pena única.

      No acórdão de 10-11-2010, proferido no processo n.º 145/10.9JAPRT, em causa estando um crime de roubo agravado, pelo qual um dos arguidos foi condenado na pena de 6 anos e o outro de 5 anos de prisão, e um crime de detenção de arma proibida, por que aquele foi condenado na pena de 18 meses e este de 15 meses de prisão, e nas penas únicas de 6 anos e 6 meses de prisão e de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo-se conhecido da questão de opção por pena de multa quanto ao segundo crime, conheceu-se ainda da medida da pena aplicada ao segundo arguido pelo crime de roubo.

      No acórdão de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1, estando em causa as penas aplicadas por um crime de furto simples e seis crimes de roubo simples, sendo dois tentados, em medidas que variavam entre o mínimo de 10 meses de prisão pelo crime de furto e o máximo de 2 anos e 3 meses, por um dos roubos, e a pena única de 7 anos de prisão, conheceu-se da questão de opção por pena de multa ou prisão quanto ao furto, reduzindo-se as penas parcelares dos dois roubos tentados e de um dos roubos consumados. 

     Conclui-se assim que em caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a cinco anos e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compense a falta de possibilidade de recurso para a Relação.

      Sabido que por força do n.º 2 do artigo 432.º, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da locução  “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição.  

      Assente a recorribilidade do acórdão do Colectivo de Oliveira de Azeméis, englobando a cognição quanto às penas parcelares aplicadas, passemos às questões a decidir, propostas pelo recorrente.

       Apreciando as questões propostas. 

       Questão I - Tentativa impossível (de furto)

        O recorrente suscita esta questão na conclusão 6.ª, onde refere: “Em segundo lugar o arguido foi erradamente condenado pela tentativa da prática do crime de furto descrito em IV da acusação, pois não teria nada de valor para furtar, dado que o potencial lesado tinha sido recentemente assaltado, o que preenche, assim o disposto no n.º 3 do artigo 23.° do Código Penal”.

       Vejamos.

       Estabelece o artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal:

       “A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”.

       Como refere Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 18.ª edição, 2007, pág. 135, comentando o preceito, a inidoneidade do meio ou a carência do objecto, salvo nos casos em que são manifestas, não constituem obstáculo à existência da tentativa.

       A substituição de aparentes (caracterizando a inidoneidade do meio empregado ou a carência do objecto que constava do Projecto) por manifesta, efectuada após discussão na Comissão Revisora, visou significar que a inidoneidade do meio ou a carência do objecto não devem ser aferidas através daquilo que o agente se representa, mas sim através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, portanto objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas.      

       Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, pág. 715, diz que “em matéria de punibilidade da tentativa impossível, ponto de partida será assim o de que, no caso concreto, a tentativa, apesar de na realidade das coisas estar impossibilitada de produzir o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e na validade da norma de comportamento”.      

       Neste mesmo sentido de bastar a perigosidade em relação a um bem jurídico ainda que este assuma a forma de mera aparência, pronunciou-se Faria e Costa em Formas do Crime, em texto apresentado em palestras em Novembro de 1982 no ciclo das “Jornadas de Direito Criminal”, Fase I, em edição do CEJ, Abril de 1983, pág. 165.        

       Maria Fernanda Palma, em Da “Tentativa Possível” em Direito Penal, Almedina, 2006, pág. 85, diz que na tentativa impossível não há qualquer falha de um poder de realização (por erro, deficiência ou interrupção) mas uma insusceptibilidade de consumação.

       E a págs. 148, refere ainda que “O artigo 23.º, n.º 3, decreta a punibilidade da tentativa impossível idónea ex ante segundo um critério de aparência ou impressão.

       O artigo 23.º, recorrendo à teoria da impressão, não exclui do âmbito da punibilidade a tentativa impossível por absoluta inexistência do objecto ou inidoneidade da acção, se uma e outra não forem manifestas”.

       Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, podem ver-se os seguintes acórdãos, de:  

21-04-1994, processo n.º 46310-3.ª - Apenas existe tentativa impossível quando for manifesta a ineptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime.  A carência do objecto ou inidoneidade do meio devem ser apreciados objectivamente, através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, portanto, objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas.

07-06-1995, processo n.º 46987-3.ª – Para efeitos da verificação da tentativa no crime de furto, a inexistência do objecto a apropriar – dinheiro que o arguido pretendia furtar de um cofre – tem de resultar verificada nomeadamente pelas regras da experiência comum, segundo um critério de causalidade adequada, não segundo aquilo que o arguido pensa, mas apenas quando reconhecíveis pela generalidade das pessoas normais e razoáveis.

10-10-1996, processo n.º 100/96-3.ª - SASTJ n.º 4, pág. 76 - Comete o crime de furto qualificado  na forma tentada (apesar de não se apurar o valor dos bens) o arguido, que após danificar a fechadura se introduz no interior de um estabelecimento onde se encontravam diversos bordados.

12-11-1996, processo n.º 720/96. 3 – SASTJ, n.º 5, pág. 67 - Sabendo-se que através de fotocópias é possível obter a imitação de notas verdadeiras, é de repudiar, no caso, a existência de manifesta inaptidão do meio empregue, em ordem a integrar tal conduta na figura da tentativa impossível.

03-04-1997, processo n.º 76/97- 3.ª, SASTJ, n.º 10, pág. 85 – Na tentativa impossível, para que releve a inaptidão do meio empregue, necessário se torna que a mesma seja manifesta, isto é, que ela, não em função do que o agente antes ou depois representa, mas em função das regras de experiência comum ou da causalidade adequada aparentava, “ex ante”.

17-04-1997, processo n.º 1532/96 – 3.ª, SASTJ, n.º 10,  págs. 103/4 – O crime de abandono de sinistrado existe mesmo que a vítima faleça imediatamente, não se podendo falar aí de crime impossível, por isso que a violação do dever de socorro existe mesmo em tal caso (até por que o  agente nunca sabe se este é, e em que medida, necessário).

2-07-1997, processo n.º 390/97-3.ª, SASTJ, n.º 13, pág. 111 – Referindo a matéria provada que “conforme previamente delineado, os arguidos F e S partiram o vidro de uma das janelas das instalações do stand e entraram para lançar mão dos objectos que o arguido M pretendia, nomeadamente discos de embraiagem”, tanto basta para a verificação do crime de furto tentado, que lhes era imputado, não sendo necessário para esse efeito que o tribunal tenha de apurar que bens existiam no stand, ou de descrever quais os bens susceptíveis de apropriação que aí se encontravam, maxime, se tais indagações respeitarem a factualidade não coberta pela acusação.

A simples situação de não terem sido encontrados no local os objectos pretendidos pelos arguidos, quando objectivamente os mesmos aí poderiam existir, não configura uma situação de desistência activa.  

10-12-1997, processo n.º 916/97 – 3.ª, SASTJ n.ºs 15 e 16 , págs. 202 e 203 e BMJ n.º 472, pág. 116:

- Nos casos de tentativa impossível entende-se que, dado o circunstancialismo em que o agente actuou, o desvalor da acção merece ser punido, não obstante não existir bem jurídico.

- O juízo sobre a aptidão ou inaptidão do meio (ou sobre a existência ou inexistência de objecto) – art. 23.º, n.º 3, do CP – tem de ser, em primeiro lugar, um juízo objectivo, quer dizer, não releva aquilo que o agente considera apto ou inapto, existente ou inexistente. Em segundo lugar, a aferição daquela valoração, tanto quanto possível objectiva, tem de assentar em dois planos: de uma banda, na determinação e consideração razoáveis que a generalidade das pessoas ou um círculo de pessoas – que detenham especiais conhecimentos na matéria – fazem sobre o meio ou objecto em causa, por outra, nos especiais conhecimentos do agente e da sua pertinência à vítima.

07-01-1998, processo n.º 1030/97, CJSTJ1998, tomo 1, pág. 151 – Citando Cavaleiro Ferreira, distingue: A inidoneidade do meio pode ser absoluta ou relativa. A primeira existe quando o meio for, por natureza, inapto para produzir o resultado. A segunda verifica-se quando, sendo o meio em si mesmo, idóneo ou apto, se torna inapto para produzir o resultado. Ao exigir-se no n.º 3 do artigo 23.º do CP, que a inaptidão do meio seja manifesta, para que a tentativa não seja punível tem-se em vista a inidoneidade absoluta.

12-05-1999, processo n.º 357/99-3.ª, SASTJ n.º 31, pág. 81 - Comete o crime de roubo, na forma tentada, sendo punível a conduta do arguido que, com violência, ameaça o ofendido para que este lhe entregue o dinheiro que no momento detinha, sendo certo que este nenhuma quantia tinha em seu poder, porquanto a inexistência do objecto essencial à consumação do crime - o dinheiro – não se apresentava como manifesta.

12-04-2000, processo n.º 841/99-3.ª, SASTJ n.º 40, pág. 47 - A inidoneidade do meio, para efeitos do artigo 23.º, n.º 3, do CP, não deriva de o resultado não haver sido alcançado, mas antes da verificação de que tal inidoneidade é aparente, ou seja, que, segundo as regras da experiência comum, a actividade do agente, no circunstancialismo concreto em que se desenvolveu, não é, com evidência, adequada a preencher o tipo legal de crime.

1-06-2000, processo n.º 126/00 - 5.ª, SASTJ n.º 42, pág. 61 - A palavra manifesta, que o legislador usou no n.º 3 do art. 23.º do CP para dimensionar a inadaptação do meio empregado pelo agente ou para concretizar a inexistência do objecto essencial à consumação do crime, inculca, com nitidez inquestionável, que as faladas inidoneidade do meio ou a carência do objecto não devem ser aferidas através daquilo que o agente se representa, mas sim através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas.

      Revertendo ao caso concreto.

      

       O arguido foi condenado por duas tentativas de furto, concretamente, nos casos versados nos factos provados sob os n.º s IV e V, sendo o primeiro em 22-04-2010, em que assaltou a residência de DDs, e o segundo em 09-07-2010, em que assaltou as instalações da sociedade “MDA- ..., S.A.”, acabando de ambas as vezes por ser detido; a primeira, após ser apanhado pelo filho do dono da casa, que o reteve até à chegada da GNR, e a segunda pela GNR no interior daquelas instalações.

       Como ficou provado, o arguido agiu com o propósito de entrar na citada residência, bem como nas instalações referidas, “com vista a fazer seus os objectos de valor e de fácil transporte, nomeadamente dinheiro, cheques, artigos de relojoaria e de ourivesaria, telemóveis, que ali se encontravam, de valor superior a 102 €, e de os fazer seus, levando-os dali, só não o tendo logrado fazer pelos descritos motivos exteriores à sua vontade”.

       Esta facticidade dada por provada contraria a ideia de que a casa nada teria de valor por ter sido assaltada anteriormente, o que não foi dado por provado, sendo certo que continuava habitada e por essa razão o arguido levou com as botas que lhe foram atiradas pelo filho do proprietário, que de seguida o perseguiu e apanhou, agarrando-o até o entregar à autoridade.

       Ademais, não foi provado que tal residência tivesse sido assaltada e depois o facto de ter sido recentemente assaltada, mesmo que o fosse, não significaria que estivesse completamente despojada de haveres.

       Conclui-se assim, que não estamos perante uma tentativa impossível de furto, e que o facto imputado constante do ponto IV foi correctamente subsumido na figura de tentativa de furto qualificado.  

      Questão II - Crime continuado de furto

      Esta questão é colocada pelo recorrente a propósito dos crimes de furto por que foi condenado, na conclusão 4.ª, afirmando que “Os crimes de furto em que (…) foi condenado deveriam ter sido considerados como um só crime continuado, já que o seu cometimento preenche os requisitos do n.° 2 do artigo 30.° do Código Penal).

         Argumenta o recorrente, a fls. 1383-4, que os pressupostos do crime continuado devem aplicar-se aos crimes de furto, pois na prática destes o tipo de crime é o mesmo, protegendo o mesmo bem jurídico, executado do mesmo modo e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente, apontando a toxicodependência, a necessidade de alimentar a família, o desemprego como situações exteriores que diminuem a culpa do agente, também o sendo o facto de ter escolhido fábricas, a horas em que não estariam pessoas a trabalhar.

        Analisando.

     A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é decisiva na determinação das consequências jurídicas do facto, para efeito de punição do agente, sabido que no caso de concurso de crimes cabe a aplicação do critério especial de determinação da pena constante do artigo 77.º, extensível, nos termos do artigo 78.º, ao caso de superveniência de conhecimento da existência de relação concursal, cabendo ainda em caso de unificação do concurso, como crime continuado, tratado como uma situação ou caso de unidade de infracção, ou seja, como um só crime, um outro critério especial, este de privilegiamento punitivo, do artigo 79.º do Código Penal, sendo o crime punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.

      Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-06-1986, processo n.º 38292, publicado no BMJ n.º 358, pág. 267, a realização plúrima do mesmo tipo legal pode constituir:

a) Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;

b) Um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para reiteração das condutas;

c) Um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.

 

      Estabelece o artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, que constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

      Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.

       A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.

       Entre os diversos comportamentos existe um fio sequencial, sendo a reiteração, repetição, sequência dos actos, após a primeira actividade criminosa, ilustrada no quadro exemplificativo de situações exteriores típicas, que arrastam para o crime, apresentado pelo Prof. Eduardo Correia em Unidade e Pluralidade de Infracções, 1945, pág. 338.

        O mesmo Autor, em Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1967 (e 1996), págs. 246 e ss., refere quatro exemplos de situações exteriores, que preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, seriam susceptíveis de diminuir consideravelmente o grau de culpa do agente (reeditadas de forma sintetizada em Direito Criminal, com a colaboração de Figueiredo Dias, II, Reimpressão, Almedina, 1968 – 1971, pág. 210), e que poderão estar na base de uma continuação criminosa, a saber:

a) «A circunstância de se ter criado, a partir da primeira actividade criminosa, uma certa relação, de acordo entre os sujeitos» - situação que exemplificava com o caso dos delitos sexuais e nomeadamente o adultério;

b) «Voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do criado que furta vários cigarros ao patrão, deixados ao seu fácil alcance, e do caixa que vai igualmente descaminhando em proveito próprio o dinheiro que lhe foi entregue;

c) «A perduração do meio apto para a realização de um crime, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada a fabricar notas, se vê sempre de novo solicitado a utilizá-la e do burlão que, tendo alcançado ou falsificado um documento, com que praticou uma primeira burla, é de novo solicitado a cometer com ele uma outra;

d) A circunstância «de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa», situação que exemplificava com o caso do indivíduo que penetra num quarto para furtar jóias e, depois de as subtrair, verifica que no quarto também se encontra dinheiro, de que igualmente se apropria.

      Segundo o acórdão do STJ, de 24-11-1993, BMJ n.º 431, pág. 255, são pressupostos do crime continuado:

- A plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;

- Que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea;

- Que haja proximidade temporal das respectivas condutas;

- A persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui sensivelmente a culpa do agente;

- Que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido.

(cfr. os acórdãos do STJ de 12-04-2007, processo n.º 814/06 - 5.ª; de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07 - 5.ª e de 13-09-2007, processo n.º 2170/07 - 5.ª).

      Como decidiu o acórdão do STJ, de 27-04-1983, processo n.º 36933, verifica-se um crime continuado quando se provem plúrimas violações da mesma norma pelo agente, proximidade temporal das respectivas condutas parcelares e também a manutenção da mesma situação exterior, a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir a sua menor censurabilidade.

     Vejamos algumas abordagens à figura em causa em acórdãos do STJ, como os de:

17-04-1997, processo n.º 1532/96-3.ª, SASTJ n.º 10, pág. 103 - No crime continuado não existe uma única resolução criminosa, mas várias resoluções que, após a primeira, são facilitadas pela tal situação exterior que solicita o agente, em termos de lhe diminuir consideravelmente a culpa.

23-04-1997, processo n.º 62/97 - 3.ª, SASTJ n.º 10, pág. 106 - São requisitos ou pressupostos do crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; uma forma de execução essencialmente homogénea; e um quadro de solicitação de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Não integra o crime continuado quando se prova que a conduta do arguido revela que em cada acto houve uma renovação ou reintegração dos seus propósitos.

05-11-1997, processo n.º 608/97-3.ª, SASTJ, n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 154 – A continuação criminosa, para além dos pressupostos gerais do art. 30.º, n.º 2, do Código Penal, não dispensa uma certa proximidade temporal entre os crimes que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico. Sem essa proximidade temporal é impossível conceber o «quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente». (Caso de abuso sexual de crianças).

06-11-1997, processo n.º 1310/96-3.ª, ibidem pág. 155 – A figura do crime continuado pressupõe uma multiplicidade de condutas, com multiplicidade de propósitos criminosos, em que a culpa do agente se encontra fortemente diminuída por força da acção de factores estranhos ao agente, e por ele não provocados nem procurados.

4-12-1997, processo n.º 720/97-3.ª SASTJ, n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 200 - O crime continuado dá-se quando existe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Pode verificar-se a continuação criminosa mesmo que sejam diversos os ofendidos. Mesmo sendo diferentes os vários crimes cometidos, podem estar numa relação de continuação, desde que tais crimes visem a protecção do mesmo bem jurídico.

23-09-1999, processo n.º 477/99-5.ª SASTJ n.º 33, pág. 94 - São pressupostos do crime continuado:  

A realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;

Homogeneidade na forma de execução (unidade no injusto objectivo da acção);

Lesão do mesmo bem jurídico;

Unidade do dolo (unidade do injusto objectivo e agora pessoal da acção), no sentido de que as diversas resoluções devem manter-se dentro de um alinha psicológica continuada;

Persistência de uma situação exterior que facilite a execução e diminua consideravelmente a culpa do agente.

    Como se pode ler no acórdão do STJ de 24-01-2007, processo n.º 4066/06-3.ª, pressuposto da continuação criminosa é, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de maneira considerável facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

      Assim, também o acórdão do STJ de 14-02-2007, no processo n.º 4100/06 - 3.ª refere que «O crime continuado ocorre quando o agente, com unidade de propósito e violando o mesmo bem jurídico – pertencente a uma pessoa ou a várias sempre que o bem ou bens violados não sejam de natureza eminentemente pessoal –, executa em momentos distintos acções diversas, cada uma das quais conquanto integre um comportamento delituoso, não constitui mais do que a execução parcial de um só e único facto típico, sendo que o seu fundamento reside no menor grau de culpa do agente».

     Ainda nas palavras do mesmo acórdão de 14-02-2007 proferido no processo n.º 4100/06 - 3.ª «Para haver crime continuado é necessário, pois, que se tenha verificado um circunstancialismo exógeno condicionante da conduta do agente, que lhe tenha facilitado (como que tentando-o) a repetição, em termos tais que lhe diminua consideravelmente a culpa.

      Como expendeu Eduardo Correia, quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve encontrar-se no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto, pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. A situação exterior deve ser tal que objectivamente facilite a execução do facto criminoso ou prepare as coisas para a repetição do facto.»

      Este Supremo Tribunal tem considerado que não integra a figura do crime continuado a realização plúrima do mesmo crime se não forem as circunstâncias exteriores ao agente que o levaram a sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de através de actos sucessivos lesar o queixoso, como se elucida no acórdão de 24-01-2007, processo n.º 4347/06-3.ª, onde se afirma: «A noção de crime continuado contida no art. 30.º, n.º 2, do CP é tributária do pensamento do Prof. Eduardo Correia, expressa em Direito Criminal, II, 1992, pág. 209, e pressupõe a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (logo de resoluções criminosas), homogeneidade na sua forma de execução, uma certa conexão temporal entre os actos individuais, na forma de proximidade temporal entre as sucessivas condutas, lesão do mesmo bem jurídico, uma unidade de dolo continuado (que se apresenta como um fracasso psíquico e sempre homogéneo do autor na mesma situação de facto, na lição de Jescheck, in Derecho Penal, Parte General, pág. 216) e a persistência, a manutenção de uma situação externa, de uma mesma situação exterior ao agente, que reduza, de forma substancial, a culpa, o juízo de censura do agente, apta “a gerar um repetido sucumbir” e a fundar um menor juízo de censura”.

      Num outro registo, o acórdão de 10-12-1997, processo n.º 1192/97 -3.ª, SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 204, pronunciava-se no sentido de ser de concluir pela existência de concurso real de crimes quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por caso, em termos de facilitarem e arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa.

     Em sentido semelhante o acórdão de 06-11-1997, processo n.º 1310/96-3.ª, ibidem, pág. 155, ao referir que a figura do crime continuado pressupõe uma multiplicidade de condutas, com multiplicidade de propósitos criminosos, em que a culpa do agente se encontra fortemente diminuída por força da acção de factores estranhos ao agente, e por ele não provocados nem procurados.

      Como se extrai do acórdão 13-12-2007, processo n.º 3749/07-3.ª, não há razões para subsumir o caso a crime continuado “ (…) se, decomposta a actividade do arguido reconhecida na materialidade considerada provada, se verifica que o mesmo utilizou, em termos gerais, o mesmo tipo de artifício fraudulento em relação a ofendidos distintos e em momentos distintos, não tendo a actuação alicerçada nos três vectores distintos qualquer outra ligação que não o facto de ter sido o arguido o seu autor e de ter utilizado o mesmo processo para induzir em erro, e não ocorrendo, pois, a acentuada diminuição de culpa motivada por factor exógeno transversal à actuação ilícita cometida, mas, antes pelo contrário, uma pluralidade de resoluções autónomas entre si com vista à prática de acto ilícito”.

       Como se afirma no acórdão deste Supremo de 23-01-2008, no processo n.º 4830/07 - 3.ª, versando caso de abuso sexual de crianças agravado «O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado».

       

       Afastando a continuação criminosa e optando pela punição pelo cometimento de pluralidade de crimes, podem ver-se os acórdãos deste Supremo, de:

22-01-2004, processo n.º 4430/03-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 179, em caso de furtos qualificados e falsificação de documento (as circunstâncias exteriores invocadas não surgiram por acaso em termos de facilitarem o objectivo tido em vista de modo a arrastarem o arguido para a repetição de condutas, antes foram conscientemente procuradas por ele, o que revela, ao invés, uma inequívoca persistência delituosa, revelando uma manifesta intensidade dolosa que afasta a diminuição da correspondente culpa, reconduzindo-se a actuação do arguido não a um crime continuado, mas antes a um concurso real de crimes);

22-04-2004, processo n.º 902/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 165, estando em causa conduta concretizada do arguido com entrada em matas e ateando o fogo, considera-se que a actuação do arguido resultou de uma pluralidade de planos autónomos por si arquitectados, sendo afastado o crime continuado;

05-12-2007, processo n.º 3989/07-3.ª, onde se refere: “O elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele.

Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado – ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito – porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada”;  

01-10-2008, processo n.º 2872/08-3.ª, referindo que sempre que se comprove que a reiteração fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa; 

29-10-2008, processo n.º 1612/08-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 202, versando prática de furtos, burlas qualificadas e falsificação de documentos, como modo de vida e afastando a continuação quando a actuação corresponde a uma escolha deliberada do arguido, a uma sua predisposição interna para a prática dos factos ilícitos, que inscreve no seu quotidiano como forma de ganhar a vida e de obter rendimentos para custear todas as suas necessidades, não se podendo falar num condicionalismo exterior que, de fora, e com persistência levasse o arguido a cometer os factos; a repetição, sendo hábito ou modo de vida, não atenua, mas agrava a culpa do agente e torna-o mais perigoso do ponto de vista jurídico-criminal;

05/11/2008, processo n.º 2861/08-3.ª, citando Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, pág. 1226 “A exigência legal de que o agente aja na mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa significa que aquela tem, além disso, de ser tal que, objectivamente, facilite a execução do facto criminoso ou “prepare as coisas para a repetição” do facto, de modo a afastar do âmbito do instituto do crime continuado aquelas situações em que sejam total ou predominantemente razões endógenas do agente a conduzir ou a “aconselhar” a repetição do facto”;

13-11-2008, processo n.º 451/07-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 224, afastando continuação criminosa em caso de crime de abuso de confiança fiscal e dando por verificada a existência de quatro crimes (em sentido oposto, o acórdão de 04-12-2008, processo n.º 4079/06-3.ª, na mesma CJSTJ, pág. 236);

19-03-2009, processo n.º 392/09-3.ª, pronunciando-se em caso de burla, refere-se que se o agente concorre para a existência do quadro ou condicionalismo exterior que lhe facilita a acção está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal da continuação criminosa, citando os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-1997 (supra referido), de 07-03-2001 e de 12-06-2002 , in SASTJ, n.ºs 49 e 62;

         No acórdão de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5.ª, pode ler-se: “há que distinguir entre a reiteração criminosa que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente. Neste segundo caso, são obviamente razões endógenas que levam à reiteração criminosa e portanto não existe atenuação da culpa, antes uma culpa agravada, estando pois excluído o crime continuado”.

         Mais recentemente, cfr. acórdão de 18-03-2010, processo n.º 175/06.5JELSB-5.ª

         

         Para Paulo Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2010, pág. 159, o crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída, sendo seus pressupostos a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa. 

         A diminuição sensível da culpa supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente e só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa – se ele procura de novo a vítima - não há diminuição sensível da culpa – ibidem, nota 29, pág. 162.

        Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.

        Revertendo ao caso concreto.

        O acórdão recorrido justificou o concurso real, a fls. 1354, do seguinte modo:  

Na subsunção da conduta dos arguidos à facticidade apurada, temos que o arguido AA atentou contra o património das empresas em causa e de uma habitação, sem o consentimento dos seus proprietários e sempre para obter bens ou valores para si.

Numa das vezes obteve os cheques (I), noutra dinheiro (II) e em outras duas apenas se ficou pela tentativa, pois não logrou conseguir finalizar a sua intenção de se apropriar de bens alheios (IV e V).

É autor do crime furto simples, do crime de furto qualificado e dos dois crimes de furto qualificado tentados de que está acusado.(…).

Perante o critério do art° 30°, n° 1, do Cód. Penal, temos um crime de furto, dois crimes de furto qualificado e dois crimes de furto qualificado tentados”.

        Da facticidade assente não resulta que o arguido tenha actuado ao abrigo de um condicionalismo exterior, que lhe tenha facilitado a acção, a repetição da actividade criminosa por si levada a cabo e que por isso tenha diminuído a culpa.

        Os furtos por que foi condenado o arguido foram cometidos em Fevereiro de 2010, em 29-04-2010 e em 09-07-2010, distanciados temporalmente, os dois primeiros consumados em empresas diferentes, com armazéns na mesma zona industrial, apropriando-se de cheques e ainda de € 160,00, no segundo caso, e os posteriores tentados, tendo assaltado uma residência e uma empresa.     

        Em cada um dos casos o arguido renovava a resolução criminosa, sem qualquer elemento exógeno ou exterior que diminua ou mitigue a sua culpa; as novas acções foram desejadas, procuradas, queridas. As razões que conduziram à repetição criminosa foram, pois, sempre endógenas e não exteriores.    

        A toxicodependência de que padece o recorrente não é solicitação exógena facilitadora da execução e diminuidora do grau de culpa, para efeito de verificação de uma continuação criminosa – neste sentido acórdão de 05-02-1997, processo n.º 1143-3.ª. 

        Como refere Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 209, essencial à continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com a norma.

        Concluindo.

        É de afastar a qualificação como continuação criminosa, a possibilidade de redução à unidade, considerado o ilícito global, isto é, a redução a um único crime de furto qualificado, mantendo-se a qualificação do acórdão recorrido, enquanto considera a existência de um concurso efectivo de quatro crimes de furto, sendo dois qualificados na forma tentada e dois consumados (sendo um deles simples).

       Questão III – Medida da pena

       Nas conclusões 2.ª, 3.ª, 5.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª o recorrente questiona a medida das penas aplicadas.

       O arguido não questiona a opção por pena de prisão nos casos em que era prevista em alternativa a pena de prisão ou de multa, o que acontecia nos casos de furto simples, falsificação e burla, previstos nos artigos 203.º, 256.º, n.º 3 e 217.º, do Código Penal, puníveis, respectivamente, com prisão até 3 anos ou pena de multa, 6 meses a 5 anos de prisão ou multa de 60 a 600 dias e prisão até 3 anos ou multa.

       O Colectivo de Oliveira de Azeméis versando o tema, disse a fls. 1355 a 1358:

«-Da escolha e medida da pena.

Num primeiro momento tempos de escolher entre a pena detentiva e a não detentiva, sabendo que a opção deve recair sobre esta em obediência ao comando do art° 70°, do Cód. Penal, «sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».(…).

       Sobre a escolha, disse:

Na escolha da pena afastamos a pena de multa porquanto não garante as finalidades da punição.

Os bens jurídicos em causa necessitam de uma protecção de nível maior e que só a pena de prisão pode assegurar”.

       Quanto à medida das penas parcelares, justificou assim:

O quantum da pena do arguido AA conta com ilicitude elevada atenta a danosidade da sua conduta.

O dolo é directo e intenso.

O modo de execução do facto agrava a culpa do agente pois em dois dos casos o arguido tinha trabalhado nas empresas, violando assim uma relação de confiança que em si tinha si depositada.

A toxicodependência do arguido surge aqui como factor determinante do cometimento dos crimes, razão pela qual vem também acrescer à sua culpa.

As condições pessoais do arguido militam também contra si porquanto tem uma total falta de apoio familiar devido à sua dificuldade em sair da toxicodependência.

Aqui as necessidades da prevenção especial de socialização assumem um particular relevo.

Militam também contra o arguido a existência de antecedentes criminais, ainda que de uma forma ligeira pois não assumem uma grande gravidade.

A prevenção geral aumenta também a pena, sem ultrapassar o limite da culpa, dado que este tipo de crime acontece com inusitada frequência e urge sinalizar fortemente à comunidade a sua punição.

Nestas circunstâncias, o Tribunal aplica ao arguido as seguintes penas (…)”.

    

      A ter em consideração o prejuízo patrimonial resultante das falsificações e burlas, unificadas na figura do crime continuado, a confissão e as condições pessoais e económicas do arguido, já anteriormente condenado por tráfico de pequena gravidade e por burla.

      As penas afiguram-se equilibradas, com excepção da referente ao crime continuado de falsificação punido com 2 anos e 3 meses de prisão, que se reduz para 18 meses.

      Medida da pena conjunta

      O recorrente pretende redução da pena conjunta, dizendo, na conclusão 10.ª, que a mesma deveria ser fixada em três anos de prisão, suspensa na sua execução, com a condição de o arguido continuar o seu tratamento na instituição que se prontificou para o acolher e o encaminhar sócio-profissionalmente.

      Como vimos o Exmo. PGA no parecer emitido, opinou no sentido de a pena única não ultrapassar os cinco anos de prisão, mas afastando-se a possibilidade de suspensão.

      O acórdão recorrido, a propósito do cúmulo jurídico de penas, limitou-se a dizer:

Em cúmulo jurídico, considerando que os factos são de gravidade média alta e o arguido apresenta uma personalidade desajustada e desviante, com elevadas necessidades de inserção social a obter-se através da aplicação de uma pena, o Tribunal fixa a pena única em 6 anos de prisão (art° 77°, n° 1, do Cód. Penal)”.

     

      O acórdão recorrido foi parco em fundamentação, como anota o Exmo. PGA.

      As exigências de fundamentação colocam-se com maior acuidade nos casos de cúmulo por conhecimento superveniente e toda a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sustentado a necessidade de maior rigor, de um especial cuidado na fundamentação nesses casos, quando está em causa a aplicação do artigo 78.º do Código Penal.

      Em casos como o presente, em que o cúmulo é feito no mesmo processo, em acto seguido, em contínuo, à aplicação das penas, apenas mais à frente, essa exigência não tem obviamente aquela amplitude, pois que os factos provados suportes daquelas condenações e enformadores da imagem global do ilícito total são imediatamente cognoscíveis, estão todos narrados, integram o texto, estando ali mesmo, ao alcance de uma simples leitura, embora não seja de todo despiciendo anotar a importância da consideração, análise e ponderação das ligações e conexões porventura existentes entre as diversas condutas, em ordem a poder definir-se os contornos de uma situação de mera pluriocasionalidade ou antes a figuração de uma delinquência por tendência.
                                                              *

        Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, inalterado pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, e pelas seguintes alterações que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

        E nos termos do n.º 2, a penalidade, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
        No caso presente a alteração/redução da medida da pena aplicada pelo crime continuado de falsificação de documento terá algum significado no contexto global.
        A moldura abstracta do concurso é balizada por um limite mínimo dado pela mais elevada das penas concretamente aplicadas, tendo como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão.

        No caso concreto, a moldura de punição é de 2 anos a 7 anos e 4 meses de prisão.

        Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.       

        A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

        Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

        Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

        Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

          E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
            Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., i. a., acórdãos do STJ, de 17-03-2004,  03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.º s 129/08-3.ª e 3991/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/07-3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 - 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª.
             
         Importará indagar se a repetição de condutas se operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.  

        

         Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto”.

Retomando o caso concreto.

        Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado nos tipos legais em causa no caso em apreciação, de natureza diferenciada.

       O conjunto de ilícitos praticados pelo recorrente abarca condutas violadoras da propriedade nos casos dos furtos e do património em geral, na burla, em que o bem jurídico protegido pela incriminação é o património de outra pessoa que numa concepção jurídico-económica inclui todos os direitos, as posições jurídicas e as expectativas com valor económico compatíveis com a ordem jurídica; na falsificação de documento, crime contra a vida em sociedade, é posta em causa a fé pública que emana de certos documentos com a violação da segurança no tráfico jurídico e credibilidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico, à confiança que devem merecer os cheques como títulos de crédito, previsto expressamente no n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal.

       No contexto global do concreto caso os crimes de falsificação e de burla praticados pelo arguido assumem um maior peso específico no ilícito global (os furtos de cheques foram instrumentais). 

       A actividade ilícita julgada começou no dia 12 de Fevereiro de 2010 e prolongou-se ao longo de cerca de cinco meses, de forma mais contínua até 13 de Março, e depois com actos isolados em 22 de Abril e em 9 de Julho, tendo as condutas de falsificação de cheques e de burla tido lugar durante cerca de um mês, de 12 de Fevereiro até 13 de Março seguinte.

        No que respeita a prejuízos patrimoniais advindos de furtos há a reter os furtos de cheques, sendo os primeiros cinco com valor não determinado, mas sempre inferior a uma unidade de conta e os segundos quatro, sem indicação de valor, mas a situar-se no mesmo patamar do que pode considerar-se de “muito reduzido valor” e a apropriação da quantia de 160 €.

      No que tange aos resultados obtidos através das burlas, atingido foi o valor global de 931,00 €, o que somado ao valor da apropriação de dinheiro na HH atinge o valor global de € 1. 091,00.

      É evidente a conexão entre a apropriação dos nove cheques e o subsequente aproveitamento com as falsificações e burlas, surgindo mais distanciadas as duas tentativas de furto, agindo o arguido e companheira num quadro de toxicodependência.    

      Não obstante a diversidade de actuações, não é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma tendência criminosa, reportando-se o caso a situação de pluriocasionalidade, desenvolvendo-se a actividade criminosa num período temporal de cinco meses, com compassos de espera, sendo que os factos anteriores por que foi condenado foram cometidos há alguns anos, em 27-11-2000 e 1-04-2003.

        Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a moldura do concurso que vai de 2 anos de prisão a 7 anos e 4 meses de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, modo de execução de conduta, proximidade temporal, valores apropriados, consequências da conduta a nível da violação dos direitos de propriedade dos visados, é de concluir por um médio grau de demérito da conduta do recorrente, e atendendo a que tudo se passou num período curto, entende-se ser de fixar a pena conjunta em quatro anos e seis meses de prisão, afastando-se a suspensão da execução por não haver razões e motivos para fundamentar um juízo de prognose favorável para o arguido.

       A este propósito é elucidativo o que concluiu a avaliação da DGRS: «Relativamente a AA parece-nos ser de realçar a problemática aditiva de que é portador, factor condicionador da adesão a um projecto de vida ajustado. Tal problemática, relativamente à qual tem enfrentado sérias dificuldades em se desvincular, apesar das várias tentativas por si encetadas, conduziu-o a contextos vivenciais precários e de risco.

       No exterior não beneficiará de enquadramento habitacional, familiar e laboral, factores relevantes de risco de reincidência, reforçado pela sua dificuldade em desenvolver estratégias adequadas de inserção social, designadamente a desvinculação dos consumos de estupefacientes, pelo que não nos permite elaborar um prognóstico favorável quanto ao seu processo de ressocialização».

Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA, reduzindo-se a pena parcelar pelo crime de falsificação de documento na forma continuada, nos termos supra indicados, e reduzindo a pena conjunta, que ora se fixa em quatro anos e seis meses de prisão.

Sem custas.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Raul Borges (Relator)

Henriques Gaspar