ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
345/2002.1.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR FERNANDES DA SILVA

DESCRITORES SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SALÁRIOS EM DÍVIDA
RESTITUIÇÃO
COMPENSAÇÃO

SUMÁRIO  
I -    O precedente histórico do instituto da suspensão do despedimento – que o CPT de 1981, aprovado pelo DL n.º 272/-A/81, de 30 de Setembro, disciplinou no seu art. 38.º e seguintes – acha-se no art. 11.º, n.º 5, do DL n.º 372-A/75, de 16 de Julho, integrado no rol das medidas a que as preocupações do legislador de então visaram dar satisfação ao rever o regime jurídico dos despedimentos.
       Todavia, não obstante comungar dos mesmos princípios e função das providências cautelares previstas na lei adjectiva geral, a figura da suspensão do despedimento era desprovida de alcance prático relevante, muito limitado ou mesmo nulo, porque carecida de qualquer força coactiva.

II -  Foi com a sua inclusão no CPT de 1981, na previsão plasmada no n.º 2 do art. 44.º e nos n.ºs 2 e 3 do seu art. 43.º, que se lhe imprimiu a necessária eficácia, atribuindo ao recurso o efeito devolutivo, como regra, e conferindo, assim, à respectiva decisão força de título executivo relativamente aos salários em dívida – disciplina que se manteve no CPT de 2000, aprovado pelo DL n.º 480/99, de 9 de Novembro, vertida no art. 39.º, n.ºs 2 e 3, constando, praticamente nos mesmos termos, do art. 39.º, do actual CPT, na redacção do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro.

III - Tendo o recurso da decisão que decrete a providência, por regra, efeito meramente devolutivo, uma vez decretada a suspensão do despedimento a relação juslaboral mantém-se viva, válida e eficaz, como se contra a mesma não se tivesse atentado, pelo que a reacção prevista como normal seria a de o empregador viabilizar imediatamente ao trabalhador a reocupação do seu posto e função, até que a providência caduque ou se decida a acção de impugnação de que é dependência, não existindo, neste caso, qualquer prejuízo por banda dos protagonistas da relação, pois o empregador paga a retribuição mas dispõe da força de trabalho e do resultado da prestação do trabalhador.
      Não reagindo o empregador à decisão, deixando-a transitar, mas também não readmitindo o trabalhador nem lhe pagando os salários entretanto em dívida, este passa a dispor de um título executivo que lhe viabilizará, com trato sucessivo, a sua recuperação.

IV - Pode todavia o empregador obter o efeito suspensivo da decisão que decretou a suspensão do despedimento, desde que, no acto da sua interposição, deposite no Tribunal uma quantia correspondente ao valor de seis meses de vencimento do recorrido, podendo este requerer ao Tribunal que, enquanto subsista a sua situação de desemprego, o pagamento da retribuição a que normalmente teria direito se faça por força desse depósito/caução.

V - No âmbito do CPT/99, os salários em dívida referidos no seu art. 43.º, n.º 2, correspondem aos que forem devidos a partir da data da decisão que, na 1.ª instância, suspenda o despedimento pelo que, se o empregador não quiser aproveitar a prestação de trabalho do empregado tem de lhe pagar a retribuição convencionada, como se estivesse a receber trabalho.
VI - Constituindo o recebimento das prestações retributivas um direito do trabalhador, decorrente da natureza da providência, que, sendo provisória, não é condicional – a eficácia da decisão que decreta a suspensão do despedimento não fica dependente do sentido confirmativo, ou não, da decisão definitiva da relação jurídica em litígio, apenas implicando esta o termo daquela –, não existe fundamento legal para a pretensão formulada pelo empregador, no caso, sob a forma de compensação, no sentido de obter do trabalhador a reposição desses valores.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I –

1.

AA, com os sinais dos Autos, deduziu incidente de liquidação contra "BB – Distribuição Alimentar, S. A.".

Alegou para o efeito, em resumo útil, que nos presentes autos de processo comum foi proferido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que condenou a ré a pagar-lhe «o subsídio inerente ao trabalho prestado aos domingos, no montante que se vier a apurar no incidente de liquidação, a quantia de € 404,01 relativos aos montantes indevidamente descontados ao autor por faltas dadas em Julho de 2002 e a quantia que se vier a apurar, em incidente de liquidação, referente ao trabalho prestados (sic) pelo autor em dias feriados».

Fixou o valor que lhe é devido no montante global € 17.560,20.

A Ré deduziu oposição.

Sustentou não ser devedora de qualquer quantia ao autor, porquanto foi condenada, no apenso de providência cautelar, a pagar ao autor os salários vencidos no decurso da mesma, no valor de € 12.419,32.

Recorreu dessa decisão tendo prestado caução no valor de € 9.513,00 para lograr o efeito suspensivo.

O Autor recebeu um precatório-cheque no valor de € 6.516,54, sendo certo que não contabilizou na liquidação os valores indevidamente recebidos e não os devolveu, o que devia ter feito, dado que o Supremo Tribunal de Justiça considerou o despedimento como lícito. 

Ao elaborar o fecho de contas a ré contabilizou os valores pagos ao autor, bem como os valores devidos ao mesmo, tendo apurado um valor negativo de € 7.124,21.

Encontram-se preenchidos os requisitos para se proceder à compensação, verificando-se um saldo a seu favor.

Concluiu que nada deve, sendo que, caso o Tribunal assim não entenda, aceita os valores liquidados pelo autor.

O autor respondeu, ao abrigo do disposto no artigo 3.º n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc.Civil, entendendo que não há lugar a qualquer compensação, pois, como alega, tinha direito a receber as remunerações correspondentes ao período em que a providência cautelar foi decretada, nos termos do artigo 44.º, n.º 3, do CPT aplicável.

Proferiu-se saneador-sentença em que, além do mais, se admitiu a compensação requerida pela R.

2.

Irresignado, o A. apelou, com êxito, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acolhido as suas razões e prolatado Acórdão, com data de 23.2.2001, em cujo dispositivo se plasmou:

«Nestes termos, acorda-se em julgar procedente o recurso, julgando-se em conformidade revogada a decisão recorrida, na parte em que se considerou procedente a arguida excepção de compensação, julgando-se, pois, a mesma como improcedente».

3.

Inconformada, é desse Aresto que a R. vem pedir Revista.

Finalizou a motivação produzida com este quadro conclusivo:

1.  O objecto do presente recurso consiste em saber se assistia à Recorrente o direito de lançar mão do mecanismo legal de compensação relativamente a créditos laborais no âmbito de acção de liquidação;

2.  Os autos principais da presente acção foram precedidos de providência cautelar de suspensão de despedimento, na qual a Recorrente foi condenada, tendo, em cumprimento da sentença proferida, procedido ao pagamento dos salários e prestado caução para obtenção de efeito suspensivo;

3.  O processo concluiu-se com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que considerou o despedimento lícito, condenando a Recorrente no pagamento de créditos laborais cujo valor ascende a 17.560,20 euros;

4.  Em elaboração de fecho de contas, a Recorrente contabilizou os valores pagos ao Recorrido e os valores devidos a este último pela cessação do contrato e na decorrência do determinado no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tendo apurado um valor negativo para o Recorrido;

5.  O Recorrido apresentou em Tribunal acção de liquidação, à qual se opôs a Recorrente invocando a compensação de valores, tendo esta última sido considerada procedente pelo douto Tribunal do Trabalho de Lisboa;

6.  O Recorrido apelou junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que ordenou a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo;

7.  Na análise do recurso, o Venerando Tribunal recorrido conclui pela impossibilidade de compensação dos valores, sustentando tal entendimento na natureza antecipatória da providência cautelar e na protecção social do trabalhador e, no facto de, decretada a providência, se restabelecer a relação laboral na íntegra, sendo por mera vontade do empregador a não reintegração do trabalhador;

8.  A providência cautelar de suspensão de despedimento pela sua natureza constitui uma decisão meramente indiciária, diríamos frágil, porquanto sustentada na aparência do bom Direito (fumus boni juris), carecendo a decisão proferida em sede de providência cautelar de ser, ou não, confirmada pela decisão fundamentada de apreciação da causa principal, de impugnação de despedimento, onde são conhecidos todos os fundamentos e substância do procedimento disciplinar e da sua motivação;

9.  No caso em apreço a apreciação da impugnação veio a reconhecer a razão que assistia à Recorrente, declarando a licitude e a existência de justa causa de despedimento, pelo que a decisão cautelar deixou de ter sustentação;

10.            A possibilidade de invocar a compensação de valores resulta precisamente da natureza meramente antecipatória e provisória da providência cautelar; com efeito, não sendo a decisão cautelar bastante para definir qualquer situação jurídica de forma definitiva, não se vislumbra por que motivo a mesma deverá sobrepor-se à decisão final proferida, que infirma a decisão provisória, reconhecendo a licitude do despedimento;

11.            A decisão final de uma acção de impugnação de despedimento averigua da licitude e bondade do despedimento à data em que a decisão da empregadora é proferida, pelo que não se vislumbra como não poderá operar efeitos ab initio da mesma acção de impugnação;

12.            Não se vislumbra como pode ser salvaguardado o lapso temporal referente à apreciação da providência cautelar, a qual perde sustentação com a decisão final do Supremo Tribunal de Justiça, considerando-se assim os valores devidos ao trabalhador, ora Recorrido;

13.            Resultando demonstrado que o Recorrido, na pendência da providência cautelar e do recurso apresentado da sua decisão, não prestou qualquer dia de trabalho, sendo que o despedimento já era, nesse momento, lícito e justo, entende-se que a decisão correcta seria a de considerar os valores percebidos pelo Recorrido como indevidos e consequentemente procedente o recurso ao procedimento de compensação.

14. Termos em que, deverá o acórdão recorrido ser revogado e confirmada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Termina sustentando que o recurso deve ser considerado procedente, e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, com a manutenção integral da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, que reconheceu a procedência da excepção de compensação.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.                                              

Já neste Supremo Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de que os montantes recebidos pelo A. são indevidos, propendendo por isso para a procedência da excepção da compensação.

Notificado às partes, o A. veio responder, mantendo que o trabalhador não é obrigado a repor os salários que entretanto recebeu.

Corridos os ‘vistos’, cumpre analisar, ponderar e decidir.

                                               

                                                    II –

A – O ‘thema decidendum’.

Ante o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito da impugnação – é apenas uma a questão a dilucidar e resolver.

A seguinte: saber se, no caso concreto, se deve ou não admitir a pretendida compensação, deduzida pela Ré/requerida no incidente de liquidação (em relação ao montante que se reputou por liquidado, no valor de € 17.560,20).

B – Dos Fundamentos.

B.1De Facto.

As Instâncias deram como assente a seguinte factualidade:

1. No âmbito dos presentes autos foi proferida, em 15 de Setembro de 2004, a sentença de fls. 502 a 577, pela qual foi considerado «ilícito o despedimento de que o autor foi alvo por parte da ré» que foi, em consequência, condenada no pagamento de determinadas quantias.

2. Foram interpostos recursos de Apelação (o do A. a título subordinado) e através do acórdão datado de 02.04.2008 – fls. 947-969 – foi mantida a ilicitude do despedimento, alterando segmentos da sentença de primeira instância no que concerne aos valores devidos ao A.

3.  Foram interpostos recursos de Revista (o do A. a título subordinado), tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, através do acórdão datado de 25.02.2009, julgar parcialmente procedentes cada um dos recursos das partes, concluindo pela licitude do despedimento do A. e condenando a Ré a pagar-lhe «o subsídio inerente ao trabalho prestado aos domingos, no montante que se vier a apurar no incidente de liquidação; a quantia de € 404,01 relativos aos montantes indevidamente descontados ao A. por faltas dadas em Julho de 2002 e a quantia que se vier a apurar, em incidente de liquidação, referente ao trabalho prestado pelo A. em dias feriados».

4.  Em 27.09.2002 foi decretada a suspensão do despedimento do A., por decisão proferida a fls. 90 a 97 da Providência Cautelar, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 29.10.2003, mediante o acórdão de fls. 210 a 218 do respectivo apenso.

5.  Em 15.10.2002 a requerida, ora ré, depositou à ordem do referido processo de Providência Cautelar, a título de caução, o montante de € 9.513,00, requerendo o efeito suspensivo do recurso interposto da decisão da primeira instância, mencionada em 4.

6.  Em 17.12.2003 foi passado e entregue ao autor precatório-cheque no montante de € 6.516,54.

7.  Em 16.04.2004 a ré entregou ao autor um cheque no valor de € 12.419,32.

8.  Em 19.05.2009 a ilustre mandatária da Ré enviou à ilustre mandatária do A. um fax com a simulação dos valores devidos e comunicou-lhe que efectuou a compensação porque entendia que a sua constituinte tinha um saldo positivo relativamente ao A. – cfr. documento de fls. 1151.

B.2 – Do Direito.

Conhecendo.

A questão decidenda consiste em saber, afinal, se assiste ou não à R. o direito de reaver do trabalhador, mediante o formulado pedido de compensação – no acerto de contas a que se procedeu no incidente de liquidação sequente ao Acórdão condenatório proferido na acção de processo comum a que se reporta – as importâncias que aquele recebeu, respeitantes à retribuição a que normalmente teria direito na pendência do recurso interposto da decisão que decretou a suspensão do despedimento, retiradas da caução entretanto prestada pela R. com vista à obtenção do efeito suspensivo da impugnação.

Esta problemática, com contornos muito próximos dos aqui delineados, foi já objecto de tratamento e solução neste Supremo Tribunal.

(Referimo-nos concretamente ao Acórdão de 23.4.1998, adiante melhor analisado).

A sóbria fundamentação jurídica que enforma a solução então eleita – cuja bondade sufragamos – mantém absoluta actualidade.

Acompanharemos, por isso, no desenvolvimento subsequente, os seus momentos mais impressivos.

. Como resulta da materialidade estabelecida, foi oportunamente instaurada pelo A. Providência Cautelar de suspensão do despedimento, que veio a ser decretada por decisão de 27.9.2002, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 29.10.2003.

Visando obter o efeito suspensivo para o recurso então interposto, a R./requerida requereu e prestou caução no montante de € 9.513,00.

Posteriormente, em 17.12.2003, foi passado e entregue ao A. um precatório-cheque no valor de € 6.516,54 e a R. entregou-lhe também, em 16.4.2004, um cheque no montante de € 12.419,32, concernente a salários vencidos no decurso da Providência Cautelar.

A R., através da sua mandatária, enviou um fax à mandatária do A., em 19.5.2009, nele contendo a simulação dos valores devidos, mais lhe comunicando que efectuou a compensação, por entender que a sua constituinte tinha um saldo positivo relativamente ao A.

A decisão da 1.ª Instância admitiu a compensação requerida, e, considerando o valor já entregue ao trabalhador/A., concluiu pela improcedência do pedido formulado no incidente de liquidação, do qual absolveu a R.

No Acórdão revidendo ajuizou-se em sentido oposto, revogando aquela decisão.                                                

. O precedente histórico do instituto da suspensão de despedimento – que o C.P.T. de 81, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro, disciplinou no seu art. 38.º e seguintes – acha-se no art. 11.º/5 do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, integrado no rol das medidas a que as preocupações do legislador de então visaram dar satisfação ao rever o regime jurídico dos despedimentos[1].

Comungando originariamente dos mesmos princípios e função das providências cautelares previstas na lei adjectiva geral – o seu escopo visa a eliminação do risco resultante do periculum in mora, poupando o presumido titular do direito ofendido contra os danos ou prejuízos decorrentes da mais ou menos distante decisão definitiva do litígio – a figura da suspensão do despedimento era todavia desprovida de alcance prático relevante, muito limitado ou mesmo nulo, porque carecida de qualquer força coactiva.

A decisão que ordenava a suspensão do despedimento tinha um valor, por assim dizer, meramente programático (‘Apud’ Leite Ferreira, ibidem).

Foi com a sua inclusão no C.P.T. de 1981 (o terceiro na nosso Ordem Jurídica, depois dos de 1940 e de 1963, publicados na sequência das grandes reformas do processo civil de 39 e 61), e mais concretamente com a previsão plasmada no n.º 2 do art. 44.º e nos n.ºs 2 e 3 do seu art. 43.º, que se lhe imprimiu a necessária eficácia, atribuindo ao recurso o efeito devolutivo, como regra – o efeito suspensivo tornaria praticamente ineficaz a decisão e inútil a providência, só aquele viabilizando a imediata exequibilidade da decisão, e, desse modo, a salvaguarda do perigo de lesão do direito –, e conferindo assim à respectiva decisão força de título executivo relativamente aos salários em dívida.

(Reconhecendo-se embora que a opção assumida pelo legislador possa constituir um desvio aos princípios da ortodoxia processual, face à natureza provisória da decisão, a solução de compromisso encontrará justificação plausível na natureza e elementar urgência dos direitos subjacentes, não sendo sequer inédita nessa dimensão).

Nos termos  do referido art. 43.º, n.ºs 2 e 3 – compaginados com o disposto no art. 91.º, b) do mesmo Código – ‘A decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente aos salários em dívida, devendo a entidade patronal, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar recibo de pagamento da remuneração devida.

A execução, com trato sucessivo, segue os termos dos artigos 92.º e seguintes, com as necessárias adaptações’.

A mesma disciplina se manteve no C.P.T. de 2000, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, plasmada no art. 39.º, n.ºs 2 e 3, constando, praticamente nos mesmos termos, do art. 39.º do actual C.P.T., na redacção do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro.  

O recurso da decisão que decrete a providência tem, por regra, efeito meramente devolutivo – n.º 2, 1.ª parte, do art. 44.º do C.P.T. de 81, tal como n.º 2 do art. 40.º do C.P.T., com a versão revista pelo Decreto-Lei n.º 480/99.

Assim, decretada a suspensão do despedimento, a relação juslaboral mantém-se viva, válida e eficaz, como se contra a mesma não se tivesse atentado.

A reacção prevista como normal, digamos, seria a de o empregador viabilizar imediatamente ao trabalhador a reocupação do seu posto e função, até que a providência caduque ou se decida a acção de impugnação de que é dependência.

Em tal caso, não se poria a questão de um qualquer prejuízo por banda dos protagonistas da relação, pois o empregador paga a retribuição mas dispõe da força de trabalho e do resultado da prestação do trabalhador.

Não reagindo o empregador à decisão, deixando-a transitar, mas também não readmitindo o trabalhador nem lhe pagando os salários entretanto em dívida, este passa a dispor de um título executivo que lhe viabilizará, com trato sucessivo, a sua recuperação.

Pode todavia o empregador obter o efeito suspensivo da decisão que decretou a suspensão do despedimento, (hipótese que corresponde a uma solução de compromisso, como se disse acima, na dupla perspectiva assinalada por A. Leite Ferreira, ibidem, pg. 180, privilegiando o legislador, no clássico confronto de interesses empregador/trabalhador, a posição do credor, a parte havida por mais carecida), desde que, no acto da sua interposição, deposite no Tribunal uma quantia correspondente ao valor de seis meses de vencimento do recorrido, (o depósito, mais do que garantir o cumprimento da obrigação, função-regra da caução, destina-se primordialmente a assegurar o pagamento das retribuições do trabalhador que se forem vencendo durante a pendência do recurso), podendo este requerer ao Tribunal que, enquanto subsista a sua situação de desemprego, o pagamento da retribuição a que normalmente teria direito se faça por força desse depósito/caução – n.º 3 do art. 44.º do C.P.T./81 e n.º 3 do art. 40.º do C.P.T./99.

Reportando-nos ao Acórdão deste Supremo Tribunal, de 23.4.1998 (in CJ/S.T.J., 1998, Tomo II, pg. 265-67, e, na sua peugada, entre outros Arestos das Relações proclamando igual solução, o da Relação do Porto de 1.3.1999, in C.J., 1999, Tomo II, pg. 242), vemos confirmado o entendimento que preconizamos: esta solução legal foi ‘o preço a pagar’ para a admissão excepcional do efeito suspensivo da decisão que decretou a providência.

Com efeito – e citamos – …se a entidade patronal não beneficia, por rebeldia, insubmissão (ou simples opção), da actividade do trabalhador, que continua afastado do seu posto de trabalho, mas porque o vínculo contratual subsiste, terá que lhe pagar a retribuição convencionada, como se estivesse a receber trabalho. Se da posição que assume lhe advierem prejuízos, com isso não se importa a lei.

‘Sibi imputet’.

Em qualquer dos casos (…), isto é, quer a entidade patronal aceite, quer não, o trabalhador, sempre terá ela de fazer no processo, enquanto subsistir a força da decisão cautelar, a prova do pagamento da remuneração devida, pela junção aos Autos, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, do competente recibo.

Ora é precisamente a estas remunerações vencidas enquanto a suspensão se mantém que o n.º 2 do artigo em nota (art. 43.º) quer aludir quando se refere aos ‘salários em dívida’, como o objecto sobre que recai a força executiva do título que é a decisão sobre a suspensão.

E mais adiante:

‘Retomando a tese sustentada por Leite Ferreira, diremos que o empregador, se o quiser, pode aproveitar o rendimento do trabalho do empregado ‘despedido’, a partir da decisão da primeira Instância que suspendeu o despedimento, mas pode também optar pela solução contrária.

Só que, nesta última hipótese, é curial que seja ele a suportar os encargos dessa sua opção, encargos que abrangerão, em primeira linha, o pagamento dos salários.

Por estes motivos compreende-se o disposto no art. 43.º, n.º2, do C.P.T. e justifica-se a presente interpretação segundo a qual ‘os salários em dívida’ aí referidos são só os que forem devidos a partir da data da decisão que, na 1.ª Instância, suspenda o despedimento’.

Constituindo o recebimento das prestações retributivas um direito do trabalhador, decorrente da natureza da providência, que, sendo provisória, não é condicional – significa-se com isso que a eficácia da decretada suspensão não fica dependente, enquanto tal, do sentido, confirmativo ou não, da decisão definitiva da relação jurídica em litígio, apenas implicando esta o termo daquela – não existe fundamento legal bastante para a pretendida reposição, aqui formulada sob a forma de compensação.

A dilucidada razão de ser do pagamento, por força do depósito, da retribuição a que o trabalhador, na situação de desemprego, normalmente teria direito, afasta a obrigação de devolver as importâncias recebidas.

Decretada a suspensão do despedimento, subsiste, em condições de normalidade e como directa consequência, o direito do trabalhador de retomar o exercício da sua actividade, até que a providência caduque ou seja revogada.

 Por isso a lei – que cuidou de prevenir, nas duas circunstâncias possíveis de inactividade forçada do trabalhador, depois de decretada a suspensão do despedimento, a forma de assegurar o percebimento dos salários em dívida – não previu, em algum caso e/ou por qualquer modo, a obrigação da sua devolução.

Nem é razoavelmente admissível, como se concederá, que tal hipótese – que não está na letra da lei – estivesse na mente do legislador, pois o risco de reposição dos salários sempre constituiria para o trabalhador um factor condicionante ou inibidor do livre exercício do direito de requerer a providência.

Tendo sido neste sentido o juízo firmado no Acórdão revidendo, as razões contrapostas não bastam para beliscar a bondade da solução, que por isso se sufraga inteiramente.

Soçobram, pois, a proposições conclusivas da motivação do recurso.                                

                                                    III –

                                            DECISÃO

Nos termos expostos, delibera-se negar a Revista.

Custas pela recorrente.

                                                   

Lisboa, 15 de Dezembro 2011

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

_____________________
[1]  - Veja-se A. Leite Ferreira, ‘Código de Processo do Trabalho’, anotado, Coimbra Editora, 1989, pg. 163/ss.