ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2635/07.1TVLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 6.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA À AA E NEGADA A REVISTA AO RÉU
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SALAZAR CASANOVA

DESCRITORES RESPONSABILIDADE PELO RISCO
COMISSÃO
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
ACTO DE FUNCIONÁRIO
ACTO ILÍCITO
ÓNUS DA PROVA
MORA DO DEVEDOR
INICIO DA MORA

SUMÁRIO I - O trabalhador de instituição de crédito, gestor de contas, que se aproveita do conhecimento que advém das suas funções na instituição de crédito para contactar o cliente das contas de que é o gestor com o pretexto falso de lhe possibilitar a aplicação financeira de valores em depósito e que desvia em seu proveito pessoal os valores do cliente num montante de 3 584 199 €, incorre em acto ilícito criminal e com ele responde solidariamente a instituição de crédito nos termos do art. 500.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

II - A circunstância de, nas atribuições conferidas pela instituição de crédito ao seu gestor, não figurar o aconselhamento e realização de operações de compra e/ou venda de títulos, em Bolsa, actividade prosseguida por essa instituição, não afasta o entendimento de que o gestor actuou no exercício da função que lhe foi confiada (art. 500.º, n.º 2, do CC) uma vez constatada a especial e adequada conexão entre os actos ilícitos praticados (burla e falsificação de extractos bancários tendo em vista levar a vítima a libertar depósitos para supostas aplicações financeiras) e a posição do comissário no quadro funcional dessa instituição bancária.

III - Cumpre ao lesado o ónus de provar que o comissário agiu no exercício da função que lhe foi confiada, nos termos anteriormente indicados, cumprindo ao comitente provar o facto impeditivo que é o do conhecimento do lesado de que o preposto está a agir num quadro de exercício abusivo das funções (art. 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC).

IV - Não deve ser considerado culposo o comportamento, por acção ou por omissão, da vítima de burla e de falsificação de documentos que resultou do estratagema engendrado pelo agente do crime que astuciosamente determinou o erro ou engano que levou a esse comportamento e, por isso, não pode ser sancionada a vítima, considerando-a culpada em concorrência com o agente do crime nos termos do art. 570.º do CC.

V - No que respeita ao pedido de pagamento das quantias de que a vítima foi burlada, rege o que prescreve, quanto ao momento da constituição em mora, o disposto no art. 805.º, n.º 2, al. b), do CC, ou seja, há mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação provier de facto ilícito.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Delegação Portuguesa do Instituto Missionário da Consolata intentou no dia 4-6-2007 acção declarativa com processo ordinário contra AA e BB-B...-Banco ..., S.A. pedindo a condenação do réus no pagamento de 3.584.119,00€ a título de indemnização pelos prejuízos causados à A. pela actuação ilícita do réu AA enquanto empregado do 2.º réu BB-B... e em acto de serviço com juros à taxa legal sobre aquele montante desde a interpelação ao 2.º réu em 5-4-2006 até efectivo pagamento e a liquidar em execução de sentença.

2. A A. era titular de duas contas bancárias de depósitos à ordem (DO) associadas a contas de depósito a prazo (DP) no BB-B... sendo o réu AA empregado do Banco desde meados de 1999 desempenhando funções de gestor de conta de vários clientes entre os quais a A.; no âmbito da sua actividade, o réu AA, assumindo-se como profundo conhecedor do mercado de títulos, contactou, pessoal e telefonicamente, o representante da autora, propondo-lhe aplicações financeiras seguras que possibilitariam melhor remuneração do que os depósitos a prazo.

3. Quanto ao modus faciendi, o réu AA, tendo em vista proceder às aplicações financeiras, solicitava ao representante da Consolata que lhe entregasse cheque ao portador, sacado sobre DO, no montante do depósito a prazo a resgatar mediante ordem de transferência escrita dada pela A. do valor do DP para conta de DO; tal cheque iria servir para aquisição de títulos de investimento a depositar no Dossiê/Títulos da cliente; no caso da conta DO que não dispunha nem usava cheques, procedia o réu AA à transferência dos valores dessa conta para a outra conta de DO

4. No entanto, os cheque entregues em vez de serem utilizados para aquisição de títulos ou eram depositados noutra instituição de crédito em conta de que não era a A. titular ou eram entregues a outrem, assim se dando extravio dos valores da A.

5. O valor reclamado é o total de sucessivas operações que levaram à perda da quantia agora reclamada.

6. A acção foi julgada parcialmente procedente tendo sido os réus condenados solidariamente a pagar à A. a quantia peticionada com juros moratórios vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% e devidos desde 18-6-2007 ( data da citação dos réus) até integral pagamento.

7. Da sentença recorreram BB-B...- Banco..., S.A.. e, subordinadamente, a A.

8. O Tribunal da Relação concedeu provimento parcial ao recurso do BB-B..., negando provimento ao recurso subordinado da A. por considerar que houve, no caso, concorrência de culpas, fixando-se a do lesado em 25% e a do BB-B... em 75%, e, deste modo, alterou a sentença recorrida, condenado o BB-B... a pagar à A. a quantia de 2.688.089,20€ com juros de mora desde 18-6-2007.

9. Recorrem, de revista, para o Supremo Tribunal A. e réu BB-B...

10. A A. conclui a sua minuta de recurso nestes termos:

1.ª- O douto acórdão recorrido, estribando-se no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil entendeu que há no caso em apreço culpa concorrente dos lesantes AA e BB-B... e da lesada autora, atribuindo àquele 75% e a esta 25% da responsabilidade nos danos; porém, e salvo o devido respeito, nem a prova feita, nem uma correcta interpretação da lei aplicável justifica tal desiderato.

2.º- Não se presumindo, no caso vertente, a culpa do lesado (n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil) , é antes ao réu-recorrente BB-B..., agora recorrido, que incumbe o ónus da prova dos factos (n.º1 do artigo 342.º do Código Civil) que, em seu entender, integram a invocada conculpa do lesado de que pretende tirar proveito. E,

3.º- “A culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso ( n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil). Por outro lado,

4.º- A regra do n.º1 do artigo 570.º do Código Civil “ deve ser aplicada com a maior prudência, quer quanto à sua utilização, quer quanto à extensão da redução, uma vez que contraria o direito do lesado ao ressarcimento integral” conforme refere o prof. Galvão Teles in Obrigações, pág. 357, nota 1. E nunca pode conduzir a uma redução drástica que configure anulação do direito ao lesado a uma justa indemnização (conforme o Prof. Menezes Cordeiro in Da Responsabilidade, pág. 550 e segs.). Acresce que,

5.ª- Não resulta duma adequada interpretação dos factos provados que a autora tenha omitido a diligência que lhe era exigível, tanto no controlo das suas contas bancárias no BB-B..., como nos contactos com o seu empregado AA, gestor da sua conta, e não sendo censurável a conduta da A., tanto no plano objectivo como no plano subjectivo, a sua culpa relevante não foi efectivamente demonstrada.

6.ª- Não é exigível que a A., ora recorrente, devesse desconfiar do empregado bancário AA ao serviço do BB-B..., que era o seu gestor de conta e era sempre com ele que tratava dos seus assuntos, pois não podia admitir ou pensar que o Banco BB-B... tivesse ao seu serviço um empregado desonesto, já que não tinha razões para assim pensar; tanto mais que se tratava de um Banco onde se presume ter as tarefas dos seus funcionários capazmente controladas por uma organização hierarquizada e fiscalizada por apertados sistemas de controlo e auditorias internas eficazes, que lhe são impostas pelos Regulamentos da Actividade Bancária.

7.ª- Também não era pois exigível à A. , ora recorrente, que era representada junto do AA pelo Sr. Padre CC, que é missionário da Consolata, que se revestissem os seus contactos sob os padrões da desconfiança e suspeição, já que pela natureza religiosa da sua formação e a extrema correcção da sua postura moral perante o BB-B... e naturalmente perante o seu empregado AA.

8.ª- O regime da culpa do lesado demonstra a vertente sancionatória da responsabilidade subjectiva , o que implica a ponderação de ambas as culpas e das consequências que deles resultaram para daí se estabelecer a indemnização. Mas,

“ para este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos ( in Prof. Meneses Leitão, Direito das Obrigações, Vol 1, 5º ed., pág. 917 e nota (3), Almeida Costa, Obrigações, pág. 725/726 e Ribeiro de Faria, Obrigações, I, pág. 523.

9.ª- Doutrina há que defende que a existência de dolo do lesante exclui a ponderação da culpa do lesado ( vide Ribeiro de Faria in Obrigações, I, pág. 523). E aceitando esta linha doutrinal temos que, no caso vertente, a actuação do réu AA foi dolosa, já que dolosos são os crimes de abuso de confiança na forma continuada, burla na forma continuada e falsificação de documento porque ele foi condenado em 25-7-2008 (alínea c) de fls. 465) no processo-crime que com o N.º 527/06.OTALRA pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Círculo de Leiria, conforme sentença que está de fls. 420 a 467 destes autos; e esta mesma sentença serviu também de fundamentação às respostas à matéria de facto - n.º s 1 a 113 e 115 a 153 da b.i. da douta sentença da 13.ª Vara Cível de Lisboa constante de fls. 1058. e segs maxime fls. 1079 destes autos.

10.ª- Nenhum dos factos provados, nem os documentos e outros elementos de prova carreados para os autos, contêm o menor traço de negligência ou configura qualquer omissão de zelo por banda do Sr. Padre CC , representante da A. junto dos réus Banco BB-B... e do seu empregado AA ( facto n.º 5 provado no acórdão). Ao invés,

11.ª- Refere o douto acórdão recorrido, pretendendo ver nisso falta de cuidado por banda do A., que esta, ao ter exigido o extracto da sua conta de títulos, tenha aceite do réu AA, em 3 ocasiões e sem desconfiança, uns extractos sem carimbo do banco (que constam de fls. 64, 65, 66, 67 e 68) , extractos esses que mais tarde o próprio AA confessou serem falsos o que o Banco confirmou. Porém, há que ter em conta que já não era a primeira vez que o BB-B... fornecia à A., ora recorrente, extractos bancários verdadeiros sem que os mesmos tivessem carimbo, ou emitidos em papel sem logotipo do BB-B.... Vide, a título de exemplo, os extractos que o Banco aceitou como verdadeiros e feitos pela A. de fls. 28 a 35 e 756 e 757.

12.ª- De salientar ainda que, na maioria das operações bancárias em que o AA interveio, este preencheu e assinou os respectivos impressos do BB-B... que entregou ao Padre CC : veja-se a título de exemplos os doc. de fls. 38, 43, 44, 48, 51, 56, 57 (doc. 21), 60, 61.

13.ª - Atentas as circunstâncias concretas em que perante o caso se desenrolou a actuação do Sr. Padre CC , representante da A. junto do AA, empregado do BB-B... e deste, tornam desculpável a actuação daquele, funcionando como causa de justificação geradora da sua “ desculpabilidade”.

14.ª - A responsabilidade do réu BB-B... é total e exclusiva na medida em que falhou em absoluto no controlo apertado e funcional que se impunha à actuação do seu desonesto empregado co-réu AA, assistindo sem reacção aos sucessivos levantamentos e transferências de contas da autora, tanto mais que exerce uma actividade de alto risco - a bancária - incumbindo-lhe a responsabilidade acrescida de zelar pelos interesses e depósitos dos clientes que nele confiam.

15.ª- Assim não tendo decidido, isto é, não atribuindo aos réus AA e BB-B... a totalidade da responsabilidade dos prejuízos sofridos pela autora, cometeu o douto acórdão recorrido erro de interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, norma que, por isso, violou. E em tal medida se pede a revogação do acórdão recorrido e a condenação solidária dos réus no pagamento total da indemnização pedida.

16.º- Na questão de saber desde quando são devidos os juros, o douto acórdão recorrido, entendeu , com base no n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil, serem eles os devidos desde a citação ocorrida em 18-6-2007, e não como a SA. pediu, desde a carta que esta enviou ao BB-B... em 5-4-2006 por entender que tal carta não interpelou o réu para cumprir a obrigação, mas apenas lhe deu conhecimento que o considerava responsável pela actuação do seu empregado e co-réu AA. Porém,

17.º-A carta em causa consta de fls. 70 e 71, foi expedida em 5-4-2006 pela A. que o réu BB-B... recebeu e que foi levada à alínea H) da matéria assente ( fls. 319) e é o n.º 8 da matéria provada no acórdão recorrido. Ora, analisando o texto da dita carta, nela se lê:

a) “que o réu AA, empregado do BB-B... e invocando essa qualidade e em actos de serviço, se apoderou de valores que a A. tinha depositado nas contas desta na agência do Loureiro, no montante de 3.584.111,00 euros em que a A está lesada”.

b) E que, antes de intentarem o procedimento judicial respectivo vinha a A. a saber se o BB-B... está disposto a ressarcir voluntariamente o A. pelos elevadíssimos prejuízos por si sofridos e atrás quantificados”.

18.ª- É bem de ver que tal carta, dirigida ao BB-B..., contém e representa bem mais do que um simples dar-lhe conhecimento de que o considerava responsável pela actuação do seu empregado AA, mas antes leva o pedido interpelativo de ressarcir a A. dos elevadíssimos prejuízos que sofreu e lhe foram causados pelo AA e cujo montante refere serem de 3.584.111,00 euros.

19.ª- Na verdade, reconduzir a dita carta a uma simples comunicação sem valor interpelativo é desvalorizar o conteúdo da mesma em termos inaceitáveis, e demasiado redutores, que transcendem o limite do razoável, e geradora de gritante injustiça; tanto mais que o réu BB-B... na sua resposta datada de 21-4-2006 (alínea I da base instrutória de fls. 330 e facto 9 provado no acórdão) diz não aceitar pagar os danos reclamados , o que quer dizer que o BB-B... entendeu o sentido interpelativo da carta no sentido de exigir o pagamento dos prejuízos sofridos pela A.

20.ª- Por outro lado, há que atentar em que a indemnização pedida é devida pelos actos ilícitos praticados pelo co-réu AA e os quais além de terem sido provados e datados nestes autos, na matéria crime provada, isso quer dizer que as indemnizações e prejuízos são exigíveis desde as datas de cada acto ilícito lesante, nos termos não só do artigo 483.º do Código Civil, como também da alínea b) do n.º 2 do artigo 805.º do mesmo Código; e essa ilicitude deriva ainda da sua condenação no já referido processo-crime que correu com o N.º 527/06.OTALRA do 2.º Juízo Criminal de Leiria e já documentado nestes autos.

21.ª- E sendo a responsabilidade do réu Banco BB-B... como comitente dos actos praticados pelo comissário seu empregado co-réu AA está o BB-B... solidariamente obrigado ao pagamento da totalidade dos prejuízos por este causados à A, nos precisos termos do artigo 500.º do Código Civil, e na mesma medida daquele prejuízo.

22.ª- Ao decidir de modo diverso, cometeu o douto acórdão erro de interpretação e aplicação dos artigos 483.º, 500.º e alínea b) do nº 2 do artigo 805.º todos do Código Civil, normas que violou; pelo que se pede a sua revogação e consequente condenação solidária dos RR no pagamento dos juros desde as datas dos factos ilícitos ou, pelo menos, desde a data da carta de interpelação ao BB-B... que é em 5-4-2006 mais 3 dias para o registo do correio, isto é, desde 9-4-2006.

11. O réu BB-B... conclui a sua minuta de recurso nos seguintes termos:

1- A conduta do réu AA extravasou do quadro funcional de que esta incumbido, enquanto colaborador do banco recorrente.

2- Não cabia ao banco recorrente alegar e provar que a recorrida sabia e conhecia tal desconformidade entre a actuação do réu AA e o quadro de competências que, no seio da organização do banco, lhe estavam atribuídas.

Pelo contrário,

3- Era à recorrida que cabia fazer a alegação e prova que desconhecia essa desconformidade, dado que, existindo ela de forma objectiva, esse seu desconhecimento integrava um facto constitutivo do direito que a recorrida se arroga face ao banco recorrente.

4- Inexiste, assim, no caso dos presentes autos uma relação de comissão juridicamente relevante em termos de poder ser o banco recorrente responsabilizado pelo risco dos danos sofridos pela recorrida.

5- Ainda que assim se não entenda - o que apenas como hipótese se admite - a responsabilidade da própria recorrida pela produção dos danos sofridos, dadas as circunstâncias da sua conduta omissiva, é de molde a afastar a responsabilidade pelo risco do banco recorrente, como comitente

6- Já que a negligência e desleixo da recorrida ao ignorar, durante praticamente um ano, que não recebia do banco recorrente qualquer documentação relativa às operações e aplicações que o réu AA lhe “impingia” contribuiu de forma decisiva para que os danos tivessem ocorrido e atingido o volume que acabaram por atingir.

7- Tivesse a recorrida actuado com a diligência que um normal e mediano depositante e cliente de um banco teria, face às circunstâncias em que ocorreram os factos retratados nos autos, e a actuação delituosa do réu AA teria sido descoberta logo no seu início.

8- Já que foi justamente a actuação negligente da recorrida que criou no réu AA a convicção da impunidade da sua actuação, facultando-lhe a reincidência e o agravamento dos danos.

9- Se descoberto o expediente e a manobra fraudulenta do réu AA logo no seu início, o montante do dano seria pouco significativo, e bem poderia ele próprio repor tal montante.

10- A não ser assim entendido, e dadas essa mesmas circunstâncias da conduta omissiva da recorrida, sempre a repartição de culpas e responsabilidades entre recorrida e recorrente justificaria uma distribuição, no valor global dos danos, de 75% da parte da recorrida e de 25% da parte do banco recorrente.

11- O douto acórdão violou por errada interpretação e aplicação das disposições dos artigos 342.º/1 e 3, 500.º/1 e 2, 505.º e 570.º/1 e 2 todos do Código Civil.

12. Factos provados:

1. O réu AA foi empregado do Réu BB- Banco ... SA, desde meados de 1999 até meados de Setembro de 2005, prestando serviço na agência de Loureira, Santa Catarina da Serra.

2. Enquanto empregado do réu, o réu AA desempenhava funções de gestor de conta de vários clientes, entre eles a autora “Delegação Portuguesa do Instituto Missionário da Consolata”.

3. Desde pelo menos Fevereiro de 2004, a A. tinha na agência do réu, referida em 1), as seguintes contas de depósito à ordem (00):a) nº --------------- (NIB -------------) em nome da “Delegação Portuguesa do Instituto Missionário da Consolata – Administração Provincial, domiciliada na Rua Francisco Marto, nº 52, Fátima; b) nº ------------ (NIB ------------), em nome da Delegação Portuguesa do Instituto Missionário da Consolata – DIGE, domiciliada na mesma morada.

4. As contas 00 acima referidas estavam associadas a contas de depósito a prazo (DP), onde eram lançados os movimentos respectivos.

5. A A. foi representada junto do banco réu, em operações bancárias e contactos inerentes, pelo então Administrador Provincial, Padre CC , com domicílio na morada acima referida.

6. O réu AA teve com este último contactos com vista à gestão das contas da autora e à realização de operações bancárias no interesse da mesma.

7. Com vista a melhor rendibilizar os depósitos da A., o réu AA contactou, quer telefónica quer pessoalmente, o referido Padre CC , propondo-lhe aplicações financeiras.

8. A. autora remeteu ao réu BB-B... uma carta, expedida em 05-04-2006, que aquele recebeu, comunicando- -lhe que o considerava responsável pela actuação do réu AA em actos de serviço e por danos que dizia lhe terem sido causados, fornecendo depois ao réu BB-B... todos os documentos e dados pertinentes.

9. O réu BB-B... respondeu por carta de 21-04-06 dizendo que, após análise dos dados fornecidos pela A. e do inquérito e auditoria interna que havia efectuado, não aceitava qualquer responsabilidade pelos danos reclamados.

10. Todos os contactos com vista à gestão das contas da autora no réu BB-B... e operações bancárias no interesse da mesma foram efectuados pelo R. AA na pessoa do Padre CC (resposta ao quesito 1º).

11. O réu AA propunha à A. aplicações financeiras que dizia serem seguras e permitiriam melhores rendimentos para o capital investido do que o depósito a prazo (quesito 2º).

12. Afirmando ser um profundo conhecedor do mercado de títulos (quesito 3º).

13. Nessas ocasiões, o Padre CC referia sempre a necessidade da segurança máxima no investimento (quesito 4º).

14. Ao que o réu AA retorquia que o réu BB-B... tinha um serviço de apoio ao cliente, especializado e seguro (quesito 5º).

15. Na maioria das vezes, o réu AA, invocando ser essa a sua missão no Banco BB-B..., deslocava-se pessoalmente às instalações da A. na Cova da Iria (quesito 6º).

16. O que fazia quer para receber do Padre CC valores para depósito em contas da autora (quesito 7º).

17. […] quer para cobrar assinaturas em documentos (quesito 8º).

18. Quer para propor àquele operações de Bolsa e títulos (quesito 9º).

19. Os referidos documentos bancários eram sistematicamente feitos e preenchidos pelo próprio réu AA que os dava ao Padre CC para assinar (quesito 10º).

20. Quando por telefone o Padre CC dizia ao R. AA que ia ao R. BB-B... levar depósitos, fazer transferências entre contas ou formalizar operações que aquele lhe propunha, o R. AA quase sempre retorquia que não valia a pena estar a maçar-se com deslocações ao Banco, pois ele se deslocaria pessoalmente para concretizar tais operações (quesito 11º).

21. […] afirmando que tais deslocações eram sua obrigação profissional (quesito 12º).

22. Em 22-07-2004, após anúncio telefónico, o R. AA deslocou-se às instalações da A. para falar com o Padre CC (quesito 13º).

23. Nessa ocasião, o mesmo aconselhou ao Padre CC uma aplicação de 50.000,00€ na compra de títulos (quesito 14º).

24. […] afirmando serem esses títulos seguros e de bom rendimento (quesito 15º).

25. O Padre CC aceitou efectuar a aplicação (quesito 16º).

26. O réu AA pediu àquele que lhe passasse e entregasse um cheque daquele montante, para pagamento da mesma aplicação (quesito 17º).

27. […] e pediu ainda que o cheque fosse emitido ao portador (quesito 18º).

28. Afirmando que assim entraria logo na corretora do réu BB-B... e que os títulos iriam ser depositados mais cedo no Dossiê/Títulos da autora junto do mesmo réu (quesito 19º).

29. Então, naquela data, o Padre CC emitiu o cheque nº ---------, ao portador, com a quantia de 50.000,00€ sacado sobre a conta referida supra em 3a) (resposta ao quesito 20º).

30. Tendo entregue esse cheque, em mão, ao R. AA (quesito 21º).

31. O cheque foi debitado na conta da A. em 26-07-04, tendo ido à “Compensação” no mesmo dia (quesito 22º).

32. Esse cheque não foi entregue no réu BB-B..., nem utilizado na compra de títulos para a A. (quesito 23º).

33. Tendo sido depositado no Banco “BPI SA”, em conta titulada pelo R. AA (quesito 24º).

34. […] o que a A. veio a saber mais tarde (quesito 25º).

35. Em 09-08-2004, o R. AA, após ter telefonado, apareceu nas instalações da A. para falar com o Padre CC (quesito 26º).

36. Nessa ocasião, o R. AA propôs àquele outro que resgatasse as 13.593.250.728 unidades de participação do “Fundo de Investimento Imobiliário BB-B... – Tesouraria” (quesito 27º).

37. Com vista a reinvestir o produto desse resgate em novas aplicações (quesito 28º).

38. […] que disse serem mais rentáveis (quesito 29º).

39. Por se tratar do empregado do réu BB-B..., que sempre o atendia no Banco e seu gestor de conta, o Padre CC aceitou (quesito 30º).

40. Tendo assinado um documento que aquele já trazia (quesito 31º).

41. O R. AA certificou com a sua rubrica o recebimento, a conformidade da assinatura do cliente e os poderes para o acto (quesito 32º).

42. A operação de resgate foi efectuada tendo rendido 708.659,94€ (quesito 33º).

43 […] os quais foram creditados na conta referida em 3 a), em 10-08-04 (quesito 34º).

44. Em 11-08-04, o R. AA, após ter telefonado, apareceu nas instalações da A. para falar com o Padre CC (quesito 35º).

45. Nessa ocasião, o mesmo solicitou àquele outro que emitisse um cheque da mencionada conta, no valor de 700.000,00€ (quesito 36º).

46. […] para aplicar na compra de novas obrigações de melhor rendimento de que antes havia falado (quesito 37º).

47. Com vista a essa aquisição, a A. emitiu em 11-08-04, o cheque nº -----------, sobre a conta identificada em 3 a), (quesito 38º).

48. Esse cheque foi debitado à A. em 11-08-04 (quesito 39º).

49. O R. AA não comprou os títulos, nem o cheque entrou na conta da A. no R. BB-B... (quesito 40º).

50. O R. AA depositou o cheque no FF-Banco ... SA, em 30-08-04, numa conta por si titulada (quesito 41º).

51. […] o que a A. veio a saber mais tarde (resposta ao quesito 42º).

52. Sabendo que havia um saldo de 682.497,24€ na conta referida supra em 3 a), em 16-08-04, após telefonema, o réu AA deslocou-se às instalações da A. (quesito 43º).

53. Nesse local, contactou com o Padre CC aconselhando este a mobilizar aquele saldo de molde a rentabilizá-lo por meio de aplicação financeira em Títulos Obrigacionais (quesito 44º).

54. […] que disse serem seguros e de bom rendimento (quesito 45º).

55. A autora aceitou, emitindo nesse dia, para pagamento desses títulos, o cheque nº --------- sobre a referida conta, no montante de 633.135,90€ (quesito 46º).

56. O R. AA disse que iria levar esse cheque para o réu BB-B... e que após a aquisição dos títulos, estes ficariam depositados no Dossiê/Títulos da autora junto do mesmo banco (quesito 47º).

57. O mesmo invocando maior rapidez e eficácia na operação sugeriu que o cheque fosse emitido ao portador (quesito 48º).

58. […] o que o Padre CC aceitou (quesito 49º).

59. Esse cheque foi debitado na conta da A. em 31-08-2004 (quesito 50º).

60. […] e foi depositado no FF-Banco... SA. em 10-08-2004 para crédito da conta titulada pelo R. AA e tendo ido à compensação em 11-08-04 (resposta ao quesito 51º).

61. Por volta de Agosto de 2004, o R. AA disse ao P. CC que havia sido promovido dentro do R. BB-B... dado a sua especial aptidão para as operações de bolsa e títulos (quesito 52º).

62. […] e que havia passado a assumir, em acumulação com as funções que já tinha, as de responsável pelo novo departamento do R. BB-B..., denominado “F...” (quesito 53º).

63. Disse ainda que este era um departamento vocacionado para operações com títulos e a funcionar fisicamente dentro das instalações da agência da Loureira (quesito 54º).

64. Desde então o R. AA continuou a contactar a A. e a deslocar-se às instalações desta para recolher valores para depósito, formalizar transferências entre contas e propor operações de compra e venda de títulos (quesito 55º).

65. Argumentando que não era preciso o Padre CC deslocar-se às instalações do réu BB-B..., visto que era sua missão profissional visitar os clientes para recolher valores e formalizar operações (quesito 56º).

66. E o desempenho destas tarefas era solicitado constantemente pelo gerente da agência da Loureira (quesito 57º).

67. Nesses contactos, o R. AA primeiro propôs a venda de títulos e liquidação dos depósitos a prazo das contas da A. (quesito 58º).

68. Apresentando como argumento o reinvestimento em melhores títulos (quesito 59º).

69. Depois, como da conta referida em 3b), a A. não dispunha nem usava cheques, o R. AA propôs a transferência dos valores existentes nessa conta para conta referia em 3 a) (quesito 60º).

70. […] da qual a A. tinha e usava cheques (quesito 61º).

71. O R. AA propôs ainda ao Padre CC a liquidação, por antecipação dos vencimentos, dos seguintes depósitos a prazo adstritos à conta referida em 3 a): depósito nº -----------, montante de 256.186,46€; “n.º -----------------, montante de 251.843,75€; depósito n.º -----------------, montante de 519.190,00€ (quesito 62º).

72. Nessa ocasião, o R. AA deslocou-se às instalações da A. onde cobrou do sacerdote a sua assinatura num documento que levava já preenchido (quesito 63º).

73. As liquidações acima referidas foram concretizadas em 30-05-05 e as quantias entraram na referida conta bancária na mesma data (quesito 64º).

74. Na mesma data de 28-05-05 e em simultâneo, o R. AA preencheu e deu a assinar ao Padre CC uma ordem de transferência da quantia de 1.000.000,00€ da conta referida em 3b) para a referida em 3 a) (quesito 65º).

75. Essa operação foi concretizada no R. BB-B... com data-valor de 30-05-05 (quesito 66º).

76. Tendo o impresso do réu BB-B... sido assinado pelo R. AA sob o carimbo do Banco réu (quesito 67º).

77. Na mesma data de 30-05-05, o réu AA deslocou-se às instalações da A. aconselhando o Padre CC a comprar novos títulos de bolsa, nomeadamente, obrigações (quesito 68º).

78. […] que disse serem mais fiáveis e seguras (quesito 69º).

79. Afirmando que esses títulos iriam ser, de imediato, depositados na conta Títulos no R. BB-B..., adstrita à conta referida em 3 a) (quesito 70º).

80. Para pagamento desses títulos, o R. AA pediu ao mesmo sacerdote que lhe passasse um cheque de 1.000.000,00€ sobre a dita conta (quesito 71º).

81. […] o que aconteceu em 30-05-05, com a emissão do cheque nº ------------- sobre aquela conta bancária, passado em nome da própria A. (quesito 72º).

82. Invocando maior comodidade e rapidez no pagamento dos títulos à corretora e na colocação dos mesmos no dossiê/títulos do Ré BB-B..., o réu AA pediu ao Padre CC que endossasse o cheque apondo-lhe no verso o carimbo e assinatura (quesito 73º).

83. […] o que aquele outro fez (quesito 74º).

84. Em vez de entregar o cheque no R. BB-B..., o R. AA foi depositá-lo em conta bancária titulada pelo R. AA (quesito 75º).

85. Esse cheque foi levado à compensação em 31-05-2005 (quesito 76).

86. Em 19-05-2005, o Padre CC entregou ao R. AA para este levar para o R. BB-B..., para depósito da conta da autora referida em 3 a), o cheque n.º -------------- sobre o FF- Banco... SA, no valor de 50.000,00€ (quesito 77º).

87. Esse cheque havia sido emitido em Fátima, no dia 16-05-2005, sobre a conta nº ---------- de que é titular a “Delegação Portuguesa do Instituto Missionário da Consolata – Hotel Pax” (quesito 78º).

88. O mesmo foi passado à ordem da autora (quesito 79º).

89. E pela mesma foi endossado em branco (quesito 80º).

90. Tendo sido entregue ao R. AA para aplicação na compra de “Obrigações da Caixa do BB-B...” (quesito 81º).

91. Com essa entrega e em simultâneo, foi preenchida por aquele R. e dada ao Padre CC , para assinar, a ordem de compra desses títulos (quesito 82º).

92. O documento que o réu AA assinou também no lugar reservado ao R. BB-Banco ..., SA (quesito 83º).

93. O réu AA não depositou o cheque na conta da A. nem comprou os títulos, antes se apropriando do valor do mesmo cheque, que foi depositado numa conta titulada em nome do R. AA (quesito 84º).

94. Tendo o cheque ido à compensação no dia 20-05-05 (quesito 85º).

95. Em 09-06-2005, o Padre CC entregou ao R. AA, para este levar para depósito na conta da A. referida em 3 a), o cheque nº ---------------- do DD-Banco M..., no valor de 50.000,00€ (quesito 86º).

96. […] o qual foi emitido em Fátima, em 08-06-2005, sobre a conta ---------- de que é titular “Missões Consolata – Artigos Religiosos” (quesito 87º).

97. O cheque foi emitido à ordem da A. (quesito 88º).

98. Tendo sido depositado pelo R. AA no EE-Banco ..., em conta titulada pelo R. AA (quesito 89º).

99. […] e ido à Compensação em 16-06-05 (quesito 90º).

100. Em 09-06-2005, o Padre CC entregou ao R. AA, para este levar para depósito na conta da A. referida em 3 a) o cheque nº ------- do “M... G...”, no valor de 50.000,00€ (quesito 91º).

101. Esse cheque foi emitido em Fátima, em 08-06-2005, sobre a conta nº ---------- de que é titular “Missões Consolata – Artigos Religiosos” (quesito 92º).

102. […] à ordem da autora (quesito 93º).

103. O cheque foi depositado pelo R. AA no EE-Banco ..., em conta por si titulada (quesito 94º).

104. Tendo ido à Compensação em 16-06-05 (quesito 95º).

105. Na mesma data de 09-06-2005, foi entregue ao R. AA a quantia de 100.000,00€ em numerário, para depósito na conta da A. no réu BB-B... (quesito 96º).

106. Tendo o R. AA preenchido e rubricado o respectivo talão de depósito (quesito 97º).

107. O R. AA não fez esse depósito, ficando com o respectivo valor (quesito 98º).

108. Em 06-07-2005, o Padre CC entregou ao R. AA, para este levar para depósito na conta da A. referida em 3 a), o cheque nº --------- do DD-Banco M..., no valor de 50.000,00€ (quesito 99º).

109. Esse valor era destinado à aquisição de “Títulos Obrigacionais de Caixa BB-B...” (quesito 100º).

110. Tendo o cheque sido emitido em Fátima, em 06-07-2005, a favor da A. sobre a conta nº ---------- de que é titular “Missões Consolata - Artigos Religiosos” (quesito 101º).

111. Com referência a esse cheque, o R. AA preencheu pelo seu punho e entregou à A. o talão de depósito nº 3809 em impresso do réu BB-B... (quesito 102º).

112. O R. AA não depositou o cheque na conta da A, no réu, nem comprou os títulos, tendo ficado com o respectivo montante (quesito 103º).

113. Vindo o cheque a ser depositado no Banco FF-B... SA em 08-07-2005 em conta titulada pelo réu AA (quesito 104º).

114. E tendo ido à Compensação em 11-07-2005 (quesito 105º).

115. Em 18-08-2005, o Padre CC entregou ao R. AA, para este levar para depósito na conta da A. referida em 3. a), o cheque nº ------- do DD-Banco M..., no valor de 50.000,00€ (quesito 106º).

116. Esse cheque foi emitido em Fátima, no dia 17-08-05, à ordem da A., sobre a conta nº ----------de que é titular a Missões Consolata – Artigos Religiosos (quesito 107º).

117. Na mesma data, o P. CC entregou ao R. AA para este levar para depósito na conta da A. referida em 3. a), o cheque nº ---------do Montepio Geral, no valor de 50.000,00€ (quesito 108º).

118. Esse cheque foi emitido em Fátima em 17-08-05, à ordem da A. sobre a conta no ---------- de que é titular Missões “Consolata- Artigos Religiosos” (quesito 109º).

119. Desses dois cheques, o R. AA fez pelo seu punho o talão de depósito com o nº 3814, em impresso do réu BB-B..., que entregou à autora (quesito 110º).

120. Tendo aposto a sua rubrica no talão de depósito (quesito 111º).

121. O cheque nº -------------- do DD-Banco M..., o cheque nº --------- do M... G..., os cheque n.º ------- e --------- do DD-Banco M..., e o cheque n.º ---------- do M.... G... foram endossados em branco no verso pela A. (quesito 112º).

122. […] para serem depois completados pelo Banco com o seu carimbo e o número de conta do cliente/beneficiário (quesito 113º).

123. A autora tinha depositado em conta à ordem sua no GG-Banco ..., Títulos de Obrigações que entretanto se venceram (quesito 115º).

124. […] tendo ficado na mesma conta a quantia de 500.000,00€ (quesito 116º).

125. Sabendo disto, o R. AA aconselhou o Padre CC a transferir aquele dinheiro para o Réu BB-B... SA e investi-lo na compra de “obrigações de caixa” (quesito 117º).

126. Dizendo que esse títulos tinham melhor taxa de juro e eram mais seguros (quesito 118º).

127. Em deslocações às instalações da A., o R. AA recebeu o cheque n.º ----------, sobre a conta nº -------------- de que a A. é titular no GG, no valor de 500.000,00€ (quesito 119º).

128. Esse cheque foi emitido em 05-04-2005, à ordem da própria A. para ser depositado na conta desta referida em 3. a) supra (quesito 120º).

129. Com referência a este cheque, o R. AA preencheu pelo seu punho um talão de depósito da mesma data e rubricou-o no espaço destinado ao R. BB-B... SA (quesito 121º).

130. Este cheque foi creditado na conta da A. referida em 3. a), em 05-04-2005 (quesito 122º).

131. Em 20-04-05, o R. AA argumentando ter de realizar de imediato a compra das ditas “obrigações de caixa”, apresentou-se nos serviços da A. para levar o valor inscrito naquele cheque (quesito 123º).

132. Tendo recebido do Padre CC o cheque n.º -----------, sacado por este, na mesma data, sobre a conta da autora supra referida, no valor de 500.000,00€ (quesito 124º).

133. A A. passou esse cheque à sua ordem (quesito 125º).

134. Tendo o R. AA pedido ao Padre CC que assinasse no verso e apusesse o carimbo da A. (quesito 126º).

135. […] dizendo que tal facilitaria uma mais rápida concretização da operação de compra dos títulos “obrigações de caixa” (quesito 127º).

136. O que o Padre CC fez (quesito 128º).

137. Em vez de ser entregue no réu BB-B... SA, o cheque foi depositado, na mesma data em que foi emitido, no Banco FF- SA, em conta titulada pelo R. AA (quesito 129º).

138. Tendo ido à Compensação em 21-05-05 (quesito 130º).

139. Em 15-07-2005, o R. AA deslocou-se à residência do Padre CC (quesito 131º).

140. Nessa ocasião, propôs ao Padre CC a liquidação antecipada dos seguintes depósitos a prazo da conta referida supra em 3. b):nº -------------, no valor de 101.518,22€; nº ------------, no valor de 101.788,88€; nº ------------, no valor de € 18.372,70 (quesito132º).

141. O R. AA argumentou que seria melhor investir esses valores em “títulos de obrigações” por serem mais rentáveis e seguros (quesito 133º).

142. O sacerdote anuiu, assinando a ordem respectiva (quesito 134º).

143. A qual foi dada em formulário do réu BB-B... SA, que o Réu AA levou já manuscrito e preenchido por si próprio (quesito 135º).

144. O R. AA deu ao Padre CC para assinar, certificando, em nome do R. BB-B... SA. essa assinatura com a sua rubrica (quesito 136º).

145. No mesmo dia, 15-07-05, foram levados a crédito da conta bancária aquelas liquidações antecipadas (quesito 137º).

146. O R. AA já levava preenchida por si próprio uma ordem de transferência da quantia de 250.000,00€ da conta referida em 3. b), para a conta referida em 3. a) (quesito 138º).

147. […] e apresentou ao Padre CC essa ordem, que aquele assinou (quesito 139º).

148. Essa ordem tinha em vista provisionar a conta da A. referida em 3. a) e daí emitir um cheque para a compra e pagamento dos títulos (quesito 140º).

149. O R. AA validou com a sua rubrica e carimbo do Réu BB-B... SA, a assinatura da A. nessa ordem de transferência e levou-a para o R. BB-B... SA (quesito 141º).

150. Nessa mesma data, foi debitada na conta da A. essa transferência (quesito 142º).

151. […] tendo entrado, na mesma data, na conta referida em 3.a) os 250.000,00€ (quesito 143º).

152. O R. AA disse ao Padre CC que havia necessidade de emitir logo em 15-07-05 e em simultâneo com a ordem de pagamento, um cheque do mesmo valor (quesito 144º).

153. […] tendo o Padre CC emitido o cheque n.º --------- sobre a mesma conta, no valor de 250.000,00€ (quesito 145º).

154. […] o que fez à ordem da própria A. (quesito 146º).

155. Então o R. AA pediu àquele sacerdote que assinasse o verso do cheque e pusesse o carimbo da A., dizendo ser assim mais rápida e fácil a concretização da compra e pagamento dos títulos (quesito 147º).

156. O R. AA desviou o cheque e foi depositá-lo no FF-Banco ... SA, numa conta por si titulada (quesito 148º).

157. O cheque foi levado à Compensação em 19-07-05 (quesito 149º).

158. Instado várias vezes para que entregasse à A. os extractos da conta de títulos, o R. AA respondia sempre que estava tudo em conformidade e que os títulos estavam nas contas de títulos do réu BB-B... SA em nome da A. (quesito 150º).

159. E que estavam a render bem (quesito 151º).

160. Pressionado para que entregasse os extractos, o R. AA entregou à A., em 18-11-2004, em 31-03-05 e em 07-07-2005 quatro extractos emitidos em papel sem carimbo do réu BB-B... SA (quesito 152º).

161. Esses extractos são falsos (quesito 153º).

162. Em 07-09-2005, a A. foi visitada por dois empregados do BB-B... SA, que queriam saber se aquela estaria zangada com o Banco, uma vez que estava a levantar os depósitos (quesito 155º).

163. Esses empregados nada mais disseram (quesito 156º).

164. Tendo-lhes sido dito que a A. continuava a manter a confiança no réu BB-B... SA (quesito 157º).

165. Nunca antes havia ocorrido qualquer contacto com o Padre CC por parte de outros empregados do réu BB-B..., além do réu AA (quesito 158º).

166. O Padre CC convocou o R. AA para esclarecer o que se estaria a passar (quesito 159º).

167. No dia 14-09-05, em conversa entre ambos, o R. AA disse ao P. CC que estava “desesperado e perdido” pois havia desviado os valores que a A. lhe entregara (quesito 160º).

168. […] gastando-os na Bolsa, em operações de alto risco que havia feito por sua conta e em seu nome (quesito 161º).

169. O mesmo afirmou ainda que eram falsos os extractos que havia entregue à autora (quesito 162º).

170. Foi marcado um encontro entre o Padre CC e os responsáveis da agência do réu de Loureira (quesito 164º).

171. Ao qual compareceram HH, II e JJ e ainda MM, que confirmaram que o R. AA havia saído do réu BB-B... SA (quesito 165º).

172. Nos últimos meses o réu BB-B... SA havia nomeado outro gestor de conta à autora (quesito 166º) (redacção dada pelo Tribunal da Relação no âmbito de recurso sobre a matéria de facto)

173. Esse outro gestor de conta nunca contactou a A., nem se lhe apresentou para promover negócios e assisti-la (quesito 167º).

174. No período em causa nunca algum empregado do réu BB-B... SA contactou a autora para confirmar, antes do pagamento, a autenticidade dos cheques de maior valor e a legitimidade de quem os apresentou à cobrança (quesito 168º).

175. [Não provado por decisão do Tribunal da Relação no âmbito de recurso de impugnação da matéria de facto](quesito 169º).

176. Nas atribuições dos gestores de conta do réu BB-B... SA não se incluía o aconselhamento e realização de operações de compra e/ou venda de títulos, em Bolsa (quesito 171º).

177. O Réu BB-B... SA tinha e tem serviços especializados nessas áreas, para onde os clientes que o desejem fazer são encaminhados (quesito 172º).

178. Quando o R. AA foi admitido ao serviço do réu BB-B... SA, o mesmo transitou do Banco BPI SA, onde era igualmente empregado (quesito 173º).

179. A autora era cliente do FF-Banco B... SA e tinha no mesmo Banco, o R. AA como seu gestor de cliente (quesito 174º).

180. O R. AA convenceu a autora a abrir, pelo menos, duas contas bancárias no réu BB-B..., SA (quesito 176º).

181. Quando o R. AA passou a exercer funções em diferente empresa do grupo do réu BB-B... SA – foi nomeado outro gestor de conta à autora (quesito 181º). (Resposta dada pelo Tribunal da Relação no âmbito do recurso de impugnação da matéria de facto).

Apreciando:

13. Suscitam-se nestes autos 3 questões:

- Saber se o réu BB-B... é responsável, enquanto comitente nos termos do artigo 500.º do Código Civil, pelos actos ilícitos praticados pelo seu trabalhador, o réu AA, que, exercendo abusivamente a sua actividade de gestor de conta da autora, a lesou na quantia de 3.584.119,00€.

- Saber se a autora incorreu em actuação culposa por se considerar que não agiu com a diligência que lhe era exigível no controlo das suas contas e aplicações financeiras, permitindo, pela sua omissão, que os actos ilícitos praticados pelo réu AA tenham perdurando durante tanto tempo, atingindo-se , assim, um prejuízo tão elevado, impondo-se, nos termos do artigo 570.º do Código Civil, uma graduação da culpa a fixar, no entender do réu BB-B..., em 75% para a autora e 25% para o réu.

- Saber se a carta enviada pela A. ao BB-B... em 5-4-2006 (doc. n.º31 a fls. 170, facto supra 8) constitui acto interpelativo nos termos do artigo 805.º/1 do Código Civil, impondo-se, assim, que os juros de mora, no mínimo, sejam contados desde essa data, mas devendo, no entanto, em rigor, por força do disposto no artigo 805.º/2, alínea b) do Código Civil serem considerados desde a ocorrência de cada um dos actos ilícitos praticados pelo réu AA.

14. Vejamos então a primeira questão.

15. O artigo 500.º do Código Civil prescreve nos nºs 1 e 2 o seguinte:

1- Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.

2- A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.

16. A responsabilidade do BB-B... é uma responsabilidade objectiva porque se lhe impõe a obrigação de indemnizar em solidariedade com o seu comissário independentemente de culpa.

17. A responsabilidade que aqui está em causa é uma responsabilidade extracontratual visto que a autora não contratou com o BB-B... a aplicação financeira dos valores que tinha depositado nas referidas contas, constituindo-se a ré, por via desse acordo, na obrigação de prestar o serviço contratado, traduzindo-se a actuação do seu empregado numa actuação própria de auxiliar a que alude o artigo 800.º do Código Civil. Nesse caso, o BB-B... seria responsável como devedor perante a autora pelos actos das pessoas que utilizou para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor. Ou seja, se, no cumprimento da referida obrigação, o réu AA desviasse em seu proveito tais quantias, a responsabilidade do BB-B... seria uma responsabilidade (subjectiva) própria e não a responsabilidade (objectiva) que se impõe ao comitente em razão da actuação ilícita do seu comissário.

18. Com efeito, um dos pressupostos que delimita o âmbito de aplicação do artigo 800.º do Código Civil em face do artigo 500.º do Código Civil é o da norma de imputação daquele preceito se inserir no âmbito da responsabilidade contratual, pressupondo-se “ uma relação obrigacional específica entre credor e devedor enquanto o segundo vigora no domínio da responsabilidade extracontratual” (veja-se “A Imputação Objectiva na Responsabilidade Contratual, Maria Victoria R.F. da Rocha, Revista de Direito e Economia, Ano XV, 1989, pág. 31-103, designadamente páginas 82/99; veja-se também o Ac. do S.T.J. de 24-2-2011 - Lázaro Faria - C.J.,1, pág. 93 em que se considera haver, no caso, relação contratual entre os lesados e a instituição encarregada de proceder à aplicação financeira das quantias nela entregues para essa finalidade, desviadas pelo empregado que as recebia).

19. No caso em apreço, a autora não contratou com o BB-B... , instituição onde o réu AA trabalhava; foi este que por sua iniciativa ( ver 7, 10), dada a sua qualidade de gestor de conta da A e afirmando-se profundo conhecedor do mercado de títulos (ver 2, 6 e 12), lhe propôs proceder à aplicação financeira das quantias que a A. tinha em depósito (ver 7), assegurando ser sua missão profissional no BB-B... deslocar-se às instalações da A. tendo em vista receber valores para depósito, propor operações de bolsa, cobrar assinaturas em documentos (ver 15, 16, 17, 18 e 21) aceitando a A. tais procedimentos por ser o réu AA empregado do BB-B... e gestor de conta da A. ( ver 39).

20. Por isso, afigura-se-nos, atentos os factos provados, que o caso em apreço é subsumível ao disposto no artigo 500.º do Código Civil, entendimento que instâncias e partes seguiram sendo certo que não se provaram os factos ( ver resposta “não provado” aos quesitos 177, 178, 179 e 180) dos quais se poderia procurar extrair a ideia de que a autora contratara com o réu em função das suas aptidões pessoais e não em função da actividade que desempenhava junto da instituição de crédito.

21. O réu AA serviu-se, com efeito, de um estratagema criminoso - ele foi condenado por sentença de 25-7-2008, transitada em julgado em 15-9-2008 na pena de 4 anos e seis meses de prisão suspensa por igual período de tempo, designadamente pelos crimes de burla qualificada na forma continuada e falsificação de documento (ver fls. 419. e segs. do III Volume dos presentes autos) - que levou a A a confiar-lhe os valores depositados tendo em vista aplicações financeiras a efectuar pelo réu com os cheques emitidos ao portador que a A. lhe entregava e cujos títulos, assim adquiridos, seriam depositados em conta de títulos da autora adstrita à conta de DO referida em 3a) ( ver 79).

22. O réu AA agiu, pois, como comissário do BB-B... assente que “ a comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este. Só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. É o caso do criado em face do patrão, do operário ou do empregado em relação à entidade patronal, do mandatário quanto ao mandante ou do motorista perante o dono do veículo” (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I; 4ª edição, pág. 508). Não se duvida, atentos os factos provados, que o réu AA era empregado do BB-B...: ver 1, 2, 178, 181 supra.

23. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.

24. O réu AA invocou a sua qualidade de gestor de conta para conseguir a confiança da autora, levando-a, assim, ao convencimento de que estaria no âmbito das funções daquele o aconselhamento e realização das operações de compra e/ ou venda de títulos em bolsa, o que efectivamente não era verdade (ver 176).

25. O réu nunca referiu que as suas atribuições de gestor de conta eram outras, tendo inculcado que era profundo conhecedor do mercado de títulos (12 supra).E pela referência à existência no BB-B... de um serviço de apoio ao cliente, especializado e seguro ( ver 14 supra) e ainda pela menção de que havia sido promovido dentro do réu BB-B... dada a sua especial aptidão para as operações de bolsa e títulos (ver 61 supra) tendo passado a assumir , em acumulação com as funções que já tinha as de responsável pelo novo departamento do BB-B... denominado “F...”, departamento vocacionado para operações com títulos e a funcionar fisicamente dentro das instalações da agência da Loureira ( ver 62 e 63), evidencia-se que houve por parte do réu AA um exercício abusivo da função que lhe foi confiada cujo conhecimento foi escamoteado intencionalmente à autora com o objectivo conseguido de a burlar num processo continuado que se arrastou durante algum tempo.

26. Ora, como se vê, o BB-B... desenvolvia, no âmbito da sua actividade bancária, operações de investimento em aplicações financeiras dos valores detidos pelos seus clientes, dispondo de serviços especializados nas áreas de operações de compra e/ou venda de títulos, em bolsa (ver 14, 176 e 177 supra) e, por conseguinte, o abuso de funções do gestor exerce-se dentro dum quadro funcional da actividade prosseguida pela instituição bancária, criando, por conseguinte, a convicção no lesado de que o preposto está a agir no exercício da função que lhe foi confiada por não existir razão alguma que permita supor o contrário. Há, como refere, Sofia Galvão “ uma aparência social que leva a confiar que a actuação do comissário se desenrola por conta e sob a autoridade do comitente” (Reflexões acerca da Responsabilidade do Comitente no Direito Civil Português, edição da AFDL, 1990, pág. 126). Dessa aparência resulta “a presunção de que o empregado bancário se conduz no âmbito dos poderes, não sendo comum, nem exigível, que os clientes os confiram” (cf.ainda Ac. do S.T.J. de 2-3-1999 - Pinto Monteiro - C.J., Ano VII, Tomo I, pág. 127 e Ac. do S.T.J. de 25-10-2007 - Salreta Pereira - C.J., 3, pág. 116, revista n.º 3034/07 - 6ª secção).

27. Nem se compreende que as coisas não sejam assim, uma vez aceite que as relações entre as pessoas se pautam pela boa fé. Não é de supor que as instituições de crédito não actuem com rigor no exercício das suas actividades nem que os seus funcionários se aproveitem das suas funções e do conhecimento que delas lhes advém para burlarem aqueles que lhes confiaram os seus haveres.

28. Sublinhe-se que o preposto, gestor da conta da autora, tinha acesso e conhecimento das contas de depósito a prazo e à ordem da autora. As instituições de crédito quando confiam aos seus empregados determinadas funções, facultando-lhes o conhecimento da situação patrimonial dos clientes, que está garantida pelo segredo bancário, possibilitam elas próprias ao preposto a oportunidade de se aproveitar desse conhecimento e de praticar actos ilícitos - por via do abuso das suas funções - susceptíveis de causar danos àqueles que confiaram na instituição bancária.

29. Por isso, quando o preposto se aproveita das facilidades que as suas funções lhe proporcionam para praticar o facto danoso, ainda que no seu próprio interesse ou de terceiro, ademais inserindo-se o abuso de funções dentro do quadro geral de actividades que o comitente exerce, deve entender-se que existe a relação adequada de que fala Antunes Varela que sintetiza o seu pensamento desta forma: “ por outras palavras: deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontra num posição especialmente adequada à prática de tal facto”(loc. cit., pág. 509).

30. Dá-se, pois, de acordo com este ensinamento, segundo cremos, o alargamento do âmbito do exercício de funções àquelas situações em que, agindo embora o preposto fora do estrito quadro de funções que lhe foram confiadas ( in casu, como já se disse, as operações realizadas pelo gestor de conta não fazem parte das atribuições do gestor de conta: ver 176 supra) não deixa de se verificar uma conexão adequada entre os factos ilícitos praticados e a actividade que o comissário desempenhava na instituição de crédito (cf. Ac. do S.T.J. de 15-1-1992 - Cabral de Andrade - B.M.J. 413-496

31. No plano do ónus da prova cumpre ao lesado o ónus de provar que o comissário agiu no exercício da função que lhe foi confiada, nos termos anteriormente indicados, cumprindo ao comitente provar o facto impeditivo que é o do conhecimento do lesado de que o preposto está a agir num quadro de exercício abusivo das funções (artigo 342.º /1 e 2 do Código Civil).

32. Responde-se, pois, afirmativamente à primeira questão.

33. Vejamos a segunda questão.

34. O Tribunal da Relação considerou o seguinte:

Lida a matéria de facto, não pode deixar de impressionar que tendo os factos perdurado por cerca de um ano, período durante o qual a Autora, através do P. CC, múltiplas vezes entregou ao AA dinheiro em numerário e cheques (alguns deles emitidos ao portador!) e ordenou-lhe que efectuasse operações financeiras, tenha aceite como normal não receber informação oficial do Banco sobre o estado das suas contas, movimentos efectuados e das operações financeiras.

Mais, quando o AA em resposta à solicitação da A. para lhe fornecer os extractos lhe faz entrega de uns papéis sem carimbo do Banco, em três ocasiões, a Autora conforma-se.

Afigura-se-nos não ter a Autora agido com a diligência que lhe era exigível no controlo das suas contas e das aplicações financeiras e essa falta de cuidado permitiu que os actos ilícitos praticados pelo AA tenham perdurado por tanto tempo e que o prejuízo atingisse um valor tão elevado.

Mas também há clara responsabilidade do Réu na medida em que assistiu sem reacção, salvo o envio de dois funcionários à Autora em Setembro de 2005, aos sucessivos levantamentos e transferências das contas da Autora.

35. O preceito que está em causa é o artigo 570.º do Código Civil que no n.º 1 diz:

1- Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

36. A este propósito o primeiro aspecto que cumpre salientar é que, no caso, a haver concorrência, ela dá-se entre dolo e culpa.

37. Vaz Serra refere o seguinte:

Afirma-se que, se o dolo for do prejudicado não pode este exigir indemnização ao agente simultaneamente culposo; se o dolo for do causador do dano, a culpa do prejudicado pode ou não, consoante a sua gravidade, ser tida em conta, visto que aquele dolo não basta para esta culpa ser havida por inexistente […]

Quando o responsável procedeu com dolo, parece que a simples culpa do prejudicado não deve, pelo menos em regra, ter influência. Aquele procedimento é muito mais grave do que este e, por exemplo, se A. roubou uma coisa pertencente a B, não pode a indemnização ser reduzida só porque B não guardou devidamente essa coisa. Mas há casos em que a culpa do prejudicado parece dever ser tida em consideração: o facto de A ter causado dolosamente um dano a B, não exime este do dever de adoptar as medidas exigíveis para reduzir o mesmo dano ou até para o suprimir […]. Cabe ao juiz ponderar a gravidade das respectivas culpas, para decidir se deve reduzir a indemnização, não a reduzir ou afastá-la.

A conclusão parece dever ser que não podem estabelecer-se , a este propósito, normas rígidas.

A culpa do prejudicado pode consistir em acção ( v.g. colocando-se em situação de se expor ao dano) ou em omissão (v.g. recusando-se a praticar os actos com que reduziria o dano) (Conculpabilidade do Prejudicado, B.M.J., 86, Maio de 1959, pág. 138/140).

38. Antunes Varela, a propósito da possibilidade de concorrência do dolo com a culpa, salienta que

O Código de 1966 preferiu adoptar no artigo 570.º uma fórmula mais flexível que tem a vantagem não despicienda de cobrir não só as hipóteses mais correntes de concurso da negligência do lesado com a negligência do lesante, mas também os casos mais controvertidos na doutrina anterior, que eram os da concorrência do dolo de um dos lados com a negligência do outro (ver Revista de legislação e de Jurisprudência, 102.º Ano, 1969/1970, pág. 57).

39. Tenha-se também em atenção que “ a culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como directamente aos danos provenientes desse facto. Falando no concurso do facto culposo para a produção dos danos ou para o agravamento deles, a lei pretende sem dúvida abranger os dois tipos de situações” (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 4º edição, pág. 588 em anotação ao artigo 570.º do Código Civil).

40. Do exposto decorre que, no caso de concorrência de dolo com culpa, em regra a indemnização não deve ser reduzida e, a ponderar a admissibilidade da concorrência, esta deve essencialmente ter em vista os actos do lesado que não obstem ao agravamento dos danos.

41. No caso vertente a censura que se dirigiu ao lesado radicou-se em três pontos: (a) não se ter surpreendido a A. pelo facto de não receber informação oficial do BB-B... sobre o estado das suas contas, movimentos efectuados e operações financeiras; (b) conformar-se a A. com os extractos que lhe foram entregues; (c) não ter procedido ao controlo das suas contas e aplicações financeiras.

42. Responsabiliza-se, portanto, a autora por não se ter apercebido a tempo e horas da burla de que foi vítima. Ora isso sucedeu precisamente porque o estratagema da burla resultou e, no caso vertente, importa salientar que, iniciado o processo de burla continuada em Julho de 2004, em Agosto de 2004 o réu AA incrementou o processo ardiloso, destinado a intensificar a confiança obtida, referindo que fora promovido no BB-B... passando a acumular as suas funções com as de responsável pelo novo departamento do BB-B... denominado “F...” ( ver 61 a 63).

43. Nesse mesmo ano de 2004, pressionado para entregar os extractos, procedeu à sua entrega em 18-11-2004 e ainda em 31-3-2005 e 7-7-2005 (ver 160). Tais extractos eram falsos ( 161).

44. Não estamos, portanto, diante de uma situação em que o réu enganou o autor num determinado momento, passando-se meses de inactividade para, sem mais, prosseguir a sua actuação criminosa.

45. Desde logo por esta razão seria este um caso em que se impunha desconsiderar a actuação da vítima face à grave conduta do lesante.

46. O crime de burla implica a “colaboração” do burlado. Esta “ colaboração” exprime-se, na letra do artigo 217.º do Código Penal, na intenção do agente do crime em “ por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial”.

47. A colaboração da vítima obtida pelo estratagema engendrado pelo agente do crime faz, pois, parte do tipo de crime. Ora se uma tal colaboração, que tanto se pode traduzir em comportamentos activos como omissivos, não é mais do que o resultado de um processo enganador provocado pelo agente do crime, a sua causa está no facto culposo ilícito do agente deste e não em facto culposo do lesado que não tem o domínio ou a consciência do erro.

48. E também no plano do agravamento dos danos não se suscita aqui nenhuma culpa do lesado. Se A. incendeia material que B. tem no seu logradouro e B. nada faz deixando propagar o fogo ao imóvel, é bem certo que houve uma conduta omissiva culposa de B concorrendo para o agravamento dos danos. No entanto, no caso vertente, se o autor se apercebesse da burla que o vitimou e prosseguisse as operações financeiras com o comissário, o caso não seria de agravamento dos danos, mas de consentimento do autor nas aplicações do capital, matéria que, a partir desse momento, deixaria de constituir ilícito penal e mesmo ilícito civil.

49. De um modo singelo dir-se-á que o burlado tem direito à restituição do produto do crime ou à indemnização correspondente ao prejuízo sofrido, não fazendo sentido que o agente do crime, pelo facto de o burlado não se ter apercebido da burla, passe, por isso, a dispor do direito a reter parte ou a totalidade do produto do crime.

50. É que o confronto de comportamentos culposos foi perspectivado entre a conduta do lesado e a do comitente quando, a fazer-se o confronto entre comissário e lesado ( o comitente apenas responde na medida da culpa do comissário), como se impunha, evidenciar-se-ia a incompreensão de o agente do crime poder beneficiar da sua actividade criminosa à custa da própria vítima.

51. Há, pois, que responder negativamente à segunda questão.

52. A última questão prende-se com o momento em que os juros são devidos à autora.

53. O valor que a A. reclama resulta do somatório das várias operações em que se consumou o crime de burla continuada. Ora prescreve o artigo 805.º/2, alínea b) que há mora do devedor , independentemente de interpelação “ se a obrigação provier de facto ilícito”. É o caso. Reclamando a A. juros desde 5-4-2006 por via da carta que dirigiu ao BB-B... reclamando essa quantia em momento ulterior ao da ocorrência dos factos criminosos, há que atender a este momento face ao disposto no artigo 661.º/1 do C.P.C.

Concluindo:

I- O trabalhador de instituição de crédito, gestor de contas, que se aproveita do conhecimento que advém das suas funções na instituição de crédito para contactar o cliente das contas de que é o gestor com o pretexto falso de lhe possibilitar a aplicação financeira de valores em depósito e que desvia em seu proveito pessoal os valores do cliente num montante de 3.584.199,00€, incorre em acto ilícito criminal e com ele responde solidariamente a instituição de crédito nos termos do artigo 500.º/1 e 2 do Código Civil.

II- A circunstância de, nas atribuições conferidas pela instituição de crédito ao seu gestor, não figurar o aconselhamento e realização de operações de compra e/ou venda de títulos, em Bolsa, actividade prosseguida por essa instituição, não afasta o entendimento de que o gestor actuou no exercício da função que lhe foi confiada (artigo 500.º/2 do Código Civil) uma vez constatada a especial e adequada conexão entre os actos ilícitos praticados ( burla e falsificação de extractos bancários tendo em vista levar a vítima a libertar depósitos para supostas aplicações financeiras) e a posição do comissário no quadro funcional dessa instituição bancária.

III- Cumpre ao lesado o ónus de provar que o comissário agiu no exercício da função que lhe foi confiada, nos termos anteriormente indicados, cumprindo ao comitente provar o facto impeditivo que é o do conhecimento do lesado de que o preposto está a agir num quadro de exercício abusivo das funções (artigo 342.º /1 e 2 do Código Civil).

IV- Não deve ser considerado culposo o comportamento, por acção ou por omissão, da vítima de burla e de falsificação de documentos que resultou do estratagema engendrado pelo agente do crime que astuciosamente determinou o erro ou engano que levou a esse comportamento e, por isso, não pode ser sancionada a vítima, considerando-a culpada em concorrência com o agente do crime nos termos do artigo 570.º do Código Civil.

V- No que respeita ao pedido de pagamento das quantias de que a vítima foi burlada, rege o que prescreve, quanto ao momento da constituição em mora, o disposto no artigo 805.º/2, alínea b) do Código Civil, ou seja, há mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação provier de facto ilícito.

Decisão: concede-se a revista à autora e nega-se a revista ao réu BB-B... e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido, condenando-se os réus no pedido.

Custas pelo réu em ambas as instâncias

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Salazar Casanova (Relator)

Fernandes do Vale

Marques Pereira