ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
549/08.7PVLSB.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO MAIORIA COM VOTO DE VENCIDO E VOTO DE DESEMPATE

RELATOR ARMINDO MONTEIRO

DESCRITORES HOMICÍDIO
NEXO DE CAUSALIDADE
CAUSALIDADE ADEQUADA
JUÍZO DE PROGNOSE
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
PROVOCAÇÃO
VÍTIMA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ILICITUDE
INDEMNIZAÇÃO
ASSISTENTE
UNIÃO DE FACTO
OBRIGAÇÃO NATURAL
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO MORTE
DESCENDENTE

SUMÁRIO I - O conceito de nexo causal não é jurídico, mas naturalístico. Determinar o resultado de um facto é operação que escapa do mundo do direito, que se apoia em múltiplas provas, no seu exame crítico, nas regras da experiência comum, no id quod plerumque accidit e no raciocínio lógico-dedutivo do julgador, a partir dos factos apurados, para cuja aquisição pode, inclusive, recorrer-se à prova pericial, mas nessa circunstância, face ao teor do art. 163.º, n.º 1, do CPP, ficando comprimida, fortemente, a sua livre convicção, pois o juízo científico presume-se subtraído à sua livre apreciação e quando divirja do parecer dos peritos deve fundamentar tal divergência – n.º 2.

II - O legislador penal ao equiparar a acção adequada para produção de certo resultado à omissão da acção adequada a evitá-lo, no art. 1.º, n.º 1, do CP, consagra a vigência da teoria da causalidade adequada, de que se lança mão para estabelecimento daquele nexo causal, que é um elemento referencial entre a conduta e o resultado, que une a conduta ao evento, enquanto modificação do mundo exterior.

III - Para esta teoria, elabora-se um juízo de prognose póstuma no sentido de previsão no momento em que já ocorreu o resultado. Causa é a circunstância mais próxima ao evento, de acordo com um critério de razoabilidade. Para impor a alguém um certo resultado não basta que no caso concreto o facto tenha sido condição do dano, é imperativo que o facto seja causa adequada do dano, enquanto consequência normal, típica, provável, dele.

IV - Ao STJ é vedado conhecer da matéria de facto – art. 434.º do CPP. O estabelecimento do nexo causal pertence ao domínio da matéria de facto, apoiado e fixado como é na sua comprovação e valoração, face ao acervo factual demonstrado. Mas a conformidade da lei aos diversos meios de prova, entre os quais se situa a prova pericial e os meios de obtenção desta para aquele estabelecer, cabe nos poderes de sindicância do STJ, pois que o poder de controle das violações do grau de convicção necessária à decisão, das proibições de prova e da presunção de inocência em recurso, integram matéria de direito.

V - No caso, a Relação serviu-se, e com todo o acerto, de um conjunto de factos relevando de relatórios médico periciais, que se completam entre si, que se não antagonizam, antes se completando, facultando uma visão unitária, de conjunto, que a 1.ª instância rejeitou. É muito claro, à luz do juízo pericial, que o traumatismo no pescoço da vítima desencadeou a encefalopatia, esta múltiplas infecções, que, por sua vez, levaram à pneumonia e esta à morte, e deste desencadear de efeitos, uns directos e imediatos, como a encefalopatia e um cortejo de disfunções associadas, outros mediatos, a médio prazo e, ambos, globalmente conducentes, finalmente, à morte, sem que se possa considerar interrompido o nexo causal.

VI - O que a 1.ª instância denomina de “intercorrências”, que situa para além do processo letal não abrangidas no processo conducente à morte, situando-se o comportamento do arguido apenas no desferir da chapa de lata, fundante de uma tentativa, aproximação à acção típica, e não passando daí, nada mais são do que concausas, uma causa junta-se a outras na produção do resultado típico reforçando essa produção, surgindo como efeito directo e necessário da conduta do arguido, como uma sua típica consequência, adentro do processo causal sem cortarem a coerência e a harmonia entre o facto e o dano letal.

VII - O juízo de valor científico resultante de perícia integra prova vinculada; a esse juízo de valor científico, nos termos do art. 163.º, n.º 2, do CPP, o juiz só pode dissentir opondo um juízo, contrário ou divergente, igualmente científico; o juiz tem que jogar, então, no mesmo plano e no mesmo campo do perito. Terá que deixar claro as razões do porquê do seu afastamento do perito, sem que lhe seja conforme à lei argumentar com razões de ciência pessoal, como conhecedor enciclopédico, que não é.

VIII - As conclusões da perícia realizada nos autos ressaltam de uma valoração global e interpenetrada dos factos, de acordo com a sua dinâmica patológica. E essa valoração não pode quedar-se, apenas, pela primeira fase da agressão, indo apenas até à consolidação das lesões, olvidando todo o desenrolar sequente e causalmente adequado, ou seja, uma segunda fase, conexionada, interligada e interagindo com a primeira, autorizando a ilação segura de que a morte não teria lugar se não fosse a agressão com arma branca e a grave situação de encefalopatia inserta desde o primeiro momento naquele processo letal.

IX - Há aqui um evoluir lógico das coisas, até mesmo compreensível à luz da experiência comum, da realidade da vida; a morte não surgiu de imediato, mas posteriormente por acto daquela agressão, em nenhum caso se afirmando que as intercorrências infecciosas não sejam no imediatismo temporal derivadas da encefalopatia, conducente, depois, à morte, pese embora o lapso de tempo de 11 meses e 20 dias que decorreu entre a agressão e a morte, que não destruiu aquele nexo.

X - A prática do homicídio cresce, exponencialmente, em todo o país, denotando a banalização do respeito pela vida humana, tornando a necessidade de pena, actualizada e adequada ao valor supremo bem jurídico protegido suprimido, irrepetível, e o mais valioso na pirâmide dos direitos fundamentais.

XI - De um ponto de vista de prevenção especial, o arguido já conta, no seu passado criminal, com algumas condenações, duas por condução em estado de embriaguez e uma por desobediência, que, sem respeitarem a infracções atentando contra a vida e integridade física alheias, não lhe creditam bom comportamento anterior, antes alguma dificuldade em manter conduta lícita.

XII - Sendo certo que foi a vítima que, por razões ligadas à sucessão na administração do condomínio, começou por empurrar várias vezes o arguido, no desenvolvimento de uma discussão entre ambos, dando-lhe de seguida um murro nas costas, criando algum estado de compreensível nervosismo, o arguido não pode esquecer que essa atitude provocatória não justificava a supressão, de forma violenta e desproporcionada, de uma vida humana, menos ainda tratando-se de pessoa sua amiga.

XIII - O modo de execução do crime, com instrumento corto-perfurante e as suas consequências, com a perda de uma vida, ainda na sua juventude, deixando a vítima um filho de 10 anos, que detinha uma ligação afável com o pai, o longo tempo de sofrimento desde a agressão à morte, titulam grau elevado de ilicitude, não esbatida pelas agressões de que o arguido foi alvo, perante as quais não se provou que não tivesse possibilidade de reagir através de meio muito menos perigoso ou, sem perigosidade alguma, afastando-se do local ou mesmo reclamando a presença da autoridade policial para pôr termo à contenda.

XIV - O arguido denota alguma capacidade crítica, mas não possui bom comportamento anterior, posto o que a pena fixada no mínimo da moldura do homicídio simples, de 8 anos de prisão, não merece censura.

XV - A união de facto é uma situação próxima da família, mas que se não identifica com ela por não respeitar os requisitos de validade do casamento; é uma relação para familiar, uma vez que as relações de família nascem do casamento, parentesco e adopção – art. 1576.º do CC. Contradistingue-se do concubinato, onde impera uma relação duradoura mas sem comunhão entre os seus membros, como se diferencia da vivência em economia comum, regulamentada na Lei 6/2001, de 11-05, em que os seus membros concorrem para as despesas da casa e assumem despesas inerentes à habitação e alimentação, enquanto que na união de facto se assiste a uma comunhão de mesa, leito e habitação.

XVI - No caso em apreço, a demandante e o falecido viveram pelo menos 13 anos, um significativo período de tempo em que se estabeleceram, além de comunhão de vida, sentimentos de afecto, manifestados no facto de, dessa união, resultar um filho, de visitar sempre o companheiro até à morte, acentuando-se o seu sofrimento com este evento. Por isso, não repugna admitir que tenha direito a alimentos e a ser indemnizada por quem a privou da correspondente prestação efectuada ao abrigo de uma obrigação natural, como se deve qualificar aquela que a vítima assumiu ao longo do período, estável, duradouro, em que viveu em comunhão de mesa, leito e habitação, deles carecendo.

XVII - O quanto da indemnização a arbitrar conhece um escolho, pois há que lidar com o incerto, visto que a morte daquele trouxe a incerteza no que respeita à sua capacidade de ganho futuro, apenas se sabendo que a vítima auferia um salário de € 450 mensais, sendo certo que a indemnização deve cobrir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

XVIII - Resumindo os princípios basilares de cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro, por que se vem esforçando em afirmar o STJ, temos que:
- a indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimentos que a vítima não auferiu e se extingue no final da vida activa;
- nesse cálculo interfere, necessariamente, a equidade;
- as tabelas financeiras, como outras fórmulas de cálculo, são meros auxiliares de cálculo, em caso algum substituindo a equidade;
- deve ser deduzida a importância que a vítima gastava consigo mesmo (cerca de 1/3 por regra, mas podendo ser menor);
- deve ser ponderada a circunstância de a indemnização ser recebida de uma vez só, o que permite utilizá-la de imediato, fazendo frutificá-la em termos financeiros, sob pena de enriquecimento sem causa;
- deve considerar-se a esperança média de vida activa, tendo em vista que a vida activa não cessa no dia em que se deixa de trabalhar por conta alheia;
- a esperança média de vida activa sedia-se ao nível dos 70 anos, mas tende a ultrapassar este nível.

XIX - Considerando que a vítima auferia, em média, € 450 por mês, gastaria consigo 1/3 e trabalharia até aos 70 anos, durante, pois, mais 32 anos, a importância global de alimentos de que a assistente se viu privada juntamente com o filho é de € 159 600 (€ 300 x 14 meses x 38 anos).

XX - Importa também ponderar que quanto ao filho de 10 anos, na data dos factos, a importância de que se viu privado não é igual à da sua mãe, pois que os filhos adquirem, ou tendem a isso, vida autónoma, por volta, em média, dos 24 anos, altura da conclusão dos seus estudos, momento em que cessa a obrigação alimentar, pelo que a extensão do dano quanto ao filho é menor, projectando-se, apenas, por mais 14 anos, pelo que, quanto a ele, o montante a considerar é de € 58 800 (€ 300 x 14 meses x 14 anos).

XXI - Recebendo, ou podendo receber de imediato estas somas, auferindo juros, necessariamente baixos, para evitar eventual enriquecimento sem causa, importa proceder a um factor de correcção, de redução, e assim fixar a indemnização global em € 150 000, sendo a pagar à assistente por danos patrimoniais € 105 000 e ao filho € 45 000.

XXII - O STJ tem vindo a ressarcir o dano morte, centrando-se nas circunstâncias do caso concreto, pelo que tendo em conta a idade da vítima (32 anos) e a sua expectativa de vida, ultrapassando mais de 70 anos, e até o sofrimento entre a agressão e a morte, fixa-se o valor da compensação em € 50 000.

XXIII - A compensação com € 8000, do dano moral próprio, ou seja, a dor e sofrimento do filho, mercê da perda do pai, numa altura em que – tinha 10 anos – precisava do seu amparo, aconselho e afecto, tanto mais que mantinha com ele uma relação próxima, afectuosa, mostra-se criteriosamente arbitrada.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo foi submetido a julgamento  na  1ª Vara Criminal de Lisboa  no P.º comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º  549/08.5PYLSB  , AA,  vindo , a final , a ser condenado  pela prática, em autoria material,  de um crime de homicídio tentado,  previsto e punível pelos artºs.  22º, 23º, 73º e  131º, do Código Penal,  na  pena de  5 ( cinco) anos de prisão , suspensa na sua  execução  pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova.

Foi julgado, ainda ,   parcialmente procedente por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pela assistente, demandante BB, bem como o pedido de indemnização cível deduzido em representação do seu filho menor CC e,  em consequência , decidido  condenar o arguido, demandado,  a pagar  a cada um dos demandantes  o montante de 8.000 Euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

Foi  julgado procedente o pedido deduzido pelo Centro Hospitalar Ocidental, EPE,  e condenado  o arguido/demandado a pagar-lhe o  montante de  33.513,25 Euros, acrescido dos juros de mora que se vencerem desde a data em que o demandado foi notificado do pedido deduzido e até efectivo pagamento, à taxa legal;

Interpuseram recurso para a Relação o Exm.º Magistrado do M.º P.º e a assistente BB .  

A Relação decidiu , provendo parcialmente aos recursos  :
-alterar alguns dos pontos de facto provados e não provados ;

- condenar  o arguido  AA, como autor material de 1 (um) crime de homicídio, consumado,  com dolo eventual , previsto e punido pelo art. 131.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

Julgar parcialmente provido o recurso interposto pela assistente/demandante BB, por si e em nome do filho menor CC, e consequentemente, revogar  a decisão recorrida, condenando  o arguido AA a pagar à assistente BB e ao filho menor da assistente e da vítima, CC, a título de danos patrimoniais, a quantia global de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), relativa ao dano da perda de alimentos.  

Condenar AA a pagar ao referido filho menor da Vítima, CC, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €58.000,00 (cinquenta e oito mil euros), sendo €50.000,00 (cinquenta mil) pela perda do direito à vida da vítima DD e €8.000,00 (oito mil euros) por danos morais sofridos por este filho menor.

- Condenar AA ao pagamento aos demandantes BB e CC, de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação até integral pagamento sobre os montantes referidos .

A O arguido, inconformado com o teor da condenação , interpôs recurso para este STJ  apresentando na motivação extensas conclusões , transcrevendo, por inteiro , segmentos decisórios ,  rebatendo o que deles discorda, para se fixar no sentenciado na 1:º instância , por isso que aquelas se resumem ao relevante :  

I - As conclusões que integram o Relatório da Perícia Médico Legal de "Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal" efectuada em 16/06/2009 em relação às lesões sofridas pelo DD na sequência da actuação do arguido em 30/08/2008, lavram o seguinte:

"- A data de consolidação médico legal das lesões é fixável em 02/02/2009.

- Tais lesões terão determinado um período de doença fixável em 156 dias, sendo 156 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 156 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.

- Da ofensa resultaram como consequência de carácter permanente status pós ferimento por arma branca no pescoço com quadro clínico de encefalopatia anóxica-isquémica grave e coma vigil com tetraparésia espástical, sem qualquer grau de autonomia - dependente 100% de terceira pessoa.

- As consequências acima descritas configuram os conceitos enquadráveis nas alíneas b), c) e d) do artigo 144° do C. Penal vigente.

- Em face do instrumento utilizado (arma branca) e da região do corpo atingido (pescoço - onde estão alojados alguns órgãos vitais), as lesões traumáticas resultantes da ofensa (lesões vasculares graves), por si só, são idóneas para produzir a morte do ofendido, que não ocorreu neste caso só por este ter sido tempestiva e qualificativamente assistido no meio hospitalar.

- Do evento resultou, em concreto, perigo para a vida do Examinado ...".

E daí terem concluído pela consolidação do dano.

O  Tribunal  de   1a  Instância  considerou também  que  o  DD  veio  a falecer posteriormente à perícia de 16/06/2009, em consequência de ter ocorrido "... pneumonia secundária como complicação de encefalopatia anóxica por traumatismo do pescoço ...". Mas acrescentando, num 2.º  ponto, que a "... grave lesão traumática cervical era, só por si, causa adequada de morte..." – vide fls. 276a28i.

Acresce que, a perícia de fls. 196 a 199 já dizia que as lesões traumáticas resultantes da ofensa com arma branca e na região do corpo atingido onde estão alojados alguns órgãos vitais, por si só, são idóneas para poder produzir a morte do ofendido, o que no entanto "...no caso concreto, não ocorreu neste caso só por este ter sido tempestiva e qualificativamente assistido no meio hospitalar ...". Sendo certo que a autópsia diz que a morte foi devida à pneumonia secundária, como complicação do estado em que se encontrava DD.

Mas, ser causa adequada a produzir determinado resultado, não significa que tenha sido a causa directa desse resultado, sendo que nos documentos de fls. 223 a 226 e 228 a 233, estão descritos os internamentos e complicações vividas por DD após a data da consolidação médico legal das lesões sofridas em consequência da acção do arguido, sendo certo que a data de consolidação medico legal das lesões é fixável em 2 de Fevereiro de 2O09 (vide fls. 196 a 199). O ofendido teve alta hospitalar em 2 de Fevereiro de 2009.

Foi transferido para uma casa de saúde, tendo sido sujeito a novo internamento hospitalar de 14/02/2009 a 17/03/2009 por "...infecção respiratória a Klebsielia pneumoniae e urinária a Acinetobater baumanniii...".

Em 7 de Maio de 2009 foi levado à urgência por febre, dispneia e tosse produtiva com secreções, apresentando-se à entrada febril, taquipneico e desidratado.

Foi transferido para o Serviço de Medicina II nesse mesmo dia (7/05/2009).

Do relatório efectuado em 20/09/2009 pelo médico responsável consta que durante o internamento se verificaram múltiplas intercorrências infecciosas respiratórias e urinárias em relação com vários agentes infecciosos, foram-lhe colocados cateteres venosos centrais para realização de medicação e medidas de hidratação, mantendo alimentação entérica por sonda nasogástrica. Durante todo o internamento apresentou o estado neurológico referido à data da admissão.

A acção do arguido foi condição que levou ao dano, às lesões sofridas por DD e a que se refere a perícia de fls. 196 a 199.

Porém, a morte do DD, segundo a autópsia, foi devida "...a pneumonia secundária como complicação de encefalopatia anóxica por traumatismo do pescoço ..." , ocorreu na sequência das múltiplas complicações infecciosas referidas e transcritas e que ocorreram após a consolidação do dano a que se refere a perícia de fls. 196 a_J99.

Assim, o Tribunal de 1a Instância não pôde imputar, no caso concreto, a morte que veio a ocorrer da vítima, à acção do arguido, por várias ordens de razões:

-              ocorrência de circunstâncias anómalas e exteriores à acção do arguido

-              o tempo que mediou entre a acção do arguido e tal ocorrência

-              as conclusões da perícia de fls. 196 aJ99

-              a data do falecimento

Finalmente, refira-se que o DD faleceu em 20 de Agosto de 2009 e os factos reportam-se a 30 de Agosto de 2008.

II –A Relação de Lisboa questionou  tal entendimento , dizendo , nomeadamente, que  tendo em conta toda a Documentação Clínica,  Relatórios Médicos e Relatórios de Exame de Sanidade e de Autópsia, não podia aceitar a conclusão plasmada na decisão recorrida de que o ofendido faleceu de circunstâncias anómalas e exteriores à acção do arguido, as múltiplas complicações infecciosas , decorrendo desses elementos precisamente o contrário.

E mais disse que não pode olvidar-se que o quadro clínico do ofendido DD, desde a lesão e por causa dela, nele sempre se mostram incluídas várias infecções respiratórias e urinárias.

As múltiplas intercorrências infecciosas que ocorreram incluem-se desde o início no quadro clínico do Ofendido DD como consequências da encefalopatia anóxica-isquémica grave, sendo esta por sua vez, consequência das lesões vasculares graves causadas directamente pela conduta do Arguido/Recorrido.

Ora, o facto da conduta do Arguido, ora Recorrido, ser causa indirecta da morte do Ofendido DD, no sentido de que este veio a falecer de pneumonia, não afasta a imputação do resultado morte à conduta do Arguido/Recorrido, porquanto a causa da morte é uma complicação normal da encefalopatia anóxica- isquémica grave causada pela acção do Arguido AA.

A causa da morte do ofendido DD não foi um factor exterior ou anómalo às lesões causadas peio arguido, mas antes uma complicação decorrente da própria lesão, continua a Relação a frisar .

Na verdade claramente estabelece-se um nexo de causalidade entre a causa directa da morte -a pneumonia - e entre a morte e a lesão (causa indirecta), e entre as duas, conforme resulta claramente das conclusões Médico-Legais, aí se expressando e se conclui que há nexo de causalidade entre a morte e o traumatismo [cf. fls. 280 (fis. 4. do Relatório de Autópsia Médico-Legal].

Sendo que em sede de Conclusões Médico-Legais deixou-se dito:

1ª — A morte de DD foi devida a pneumonia secundária como complicação encefalopatia anóxica por traumatismo do pescoço com arma branca.

2ª —A grave lesão traumática cervical era, por si só, causa adequada de morte.[cf. fls.281 (fis.5 do Relatório)].

Na verdade, in casu a causa eficiente foi a conduta do arguido/Recorrido espelhada nos factos, pois só por si tem força bastante para produzir o evento morte de DD.

Ora, no caso dos autos foi o Arguido/Recorrido quem criou um risco tipicamente relevante. O seu comportamento foi inegavelmente perigoso, isto é criou um determinado grau de probabilidade de lesão pondo em perigo um bem jurídico protegido (a vida de uma pessoa humana).

Foi ele , arguido , que criou o perigo de que se desenvolvesse o curso causal concreto que conduziu ao resultado morte que reflecte a realização do perigo fa), apresentando-se a sua acção como causa eficiente para produzir o resultado morte de DD.

Assim, face a tudo o que dito fica, e tendo em mente à globalidade da prova documental e pericial, que não se mostra contrariada por quaisquer outros elementos, o Tribunal a quo deveria ter imputado a morte do Ofendido DD à conduta do Arguido/Recorrido , dando como provado que a conduta do arguido foi causa necessária e adequada da morte do Ofendido (sublinhado nosso)., concluiu a Relação

III – Ao que antes a Relação firmou contrapõe que :

Os dois Juízes Desembargadores que proferiram o veredicto  ora em apreço, emitiram opinião acerca da problemática das relações entre o perito e o juiz no domínio de conclusões médico-legais.

Assim, lavraram no douto acórdão nomeadamente o seguinte:

 “ ... nos tempos que correm o perito médico legal, através da realização do exame de clínica médico-legal, pronuncia-se apenas sobre um dos elementos da responsabilidade penal inerente à prática do ilícito criminal, isto é, sobre o dano corporal (e a sua relação com a ofensa praticada) e, não obstante as informações que recolha sobre as circunstâncias da prática do facto, não lhe cabe pronunciar-se sobre a intenção do agente, ou sobre a qualidade jurídico penal da respectiva conduta, questões cujo esclarecimento é da competência do Ministério Público, em sede de inquérito, do Juiz, na fase da instrução, e do Tribunal de julgamento.

... na prova pericial apenas é subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico (científico ou artístico), que não se deve confundir quer com o juízo de probabilidade, quer com o juízo opinativo que neles frequentemente são expressos. Os dados objectivos que permitiram presumir à perícia médico-legal a intenção de matar e a intenção com que o agente na realidade age, não são a mesma coisa esses dados, elemento importante na indagação da intenção, raramente são concludentes.

Por isso, o tribunal pode, com base nas provas conduzidas em audiência dar como provada a intenção de matar, ainda que os peritos tenham declarado que ela não se podia presumir.

... o papel do perito será apenas o de pronunciar-se sobre a adequabilidade de determinado facto - em regra, uma agressão - a produzir determinado resultado; isto é, deverá o perito, considerando assédio do ferimento ou do traumatismo (por exemplo, se foi atingida região que aloja órgão essencial à vida, como o tórax ou a cabeça, a garganta, as respectivas características (por exemplo, seu número, extensão e profundidade) e o instrumento que denota ter sido utilizado, pronunciar-se sobre a adequação da agressão à produção da morte da vítima.

... a "missão" pericial para avaliação do dano corporal no âmbito do Direito Penal consiste em permitir às autoridades judiciárias e judiciais uma sustentada apreciação jurídica do caso, através da descrição das consequências medico legais do facto praticado, tendo como parâmetros as consequências previstas nas diversas alíneas do artigo 144° do Código Penal, e ainda a perigosidade da conduta do agente

Assim o Relatório da Perícia Médico-Legal de "Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal" tem carácter eminentemente técnico e concluiu que a morte do DD foi devida a pneumonia secundária, como complicação do estado em que se encontrava, sendo certo que a vítima teve alta hospitalar em 2 de Fevereiro de 2009, data de consolidação médico-legal das lesões sofridas na sequência da actuação do arguido em 30 de Agosto de 2008.

Na verdade, após a consolidação a que se refere a perícia de fls. 196 a 199, ocorreram circunstâncias anómalas e exteriores à acção do arguido, sendo de considerar também o tempo que mediou entre a acção do arguido, a perícia de fls. 196 a 199, as conclusões que a mesma retirou, e a data de falecimento.

Opinião técnica esta que o Exmo. Colectivo da 1a Vara Criminal de Lisboa não teve dúvidas em subscrever, não tendo condenado o arguido pela prática de homicídio consumado.

Torna-se aqui pertinente trazer à colação os ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias quando afirma que "... ao juízo científico, a apreciação há-se ser científica e estará, por conseguinte, subtraída, em principio, à competência do tribunal." - obra citada pelo douto acórdão a págs. 44/80.

Sucede que a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa pôs em causa o juízo técnico-científico dos peritos médicos do Instituto Nacional de Medicina Legal que se presume subtraído à livre apreciação do julgador, divergiu do juízo contido no parecer dos peritos mas, s.m.o. não fundamentou tal divergência.

De facto, o douto acórdão limita-se a dizer que a documentação clínica, relatórios médicos, relatórios de exame de sanidade e autópsia apontam no sentido contrário do que foi entendido pelos médicos que verteram em tais documentos a sua opinião técnica.

Decisão esta respeitável mas que contraria a opinião dos técnicos e o entendimento dos julgadores da 1ª Instância a quem cabe conjugar toda a prova produzida, apreciá-la criticamente, e no exercício do poder-dever da sua livre apreciação {artigo 127° do Código de Processo Penal).

Naturalmente que a livre apreciação da prova não se confunde com a apreciação arbitrária da mesma, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, devendo antes ser fundamentada e objectivada {citação do Ac. STJ de 08/11/2006, CJ, Acs. do STJ; ano XIV, tomo III, 222).

Sendo que o artigo 127° do C.P.P. estabelece 3 tipos de critérios para avaliação da prova, com características e natureza completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente uma outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador {citação do Ac. STJ de 18/91/2001, Proc, n° 3105/00-53; SASTJ, n° 47, 88).

Cabe aqui dizer que a convicção dos julgadores assenta num somatório de outras convicções, isto é, daquelas que são expressas pelos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência.

"In casu", a formação da convicção do tribunal "a quo", ficou a dever-se aos Relatórios Médicos não impugnados pela Assistente nem pelo Ministério Público e pelos depoimentos das testemunhas presenciais dos factos.

E, se bem interpretamos o douto acórdão proferido pela 3a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, o que foi escrutinado negativamente por este Tribunal Superior não foi o veredicto da 1a Vara Criminal de Lisboa mas tão somente a opinião técnica médico legal dos peritos do Instituto Nacional de Medicina Legal vertida no relatório de 16 de Junho de 2009.

Assim, não tendo concordado com tal opinião técnica, os Excelentíssimos Juízes Desembargadores fizeram decair a avaliação jurídico-penal que o Tribunal de 1a Instância retirou das respectivas conclusões, questionando o princípio da livre apreciação da prova e, no entender do recorrente, com violação do normativo legal processual penal ínsito no artigo 127°doC.P.P..

SEM CONCEDER,

IV - O douto acórdão ora em recurso, fixou a matéria de facto que a seguir se indica, relevando nas presentes motivações alguns dos factos que interessam ao conhecimento das circunstâncias que despoletaram este dramático desfecho:

1. No dia 30/08/2008, pelas 18h30, decorria uma reunião de condóminos no átrio do R/C do Edifício correspondente ao lote … da Quinta da …, em Lisboa;

2. Participavam nessa reunião, para além de outros condóminos DD e a sua companheira, BB, bem como o arguido AA e a sua companheira, EE.

3. No decurso da reunião DD e o arguido AA, começaram a discutir um com o outro, acerca de problemas relacionados com a sucessão na administração do condomínio.

4. A certa altura, DD começou a desferir empurrões no arguido AA.

5. Então, a EE levantou os braços e avançou na direcção do DD, no intuito de o agarrar.

6. De imediato o arguido AA colocou-se entre a EE e DD, de modo a evitar que se agredissem mutuamente.

7. Nessa altura DD desferiu um murro no ombro direito do arguido AA.

8. Em resultado dessa conduta o arguido AA desequilibrou-se e caiu em cima de uns vasos ali existentes.

9. Então o arguido AA empunhou com a mão direita um pedaço de chapa, que tinha uma ponta pontiaguda - não tendo o tribunal conseguido apurar as demais características concretas do objecto e as circunstâncias em que o arranjou e se já o tinha conseguido quando foi para a reunião -e levantando-se, espetou-o na direcção da zona da garganta de DD atingindo-o na garganta.

10. DD começou de imediato a sangrar abundantemente, tendo sido transportado por

BB para o Hospital de S. Francisco Xavier, onde recebeu tratamento médico.

24. O arguido AA conhecia e tinha amizade com o DD, tendo o mesmo convidado para o baptizado da sua filha, a que este foi.

25. Viviam no mesmo prédio, o arguido AA dava trabalho - biscates - ao DD quando lhe era possível, sendo que DD não tinha trabalho regular desde 2007, nessa altura o trabalho que teve foi por 6 meses, e quer antes, quer depois, vivia de biscates.

28. Perante uma familiar o arguido AA, desde a data em que ocorreram os factos, tem demonstrado preocupação e pesar pelo que fez, tendo chegado a chorar.

Perante a atrás referida factualidade, e com o devido respeito pela memória do falecido DD, sempre se dirá que este dramático incidente se deveu às circunstâncias determinantes descritas nos pontos 4, 5, 6, 7 e 8 dos Factos Provados.

Sendo incontornável sublinhar o seguinte:

a)- Quem iniciou a agressão foi o DD

b)- Agressão esta consumada na presença da EE, companheira do arguido

c)- O arguido quis evitar a agressão mútua entre o DD e a EE, pondo-se entre eles

d)-Altura em que o DD desferiu um murro no ombro direito do arguido

e)- De que resultou o desequilíbrio do arguido caindo em cima de uns vasos ali existentes

f)- O arguido levantou-se e espetou na direcção da zona da garganta do DD um pedaço de chapa com ponta pontiaguda atingindo-o na garganta.

Daqui decorre que foi o falecido DD que desencadeou esta dramática ocorrência e logo na presença de outros condóminos entre os quais as companheiras do arguido e da vítima.

A reiterada provocação com empurrões culminada com uma agressão a soco por parte do DD na pessoa do arguido, foi particularmente vexatória para este porque consumada na presença da EE, ferindo o seu amor-próprio.

As mentalidades e condicionantes socioculturais inerentes ao bairro onde ocorreu o evento (ex-moradores do Casal Ventoso), fizeram o resto.

Refira-se que o arguido dava trabalho de biscates ao DD quando lhe era possível sendo que este não tinha trabalho regular desde 2007 (vide pontos 24, 25 e 28 dos Factos Provados).

Acresce que a amizade que o arguido nutria pelo DD levou-o a convidá-lo para o baptismo da sua filha, a que este foi.

Para o recorrente, não restam quaisquer dúvidas que o pedaço de chapa com ponta pontiaguda que utilizou na resposta ao prévio desferimento de empurrões, agressão iminente à sua companheira EE e que culminou com um murro no ombro direito de que resultou o seu desequilíbrio caindo em cima dos vasos, foi um acto meramente instintivo, logo irreflectido, jamais desejado contra um amigo e companheiro de trabalho.

Companheiro esse que lhe obedecia nos problemas conjugais mais acesos que tinha com a companheira BB sendo que esta muitas vezes se refugiava na sua casa pedindo a protecção da sua companheira EE nas situações mais complicadas.

Sustentar, como se insinua nalgumas partes do douto acórdão que o recorrente quis a morte do seu amigo, é para si, absolutamente inaceitável.

Naturalmente que a perda de uma vida humana nas circunstâncias em que se veio a consumar, derivadas de uma simples discussão em reunião de condomínio, não tem explicação racional. E nas sequelas mais graves inclui-se a dor de uma criança filho do falecido.

Contudo, o arguido não está imune à desgraça alheia, para a qual apenas contribuiu em resultado de resposta a uma agressão prévia, obviamente excessiva mas não desejada nem reflectida. Como ser humano sempre será sancionado em termos de consciência, pecado que o acompanhará o resto da vida.

Há sempre um lado humano do julgar, e é nos casos mais graves como o ora em apreço, que o Juiz tem de vestir tanto quanto possível a pele do acusado, posicionando-se no seu lugar para poder avaliar se naquelas exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar, ocorreu alguma circunstância anómala que milite a favor do arguido apesar da gravidade das consequências do seu acto, considerando a intensidade do dolo, a amizade existente entre arguido e vítima, a provocação do acto instintivo, e as envolventes pessoais, familiares e mentalidade sociocultural do bairro de residência dos intervenientes.

V.DA QUESTÃO CÍVEL

Do ponto de vista do recorrente, a decisão em sede penal tem que necessariamente se repercutir no quantum das indemnizações fixadas ao responsável pela perda da vida de um ser humano, in casu um anterior amigo do acusado.

Assim sendo, o recorrente vem pugnar pela manutenção das indemnizações civis fixadas pela 1a Vara Criminal de Lisboa tendo em atenção nomeadamente as condições da sua vida e a prática, em autoria material, de um crime de homicídio tentado. Pugnando-se pela procedência das indemnizações fixadas pela 1a Vara Criminal de Lisboa.

Face ao exposto, e com o imprescindível suprimento desse Tribunal, vem peticionar a derrogação do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e a sua substituição por outro que mantenha o veredicto proferido pela 1a Vara Criminal de Lisboa, nas suas vertentes penal e civil.

B.Após alteração da matéria de facto a que a Relação procedeu aos pontos de facto n.ºs  9 , 18.1, 19, 20 e 22 , do elenco dos factos provados e não  provados , importa reter o seguinte acervo factual assente , advindo da acusação e da defesa):

1. No dia 30/08/2008, pelas 18h30, decorria uma reunião de condóminos no átrio do R/C do Edifício correspondente ao lote B… da Quinta da …, em Lisboa;

2. Participavam nessa reunião, para além de outros condóminos, DD e a sua companheira, BB, bem como o arguido AA e a sua companheira, EE.

3. No decurso da reunião DD e o arguido AA começaram a discutir um com o outro, acerca de problemas relacionados com a sucessão na administração do condomínio.

4. A certa altura, DD  começou a desferir empurrões no arguido AA. 

5. Então, a EE levantou os braços e avançou na direcção do DD, no intuito de o agarrar;

6. De imediato o arguido AA colocou-se entre a EE e DD, de modo a evitar que se agredissem mutuamente.

7. Nessa altura DD desferiu um murro no ombro direito do arguido AA.

8. Em resultado dessa conduta o arguido AA desequilibrou-se e caiu em cima de uns vasos ali existentes.

9. Então o arguido AA empunhou com a mão direita um pedaço de chapa, que tinha uma ponta pontiaguda - não tendo o tribunal conseguido apurar as demais características concretas do objecto e as circunstâncias em que o arranjou e se já o tinha consigo quando foi para a reunião - e levantando-se, espetou-o na direcção da zona da garganta do DD atingindo-o na garganta.

10. DD começou de imediato a sangrar abundantemente, tendo sido  transportado por  BB para o Hospital de S. Francisco Xavier, onde recebeu tratamento médico.

11. Como consequência directa e necessária da conduta da acção de DD, AA sofreu dores nas regiões do corpo atingidas. 

12. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, DD sofreu ferida incisa submentoniana com hemorragia activa.

Por cirurgia plástica não conseguir proceder à exploração e hemostase da ferida, na sala de Pequena Cirurgia da Urgência, foi transportado para o Bloco Operatório Central onde sob anestesia geral foi operado.

13. Nesta operação no Bloco Operatório Central foi efectuado exploração, hemostase e encerramento da ferida submentoniana.

14. Durante a recuperação anestésica e após extubação traqueal, apresentou quadro agudo de dificuldade respiratória, hipoxémia, bradicardia e ocorreu paragem cardíaca.

15. Foram efectuadas medidas de suporte avançado de vida com recuperação do ritmo cardíaco, re­-intubação traqueal muito dificultada por grande edema das estruturas laríngeas e reabertura cirúrgica da ferida para re-exploração.

16. No pós-operatório imediato seguiu para a Unidade de Cuidados Intensivo Cirúrgicos sedado e ventilado.

17. Nos dois dias posteriores à intervenção cirúrgica sofreu crises convulsivas generalizadas de difícil controlo com a terapêutica anticonvulsivante com diminuição progressiva da terapêutica, não havendo registo de qualquer episódio de convulsão desde 12/09/08.

18. Durante o período de internamento do ofendido DD no Hospital de São Francisco Xavier, de 30/08/2008 a 02/02/2009, quanto ao seu quadro clínico, resulta apurado o seguinte:

Do ponto de vista neurológico: quadro clínico inicial caracterizado por crises convulsivas generalizadas de difícil controlo com a terapêutica anticonvulsivante com diminuição progressiva da frequência. Encefalopatia anóxica-isquémica grave, sem compromisso do tronco. Clinicamente evoluiu para um quadro de espasticidade de agravamento progressivo. Não verbalizando, abrindo os olhos espontaneamente (mas não seguindo com o olhar) e aparentemente mantendo algum grau de audição preservado. Reactivo à estimulação táctil.

Do ponto de vista respiratório: em ventilação mecânica até 11/09/2008, data em que se procedeu a traqueostomia percutânea, ficando a partir dessa data em ventilação espontânea.

Do ponto de vista da nutrição: a tolerar alimentação entérica por sonda naso-gástrica desde o 10º dia do internamento.

Do ponto de vista infeccioso: infecções nosocomiais (secreções brônquicas e urina) tratadas de acordo com antibiograma.

18.1. Em 25/05/2009 foi efectuada perícia médico-legal de avaliação do dano corporal sofrido por DD, em consequência da acção do arguido AA, e da qual consta, do respectivo relatório, datado de 16 de Junho de 2009, que:

“…a data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 02-02-2009.

- Tais lesões terão determinado um período de doença fixável em 156 dias, sendo 156 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 156 dias com afectação de capacidade para o trabalho profissional.

- Da ofensa resultaram como consequência de carácter permanente status pós ferimento por arma branca no pescoço com quadro clínico de encefalopatia anóxica-isquémica grave e coma vigil com tetraparésia espástical, sem qualquer grau de autonomia – dependente 100% de terceira pessoa.

- As consequências acima descritas configuram os conceitos enquadráveis nas alíneas b), c) e d) do artº144º do C. Penal vigente.

- Em face do instrumento utilizado (arma branca) e da região do corpo atingido (pescoço-onde estão alojados alguns órgãos vitais), as lesões traumáticas resultantes da ofensa (lesões vasculares graves), por si só, são idóneas para poder produzir a morte do ofendido, que não ocorreu neste caso só por este ter sido tempestiva e qualificativamente assistido no meio hospitalar.

- Do evento resultou, em concreto, perigo para a vida do examinando…” .

19. A 2 de Fevereiro de 2009, mantendo o quadro clínico a que se alude em 18. e 18.1, encontrando-se em coma vigil (sem qualquer grau de autonomia- dependência 100%) com tetraparésia espástica, sem controlo motor, sem controlo ou equilíbrio da cabeça na posição de sentado, sem controlo de esfíncteres e sem sistema de deglutição seguro, pelo que se alimenta por sonda; em ventilação espontânea e eupneico, analítica e hemodinâmicamente estável, foi transferido para a Casa de Repouso da …”

20. DD veio a falecer em 20/08/2009, com 32 anos, constando das Conclusões Médico-Legais do Relatório de Autópsia o seguinte:

1.ª - A morte de DD foi devida a pneumonia secundária como complicação de encefalopatia anóxica por traumatismo do pescoço com arma branca.

2.ª - A grave lesão traumática cervical era, por si só, causa adequada de morte.”

21. Após a alta hospitalar em 2/02/2009, DD foi transferido para uma casa de saúde, tendo sido sujeito a novo internamento hospitalar de 14/02/2009 a 17/03/2009, “… por infecção respiratória a Klebsiella pneumoniae e urinária a Acinetobater baumanniii…”.

Em 7/05/2009 foi levado  à urgência “…por febre, dispneia e tosse produtiva com secreções …”, apresentando-se à entrada “…febril, taquipneico e  desidratado…”.

Foi transferido para o Serviço de Medicina II do Hospital de Egas Moniz, nesse dia 7/05/2009 e conta do relatório efectuado pelo médico responsável em 20/09/2009, que durante “… o internamento verificaram-se múltiplas intercorrências infecciosas respiratórias e urinárias em relação com vários agentes infecciosos … condicionando antibioterapia múltipla sequência de espectro alargado.Procedeu-se a colocação de cateteres  venosos centrais para realização de medicação e medidas de hidratação. Manteve alimentação entérica por sonda nasogástrica. Durante todo o internamento apresentou o estado neurológico referido à data da admissão…”.   

22. O arguido AA agiu livre e conscientemente, previu a possibilidade de, com a sua acção, poder causar a morte a DD, tendo em conta o instrumento por si utilizado e a região do corpo atingida, ciente de que se trata de zona onde se alojam órgãos vitais do corpo, resultado com o qual se conformou.

A conduta do Arguido foi causa necessária e adequada da morte de DD.

23. Conhecia a reprovavilidade penal da sua conduta.

24. O arguido AA conhecia e tinha amizade com o DD, tendo-o mesmo convidado para o baptizado da sua filha, a que este foi.

25. Viviam no mesmo prédio, o arguido AA dava trabalho – biscates – ao DD quando lhe era possível, sendo que DD não tinha trabalho regular desde 2007, nessa altura o trabalho que teve foi por 6 meses, e quer antes, quer depois, vivia de biscates.    

- (Dos factos relativos ao arguido)

26. O arguido AA é tido por uma pessoa que lhe tem dado trabalho, há 4/5 anos, indicando-lhe clientes, como um bom profissional.

27. O arguido AA é visto, por uma pessoa a quem o arguido tem dado trabalho desde há dois anos, como uma pessoa que não se exalta, não o tendo visto em brigas e por amigos e familiares como uma pessoa não agressiva, que trabalha e não anda em brigas.

28. Perante uma familiar o arguido AA, desde a data em que ocorreram os factos, tem demonstrado preocupação e pesar pelo que fez, tendo chegado a chorar. 

29. Para a sua companheira o arguido é tido como um bom pai e bom companheiro, trabalha e sustenta a sua família.

29.1. O arguido tem três filhos, sendo dois de uma relação anterior à actual, os quais vivem com a mãe.

O arguido trabalha como electricista e tem um rendimento médio mensal de 700 Euros.

30. Do certificado do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:

- por crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, processo nº 346/00, por factos praticados em  23/12/2000, o arguido foi condenado em pena de multa, a qual foi declarada extinta;

- por crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, processo nº 327/02, por factos praticados em  25/10/2002, o arguido foi condenado em pena de multa, a qual foi declarada extinta;

- por crime de desobediência, processo nº 346/00, por factos praticados em  12/11/2002, o arguido foi condenado em pena de multa, a qual foi declarada extinta;

- (Dos factos do pedido cível do Centro Hospitalar)

31. O Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, no exercício da sua actividade e em consequência do internamento de DD, em 30/08/2008, prestou cuidados de saúde a DD, que consistiram em “…Oxigenação por membrana extra-corporal, traqueostomia com ventilação mecânica » 96 horas   ou traqueostomia  com outro diagnóstico principal, excepto da face boca ou do pescoço…”, de 30/08/2008 a  2/02/2009, tendo o custo da assistência sido no valor total de 33.515,23 Euros.

- (Dos factos do pedido cível de BB, por si e em nome do seu filho menor CC )

32. CC é filho de BB e de DD, tendo nascido em ….

33. Tinha um bom relacionamento com o seu Pai o qual o acompanhava com frequência, tendo uma relação próxima e amiga.

34. Quando ocorreram os factos descritos nos pontos “1” a “18”, dos “factos provados”, ficou triste, assustado e revoltado, o que se acentuou com a morte do Pai e teve acompanhamento psicológico.

35. BB vivia há, pelo menos, cerca de 13 anos com DD, tinham um filho.

36. BB teve sofrimento com o estado em que ficou o seu companheiro após terem ocorrido os factos descritos nos pontos “1” a “18”, dos “factos provados”, enquanto esteve internado foi sempre visitá-lo, sendo que com a sua morte foi acentuado o estado de sofrimento que sentiu e viveu.

***

3.2. FACTOS NÃO PROVADOS , após alteração a que a Relação procedeu :

Com relevância para a decisão da causa resultaram “não provados” os seguintes factos:

1. Na ocasião em que ocorreram os factos e quando foi para a reunião de condomínio, o arguido AA já trazia consigo um pedaço de chapa em aço de forma triangular, com cerca de 15 cm de comprimento por 2,5 cm de largura;

2. Objecto que não tem outra utilidade que não seja a de causar ferimentos a outrem, sem que tivesse qualquer justificação para o deter.

3. Depois de ter atingido DD, o arguido AA desferiu um golpe, com o dito objecto, no antebraço direito da assistente BB, que entretanto se havia aproximado.

4. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, a assistente BB sofreu dores na região do corpo atingida, bem cicatriz linear com 3 cm de comprimento e 2 mm de largura da face postero-interna do antebraço direito; que lhe determinaram o período de 5 dias de doença, sendo 1 dia com afectação da caca idade para o trabalho geral e 2 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.

5. O arguido AA agiu no propósito concretizado de molestar o corpo da assistente BB.

6. O arguido AA agiu ciente das características do objecto que transportava e de que não lhe era autorizada a respectiva detenção.
7. Que o arguido AA tivesse agido com o propósito deliberado de matar DD.
 E não obstante, com a sua acção não atingiu esse resultado, por motivos alheios à sua vontade, em virtude de DD ter sido prontamente socorrido e transportado para o hospital.”   

Por sua vez, no Ponto 7 dos factos não provados é eliminado o segmento. “A morte de DD ocorreu como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA”.

C. Colhidos os legais vistos , cumprido o disposto no art.º 417.º n.º 2 , do CPP , decidir-se –à :

O arguido diverge da qualificação jurídica dos factos e , assim , para ele,  aderindo à tese da 1.ª instância ,deve o arguido ser responsabilizado pela prática de crime tentado de homicídio , pois que a morte da vítima ficou a dever-se a intercorrências ligadas a infecções urinárias e respiratórias, provocando pneumonia da qual morreu , mas que não surgem como consequência directa e imediata da agressão , integrante de tentativa de homicídio ; diversamente a 2ª instância procedendo  a uma análise global dos elementos documentais e provas  periciais e concluiu pela existência de  um nexo causal adequado entre a ofensa e o resultado letal  , inscrevendo-se aquelas intercorrências a que se faz menção nesse processo causal , com a imputação directa do resultado configurando homicídio consumado .

Ante esta dualidade de posições antagónicas , deve , previamente , consignar-se que a este STJ é vedado conhecer da matéria de facto-art.º 434.º , do CPP , escapa-lhe; o estabelecimento do nexo causal que  pertence ao domínio da matéria de facto , apoiado  e fixado como é na sua comprovação e valoração , face ao acervo factual demonstrado .

O conceito de nexo causal não é jurídico , mas naturalístico .

Determinar o resultado de um facto  é operação  que escapa ao mundo do direito , que se apoia em múltiplas  provas , no seu exame crítico, nas regras da experiência comum, no “ id quod plerumque accidit “ e  no  raciocínio lógico-dedutivo do julgador, a partir dos factos apurados , para cuja aquisição pode, inclusive ,  recorrer-se à prova pericial, mas nessa circunstância , face ao teor do art.º 163.º n.º 1 , do CPP , ficando comprimida,  fortemente,  a sua livre convicção , pois o juízo cientifico presume-se subtraído à sua livre apreciação e quando divirja do parecer dos peritos deve fundamentat tal divergência –n.º 2 .

O legislador penal ao  equiparar a   acção  adequada  para produção de certo resultado à omissão da acção  adequada a evitá-lo , no art.º 1o.º nº 1 , do CP , consagra a vigência da teoria da causalidade adequada , de que se lança mão para estabelecimento daquele nexo causal , que é um elemento referencial entre a conduta e o resultado , que une a conduta ao evento , enquanto modificação do mundo exterior .

E. A teoria da causalidade adequada , já desenvolvida nos fins do  sec. XIX, por Bries , ( cfr. Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , I , 2.ª ed. , pág. 744 ),  comportando  o sentido de que ,  causa é o antecedente potencialmente idóneo à produção de certo efeito jurídico  , de interferência decisiva na produção do evento , para o que importa indagar se para um homem médio colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar  era previsível que resultasse tal ocorrência ou aquele comportamento em concreto .

É um juízo de prognose póstuma no sentido de previsão no momento em que já ocorreu o resultado .  Causa é a circunstância mais próxima ao evento , de acordo com um critério de razoabilidade .

Para impor a alguém um certo resultado não basta que no caso concreto o facto tenha sido condição do dano , é imperativo que o facto seja causa  adequada do dano , enquanto consequência normal , típica , provável , dele


Desta teoria  , com origem em von Buri , 1860 , se demarca   a teoria da   “ conditio  sine qua non “ ou equivalência das  condições para a qual surge como causa  de um resultado toda a circunstância sem a qual se não produziria , teoria que vê militar contra ela o facto de não distinguir entre causas relevantes e irrelevantes , porque todas as circunstâncias são causa do resultado ; todas condições se equivalem , e o âmbito naturalístico , não normativo ,  de que se mostra impregnado conduz a resultados inadmissíveis sobretudo no direito penal . 

Roxin  ,  defensor da teoria  da imputação  objectiva ou do risco ou da potenciação do risco sustenta que só é de imputar a responsabilidade ao agente  que criou ou incrementou o risco juridicamente proibido e dele haja derivado resultado danoso .

Não há imputação quando o risco é consentido , permitido ou de escasso significado ; sempre que o agente intervém no decurso do processo causal para limitar , minorar ou evitar a produção de um resultado lesivo , diminuindo o risco , não há imputação subjectiva do facto ( cfr., no mesmo sentido os Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade , citados in Comentário do Código Penal , de Paulo Pinto de Albuquerque , pág. 80) . 

A teoria da causalidade adequada é a dominante ; na nossa civilística, e apresenta uma dupla formulação : positiva e negativa ;  naquela o facto  será causa adequada sempre que o resultado  consista numa consequência normal, típica daquela ; isto é sempre que , verificado o facto , se possa prever o dano como consequência natural ou efeito provável ; à luz da formulação negativa , a adoptada no art.º 563 .º , do CC , mais criteriosa, causa adequada é o facto que actuou como condição do dano, deixando de ser causa adequada sempre que para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais , excepcionais , extraordinárias ou anómalas , que intercederam no caso concreto –cfr . Acs. deste STJ , de 15.1.2002 , CJ , STJ , Ano X, , I , 38 , 1.7.2003 , Rec.º n.º 1902 /03 -6.ª , ac. de 29.6.2004 , P.º O5B294 A. Varela , Obrigações , I , 921 e Pedro Gil , Omissão de Dever de Agir , Direito Civil .

O facto , nessa formulação negativa , desenvolvida por Enneccerus-Lehman , como condição do dano só deixa de ser sua causa adequada se , dada a sua natureza geral , se mostrar de todo indiferente para ocorrência do dano , provocado por via de condições excepcionais , anormais , extraordinárias -cfr. , ainda , Ac .deste STJ , de 23.11.2005 , in P.º 1025/04

E. Mas do ponto em que se afirma que a fixação do nexo causal é matéria de facto , já não o é a conformidade à lei dos diversos meios de prova , entre os quais se situa a prova pericial  e os meios de obtenção desta para aquele  estabelecer , não faltando ao STJ poderes de sindicância , pois que o poder de controle das violações do grau de convicção necessário  à decisão , das proibições de prova e da presunção de inocência em recurso , integram  matéria de direito e , nessa medida  , nos termos do art.º 434.º , do CPP , passíveis de sindicância pelo STJ –cfr.  Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , pág. 357 

F.A Relação serviu-se  , e com todo o acerto , de um conjunto de factos relevando de relatórios médico periciais , que se completam entre si , que se não antagonizam, , antes se completando  , facultando uma visão unitária , de conjunto,  que a 1.ª instância rejeitou .

Na verdade , do relatório pericial avulta que após a agressão a vítima , após forte hemorragia no pescoço e prestação de  cuidados médico –cirúrgicos à vítima , esta caiu num estado clínico de  “ encefalopatia anóxica-isquémica grave e coma vigil com tetraparésia espástical, sem qualquer grau de autonomia – dependente 100% de terceira pessoa  .“

Seguiu-se um período de internamento hospitalar consolidando-se o quadro clínico pertinente em 02.02.2009 , no sentido de que , de um ponto de vista da ciência médica a situação não era reversível , capaz de levar à cura, tendo-se esgotado os meios de tratamento disponíveis -consolidação e cura não são conceitos coincidentes- e durante ele sofreu intercorrências hospitalares ligadas a infecções urinárias e respiratórias ,geradoras de pneumonia que levou à morte da vítima , mas esta complicação , como aquelas , da encefalopatia congénita , provocada , de imediato , pela agressão .

É o sentido  claro dos relatórios periciais e demais documentos clínicos .,

Muito claro é , à luz do juízo pericial enunciado que o traumatismo no pescoço desencadeou a encefalopatia , esta múltiplas infecções , que , por sua vez , levaram à pneumonia e esta à morte e deste desencadear de efeitos , uns directos  e imediatos , como a encefaloptia e um cortejo de disfunções associadas  , outros mediatos , a médio prazo e , ambos ,globalmente conducentes , finalmente,  à morte , sem que se possa considerar interrompido o nexo causal  , como a 1.ª  instância  , menos bem , considerou , não podendo manter-se o ali julgado .

E aquilo a que esta  instância denomina de “ intercorrências “ , que situa para além do processo letal  não abrangidas no processo conducente à morte , situando-se o comportamento do arguido apenas no desferir da chapa de lata  , fundante de uma tentativa ,  aproximação  à acção típica  , e não passando daí , nada mais são do que concausas , uma causa junta-se a outras na produção do resultado típico  reforçando essa produção, surgindo como efeito directo e necessário da conduta do arguido, como uma sua típica consequência , adentro do processo causal sem cortarem a coerência e a harmonia entre o facto e  o dano letal 

Ante tão evidente juízo de valor científico , expresso complementar e elucidativamente , na conclusão da necrópsia a que foi submetida a vítima  , só restava acatar os ditames de lei acerca dessa perícia : o juízo de valor científico integra prova  e convicção vinculadas ; a esse juízo de valor científico  , nos termos do art.º 163.º n.º 2 , do CPP  , o juiz só pode dissentir opondo um juízo , contrário ou divergente , igualmente científico ; o juiz tem que jogar , então ,  no mesmo plano , no mesmo campo  do perito ( Paulo Tonini , Manual Breve de Direito Processual Penal , 249 Milão ,  2007 ) esgrime com as mesmas razões , deixando claro as razões do porquê do seu afastamento do perito , sem que lhe seja conforme à lei argumentar com razões de ciência pessoal , como conhecedor enciclopédico , que não é .

Sem embargo o tribunal goza de inteira liberdade  de apreciação quando a perícia conclui por mera probabilidade ou quando presume um resultado , como igualmente goza em relação aos factos  em que se apoia o juízo científico.

As conclusões do relatório da autópsia  são inequívocas e não favorecem a  prática de um crime de homicídio tentado , com dolo eventual ,mas antes consumado sob aquela modalidade de dolo  , que , na teoria da conformação, com consagração no art.º 14.º n.º 3 , do CP , em rejeição das teorias da probabilidade ou  da aceitação , significa que o agente é responsabilizado sempre que leva a sério o risco de lesão do bem jurídico , no caso a vida de terceiro   como consequência possível  da prova do facto e , no entanto , não se inibe de praticar o facto .

Sobre este aspecto não se coloca qualquer dúvida de que o Arguido é merecedor de juízo de censura ético-jurídica em que se fundamenta a culpa, face à prova de que os actos por si praticados foram resultado da sua vontade consciente, ciente da sua proibição e actuando com aquela margem de liberdade que lhe permitiria ter-se determinado de forma diferente.

O Tribunal da Relação acatou , inteiramente , contra o que alega o arguido , o juízo de perícia médico-legal , o parecer dos srs. Peritos médicos , que não deixa dúvidas , quanto à sua compreensão , atendendo ao modo como está formulado , podendo ,  e devendo , como fez ,  considerar   provado , extraindo o nexo causal entre a agressão e a morte da vítima  , encerrando , nessa exacta medida , como , em regra diga-se , o conhecimento desse ponto de facto , nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º do CPP e do art.º 431.º , do CPP .

G A Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta neste STJ emite parecer no sentido de que :

“ Do relatório que resultou do exame pericial efectuado no Instituto de Medicina Legal consta não só a data da consolidação médico-legal das lesões ter sido 2/2/2009, como as ofensas que resultaram como consequência de carácter permanente status pós ferimento por arma branca … e o quadro consequente; e ainda que em face de instrumento utilizado e da região do corpo atingido … as lesões traumáticas resultantes da ofensa (…) por si só, são idóneas para poder produzir a morte do ofendido, que não ocorreu neste caso só por este ter sido tempestiva e qualificativamente assistido no meio hospitalar. Do evento resultou, em concreto, perigo para a vida.      

Do relatório de autópsia consta que “A morte de DD foi devido a pneumonia secundária como complicação de encefalopatia anóxica por traumatismo do pescoço com arma branca” A grave lesão traumática cervical era, por si só, causa adequada de morte” 

Parece-nos que se verifica esta contradição pois não poderá ser afastada por todas as consequências médico-legais também transcritas e ocorridas entre 2 de Fevereiro e 20 de Agosto de 2009 que se podem enquadrar na fundamentação do relatório do exame clínico de Maio de 2009, nas “intercorrências infecciosas” (respiratórias e urinárias) uma vez que também resultaram das lesões que foram fixadas como consequência de carácter permanente em 2/2/2009.

2- Ainda que este vício não seja conhecido oficiosamente, parece-nos também que a qualificação jurídica efectuada pelo tribunal recorrido – homicídio consumado com dolo eventual (art.º 131º do CP) poderá ser ponderado, por constituir uma questão de direito, que o arguido/recorrente AA questiona indirectamente.

Não nos parece que mantendo como factos provados os relatórios clínicos e de autópsia que são completamente opostos quanto ao resultado da agressão – perigo para a vida e causa adequada de morte se possa fundamentar e considerar possível dar como assente que se verifica nexo de causalidade entre a agressão e as lesões sofridas e a morte da vitima DD.

Assim e por tudo isto parece-nos que poderá ser concedido parcial provimento ao recurso do arguido/recorrente AA ainda que por outros fundamentos, nomeadamente por na matéria de facto se verificar um dos vícios do art.º 410º nº 2, al. b) e/ou os factos provados poderem não integrar a qualificação jurídica operada pelo tribunal da relação agora recorrido quanto ao nexo de causalidade que terá de ficar estabelecido.”

Mas nenhuma contradição ,  salvo o devido e muito respeito pela  opinião da EXm.º Procuradora Geral –Adjunta  , subsiste entre o acervo factual fixado pericialmente , a coberto de um juízo de perícia científica subtraído em princípio à livre apreciação do julgador  ,  na medida em que ressalta de uma valoração global  e interpenetrada dos factos , de acordo com a sua dinâmica patológica

E essa valoração não pode quedar-se , apenas , pela primeira fase da agressão , indo , apenas ,até à consolidação das  lesões , olvidando todo o desenrolar sequente e causalmente adequado , ou seja uma segunda fase, conexionada, interligada e interagindo com a primeira,  autorizando a ilação segura de que a morte não teria lugar se não fosse a agressão com arma branca e a grave situação de encefalopatia inserta  desde o primeiro momento naquele processo letal .

Há aqui um evoluir lógico das coisas , até mesmo compreensível à luz da experiência comum , da realidade da vida ; a morte não surgiu de imediato ,  mas posteriormente por acto daquela agressão , em nenhum caso se afirmando que as intercorrências infecciosas não sejam no imediatismo temporal  derivadas da encefalopatia , conducente , depois , à morte , pese embora o lapso de tempo de 11 meses e 20 dias que decorreu entre a agressão e a morte , que não destruiu aquele nexo .

Os relatórios  clínicos e de autópsia não são antagónicos em termos de excluírem o nexo causal entre a agressão e o resultado , bem pelo contrário , compatibilizam-se entre si e afirmam-no quando nos primeiros se diz que resultou perigo para a vida da agressão e depois causa adequada da morte , o que só significa que  a morte não sobreveio de imediato da agressão , mas esta terminaria por suprimir necessária, adequadamente  e posteriormente a vida humana, supressão que fica a dever-se-lhe

Para concluir : O  cravar da arma branca na garganta , mercê da hemorragia sanguínea originada , provocou encefalopatia anóxica isquémica grave , pondo  em risco , em perigo a vida do ofendido , sendo adequada a causar-lhe a morte , o que só não ocorreu de imediato por ter sido socorrido no hospital,  seguindo-se depois um período de consolidação da doença , sem cura , em que a vítima caiu num estado comatoso , sem autonomia , desencadeando-se ao longo dele um quadro múltiplo infeccioso , gerador de pneumonia  secundária , que lhe provoca a morte , como complicação da encefalopatia por via da agressão naquela zona e arma, segundo a perícia médico-legal . E deste quadro , onde não surgem quaisquer  contradições,  não podemos extrapolar .

H. O arguido questiona  o facto dado como provado de que agiu com intenção de matar o infeliz jovem  , até seu amigo , porém a intenção criminosa pertence ao foro íntimo das pessoas , alcança-se a partir dos factos que , inequivocamente , a façam inferir , através de um processo lógico , firme, coerente e convergente de avaliação daqueles .

Este STJ , por ela , intenção criminosa , se sediar ao nível da matéria de facto , está , a menos que verifique qualquer dos vícios previstos no art.º 410.º n.º 2 , as hipóteses previstas no art.º 431.º , do artº 380.º , do CPP,   , impedido , como tribunal de revista que é , de a modificar, de sindicá-la .

De todo o modo o arguido não foi condenado por ter voluntariamente querido  a morte , mas , por nas circunstâncias do caso concreto ter usado de uma postura de desprezo e indiferença para com a vida da vítima , porque , usando como usou um instrumento gravemente perigoso , um pedaço de chapa ponteaguda , o cravou na garganta daquela , zona corporal de passagem de vasos sanguíneos de grande porte , com funções nobres e imprescindíveis à sobrevivência do ser humano , devendo representar como possível que lhe causava a morte , por lesões vasculares , graves , não se abstendo de desferir aquele instrumento , ou seja com dolo eventual , forma mais mitigada de culpa dolosa .  

O  juízo de censura ético-jurídica em que se funda a culpa assenta na prova de que os actos por si praticados foram resultado de sua vontade consciente e livre de uso da chapa , ciente da sua proibição , por não ignorar que podia causar graves lesões corporais das quais podia advir a morte da vítima e , não obstante , podendo fazê-lo , não se autodeterminou de forma a evitar a produção do evento .

A morte era um efeito normal , típico , associada  ao uso de tal instrumento, de resto  sem aplicação definida , mas cabendo inteiramente no conceito , ainda actualizado e vigente de arma nos termos do art.º 4.º , do Dec.º -Lei  n.º 48/95 , de 15/3  ,  que devia tê-la previsto , ou seja e na expressão de Cavaleiro de Ferreira , in Direito Penal Português , I , 1992 , 248 ,” levá-la a sério “ como consequência .

I . O arguido   demanda ao tribunal que   avalie  “ se naquelas exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar, ocorreu alguma circunstância anómala que milite a favor do arguido apesar da gravidade das consequências do seu acto, considerando a intensidade do dolo, a amizade existente entre arguido e vítima, a provocação do acto instintivo, e as envolventes pessoais, familiares e mentalidade sociocultural do bairro de residência dos intervenientes”  .

Mas o arguido não trouxe à luz do dia  diverso  e mais ponderoso  quadro atenuativo, e este STJ também o não descortina , sendo que , a mais do que ninguém para dele se aproveitar , era a ele que cabia a sua alegação  ; os factos  comprovados falam por si não autorizando que a medida da pena , questão de direito , na qual se englobam não só os limites mínimos e máximos das molduras aplicáveis , mas também os factores de determinação  , nos termos dos art.º 40.º e 71 .º , do CP , seja alterada , pois se situou no limiar mínimo da moldura pena , estabelecida para o homicídio simples , segundo o art.º 131.º , do CP , de 8 anos de prisão.

O Tribunal da Relação quedou-se no limiar mínimo da moldura de punição  para esse crime de homicídio simples , não se vendo como pudesse lançar mão de um arquétipo penal distinto , menos gravoso , ainda que por atenção ao quadro provocatório  da vítima  que , na sequência de uma discussão por questão de sucessão na liderança do condomínio, desfere empurrões e um murro nas costas do arguido , que se desequilibrou  e , de seguida atinge aquele de forma inteiramente  desproporcionada  , violenta , injustificada , e em nada compatível com a relação de amizade que lhe dedicava , estando fora de causa uma hipótese de atenuação especial da pena , por ausência de verificação dos seus pressupostos , ou seja a representação de uma imagem global do facto  favorecente em alto grau do arguido ,  nos termos dos art.º s 71 e 72.º , do CP ; de arredar a configuração de  um homicídio em condições de legítima defesa excessiva ( art.ºs 31,º n.º 2 a) , 32.º  e 33.º , do CP) , crime de ofensa corporal  resultando a morte preterintencionalmente  ( art.º 147.º , do CP) ou em forma privilegiada , tal como se prevê no art.º 133.º , do CP .

Por isso mesmo o arguido não faz apelo especificado a essas formas de tratamento de maior benefício .

J. Em tese geral , e numa óptica utilitarista da pena consagrada no art.º 40.º , do CP , os critérios de relevância aferem-se em função da necessidade dos bens jurídicos a proteger , determinada pela sua importância e a reintegração social do agente na sociedade, mas  sempre  tendo como limite  punitivo a medida da culpa –n.º 2 , do art.º 40.º ,do CP . 

A medida concreta da pena , adentro daquela filosofia  e da qual se não pode desligar  , é apurada atendendo ao grau de culpa do agente e necessidades de prevenção , geral , conexionadas com as finalidade pública  inerente à contenção dos impulsos criminosos de potenciais delinquentes dissuadindo-os  de enveredarem pelo caminho trilhado pelo agente ; a pena deve servir-lhes de exemplo só assim se assegurando as expectativas de segurança e tranquilidade criadas comunitariamente à sombra da lei   contra os factos de terceiros daquelas atentatórios, neutralizando potenciais propósitos de vindicta privada , e especial, esta voltada para o arguido, propondo-lhe incutir regras de  conduta , de sã convivência comunitária  e de interiorização do crime , por forma a que futuramente não volte a delinquir .

A culpa funciona como moldura punitiva  de topo e dentro dela se desenham as submolduras de prevenção e bem assim as circunstâncias que não fazendo parte do tipo atenuam ou agravam a responsabilidade penal do crime .

Há , por assim dizer , uma medida óptima da pena , numa perspectiva  da prevenção geral , mas  , por força da consideração de circunstâncias inerentes ao agente ,  conducentes a  descer abaixo desse nível , os órgãos aplicadores da lei  defrontam-se  com um limite incontornável  abaixo da qual a pena já não satisfaz as expectativas comunitárias  e essa será  a medida , em concreto , alcançada para a pena .

A prática do crime de homicídio  cresce,  exponencialmente , em todo o país , denotando a banalização do respeito pela vida humana , tornando a necessidade de pena , actualizada  e  adequada ao valor do supremo  bem jurídico  suprimido ,  irrepetível  , e o mais valioso na pirâmide dos direitos fundamentais , tão  prematuramente  cerceado no caso concreto

De um ponto de vista de prevenção especial , o arguido já conta , no seu passado criminal , com algumas condenações , duas por condução em estado de embriaguez e uma por desobediência ,que , sem respeitarem a infracções atentando contra a vida e integridade física alheias , não lhe creditam bom comportamento anterior  , antes alguma  dificuldade em manter conduta lícita.

Certo que  foi a vítima quem , no átrio do prédio onde viviam , por razões ligadas à sucessão na administração do condomínio , começou por empurrar várias vezes o arguido , no desenvolvimento de uma discussão entre ambos , dando –lhe de seguida  um murro nas costas , criando algum estado de compreensível nervosismo , forçando-o a desequilibrar-se , caindo sobre uns vasos de plantas, mas o arguido não pode esquecer que essa atitude provocatória não justificava a supressão  , de forma violenta e desproporcionada , de  uma vida humana , menos ainda tratando-se como diz de pessoa sua amiga

E nem se diga que culpado do acontecido foi em exclusivo a vítima ; a vítima não foi culpada da sua própria morte , como , de forma desculpabilizante e deficitariamente interiorizante dos resultados do crime convoca o arguido ; a vítima em todo o processo desferiu empurrões e um murro e só por esse efeito seria de responsabilizar se acaso sobreviesse .

O modo de execução do crime , com instrumento corto-perfurante   e as suas  consequências , com a perda de uma vida , ainda na sua juventude , deixando a vítima um filho de 10 anos e 1 mês  e 26 dias , que detinha  uma ligação  afável com o pai , o longo tempo de sofrimento desde a agressão á morte,  titulam grau elevado de ilicitude , não esbatida pelas agressões de que o arguido foi alvo , perante as quais não se provou que não tivesse possibilidade de reagir através de meio muito menos perigoso ou , sem perigosidade alguma , afastando-se do local ou  mesmo reclamando a presença da autoridade policial para põr termo à contenda .

O arguido , aduz-se em seu favor , denota alguma capacidade crítica , mas não possui bom comportamento anterior , posto o que , ponderando o demais circunstancialismo do caso , se dirá que a pena fixada no mínimo da moldura do homicídio simples  , de 8 anos de prisão , não merece censura .

K. Questão Cível :

Face à repristinação do decidido em 1.ªinstância , na versão do recorrente, pugna este pela manutenção das indemnizações civis fixadas pela Vara Criminal de Lisboa tendo em atenção nomeadamente as condições da sua vida e a prática, em autoria material, de um crime de homicídio tentado e ao facto de a vítima  ser  sua amiga .

Em caso de lesão de que proveio a  morte  tem direito a indemnização  os que podiam exigir alimentos ao lesado ou àqueles a quem  o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural –art.º 495 .º n.º 3 , do CC - , direito que , a inferir do elemento literal ,  deve entender-se como um direito próprio da família do falecido e não  como um direito da vítima que , por via sucessória, se lhe transmita , como vem sendo sustentado por este STJ-cfr. Ac. de 17.12.2009 , P.º n.º 340/03.7.TBPNH.C1.S1 .

A função da obrigação de indemnizar é remover todo o dano real à custa do lesante , só assim  se cumprindo o princípio programático previsto no art.º 562 .º , do CC , de reconstituição da situação em que o lesado se acharia se não fosse a lesão , podendo o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis –art.º 564.º n.º 2 , do CC.

O meio por que o legislador manifesta preferência na fixação da indemnização é o da restauração natural ,  havendo casos em que por  tal não ser  possível ,  se lança mão  então , para fins indemnizatórios, da atribuição de uma quantia em dinheiro , intervindo  a equidade ,  se não puder ser  determinado o exacto quantitativo  , dentro dos limites que o tribunal tiver como provados –art.º 566.º n.º 3 , do CC: 

A fixação do montante da indemnização pelos danos sofridos pela demandante ,  privada  da contribuição  da vitima , seu companheiro de , pelo menos, 13 anos , assume contornos delicados  exactamente porque  , e desde logo ,  a demandante não era casada com  a vítima , antes vivendo em união de facto com ela não prevendo  o art.º 495 .º  n.º 3 , do CC, expressamente a hipótese .

Quanto ao filho a perda de rendimentos por alimentos  devidos ela  é um puro derivado   da obrigação de os pais  estarem vinculados ao  dever legal  de providenciarem  sobre o  sustento ,segurança , saúde e educação  , mesmo até à maioridade , aqui  em condições especiais , nos termos dos  art.ºs 496.º n.º 3 ,  1789 .º , 1780.º e 2003 .º,  n.ºs 1 e 2 ,  do CC.

Mas tem , igualmente , direito a indemnização aqueles a quem o lesado prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural , figura de carácter geral ,prevista no art.º 402.º , do CC,  compreendendo nela todos os deveres de ordem moral  e social, cujo inadimplemento não seja exigível juridicamente , todavia tem a corresponder-lhe um dever de justiça comunitariamente erradicado no tecido social .

Caso típico é o da obrigação prescrita   , caduca , por ex.º , não se confundindo com um dever de piedade , caridade , cavalheirismo , ou um sentimento de escrúpulo de carácter individual, decidiu-se no Ac . da Rel . Coimbra de 3.12.2009, P.º n.º 4371 /07 OTJCBR. CJ -5.ª Sec.,

Elas não estão sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que se relaciona com a realização coactiva , por força do art.º 404.º , do CC , constituindo  um caso intermédio entre o dever moral e social e o puro dever jurídico ; os primeiros fundamentam liberalidades ; o segundo uma obrigação jurídica ( Almeida Costa , Direito das Obrigações , 3.ª  ed. -14 ) .

Se o dever natural realiza a prestação “ sponte sua “  o seu acto é irretratável e a qualificação jurídica é a de cumprimento da obrigação e não a de doação  -cfr. Prof. Galvão Teles , Direito das Obrigações , 3.º ed. , pág . 41 .

A união de facto é uma situação próxima da família , mas que se não  identifica com ela por não respeitar os requisitos de validade do casamento ; é uma relação parafamiliar , uma vez que as relações de família nascem do casamento ,  parentesco e adopção-art.º 1576.º , do CC.  .

Contradistingue-se do concubinato onde impera uma relação duradoura mas sem comunhão entre os seus membros , como se diferencia da vivência em economia comum , regulamentada na lei n.º 6/2001 , de 11/5  , em que os seus membros concorrem para as despesas de casa e assumem despesas inerentes à habitação e alimentação , enquanto que na união de facto assiste-se a uma comunhão de mesa , leito e habitação .

O primeiro diploma , embora se encontrem os mais díspares afloramentos da união de facto por vários outros , regendo a união de facto é a Lei n.º 135/99 , de 28/8 , nenhum preceito definindo o que seja a união de facto , nem mesmo a Lei n.º 7/2001 , de 11/5 , alterada pela Lei n.º 23/2010 , de 30/8 , ampliando os direitos dos unidos de facto , situação a comprovar por qualquer modo ,  sendo consentindo às Juntas de Freguesia e nesta medida seguindo a orientação da França e Espanha  que a atestem emitindo a correspondente declaração .

Para alguns autores , nenhum dever  dela ( união de facto)  deriva , mormente ao nível da fidelidade , coabitação , cooperação ou assistência  ; para outros subsistem todos menos o de fidelidade , para outros apenas existe um dever de coabitação .

L) No caso vertente a demandante e o falecido viveram pelo menos 13 anos , um significativo  período de tempo em que se estabeleceram , além de  comunhão de  vida ,  sentimentos de afecto  , manifestados no facto de , dessa união , resultar um filho, o demandante  CC , de visitar sempre o companheiro até à morte , acentuando-se o seu sofrimento com este evento .

Por isso não repugna admitir que  tenha  direito a alimentos e a ser indemnizada por quem a privou da correspondente prestação efectuada ao abrigo de uma obrigação natural , como se deve qualificar aquela que a vítima assumiu ao longo do período , estável ,  duradouro ,  em que viveu   em comunhão de mesa , leito e habitação , deles carecendo -.cfr. Ac. deste STJ , de 2.3.2004 , Rec.º n.º 24/04 .

O legislador , cada vez mais privilegiando essa relação de união de facto , privilégio com tradução nos mais variados ramos de direito ( por ex.º civil , na área do arrendamento , penal , fiscal , etc ) não faz mais do que adequar a lei a uma realidade  sociológica , cada vez mais frequente , não a podendo escamotear ,  já  que , sem superar  ainda a ancorada no casamento , se aproxima numericamente mais dele , geradora de efeitos  que , em nome de  um ideário de  justiça supralegal,  a consciência colectiva reclama de alguma tutela emergente da lei .

Basta dizer que , no caso do sobrevivo de facto , a lei lhe concede protecção social atribuindo-lhe o direito a pensão de sobrevivência , no caso de prémorte do outro unido de facto ao abrigo dos art.ºs 3.º e 6.º , n.º 1 , da Lei n.º 7/2001 , de 30/8 , como é de resto entendimento sufragado com uniformidade pela jurisprudência –cfr. Ac. recentíssimo deste  STJ , de 23.11.2011 , P.º n.º 382/06BSTS-S1

Nessa medida entre os titulares do direito a indemnização por dano patrimonial se devem englobar  , numa visão dinâmica do direito , de adaptação às realidades do tempo e sem esforço interpretativo , atendo-nos , não a analogia , mas ao mero elemento literal da lei , ao seu alcance gramatical e ao disposto nos preceitos do CC sobre obrigações naturais , aqueles que partilham de uma comunhão de vida e sentimentos e afectos , considerada pelo legislador muito próxima da união legal , in casu a assistente , por força do art.º 495.º n.º 2 , do CC .

Ao fim e ao cabo os titulares desse direito mercê de uma obrigação natural são aqueles que se não englobam nos elencados nos art.ºs 2009 e 2010.º , do CC. –Cfr. Ac. deste STJ , de 14.7.2009, Rev n.º 1451/06 –como tendo direito a exigir alimentos .

M) Mas o quanto da indemnização a arbitrar conhece um escolho , pois  há que lidar com o incerto , visto que a morte daquele   trouxe a incerteza no que respeita à sua  capacidade de ganho futuro  , apenas se sabendo que a vítima , segundo a  Relação , que fixou esse facto ,  auferia  um salário de 450 € mensais , sendo certo que a indemnização deve cobrir  os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

A vítima  DD  vivia de biscates  como electricista que ,  quando lhe era possível,  o arguido lhe dava , sendo que DD não tinha trabalho regular desde 2007, nessa altura o trabalho que teve foi por 6 meses, e quer antes, quer depois, vivia daquela forma de ocupação , por isso a Relação teve como base de cálculo da indemnização o salário mínimo nacional.      

Importada da doutrina francesa tem –se generalizado a ideia de  que do salário auferido o comum das pessoas gasta com a sua pessoa 1/3 daquele para suas necessidades pessoais,  pelo que a privação do montante que àquelas seria afectado para contribuição das despesas domésticas se cinge ao  remanescente e não à totalidade do salário ganho, a tanto se reconduzindo os lucros cessantes .

Trata-se de pura ficção que funciona com justeza e adequação em se tratando de salários de média ou pequena dimensão , mas que excede a medida justa de cálculo em se tratando de formas de remuneração acima da média , devendo situar-se abaixo .

Os prejuízos ao nível salarial estão em directa ligação com a capacidade laboral ,  que não se estende ao longo de todo o trajecto vital , antes se fazendo por referência a  um período de vida activa , inconfundível com a esperança  média de vida  , que vem aumentando mercê da melhoria  das suas  condições  , maior para as pessoas do sexo feminino, atingindo , segundo o INE ,  em 2001 , para as pessoas do sexo feminino  a cifra de 80, 30 anos e um nível inferior de 73, 47 anos para os homens , do mesmo modo que este STJ , numa visão actualista das coisas e na sua tarefa de adaptação do direito ao mundo real começa a ponderar que o tempo  de vida activa se estende para além dos 65 anos , atingindo mesmo os 70 anos  ( cfr. o  Ac.  deste STJ, de 17.12.2009 , in Revista n.º 340/03.7PPNH.C1.S1-7.ª Sec.).

A Portaria n.º 377/08  , de 26/5  , com inspiração no direito espanhol e francês, no sistema dos “ barème “   ,    que estabelece meras propostas , critérios orientadores para apresentação aos lesados   , em caso de acidente  de viação , por dano corporal , estipulando no seu art.º 6.º b) , que para fins de cálculo de prestações em caso de violação do direito à vida e de prestações de vida ao cônjuge ou descendente incapaz por anomalia psíquica se presume que trabalharia até aos 70 anos , concretiza a abertura do legislador a um tempo de vida activa excedente a 65 anos .

A jurisprudência deste STJ tem , de resto ,  vindo a abandonar a idade de 65 anos como ponto de inacção definitiva ; a reforma não é sinal de pura  inutilidade, isto  como corolário do aumento da longevidade –cfr., neste sentido , além de outros citados no Ac. deste STJ , de 25.11.2009 , oRec.º n.º 397/03 .OGEBNV.S1 , desta 3:ª Sec., onde se faz uma  abundante recensão de jurisprudência nesse sentido.      

Os métodos de cálculo da perda salarial  , de indemnização , oscilaram   entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões  por incapacidade laboral e sua remição , que foi abandonada( BMJ 307, 242 e 357, págs . 396 e 412 )     apontando-se  , ainda , o uso de complexa fórmula matemática , como a que se enunciou no Ac. da Rel.Coimbra ,  de 4.4.1994 , in CJ , TII , 1995 , pág. 25 ,  que não conheceu adeptos,  pela sua difícil praticabilidade , seguindo-se , ainda , os critérios para cálculo do usufruto para fins fiscais .   

O recurso a fórmulas matemáticas nunca dispensa o recurso à equidade , à especificidade do caso concreto , sendo uma área movediça , donde a incompabilidade com a natureza das coisas  aquela fórmula , que nem sequer enraizou na jurisprudência .

A partir de 10.5.77 –BMJ 267 , 144 -,  noticia o AC. de 25.11.2007, a jurisprudência , a breve trecho , ensaiou  uma nova metodologia de cálculo da perda de lucro cessante , por força do qual a indemnização deve representar um capital que se extinga no final da vida activa e seja susceptível de garantir as prestações  periódicas correspondentes à sua capacidade de ganho , critério adoptado nos Acs. de 9.1.79 e 18.1.79 , sendo aquele o primeiro seguidor daquele critério pioneiro , introduzindo-lhe uma reformulação por força da qual a indemnização deve ser calculada em função do tempo previsível da vida activa da vítima  de molde a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a diferença entre a situação anterior e actual até final daquele  período , segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação de um capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9% .

A partir daí a jurisprudência seguiu  este critério , servindo-se das taxas de juro estabelecidas para as operações bancárias activas de crédito  , evoluindo para as de depósitos a prazo, adaptando a taxa de juro às flutuações respectivas no mercado financeiro  , que em 2001 eram contabilizadas entre 3, 2,5 e 2% ( cfr.Revistas n.º 385/00 , 287/09, da 6.ª Sec. e  2581 /06 -2.ª Sec. ) .

Estes critérios merecem  aceitação deste STJ , mas , como também  comummente se aponta , não passam de índices meramente informadores da fixação,  meros caminhos de solução , simples “ guias “ , instrumentos de trabalho , de feição auxiliar ,    que não permitem dispensar a equidade , que é a justiça do caso concreto , o dizer   a solução de acordo com a lógica e o bom senso  , na exacta medida das coisas ,  das regras da boa prudência , da criteriosa ponderação das realidades da vida , no caso concreto ,   que não ceda  a critérios subjectivos de ponderação , de sensibilidade particularmente  embotada , mas que  também não enverede por uma sensibilidade requintada, antes se norteando por um padrão objectivo -cfr. Prof. Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , I ,  págs . 485 ,  nota 3  e 486 –, que leve em apreço a gravidade do dano . 

O problema continua em aberto ,  reconhece-se , no Ac. deste STJ , de 25.6.2002 , in CJ , STJ , Ano X, TII , págs . 132 e 133   ,  pois os tribunais se intrometem  em matéria onde reina a incerteza ,  em terreno oscilante , mas onde a equidade pode desempenhar um papel importante e imprescindível  sobretudo se , de acordo com um critério de normalidade , orientado para o que em condições normais ocorre ,  em função de um concreto e possível  juízo de prognose de concretização do que é altamente   provável.

A equidade corrige os resultados  julgados excessivos ou deficientes pelo julgador , a que , por vezes , podem conduzir .  

Não causa estranheza , pois , que , face àquela natureza , o STJ no acórdão em referência , tenha reputado , também ,  como critério possível , introduzindo uma certa flexibilização no cálculo , a aplicação de uma regra de três simples em que cura de determinar qual o capital simplesmente produtor do rendimento anual que se deixou de obter , tendo em conta a taxa de juro de 3% ; ou seja qual  o capital que à  taxa de juro em alusão reproduz aquele rendimento, a que é de deduzir um factor de correcção .

Continua este STJ a anotar que os critérios descritos não podem olvidar a perenidade do emprego  , como  a progressão na carreira , a melhoria de vida ,  a evolução salarial , a inflação ,  os índices de  produtividade ,o  desenvolvimento tecnológico , as alterações das taxas de juro , as despesas com a saúde , a susceptibilidade de o lesado trabalhar para além da reforma ,  etc,-Cfr. BMJ 498 , 222.  

Resumindo os princípios basilares de cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro , por que se vem esforçando em afirmar este STJ , temos que :

1 . A indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima não auferiu e se extingue no final da vida activa ;

2. Nesse cálculo interfere , necessariamente, a equidade ;

3 . As tabelas financeiras , como outras fórmulas de cálculo , são meros auxiliares de cálculo , em caso algum substituindo a equidade ;

5. Deve ser reduzida a importância que a vítima gastava consigo mesmo ( cerca de um terço por regra, mas podendendo ser menor ) ;

6 .Deve ser ponderada a ciorcunstância de a indemnização ser recebida de uma vez só , o que permite utilizá-la de imediato , fazendo frutificá-la em termos financeiros , sob pena de enriquecimento sem causa;:

7 .Deve considerar-se a esperança média de vida activa , tendo em vista que a vida activa não cessa no dia em que se deixa de trabalhar por conta alheia ; ~

8. A esperança média média da vida activa sedia-se ao nível dos 70 anos , mas tende a ultrapassar este nível  .

Neste sentido , cfr. Ac. deste STJ , de 19.10.2004 , P.º n.º 2897 /04

Ora considerando que a vítima auferia , em média , 450 € por mês (  Salário mínimo nacional: — DL 246/2008 de 18DEZ  a  01JAN2009  = €450,00, — DL 5/2010 de 15JAN a 01.01.2010 = €475,00 e DL 143/2010 de 31DEZ = €485,00) gastaria consigo , 1/3 (disponibilizando 300€ por mês para o filho e assistente ) e trabalharia até aos 70 anos , durante , pois , mais 32 anos , a importância global de que a assistente se viu privada com o filho ,de alimentos , é de 159.600 € (300€x14 meses x38anos)

Mas importa ponderar , aqui , e quanto ao filho de ambos , de 10 anos , na data dos factos , ponderar que a importância de que se viu privado não é igual à de sua mãe , pois que os filhos adquirem,  ou tendem a isso,  vida autónoma , por volta , em média , dos 24 anos , altura da conclusão dos seus estudos , momento em que cessa a obrigação alimentar , pese embora a tendência entre nós –e não só – para mais tarde abandonarem a casa dos pais , e ipso facto, ao contrário do que considerou a Relação , a extensão desse dano não é coincidente,  por menor , projectando-se , apenas , por mais 14 anos . E , assim , obteremos a soma de 58.800€ , ou seja 300€x14 meses x 14 anos .

Recebendo , ou podendo receber de imediato estas somas, auferindo juros , necessariamente baixos , para evitar eventual enriquecimento sem causa  , importa proceder a um factor de correcção  , de redução, que como escreve o Exm.º Cons.º Sousa Dinis , in , Dano Corporal em Acidente de Viação , in CJ ,  STJ , Ano IX ,  TI , 2001 , 5 , não pode alienar-se da condição do país , do seu nível de vida e até da sensibilidade do juiz , equitativamente julga-se justo fazer intervir esse factor de redução , e assim fixar a indemnização global em €  150.000 , sendo a pagar à assistente por danos patrimoniais 105.000€ e ao filho 45.000€

N. Quanto à fixação da indemnização por danos morais , de reter que , o direito à vida é um direito absoluto ,  “ erga omnes  “ , já que impõe um comportamento negativo dos outros , de respeito absoluto , na citação do Prof. Leite de Campos , in A Vida , Morte e sua Indemnização,  BMJ 365 , com dignidade constitucional e civil .

O dano da morte é o prejuízo supremo , diz  , que absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais , pelo que o montante da sua indemnização deve ser superior à soma de todos os outros danos  imagináveis , afirmação que , em nosso ver ,  conhece limitações nos  casos em que o dano é a expressão de um estado de falência total da qualidade de vida , se protela por longo período , afectando não só a vítima mas a condição dos que com ela privam .

Ocupando o topo  da pirâmide dos direitos fundamentais , do qual derivam , deve abandonar –se um critério miserabilista ,  numa visão moderna e actualista ( cfr. Acs . deste STJ , de 6.2.96 , BMJ 454, pág. 695 e de 23.4.98 , CJ , STJ , II , Ano VI , 98 , pág. 51 )   assumindo-se um que  corresponda ao valor da vida posto em ênfase nos areópagos internacionais , ao valor que lhe é dedicado num Estado de direito, prestigiando –o por atribuição de  adequada  importância monetária ajustada a  compensar o desgosto da sua supressão  , pelo prazer que  o dinheiro proporciona , de algum modo atenuando o sofrimento , sem embargo de não dever esquecer-se o valor dos prémios  de seguros .

Este STJ tem vindo a ressarcir o dano da morte  , necessariamente centrando-se nas circunstâncias do caso concreto , já que a vida na expressão lapidar de um dos seus Juízes , “ não tem preço fixo “  ,    convindo  que tendo em conta a idade da vítima ( 32  anos )  e a sua expectativa de vida , ultrapassando mais de 70 anos , e até o seu sofrimento entre a agressão e a morte , fixando -se  o valor de compensação  em 50.000 € , atribuídos  ao filho , via sucessória , pela Relação , não destoa esta do que é jurisprudência comum deste STJ .

Já a compensação com 8.000 € , do dano moral próprio , ou seja a dor , o sofrimento do filho, mercê da perda  do pai , numa altura em que –tinha 1o anos -precisava do seu amparo , aconselhamento e afecto , a importância compensatória por esse dano moral ,tanto mais que mantinha uma relação presente no facto de o acompanhar e estabelecer com ele uma relação próxima , afectuosa , mostra-se criteriosamente arbitrada pela Relação , nos termos do art.º 496.º n.º 2 , do CC .

Sendo o crime doloso a redução consentida no art.º 494.º , do CC , não tem lugar pela intervenção dos factores que aí se mencionam , além de que , veja na indemnização uma terceira sanção para além das clássicas penas de prisão e multa , assinalando-se-lhe uma função de reprovação , no plano do direito civil , do mal ocasionado .

Alguns autores , ao nível da doutrina internacional mais recente , destacam mesmo o valor da indemnização em termos de se defender o mérito da substituição de uma concepção bipolar das consequências jurídicas do crime , por uma concepção tripolar ( penas , medida de segurança e indemnização de perdas e danos ( reparação ) –cfr. Prof . Figueiredo Dias , in Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime § 14

Confirma-se , pois, o Ac. da Relação , na parte respeitante à condenação na pena de 8 de prisão ;condenando-se ao pagamento da indemnização , quanto ao dano patrimonial futuro , relativamente ao filho e assistente , respectivamente , da soma de 45.000 €  e 105.000 € , bem como ao pagamento ao filho de 8.000 € pela dano não patrimonial próprio , e , ainda ,  50.000 € pela dano da morte do próprio pai .

Taxa de justiça : 6 Uc,s

Custas na proporção decaimento , no âmbito do pedido cível .

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Armindo Monteiro (Relator)

Santos Cabral (com voto de vencido)

Pereira Madeira (com voto de desempate a favor do Relator)


Voto de vencido

porquanto «(…) estamos perante um dano ulterior que se pode reconduzir ao desvalor da conduta inicial pelo menos numa mesma dimensão explicativa da imputação. O risco gerado para a vida pela conduta inicial do arguido tinha capacidade per si para um segundo itinerário causal em interrelacionação com o primeiro. Aceita-se, assim, a afirmação de uma relação de causalidade no caso vertente.
Não se aceitando a tese de Frisch de exclusão da imputação dos «resultados» tardios, admite-se, na esteira de Silva Sanchez, que a diferenciação valorativa deste tipo de factos, em face daqueles em que o resultado guarda uma relação de imediação temporal com a conduta inicial, não alcançando a intensidade suficiente para alterar, ou excluir, o juízo de imputação, deve ter reflexo na medida da pena, podendo constituir um instrumento na atenuação extraordinária da pena (…).
Em nosso entender a não prova do propósito deliberado de matar implica uma negação da existência do elemento subjectivo do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades: dolo directo; necessário e eventual. A indemonstração de tal elemento não se conjuga com a afirmação de que o arguido previu a possibilidade de poder causar a morte resultado com o qual se conformou (…). Na verdade, no dolo eventual também se quer o resultado (…).
Não se pode simultaneamente, e recorrendo a uma formulação redutora, dizer que quis matar e não se considerar provado que quisesse matar. Tal dualidade consubstancia, quanto a nós, uma contradição.»)