ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
827/06.0TTVNG.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PINTO HESPANHOL

DESCRITORES INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA

SUMÁRIO 1.    Embora conste da matéria de facto provada que «[o] sinistrado caiu no momento em que acedia à plataforma» e, doutro passo, que o sinistrado caiu «[d]e uma altura de cerca de 6 metros, distância a que se encontrava a plataforma do solo», materialidade que assim considerada se revela contraditória, se da conjugação lógica com outros factos provados se apreende o exacto circunstancialismo em que ocorreu o acidente de trabalho, não se verifica a contradição e a insuficiência da matéria de facto alegadamente impeditivas da solução jurídica da causa.

2.    Se é certo que os factos provados demonstram a existência de ordens expressas da empregadora para que o autor, quando estivesse a trabalhar em altura, fixasse sempre o cinto ao cesto da grua e que o autor não tinha fixado o cinto ao referido cesto, aquando da queda, também se apurou que o autor só não conseguiu fixar o cinto àquela estrutura elevatória pelo facto de ter desmaiado, isto é, tal omissão só se verificou pelo sobredito motivo e não por qualquer atitude voluntária de desobediência, sem causa justificativa, às ordens da sua entidade empregadora.

3.    Assim, não se configura fundamento conducente à descaracterização do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado, mormente o previsto na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 24 de Abril de 2008, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, 1.º Juízo, AA intentou a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra BB – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe € 5.859, a título de indemnizações relativas ao período compreendido entre o dia seguinte ao do acidente e o dia seguinte ao da data da alta, ocorrida em 2 de Maio de 2007, € 5.453, a título de pensão anual e vitalícia, com início no dia seguinte ao da alta, € 20, a título de compensação pelas despesas de transporte, e juros de mora, à taxa e na forma legal.

Alegou, em suma, que, no dia 3 de Abril de 2006, foi vítima de um acidente de trabalho, quando laborava sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, CC, que transferira a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré seguradora, sendo que o acidente ocorreu quando acedia à plataforma elevatória que utilizavam para realizar o transporte do material de cobertura do solo para o telhado e, simultaneamente, iniciara o movimento para apertar o cinto de segurança, o que não logrou, porque foi acometido por uma súbita tontura, que lhe provocou desequilíbrio e a queda de uma altura de cerca de 6 metros, de que resultaram lesões, que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, uma incapacidade BB permanente de 54,15%, com incapacidade total para a sua profissão habitual, tendo estado em situação de ITA desde a data do acidente até 2 de Maio de 2007. Requereu, a final, exame por junta médica.

A seguradora contestou, alegando, em síntese, que, à data do sinistro, apenas se achava transferido para si a retribuição de € 400 x 14, e que o acidente se mostrava descaracterizado, pois o sinistrado foi o exclusivo responsável pela sua eclosão, por violação de normas relativas à segurança impostas pela entidade empregadora, já que não fixou o cinto à estrutura do cesto, conforme aquela lhe determinara, sendo que a queda do sinistrado ocorreu porque ele não prendeu o cinto de segurança à estrutura do cesto da grua. Requereu, também, exame por junta médica na pessoa do autor.

Face ao teor da contestação, foi ordenada a citação e intervenção nos autos da entidade empregadora, nos termos do disposto no artigo 127.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a qual, porém, não apresentou qualquer articulado.

Oportunamente, foi elaborado o despacho saneador, fixada a matéria assente e a base instrutória, sem reclamações; e, operado o desdobramento do processo, foi realizado exame médico, através de junta médica, nos termos constantes do atinente apenso, aí se fixando ao sinistrado uma IPP de 34,22%, com IPATH.

Após o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e condenou as rés, na medida das pertinentes responsabilidades, a reparar o acidente de trabalho que vitimou o autor.

2. Inconformada, a seguradora interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente, sendo contra esta decisão que a mesma ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões:

                 «1ª   A Recorrente vem oferecer as suas Alegações e manter, sustentando a contradição nos factos provados, vertidos nos pontos 15 e 19 da sentença e sufragados pelo douto Acórdão em apreço.
                     2ª O mui douto Tribunal “a quo” entendeu que a contradição não existia, baseando-se no teor do dispositivo da sentença, o que, com o devido respeito que é muito, não pode equivaler ao teor dos factos provados.
                     3ª Dessa peça da sentença extrai-se o douto entendimento do tribunal de instância, mas não o que resulta do corpo da prova e consequentemente dos quesitos provados, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
                     4ª De acordo com a matéria provada está explícito que o sinistrado terá desmaiado quando acedia à plataforma, mas veio a cair de seis metros do solo, o que com o devido respeito não é compreensível, à luz das regras da experiência comum.
                     5ª Não se apurou a forma como ocorreu o acidente, melhor, a que se apurou não está devidamente sustentada nos factos, mas num raciocínio do mui douto Tribunal “a quo”, que não tendo uma sustentação irrepreensível nos factos provados, não pode ser aceite.
                     6ª Verifica-se a violação do disposto nos arts. 7.º, n.º 1, al. a) da LAT e invoca-se o disposto no art. 668.º, [n.º 1], al. c) do CPC.»

O autor não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto concluiu que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

               Se o acórdão recorrido enferma de nulidade (conclusão 6.ª, parte atinente, da alegação do recurso de revista);
                Se se verifica contradição entre os factos considerados provados sob os n.os 15 e 19 e se a matéria de facto dada como provada é insuficiente para apurar o circunstancialismo em que ocorreu o acidente (conclusões 1.ª a 5.ª da alegação do recurso de revista);
              –   Se o acidente resultou da violação, sem causa justificativa, por parte do sinistrado, das condições de segurança estabelecidas pela empregadora (conclusão 6.ª, parte atinente, da alegação do recurso de revista).

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                              II

1. A ré seguradora, reportando-se ao decidido no acórdão recorrido, invoca «o disposto no art. 668.º, [n.º 1], al. c) do CPC», norma de harmonia com a qual é nula a sentença, «quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão».

Aquela norma aplica-se aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do preceituado no artigo 716.º do Código de Processo Civil, sendo que este complexo normativo se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

O certo é, porém, que a ré seguradora, no requerimento de interposição do recurso de revista (fls. 380), não arguiu qualquer nulidade do acórdão recorrido.

Ora, a arguição de nulidade da sentença em contencioso laboral, face ao preceituado no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, com vista a habilitar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido e proceder eventualmente ao seu suprimento, sendo entendimento jurisprudencial pacífico que essa norma é também aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação, por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), desse Código e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de onde resulta, conforme tem sido reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal, que essa arguição, no texto da alegação do recurso, é inatendível por intempestividade.

Assim, este Supremo Tribunal não pode conhecer da nulidade invocada na conclusão 6.ª, parte atinente, da alegação do recurso de revista.

2. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) No dia 03 de Abril de 2006, pelas 17h30, num edifício pertencente ao Instituto de Emprego, sito em Famalicão, o autor sofreu um acidente de trabalho;
2) Laborava, então, sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade patronal CC;
3) Para quem desempenhava as funções de serralheiro;
4) Cumprindo ordens da sua entidade patronal, procedia então o autor, juntamente com dois colegas, à montagem de uma estrutura metálica de um telhado no referido edifício público;
5) Para o efeito, realizavam o transporte do respectivo material de cobertura do solo para o telhado, através de uma plataforma elevatória;
6) O autor usava capacete, botas de protecção e cinto de segurança, de cada vez que acedia à plataforma;
7) O que sucedeu ao longo de quase todo o dia de trabalho;
8) O autor nasceu em 13.02.1955;
9) Após o que passou a ser tratado pelos Serviços Clínicos da ré, que o submeteram a tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação até ao termo do mês de Setembro de 2006;
10) O autor teve alta em 02-05-2007;
11) A ré entidade patronal e a ré seguradora celebraram o seguro titulado pela apólice n.º …, cuja cópia já se encontra aos autos a fls. 188 e seguintes, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
12) Pelo qual a 2.ª ré (entidade patronal) transferiu para a ora demandada, a responsabilidade infortunística decorrente de acidente de trabalho em relação ao sinistrado, mediante o salário de € 400 x 14;
13) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
14) O autor desempenhava as funções referidas em 3), mediante a remuneração mensal de € 470 x 14 meses + € 5 x 22 x 11 meses;
15) O sinistrado caiu no momento em que acedia à plataforma;
16) E, simultaneamente, iniciara o movimento para apertar o cinto de segurança;
17) O que não logrou, porque foi acometido de uma súbita tontura ou desmaio;
18) Este provocou-lhe o imediato desequilíbrio e a queda;
19) De uma altura de cerca de 6 metros, distância a que se encontrava a plataforma do solo;
20) Não conseguiu apertar o cinto, por motivo de súbita perda de consciência ou sentidos;
21) Era o seu primeiro dia de trabalho;
22) Como consequência directa e necessária do descrito acidente, sofreu o autor: traumatismo crâneo-encefálico, traduzido em hematoma epicraneano frontal direito, com amnésia para o acidente; fractura do 2.º ao 8.º arcos costais à direita com pneumotórax e contusão pulmonar direita; fractura cominutiva da cabeça do úmero direito; fractura do olecrâneo direito; fractura cominutiva do grande trocanter e diáfise femural à direita; fractura da apófise transversa de L4 e da asa do sacro à direita; fractura dos arcos púbicos e ramo isquiopúbico bilateralmente; rabdomiolise;
23) Lesões às quais foi socorrido no Hospital da Trofa;
24) De onde haveria de ser transferido para o Hospital Eduardo Santos Silva, em Vila Nova de Gaia;
25) Nesta unidade hospitalar, ficou internado na Unidade de Cuidados Intensivos, até 11-04-2006;
26) Vindo a ser submetido a actos cirúrgicos, que se traduziram em osteossíntese do fémur com cravo Gamma longo, redução e fixação do colo do úmero com fios de Kirschner, redução e cerclagem com banda de tensão do oleocrâneo direito;
27) Na data da alta, 2/5/07, o autor apresentava as seguintes sequelas definitivas, do foro ortopédico, limitações de mobilidade no membro superior e fémur direitos, dores muito intensas na grade costal e região lombar, que lhe acarretam do ponto de vista ortopédico, uma incapacidade profissional de 0,3158% que o tornou absolutamente incapaz para a sua profissão habitual, e o autor ficou igualmente afectado do ponto de vista neuro-psiquiátrico, apresentando síndrome pós-traumático de intensidade média, que se traduz em frequentes dores de cabeça, cefaleias, frequentes alterações de humor, nervosismo, irritabilidade fácil, falta de concentração e perda de memória, o que representa para o autor uma incapacidade profissional de 2,64%, do que resulta para o autor uma incapacidade BB permanente de 34,22% com incapacidade total para a sua profissão habitual;
28) Ao autor, não foram pagas quaisquer indemnizações;
29) O autor teve despesas de transporte, relativas as suas deslocações para e do tribunal, com referência ao seu domicílio, no montante de € 20;
30) O acidente ocorreu cerca das 19h, quando o sinistrado dando por falta de umas peças de roupa que havia deixado numa viga da estrutura metálica, pediu ao gruista que o elevasse por forma a ir buscá-las;
31) O sinistrado subiu dentro do cesto da grua, totalmente equipado com capacete, botas, colete e cinto antiqueda;
32) A entidade empregadora do sinistrado, conhecendo os riscos da actividade do sinistrado, muniu-o de dispositivos individuais de protecção, botas, colete, capacete e cinto de segurança e ainda de protecção colectiva, designadamente, no caso, um cesto que permitia a elevação e descida do sinistrado;
33) Tendo a referida entidade dado ordens expressas para que o sinistrado usasse esses dispositivos e, no caso do cinto, que o fixasse sempre ao cesto da grua quando estivesse ou trabalhasse em altura;
34) O autor somente não conseguiu engatar o cinto ao cesto, pelo facto de ter desmaiado;
35) Dada a subitaneidade do desmaio, o manobrador da grua não chegou a aperceber-se daquele desmaio, não a tendo, por conseguinte, parado ou retido.

A recorrente sustenta a existência de contradição entre os itens 15) e 19) dos factos provados, sendo que, «[d]e acordo com a matéria provada está explícito que o sinistrado terá desmaiado quando acedia à plataforma, mas veio a cair de seis metros do solo, o que com o devido respeito não é compreensível, à luz das regras da experiência comum»; doutro passo, aduz que «[n]ão se apurou a forma como ocorreu o acidente, melhor, a que se apurou não está devidamente sustentada nos factos, mas num raciocínio do mui douto Tribunal “a quo”, que não tendo uma sustentação irrepreensível nos factos provados, não pode ser aceite».

Nos termos dos conjugados artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, este Supremo Tribunal pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Consta do facto provado 15) que «[o] sinistrado caiu no momento em que acedia à plataforma» e, por sua vez, refere-se no facto provado 19) que o sinistrado caiu «[d]e uma altura de cerca de 6 metros, distância a que se encontrava a plataforma do solo», materialidade que assim considerada se revela contraditória.

Todavia, a apreensão do sentido daquela factualidade demanda a conjugação lógica com a acolhida nos factos provados 4), 5), 6), 16), 17), 18), 30), 31), 34) e 35).

Ora, da conjugação daqueles factos, resulta que, na data do acidente, o autor procedia, juntamente com dois colegas, à montagem de uma estrutura metálica de um telhado, realizando o transporte do respectivo material de cobertura do solo para o telhado, através de uma plataforma elevatória, e que, cerca das 19 horas, tendo dado pela falta de umas peças de roupa que havia deixado numa viga da estrutura metálica, pediu ao gruista que o elevasse por forma a ir buscá-las, subindo para o cesto da grua, equipado com capacete, botas, colete e cinto antiqueda, mas não conseguiu engatar o cinto ao cesto, pelo facto de ter desmaiado, caindo «no momento em que acedia à plataforma» e, simultaneamente, iniciara o movimento para apertar o cinto de segurança, o que não conseguiu, porque foi acometido de uma súbita tontura ou desmaio, que lhe provocou o imediato desequilíbrio e a queda, de uma altura de cerca de 6 metros, distância a que se encontrava a plataforma do solo, porque, entretanto, dada a subitaneidade do desmaio, o manobrador da grua não chegou a aperceber-se daquele desmaio, não a tendo, por conseguinte, parado ou retido.

Portanto, a queda descrita no facto provado 15) respeita à verificada quando o sinistrado subiu para o cesto da grua, isto é, quando acedeu à plataforma elevatória e procurava prender o cinto ao cesto da grua, o que não conseguiu pelo facto de ter desmaiado, sendo que a queda aludida no facto provado 19) se refere a um momento ulterior, quando, por virtude da continuação do movimento elevatório da plataforma em causa, o sinistrado caiu do cesto da grua para o exterior, «[d]e uma altura de cerca de 6 metros, distância a que se encontrava a plataforma do solo».

Termos em que se conclui pela não verificação da pretendida contradição na matéria de facto provada e, bem assim, da invocada insuficiência daquela matéria de facto para compreender o circunstancialismo em que ocorreu o acidente em apreço.

Improcedem, pois, as conclusões 1.ª a 5.ª da alegação do recurso de revista.

3. A recorrente propugna que resultou provado que a entidade empregadora do sinistrado deu-lhe instruções expressas «para que fixasse o cinto de segurança, sempre subisse ou descesse no cesto da grua», logo, «[n]ão tendo o sinistrado fixado o cinto ao cesto da grua, como devia e podia, violou aquele ordens expressas e directas da entidade empregadora, no caso, as relativas à segurança e higiene no trabalho, verificando-se, assim, o disposto no artigo 7.º, [n.º 1], alínea a), da LAT».

A sentença da primeira instância concluiu que não se verificava a hipótese estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, «que, eventualmente, poderia determinar a descaracterização do acidente sofrido pela vítima e afastar o direito à reparação do mesmo», na medida em que «não se provou que o acidente se tivesse ficado a dever ao facto do autor não ter prendido o cinto à estrutura do cesto da grua. O acidente dá-se quando o autor acede à plataforma e, por ter sido acometido de um desmaio, este provocou-lhe o imediato desequilíbrio e a queda (através das grades do cesto)», sendo que «não existe nexo causal entre a falta de cumprimento das regras de segurança impostas pela entidade patronal e a queda, uma vez que o sinistrado foi acometido do desmaio».

Nesta mesma linha de entendimento, o aresto recorrido também acolheu que «o comportamento do sinistrado que se apurou não se enquadra nas circunstâncias que o referido artigo 7.º enuncia e exige que se verifiquem, para que o acidente não seja reparável», aditando que, «ainda que apurada a inobservância pelo sinistrado e pelo gruista da citada norma de segurança — a não fixação do cinto de segurança — faltava demonstrar o nexo de causalidade entre aquela omissão e a queda, maxime quando demonstrado ter havido um outro facto — o desmaio do sinistrado — esse sim a contribuir para a queda do sinistrado».

3.1. O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde recebeu expresso reconhecimento constitucional na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, prevendo a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito constitucional, o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doenças profissionais.

O acidente dos autos verificou-se em 3 de Abril de 2006, portanto, no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro.

Note-se que, embora o acidente dos autos se tenha verificado após a entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003), não se aplica o respectivo regime, cuja aplicação carecia de regulamentação (artigos 3.º, n.º 2, e 21.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 99/2003).

O n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem, estabelece que os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, nos termos previstos naquela lei e demais legislação complementar.

E, segundo o n.º 1 do artigo 6.º, entende-se por acidente de trabalho «aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte».

Porém, o n.º 1 do artigo 7.º, subordinado à epígrafe «Descaracterização do acidente», reza que «[n]ão dá direito a reparação o acidente: a) que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei; b) que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; c) que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, ou for independente da vontade do sinistrado, ou se a entidade empregadora ou o seu representante, conhecendo o seu estado, consentir na prestação; d) que provier de caso de força maior».

Por sua vez, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, esclarece a noção de causa justificativa da violação das condições de segurança estipuladas na lei ou pela empregadora (n.º 1) e delimita o conceito de negligência grosseira (n.º 2).

Ora, nos termos do n.º 1 do citado artigo 8.º, «[p]ara efeitos do disposto no artigo 7.º da lei, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la».

Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007 (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) acto ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente.

Em suma: a lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.

Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), neste caso, «o legislador exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290.º do Código do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.»

E, mais adiante, conclui, «[s]e o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador. Contudo, a responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade de as entender (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99).»

Note-se que, na mesma linha fundamental de entendimento, o sobredito acórdão de 17 de Maio de 2007, referindo-se à segunda situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, afirma que «[s]e a lei se basta, na espécie, com o pressuposto assinalado — ausência de causa justificativa — é porque recai sobre o trabalhador um especial dever de observar […] as condições de segurança que lhe são impostas», dever especial que «é tanto mais evidente quanto é certo que a lei só justifica a omissão quando seja de concluir que o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento da norma impositiva ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la — artigo 8.º, n.º 1, supra citado».

3.2. Resulta da matéria de facto dada como provada que, no dia 3 de Abril de 2006, o autor procedia, juntamente com dois colegas e sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora, CC, para quem exercia as funções de serralheiro, à montagem de uma estrutura metálica de um telhado, realizando o transporte do respectivo material de cobertura do solo para o telhado, através de uma plataforma elevatória [factos provados 1) a 5)], e que, cerca das 19 horas, tendo dado pela falta de umas peças de roupa que havia deixado numa viga da estrutura metálica, pediu ao gruista que o elevasse por forma a ir buscá-las, subindo para o cesto da grua, equipado com capacete, botas, colete e cinto antiqueda, mas não conseguiu engatar o cinto ao cesto, pelo facto de ter desmaiado, caindo «no momento em que acedia à plataforma» e, simultaneamente, iniciara o movimento para apertar o cinto de segurança, o que não logrou, porque foi acometido de uma súbita tontura ou desmaio, que lhe provocou o imediato desequilíbrio e a queda, de uma altura de cerca de 6 metros, distância a que se encontrava a plataforma do solo, porquanto, entretanto, dada a subitaneidade do desmaio, o manobrador da grua não chegou a aperceber-se daquele desmaio, não a tendo, por isso, parado ou retido [factos provados 30), 31), 34), 15) a 20) e 35)].

Também ficou demonstrado que, como consequência directa e necessária do acidente, o autor sofreu várias lesões, que lhe determinaram uma incapacidade BB permanente de 34,22%, com incapacidade total para a sua profissão habitual [factos provados 22) e 27)], e que a respectiva entidade empregadora, «conhecendo os riscos da actividade do sinistrado, muniu-o de dispositivos individuais de protecção, botas, colete, capacete e cinto de segurança e ainda de protecção colectiva, designadamente, no caso, um cesto que permitia a elevação e descida do sinistrado», tendo «dado ordens expressas para que o sinistrado usasse esses dispositivos e, no caso do cinto, que o fixasse sempre ao cesto da grua quando estivesse ou trabalhasse em altura» [factos provados 32) e 33)].

3.3. Em substância, a recorrente aduz que, ao não fixar o cinto à estrutura do cesto da grua, o autor desrespeitou, sem causa justificativa, as mencionadas ordens, dimanadas da sua entidade empregadora, «no caso do cinto, que o fixasse sempre ao cesto da grua quando estivesse ou trabalhasse em altura».
    
Como é sabido, impendia sobre a recorrente o ónus alegatório e probatório dos factos conducentes à descaracterização do acidente de trabalho, por serem impeditivos do direito à reparação que a lei confere ao sinistrado (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Ora, se é verdade que os factos provados demonstram a existência de ordens expressas da entidade empregadora para que o autor, quando estivesse a trabalhar em altura, fixasse sempre o cinto ao cesto da grua e que o autor não tinha fixado o cinto àquela estrutura, aquando da queda, também se provou que o autor só não conseguiu fixar o cinto ao cesto da grua pelo facto de, entretanto, ter desmaiado.

Isto é, a aludida omissão do sinistrado só ocorre pelo indicado motivo e não em virtude de qualquer atitude voluntária de desobediência, sem causa justificativa, às ordens provindas da sua entidade empregadora. Aliás, fosse essa a intenção do autor e seguramente que, ao subir para o cesto da grua, não iria totalmente equipado com capacete, botas, colete e cinto antiqueda, conforme se apurou.

Tudo para concluir que, no caso concreto, inexiste fundamento que conduza à descaracterização do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado, nomeadamente o previsto na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, pelo que improcede a conclusão 6.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

                                              III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

                            Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha