ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
5622/06.3TVLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SERRA BAPTISTA

DESCRITORES AUDIÇÃO PRÉVIA DAS PARTES
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
CONTRATO DE MERCHANDISING

SUMÁRIO

         1. O princípio do contraditório, quer quanto á decisão de questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido oportunidade de sobre elas se pronunciarem, está expressamente consagrado no art. 3.º, nº 2 do CPC, na vertente proibida da decisão-surpresa.

         Implicando tal preceito a audição das partes antes da prolação das decisões com que, por não corresponderem à normalidade, não tinham o dever de contar.

         Não se confundindo, porém, a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter feito ou à expectativa que possam ter criado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, do Tribunal, a quem tais julgamentos continuam a pertencer em exclusividade. Não se devendo falar de surpresa quando os mesmos devam ser conhecidos como viáveis, como possíveis.

         2. O STJ pode conhecer das insuficiências, inconcludências ou contradições da decisão proferida acerca da matéria de facto se e enquanto tais vícios afectarem ou impossibilitarem a correcta decisão jurídica do pleito. 

         3. O contrato de merchandising pode definir-se como aquele pelo qual uma pessoa proporciona a outra, mediante remuneração, o uso de um direito de propriedade intelectual ou de um direito de personalidade com finalidade promocional diversa da finalidade originário do direito (o merchandising é uma palavra polissémica usada a propósito de técnicas de promoção e de comercialização).

         4. O contrato de arrendamento comercial, celebrado na vigência do RAU, sem escritura pública, é nulo, podendo tal nulidade, que opera ipso jure, insanável pelo decurso do tempo, ser oficiosamente declarada pelo Tribunal.      

         5. Anulado o contrato, cada uma das partes deve restituir o que recebeu. Mas o dever do senhorio de restituir as rendas recebidas deve ser compensado com o pagamento, por banda do inquilino, do valor objectivamente correspondente à utilização do prédio. Devendo o senhorio, se tal for o caso, restituir ao inquilino a soma que exceder tal valor.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

O JARDIM ZOOLÓGICO E DE ACLIMATAÇÃO EM PORTUGAL, S. A., veio intentar acção, com processo ordinário, contra AA e BB, pedindo a sua condenação a:

a) procederem ao levantamento imediato de todas as mercadorias, bens e equipamentos respeitantes à actividade comercial que detenham nas instalações por elas utilizadas junto à instalação dos “k.....” no interior do parque do Jardim Zoológico de Lisboa;

b) entregarem, livres e devolutas de pessoas e bens, as instalações que lhe foram facultadas pela autora para o exercício da sua actividade comercial no interior do parque do Jardim Zoológico de Lisboa;

c) pagarem, a título de indemnização, quantia a liquidar posteriormente, decorrente dos prejuízos causados à autora em virtude de não poder dispor, usar ou usufruir das referidas instalações desde o final do Verão de 2005, com todas as legais consequências.

Alega, para tanto, e em suma:

Em Junho de 1992 celebrou com as rés um contrato denominado “Contrato de Concessão do Exercício de Actividade Comercial de Merchandising k.....s” pelo qual lhes cedeu o direito de exercer a actividade comercial de venda de produtos de “merchandising” alusivos à espécie animal “k.....” no parque do Jardim Zoológico de Lisboa, tendo-lhes facultado, sem qualquer contrapartida, a utilização do espaço existente junto às instalações dos k......

Tal contrato foi celebrado por um prazo inicial de dois anos, prorrogável por sucessivos períodos de um ano, e, em Maio de 2005, comunicou às rés a sua intenção de não renovar o aludido contrato, denunciando-o para o termo do prazo então em curso (30 de Junho de 2005).

As rés não procederam ao levantamento das mercadorias, bens e equipamentos nem entregaram as instalações livres e devolutas, continuando a ali exercer a sua actividade comercial, tendo a autora consentido, após diversas insistências, na permanência das rés no local até ao final do Verão de 2005.

As rés mantêm, porém, a recusa em entregar as instalações à autora e continuam a ali exercer a sua actividade comercial.

Citadas, as rés, contestaram, alegando, também em síntese:

A cedência das instalações feita pela autora para o exercício da actividade comercial das rés tinha como contrapartida o pagamento das quantias fixadas na cláusula sexta do contrato celebrado, pelo que se trata de um verdadeiro contrato de arrendamento para fins de exercício de comércio, não produzindo qualquer efeito a intenção da autora de não renovação do contrato.

Deduziram ainda pedido reconvencional de condenação da autora que viria a ser admitido quanto aos seguintes pedidos:

“a) ser a autora condenada a reconhecer a existência do contrato de arrendamento celebrado entre a autora e as rés por referência ao local sito junto às instalações dos k.....s no Jardim Zoológico de Lisboa denominado “Loja dos k.....””;

“c) ser declarada nula a denúncia operada pela autora do contrato de arrendamento referente à “Loja dos k.....s” sita junto às instalações dos k..... no Jardim Zoológico de Lisboa”;

“f) ser a autora condenada a pagar à segunda ré a quanta de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 2.000,00 pelas despesas decorrentes da acumulação e deterioração de produtos alusivos à “Loja dos k.....” e de € 105.000,00, a título de lucros cessantes, quantias essas acrescidas de juros à taxa legal desde a notificação da autora para contestar e até efectivo pagamento”[1].

Alegando a respeito, ainda em suma, e no que se refere ao pedido reconvencional, para além da caracterização do contrato celebrado em 1992 entre a autora e as rés como de arrendamento comercial, que da actuação da autora, traduzida na deslocação do local de comércio da primeira ré para a “Loja dos k.....”, resultou a descaracterização desta e a sua desconformidade com o projecto comercial da segunda ré, bem como a deterioração dos produtos ali anteriormente comercializados, o que lhe causou prejuízos ao bom nome comercial e prejuízos de ordem patrimonial, incluindo lucros cessantes.

Respondeu a autora, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 195 a 199 consta.

Foi proferida a sentença que, na parcial procedência da acção,

1 - Declarou nulo, por falta de forma, o contrato celebrado entre a autora e as rés em 5 de Junho de 1992;

2 - Condenou as rés a restituir à autora a loja a que os autos aludem;

3 - Condenou as rés a pagar à autora as quantias vencidas e vincendas correspondentes ao valor de uso da referida loja até à data da sua restituição à autora;

4 - Julgou totalmente improcedentes os pedidos reconvencionais.

Inconformadas, vieram as rés interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

De novo irresignadas, vieram pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

            1ª - Em 1992, A. e RR. celebraram um contrato através do qual foram concedidas às RR. as instalações denominadas de ''Loja dos k.....", mediante o pagamento da renda acordada.

                2ª - No caso concreto, os Autos são expressos e não consentem quaisquer dúvidas que, em 1998, por imposição da Autora, mercê de obras realizadas no locado da 1ª Ré (que exercia a sua actividade comercial fora da Loja dos k.....) esta foi realojada na dita loja, passando a exercer ali a sua actividade comercial, locado que passou a estar afecto exclusivamente ao negócio da 1ª Ré. (Facto 16.º)

                3ª - A Autora procedeu ao realojamento da 1ª Ré na Loja dos k....., substituindo-se assim o contrato da Loja dos k..... pelo do Bazar do Zoo, tendo as partes acordado no pagamento unicamente da renda correspondente ao Bazar do Jardim e no montante de Esc. 72.200$00 - (doe. nº 6 junto aos Autos a fIs 72) para o locado dos Autos, pagamento que a 1.ª Ré efectuou e que a A. aceitou.

                4ª - Não obstante não ter sido levado à base instrutória as questões controvertidas, relativas à factualidade descrita e alegada pelas RR., bem como apenas constar da Matéria de Facto assente o ponto 16º relativo a tal questão, essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, estes elementos fácticos encontram-se controvertidos e são essenciais para o desfecho da Acção, tal como foi sempre alegado pelas Rés e este Tribunal de Recurso não pode ignorar.

                5ª - Dispõe o normativo inserto no art.º 729.º, n.º 3, do CPCivil, que o processo pode voltar ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.

                6ª - No caso sub judice é necessariamente deficiente a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto invocados pelas RR. o que prejudica o conhecimento do fundo da questão sub judice.

É que,

                7ª - O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não fez uma correcta apreciação dos factos constantes da decisão da 1.ª Instância, e não conheceu das conclusões 6ª a 15ª de Recurso, porquanto concluiu que "Tal matéria, porque não era objecto do processo, não foi objecto da decisão impugnada" - o que não se aceita.

                8ª - A decisão que recaia sobre a matéria de facto, não produz, antes do eventual controlo pelo Tribunal de recurso, qualquer efeito de caso julgado no processo pendente pelo que depois do seu proferimento não se toma indiscutível nem que os factos considerados não impugnados ou controvertidos o sejam realmente, nem que não existam outros factos que também deveriam ter sido julgados não impugnados ou controvertidos. (cfr. Assento/STJ 14/94 = BMJ 437,35);

                9ª - Considerando-se que a matéria de facto ou de direito não é suficiente para fundamentar e concluir o Acórdão, deverá ser proferida decisão que determine a ampliação da matéria alegada pelas Rés, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, a proferir por este Tribunal, dado existirem factos alegados que permitem o uso da faculdade de reenvio do art.º 729.º n.º 3 do CPC, o que se requer;

Ora,

                10ª- O acordo das partes de realojamento da 1. ª Ré no espaço destinado à Loja dos k....., deve de ser interpretado como que as partes quiseram a continuação e não a suspensão ou extinção do contrato do Bazar do Jardim, dado que a renda que passou a ser paga pelo referido espaço é a que se encontrava fixada para o Bazar do Jardim e que na Loja dos k..... a 1. ª Ré passou a exercer exclusivamente o seu comércio.

                11ª- Facto continuado e que perdurou até à propositura da presente Acção pela Autora, confiada que já não seria possível às Rés reclamar o ressarcimento dos prejuízos causados pela sua actuação abusiva.

                12ª- É possível, pela vontade das partes, fazer-se manter um contrato de arrendamento quando o edifício em que se situa o arrendado é objecto de obras, fazendo depois transitar intacto para um outro espaço o mesmo arrendamento, como no caso dos Autos, realojando-se a inquilina na Loja dos k......

                13ª- Pelo que, não é da validade formal do contrato celebrado em 5 de Junho de 1992 ­intitulado de Concessão de Exercício de Actividade Comercial de Merchandising "k.....", que cumpre apreciar, mas antes do contrato de 1985 que o substituiu.

                14ª- A decisão Recorrida faz assim uma errada determinação e interpretação das normas aplicável aos factos, in casu, o estatuído no Artigo 73º do RAU, o disposto na Lei 2088 de 3 de Junho de 1957, bem como das normas respeitantes à forma do contrato de arrendamento comercial, ou seja o artigo 1029.º do Código Civil, na redacção em vigor em 1985 e o art.º 12/2 do CC.

                15ª- E sempre a 1ª Ré tem direito a uma indemnização igual ao dobro da renda anual em vigor ou, em alternativa à reocupação e indemnização pela suspensão, a receber pela resolução do contrato, uma indemnização igual a dez vezes a renda anual em vigor à data da sentença a proferir - direito que a mesma não prescinde de reclamar por esta via e espera ver reconhecido, sob pena de violação das normas supra invocadas:

Mais,

                16ª- "O Tribunal só é livre na qualificação jurídica dos factos desde que não altere a causa de pedir" - vide Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, 5º, 453);

                17ª- No caso sub judice a Autora não aceita sequer a qualificação do contrato como de arrendamento e tampouco invocou a nulidade do mesmo como causa para o despejo das Rés.

                18ª- O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirma a Sentença da 1ª Instância, ao não ter determinado que as partes se pronunciassem sobre esta questão: nulidade do contrato de arrendamento, decidindo com fundamento não considerado previamente pelas partes é nulo por violação do disposto no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil, constituindo uma verdadeira diminuição das garantias de defesa e de exercício do direito ao contraditório das RR., o que viola também o disposto no art. 20.º da CRP., o que se invoca.

                19ª- Desde 1998 que a 2ª Ré não aufere quaisquer rendimentos do espaço que arrendou nem exerce qualquer actividade ali, mercê da cedência daquele espaço pela A. à 1ª Ré, como o comprovam os recibos emitidos exclusivamente em seu nome, a fls. 72 e segs. dos Autos (facto 16.2);

Ora,

                20ª- Com o realojamento do comércio da 1ª Ré na Loja dos k....., a 2.ª Ré deixou de poder fazer o comércio exclusivo e alusivo aos k....., pelo que, pelos prejuízos determinados pela Autora, reclamou uma indemnização, a que o Tribunal sub judice não atendeu.

                21ª- Da factualidade provada resulta claramente que houve da parte da 2ª Ré um investimento no negócio, o qual foi cerceado com a imposição da deslocação da 1ª Ré para aquele espaço, o que implicou que a 2ª Ré deixasse de exercer o comércio exclusivo e alusivo aos k..... descaracterizando a loja, deixando assim de obter lucros pela venda dos seus produtos naquele espaço, com a consequente deterioração do stock de objectos alusivos aos k..... que a 2ª R, se viu impedida de vender.

                22ª- A decisão recorrida ao não indemnizar as Rés pela cessação da exploração do negócio exclusivo da Loja dos k....., viola o disposto no artigo 566° n° 3 do Código Civil e o nº 2 do artigo 661 º do Código de Processo Civil, já que deveria ter-se socorrido de princípios de equidade ou remetido a quantificação desse valor para execução de sentença.

                23ª- Ao não arbitrar indemnização pela perda de Clientela, pelo mobiliário e bens do espaço comercial, o Acórdão recorrido incorre em erro na aplicação e interpretação dos artigos 483.º, 496°, n° 1, 562.º, 564.º, e 566.º todos do Código Civil e o art.º 661.º n.º 3 do CPC

                24ª- Ora, no caso dos Autos, e quanto à peticionada indemnização pela deterioração do stock de objectos existentes em armazém, há que remeter a fixação do valor da indemnização em liquidação posterior, tal como permitido pelo artigo 661 º nº 2 (conjugado com o artigo 378º) do Código de Processo Civil, a fim de se determinar a espécie e quantidade de bens deteriorados no armazém por virtude da deslocação da 1.ª Ré para as instalações da Loja dos k......

                25ª- O mesmo se diga quanto aos invocados lucros cessantes, face ao facto duradouro e continuado gerador da obrigação de indemnizar: o realojamento de um inquilino simultaneamente no mesmo espaço que outro!

Pelo que,

                26ª- A determinação, em concreto, do valor da indemnização, deve ser relegado para a fase declarativa posterior do incidente de liquidação a que se refere o artigo 378º nº 2 do Código de Processo Civil.

É que,

                27ª- A condenação em liquidação de sentença poderá ocorrer mesmo quando o autor, tendo formulado pedido líquido, não tenha logrado provar, no processo declarativo, o exacto montante do que lhe é devido (no mesmo sentido, também o Acórdão de 2 de Dezembro de 2005, Processo n.º 2850/05; e Acórdão de 28 de Setembro de 2005 (Processo n.º 578/05) deste STJ.

                28ª- A Jurisprudência, amplamente dominante, vai no sentido das transcritas considerações, ou seja, no sentido "de que, mesmo quando o autor formulou pedido líquido, o facto de não ter logrado provar o exacto montante do seu demonstrado direito não obsta à condenação do réu em quantia a liquidar em execução de sentença", o que se alega e requer ver decidido no caso em apreço, sob pena de violação da Lei.

Por fim,

                29ª- A A. intentou os presentes Autos em 31 de Outubro de 2006, peticionando, in fine, (al. c) do Pedido a fls. 10 dos Autos) a condenação das RR. "ao pagamento de uma indemnização, a liquidar pós-sentença, decorrente dos prejuízos objectivamente sofridos pela A, e virtude de não poder dispor, usar e/ou fruir das instalações desde o final do Verão de 2005,"

                30ª- Resultou provado, com relevância para a questão e apreço, que: "Nos termos da cláusula sexta, ponto "UM" ficou acordado que "Como contrapartida do direito para o exercício da actividade comercial de merchandising objecto do presente contrato, as segundas outorgantes (ora rés) pagarão ao primeiro (ora A) no primeiro ano e vigência Esc.: 480.000$00 (quatrocentos e oitenta mil escudos) e no segundo ano Esc. 720.000$00 (setecentos e vinte mil escudos), quantias essas que serão pagas em prestações mensais iguais e sucessivas de Esc.: 40.000$00 (quarenta mil escudos) e Esc.: 60.000$00 (sessenta mil escudos) respectivamente para o primeiro e segundo ano";

                31ª- Consta na fundamentação da decisão recorrida da 1.ª Instância, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa que: " Nos termos do art. 289.º n.º 1, do CC. "Tanto a declaração de nulidade como a anulação do têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Assim sendo, declarado nulo o contrato, não tem a A. que restituir as rendas já recebidas porquanto essas representam o valor do uso da coisa locada (...)" 

                32ª- Na sequência dessa fundamentação, a M. Juiz dos Autos decidiu julgar a Acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condenou as RR.: "3.- A pagar à A. as quantias vencidas e vincendas correspondentes ao valor correspondente ao uso da referida loja até à data da restituição do local à A"

                33ª- O artigo 334º do C. Civ. dispõe que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

                34ª- É ilegítimo o exercício do direito de resolução por parte da A., face ao comportamento que veio sendo adoptado durante o longo período em que se manteve a relação locatícia entre a mesma e a 1.ª Ré;

                35ª- E reconhecer-se, como se faz na decisão sub judice, que a 1ª ré vem legitimamente usufruindo do locado, e, ainda assim, condenar-se ambas as recorrentes ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, é manifestamente contraditório o que não se aceita e a que este Supremo Tribunal de Justiça não pode ser alheio;

                36ª- Contradições das decisões recorridas, tão ou mais incompreensíveis ou injustas, quando as rés nem sequer podem usufruir do locado nos termos em que o mesmo foi contratado, como se contém na matéria de facto provada de 12.º a 18.º;

                37ª- É que, pelo menos, desde Maio de 1998 que o espaço foi cedido pela A. à 1ª ré, que ali passou a exercer o seu comércio exclusivamente, pelo que nunca poderia a 2ª ré ser condenada ao pagamento das rendas pelo espaço que deixou de usufruir por imposição da A.;

                38ª- Pelo que deve a  2ª ré ser absolvida da condenação “no pagamento do valor das quantias vencidas e vincendas correspondentes ao valor correspondente ao uso da referida loja até à data da restituição do local à A., por manifestamente ilegal e atentório dos princípios da boa fé;

                39ª – E sempre, a ser o caso, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, a 1ª ré, tão só, condenada ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, conforme os recibos de fls 72, desde a data da acção até final, sob pena de condenação em valor muito superior ao pedido, o que não se aceita, sob pena de se violar o disposto no art. 661º do CPC, o art. 3º do RAU e o art. 1037º do CC, o que se invoca;

                40ª- Assim requerendo o reconhecimento da validade e da subsistência do contrato de arrendamento celebrado entre A. e as RR, pelo facto de se não terem verificado os pressupostos legalmente exigíveis para o exercício do direito da sua resolução, o direito das RR manterem o locado, ou, caso obtenha provimento a resolução invocada, que se determine o pagamento das rendas pela 1ª ré desde a data do pedido, absolvendo-se a 2ª ré do mesmo, sendo a A. condenada ao pagamento de indemnização a fixar em liquidação de sentença.

                A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

                Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                Vem dado como PROVADO:

1. A autora é uma sociedade comercial que gere o parque denominado Jardim Zoológico de Lisboa – al. A) dos factos assentes.

2. Em 5 de Junho de 1992 a autora celebrou com as rés um acordo escrito denominado "Contrato de concessão do exercício de actividade comercial de merchandising k.....", mediante o qual concedeu às Rés, em regime de exclusividade, o direito a exercer a actividade comercial de venda de produtos de "merchandising" alusivos á espécie animal "K....." no parque designado Jardim Zoológico de Lisboa, na área circunscrita á exposição destes animais, durante o horário de abertura daquele Jardim ao público – als B) e C).

3. Nos termos da cláusula segunda do referido acordo ficou estabelecido que para efeitos do descrito no número anterior a ora autora faculta às ora rés "sem qualquer contrapartida, a utilização do espaço existente junto ás instalações dos K....., a fim de o afectarem á exposição de produtos de "merchandising" e noutros serviços conexos à sua actividade no Jardim”- al. D).

4. Nos termos da cláusula sexta, ponto “um” ficou acordado que "Como contrapartida do direito para o exercício da actividade comercial de merchandising objecto do presente contrato, as segundas outorgantes (ora rés) pagarão ao primeiro (ora autora) no primeiro ano de vigência Esc.: 480.000$00 (quatrocentos e oitenta mil escudos) e no segundo ano Esc. 720.000$00 (setecentos e vinte mil escudos), quantias essas que serão pagas em prestações mensais iguais e sucessivas de Esc.: 40.000$00 (quarenta mil escudos) e Esc.: 60.000$00 (sessenta mil escudos) respectivamente para o primeiro e segundo ano" al. E).

5. O acordo mencionado foi celebrado pelo prazo inicial de dois anos, com início em 1 de Julho de 1992, podendo ser prorrogado por períodos sucessivos de um ano, havendo acordo expresso das partes – al. F)

6. No termo do acordo em causa as rés obrigavam-se a levantar todas as mercadorias e equipamentos respeitantes á sua actividade e a entregar livres e devolutas de pessoas e bens as instalações facultadas – al. G).

7. Mediante carta datada de 23 de Maio de 2005 a autora comunicou às rés "que não é nossa intenção proceder á renovação do contrato de exercício da actividade comercial de merchandising "k....." celebrado com V.Exas em 5 de Junho de 1992, pelo que, o mesmo, é neste momento denunciado, com efeitos para o término do prazo contratual em curso, o qual se verifica no próximo dia 30 de Junho de 2005. Desta forma, nos termos contratuais acordados, V. Exas estão obrigadas a levantar todas as mercadorias, bens e equipamentos respeitantes à Vossa actividade, e a entregar livres e devolutas de pessoas e bens as instalações que lhes foram facultadas até 30/06/2005" – al. H).

 8. Até esta data (30 de Junho de 2005) as rés não levantaram as suas mercadorias, bens e equipamentos respeitantes á sua actividade nem entregaram livres de pessoas e bens as instalações que ocupavam – al. I).

9. Mediante missiva datada de 21 de Julho de 2005 a autora relembrou às rés a carta de 23 de Maio de 2005 e concede novo prazo de 15 dias para entrega das referidas instalações – al. J).

10. Terminado este prazo as rés não entregaram as instalações mencionadas à autora – al. K).

11. As rés continuam a ocupar e a usar as referidas instalações – al. L).

12. A segunda ré acordou nos termos referidos no número 2 (supra) na ideia de que tal acordo serviria de base á constituição de várias lojas temáticas dentro do Jardim Zoológico e referidas aos diversos animais que ali habitam – resposta ao quesito 3.º.

13. A segunda ré decorou o espaço com a imagem dos k....., tendo as paredes sido pintadas com desenhos destes animais e criados expositores e montras para aquele negócio específico – resposta ao quesito 4.º.

14. A segunda ré procurou fabricantes de relógios, canetas, isqueiros, porta-chaves, puzzles, peluches, t-shirts, crachás, capas para a chuva e bonés, a quem contratou para produzirem estes objectos com a imagem dos k..... e a indicação "Loja dos k....." – resposta ao quesito 5.º.

15. A segunda ré adquiriu esses produtos em grande quantidade dada a redução de custos que implicava – resposta ao quesito 6.º.

16. A deslocação da primeira ré para a loja dos k..... em 1998 foi imposta pela autora e implicou que a segunda Ré deixasse de poder fazer o comércio exclusivo e alusivo aos k..... descaracterizando a loja – respostas aos quesitos 7.º e 8.º.

17. Até 1997 a (2ª) Ré obtinha lucros pela venda dos seus produtos naquele espaço – resposta ao quesito 9.º.

18. Deteriorou-se no armazém o stock de objectos alusivos aos k..... que a segunda Ré não conseguiu vender – resposta ao quesito 11.º.

                São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelas recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

As quais, ao que se crê, já que as apresentadas não são, como deviam ser, um resumo do âmbito do recurso e dos seus fundamentos, mas, ao invés, uma teia complexa de razões discordantes da decisão recorrida, se podem sintetizar nas seguintes:

1ª – A da ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito;

2ª – A da correcta interpretação do acordo de realojamento da 1ª ré no espaço destinado à Loja dos k....., como a continuação do contrato do Bazar do Jardim, que perdurou, sendo em relação a este que cumpre apreciar a respectiva validade formal;

3ª – A do direito da 1ª ré a uma indemnização igual ao dobro da renda anual em vigor ou, em alternativa, à reocupação e indemnização pela suspensão, a receber pela resolução do contrato, igual a dez vezes a renda anual em vigor à data da sentença a proferir, que a mesma não prescinde de reclamar por esta via;

4ª – A da nulidade do acórdão recorrido por não ter determinado que as partes se pronunciassem sobre a questão da nulidade do contrato de arrendamento, que assim não havia sido qualificado pelas partes;

5ª – A da devida indemnização da 2ª ré que desde 1998 não aufere quaisquer rendimentos do espaço que arrendou nem ali exerce qualquer actividade, mercê da cedência do mesmo espaço à 1ª ré, deixando aquela de poder fazer o comércio exclusivo e alusivo aos k.....;

6ª – A da devida indemnização das rés pela cessação da exploração do negócio exclusivo na Loja dos k....., a liquidar posteriormente;

7ª – A do abuso de direito por banda da autora;

8ª – A da absolvição da 2ª ré em relação ao “pagamento das quantias vencidas e vincendas correspondentes ao valor correspondente ao uso da referida loja até à data da restituição do local à A.;

9ª – A da condenação da 1ª ré ultra petitum.

A A., invocando o termo de um acordo negocial que as partes designaram como “Contrato de Concessão do Exercício de Actividade Comercial de Merchandising, celebrado em 5 de Junho de 1992 entre ela e as rés, pede a devolução do espaço correspondente, livre do que quer que seja e a condenação das mesmas a pagar-lhe indemnização pela indevida ocupação do espaço desde o final do Verão de 2005.

E, dúvidas parece não restarem, tendo em conta os termos do dito contrato, celebrado entre a autora e as duas rés, por todos assinado sem referência a qualquer outro, que é este que faz parte da causa de pedir pela autora alegada e não também os anteriores acordos que com a ré AA e apenas com ela terão sido celebrados e que, com razão ou sem ela, mas, de qualquer modo, sem reacção da mesma, viram o seu termo pela autora a seu tempo, bem ou mal imposto.

Acabando a ré AA por, em 1998, e por imposição da autora, é certo, mas que então terá aceitado (e tal terá também ocorrido com a ré BB, também outorgante naquele contrato de 1992) ter passado a transaccionar os objectos que anteriormente vendia no Bazar do Jardim, também na Loja dos k......

Não havendo notícia de, até à contestação da acção, as rés reagirem a tal facto que, na realidade, pareceria contrariar o fim do contrato pela autora ora invocado, ou seja, de, no dito espaço, junto à exposição dos k....., ter lugar (apenas) a actividade comercial, pelas rés desenvolvida, de venda de produtos de “merchandising” alusivos aos referidos animais. Ficando as rés, ambas as rés, a partir daquela data licenciadas para comercializarem tais produtos.

Sendo certo que os pedidos em reconvenção formulados, relacionados com o também falado Bazar do Jardim, onde a ré AA pretendia fazer valer o reconhecimento da existência do respectivo contrato de arrendamento, a nulidade da denúncia do mesmo contrato e o direito a indemnização por danos decorrentes de tal denúncia e da deterioração do material guardado no Torreão, não foram admitidos pelo despacho saneador antes proferido, transitado em julgado, com a absolvição da instância reconvencional, nessa parte, da autora.

                E, sem interesse para o pedido reconvencional a respeito deduzido e assente que está, sem reparo das partes, o acordo escrito entre todas elas celebrado, em 5 de Junho de 1992, não vê este Tribunal razões para mandar ampliar a matéria de facto, por não ocorrer in casu qualquer uma das situações aludidas no nº 3 do art. 729.º do CPC.

                Não se considerando aqui - e sendo certo que este Supremo pode conhecer das insuficiências, inconcludências ou contradições da decisão proferida acerca da matéria de facto se e enquanto tais vícios afectarem ou impossibilitarem a correcta decisão jurídica do pleito[2] - tendo em conta, quer a questão em apreço, quer a matéria de facto pelas partes alegada, com relevo para a decisão da mesma, insuficiente ou incompleto o julgamento de facto efectuado pelas instâncias.

                Não havendo, assim, lugar à requerida ampliação da matéria de facto.

                Prossigamos, pois:

                Sem reparo das recorrentes, que apenas discordam da nulidade decretada, foi o contrato entre as partes celebrado, e tal como as mesmas afinal pretendiam, qualificado de arrendamento comercial.

                Entendendo as rés ser o mesmo válido face à lei vigente ao momento da sua celebração, que foi o do respeitante ao Bazar do Jardim, em finais de 1985, não se encontrando ainda em vigor o RAU, aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, mas sim o art. 1029º, nº 3 do CC[3], aditado pelo DL 67/75, de 19 de Fevereiro (pelo art. 5.º, nº 1 daquele diploma legal revogado), segundo o qual a nulidade só é invocável pelo locatário, o que aqui não ocorreu. Pois que, com o realojamento da ré AA na Loja dos K..... substituiu-se o contrato desta pelo do Bazar.

                Daí, não poder o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do contrato de arrendamento.

                Sendo certo, ainda, nunca o poder fazer sem facultar às partes o exercício do contraditório, assim evitando uma decisão surpresa (já que nenhuma das partes previu aquela nulidade) – art. 3.º, nº 3 do CPC.

                Já vimos que o contrato atinente ao referido Bazar do Jardim não está aqui em causa[4]/[5].

                Tenda a A. sido absolvida da instância reconvencional no atinente aos pedidos que com ele estavam conexionados. Tendo tal decisão transitado em julgado.

                Bem podendo a ré AA, se razões para isso tivesse, opor-se ao seu termo, sem ter assinado um novo contrato, em 1992, juntamente com a BB (nos autos diz-se que são mãe e filha, respectivamente), sem qualuer nexo com o que alega ter anteriormente vigorado.

                Não fazendo sentido, aliás, sem expressa anuência das partes, a substituição de um contrato, em 1998, no qual uma das rés era única titular, por outro, celebrado em 1992, outorgado por ambas rés conjuntamente com a autora.

                Vejamos, então, se decidindo-se como foi decidido, pela nulidade do contrato de arrendamento comercial, assim qualificado pelas instâncias, sem reparo das recorrentes, e sem que a recorrida, que decaiu em tal qualificação, não correspondendo a mesma à que arvorou como causa de pedir, também a isso tivesse reagido[6], se violou o princípio da proibição das decisões-surpresa.

Ora, o princípio do contraditório, quer quanto à decisão de questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido oportunidade de sobre elas de pronunciarem, está expressamente consagrado no art. 3.º, nº 2 do CPC, na vertente proibitiva da decisão-surpresa.

Visando tal preceito evitar as decisões-surpresa, implicando o mesmo a audição das partes antes da prolação das decisões com que, por não corresponderem à normalidade, não tinham o dever de contar.

Sendo certo que a prolação de tais decisões pode, na normalidade, implicar a privação ou a limitação do direito de defesa perante os órgãos judiciais onde se discutem questões que à parte respeitam. Constituindo uma violação do direito à tutela judicial efectiva a privação ou limitação de tal direito. Ficando, com a decisão-surpresa, a parte impossibilitada de exercer o seu direito de alegar, dai resultando ou podendo resultar prejuízos efectivos para o seu interesse[7].

Não se confundindo, porem a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter feito ou à expectativa que possam ter criado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, do Tribunal, a quem tais julgamentos continuam a pertencer em exclusividade. Não se podendo falar de surpresa quando os mesmos devam ser conhecidos como viáveis, como possíveis[8].

Visando a dita proibição, no julgamento das questões de direito, evitar decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

Contudo, não nos podemos olvidar que as mesmas estão acompanhadas de técnicos, capazes de bem se moverem nos meandros jurídicos, havendo necessariamente que saber que os contratos de arrendamento comercial celebrados na vigência do RAU, até 1 de Maio de 2000 (art. 3.º do DL 64-A/2000, de 22 de Abril) necessitavam, para sua validade, de ser celebrados por escritura pública (art. 7.º, nº 2, al. b) do RAU, na redacção em vigor à data do questionado contrato), podendo o tribunal oficiosamente conhecer da respectiva nulidade (art. 286.º).

Sendo certo que as próprias rés, na sua contestação, entenderam o contrato em apreço – o pela autora arrogado de concessão do exercício de actividade comercial de merchandising “k.....” e de comodato - como de arrendamento comercial, se bem que procurem sustentar, sem êxito, já que nenhuma conexão se encontra entre um e outro (ambas são titulares do contrato de 1992, tendo sido apenas a ré AA titular do falado arrendamento do Bazar do Jardim), ser o mesmo o “prolongamento” do arrendamento do anterior Bazar do Jardim, por aquele substituído.

Sempre falando de arrendamento para comércio, ao invés do dito contrato (complexo) de concessão do exercício de actividade de merchandising e de eventual comodato de espaço à autora também pertencente.
Assim alegando, por exemplo, nos arts 5. º e 6.º da contestação, que “sempre pagaram a renda estipulada para a locação da loja dos k....., para ali venderem produtos do seu comércio”.
E, mais adiante, no artigo 15.º: “(…) a ocupação por parte das rés do locado sito no espaço dos k..... é legítima e decorrente do contrato de arrendamento celebrado”.
E, ainda mais à frente, no art. 60.º: “(…) para substituir não só o contrato de arrendamento do Bazar do Jardim, como também o da Loja dos k....., passando assim ambas as rés a ocupar um único espaço”[9].
Pedindo as rés, logo à cabeça, que seja reconhecida a existência do contrato de arrendamento entre elas e a autora celebrado, referente à Loja dos k....., sito junto às instalações dos k..... (al. a) do seu pedido).

O que quer dizer – já assim podendo não suceder com a autora que vê o contrato que elegeu como causa de pedir diferentemente qualificado – que as rés, desde a sua defesa, e da forma como a fizeram, bem poderiam ter previsto, como julgamento de direito normal, que, qualificando-se o contrato em causa como de arrendamento comercial e tendo em conta a data da sua celebração (1992), a respectiva nulidade fosse oficiosamente conhecida.
Bem podendo prever, com normalidade, que a sua tese de confusão dos contratos não vigoraria.
Tanto mais que o pedido reconvencional quanto ao dito Bazar do Jardim e anteriores ocupações e explorações por banda da ré AA não foi atendido, por despacho que transitou em julgado.
Não havendo, assim, para elas – e é delas que ora tratamos – decisão-surpresa.

Ora, já vimos que, não obstante a discordância das recorrentes e a eventual descaracterização do seu objecto por efeito de em 1998 a ré AA - que também do mesmo era titular - ter sido deslocada para as suas instalações (as da Loja dos k.....), o contrato que está em causa é o a esta respeitante, tendo sido celebrado entre ambas as rés e a A., em 1992.
Sustentando as rés, logo na sua defesa (art. 10.º da contestação) que “O contrato celebrado em 5/6/92 mantém-se, efectivamente, em vigor até à data”.

Aceitemos, tal como aceitam as recorrentes, embora o Tribunal seja livre no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664.º do CPC), que as partes celebraram entre si um contrato de arrendamento comercial, destinando-se o locado, numa primeira fase, a partir de 1992, ao desenvolvimento da actividade comercial daquelas, de venda de produtos de merchandising alusivos aos k..... e de outros serviços conexos à sua actividade no Jardim (cláusula segunda). E, numa segunda, a partir de 1998, a um comércio mais alargado, por via da deslocação para o mesmo espaço do também exercido pela ré AA, até aí noutro local[10]/[11].

Tal contrato, como já dito, tendo em conta a sua natureza e a data em que foi outorgado, tinha de, nos termos do art. 7.º, nº 2, al. b) do RAU, na redacção então vigente, de ter sido celebrado por escritura pública.

E, se assim não suceder – é uma formalidade ad substantiam - é o mesmo nulo por inobservância de forma legal (art. 220.º), não podendo sequer ser convalidado por exibição do recibo de renda, por lhe ser inaplicável o nº 3 do citado art. 7.º do RAU[12].

Podendo a nulidade, que opera ipso jure, sendo insanável pelo decurso do tempo, ser oficiosamente declarada pelo Tribunal (art. 286.º).

Ora, o negócio nulo não produz, desde o início, os efeitos a que tendia[13].

Estando na nulidade tipicamente em jogo interesses de ordem pública, é a própria Ordem Jurídica que não tolera o vício e que não permite que o negócio chegue a ter eficácia, não aceitando que o vício seja sanado, determinando o seu conhecimento oficioso[14].

Operando os efeitos da declaração de nulidade retroactivamente (art. 289.º), o que está em perfeita consonância com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação.
Havendo, assim, lugar, face a tal retroactividade, à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (citado art. 289.º, no seu nº 1)[15].

Sendo certo que, quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico, invocado no sentido da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve condenar-se na restituição do recebido, com fundamento no aludido nº 1 do art. 289.º - assento nº 4/95 (DR I-A S., de 17/5/95), hoje com valor de acórdão uniformizador (art. 17.º, nº 2 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Consequentemente, devem as rés/locatárias restituir á autora o espaço cujo gozo, em arrendamento, receberam.

Devendo o senhorio, aqui autora, à partida, restituir, em espécie, a totalidade das rendas recebidas.

Devendo, porem, as inquilinas, aqui rés/recorrentes, pagar a parte objectivamente correspondente à sua utilização do prédio.

Preconizando, a propósito, Castro Mendes, a seguinte solução:

“Anulado o contrato, cada parte deve restituir o que recebeu, em espécie ou em valor. O senhorio restitui em espécie – deve a totalidade das rendas recebidas. Mas o inquilino deve a parte objectivamente correspondente à sua utilização do prédio – é uma extensão que nos parece absolutamente admissível da imposição da restituição em valor, “se a restituição em espécie não for possível” determinada pelo art. 289.º, nº 1. Os dois deveres compensam-se, o que se traduz em o senhorio dever restituir ao inquilino (…) a soma que excede o valor objectivo do uso e fruição do prédio.

Esta solução acomoda-se ao princípio geral do enriquecimento sem causa – “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer ``a custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (art. 473.º, nº 1)”[16].

Tudo isto, apesar da inatendibilidade das respectivas regras de tal instituto[17].

Não cabendo aqui, face aos efeitos retroactivos da decretada nulidade, discutir sobre os eventuais prejuízos que as rés, sem, aliás, nada de relevo provarem a respeito, tiveram, quer a título patrimonial, quer a título não patrimonial, pela cessação da exploração do negócio exclusivo da Loja dos k......

Sendo estranho, sempre se dirá, que só nesta acção, contra elas movida pela autora Jardim Zoológico, que só então, dizíamos, venham alegar prejuízos causados pela deslocação do negócio individual da AA, o que implicou que se deixasse de poder fazer ali o comércio exclusivo e alusivo aos k...... Assim tendo ficado as rés impedidas de fruírem em pleno o locado para o exclusivo fim a que o mesmo se destinava – cfr. art. 1037.º.

E, repetimos, falamos apenas da Loja dos k....., já que o eventual contrato de arrendamento do Bazar do Jardim aqui não está em causa, desde que o autor, no saneador, foi absolvido da instância dos respectivos pedidos a seu propósito formulados, desde logo de reconhecimento do dito contrato, cujo alegado locado se situava junto à Cabine de Som, no Jardim Zoológico de Lisboa

Não sendo aqui caso de aplicação dos arts 27.º e 28.º do NRAU.

Não estando aqui em causa a extinção do contrato de arrendamento validamente celebrado, mas, ao invés, a sua nulidade, com a repristinação das coisas ao estado anterior ao negócio.

Sempre se dizendo, porem, que das faladas violações do contrato respeitante à Loja dos k..... – e é apenas dele que tratamos, como já referido – eventualmente geradoras de responsabilidade civil perante a validade do contrato, se tal ocorresse, não resultou provado o indispensável dano, como fonte de obrigação de indemnizar.

Pois, não obstante a factualidade apurada nas respostas dadas aos quesitos 3.º. 4.º, 5.º,6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 11.º, não resultou provado que, após a integração do comércio da AA na Loja dos k....., com inerente desvio dos fins deste arrendamento, a ré BB – única que a este respeito pede indemnização – tivesse deixado de obter lucros (cfr., designadamente, resposta negativa [em absoluto] ao quesito 10.º). Desconhecendo-se, por completo, se a acumulação de stocks ocorreu por má gestão de tal ré, que aceitou a imposição da autora na aludida deslocação da outra ré (que também era titular do arrendamento da Loja dos k....., não o esqueçamos), devendo, a partir de então, contar com a sobreposição dos “negócios” – do atinente ao exercício (que seria exclusivo) da actividade comercial de merchandising e do outro – ou se se ficou antes a dever a tal perda de exclusividade.

Não se podendo olvidar que a integração do comércio que a ré AA vinha exercendo sozinha, na Loja dos k....., ocorre em 1998 e que a denúncia do contrato é feita 23 de Maio de 2005.

O que nos leva a crer, face ao período de tempo decorrido que a ré BB poderia ter adoptado, desde logo, uma de duas atitudes: ou não aceitava a alteração do fim do locado, não a consentindo, assim (art. 1037.º já citado) ou passaria a gerir os seus stocks de produtos alusivos aos k..... de forma mais criteriosa, tanto mais que tinha de saber que o seu contrato – fosse o pretendido pela A. fosse o de arrendamento comercial, era a termo, sujeito depois a prorrogações se não fossem denunciados pelas partes (arts 117.º e 118.º do RAU). Sendo certo que, mesmo a entender-se, de acordo com a lei do arrendamento, que o período inicial do contrato não poderia ser inferior a 5 anos (art. 98.º, nº 2 do mesmo RAU ex vi do citado art. 117.º, nº 2), ter-se-ia o mesmo esgotado em 30 de Junho de1997, tendo a ré mais do que tempo para rever, se caso disso fosse, a sua gestão de stocks. Pois, pelo menos, a partir daí deveria prever que a A. bem poderia denunciar o contrato.

Avancemos para a questão da indemnização por danos.

Sem dano, desde logo, não se constitui a contraparte na obrigação de indemnizar (art. 798.º).

Sendo certo que desta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos da responsabilidade delitual, sendo indispensável, também naquela, alem do mais, aliada ao incumprimento da obrigação, a ocorrência de um dano[18].

E, sem dano, dir-se-á desde já, não faz sentido o apelo, quer à equidade, quer à condenação em quantia a liquidar – art. 566.º, nº 3 e 661.º, nº 2 do CPC.

Quanto ao invocado abuso de direito:

Sustentam as recorrentes que é ilegítimo o exercício do direito de resolução por banda da autora, face ao comportamento que veio a ser adoptado durante o longo período em que se manteve a relação locatícia entre ela e a 1ª ré (a AA).

Ora, sendo efectivamente ilegítimo o exercício abusivo de um direito (art. 334.º), não se vê que a autora tenha manifestamente excedido os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito.

Se bem que, e alem do mais, deparamos hoje com a consagração irrefutável da boa fé na vida jurídica, com autonomia[19].

Consubstanciando a regra de que os membros de uma comunidade jurídica devem agir de acordo com a boa fé, exigindo-se-lhes a adopção de uma linha de correcção e probidade, tanto na constituição das relações entre eles, como na respectiva execução.

Exprimindo-se a ética jurídica na virtude de se manter a palavra e a confiança que cada uma das partes terá de ter na outra.

Ensinando já Vaz Serra, a respeito da boa fé, tratar-se de uma exigência imposta pela necessidade de impedir que a obrigação sirva para se alcançar um resultado oposto ao que uma consciência razoável poderia tolerar[20]

Tendo-se limitado a autora, no que aqui releva[21], a exercer o seu acordado direito de denúncia em relação à fruição de um espaço que com as rés acordou e que lhe pertence.

Gozando o proprietário, dentro dos limites da lei e das restrições por ela impostas, que aqui não vislumbramos, de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, disposição e fruição das coisas que lhe pertencem (art. 1305.º).

E, se falamos no alojamento do comércio da ré AA na dita Loja dos K..... – se for em relação a este que as rés pretendem ter-se verificado o abuso – desconhecemos, desde logo, as concretas condições em que o mesmo se terá verificado.

Apenas se sabendo que ele teve lugar e que as partes a tal, por certo de acordo com a sua vontade livre, já que de coacção ou outro modo ilegítimo de imposição não falam os autos, terão anuído.

Sendo certo que, tendo em conta o lapso de tempo decorrido, desde tal ocorrência (1998) até à denúncia (2005), sem reacção conhecida das rés, a haver abuso de direito, na actuação das partes, não seria por certo o mesmo encontrado na da autora, mas antes na das próprias rés ao só agora invocarem tal facto, que pretendem ilícito, na sua defesa.

Mas, não se conforma ainda a ré BB pela sua condenação no pagamento das quantias vencidas e vincendas correspondentes ao valor do uso da loja até à data da restituição do locado.

Já que, desde 1998, só a ré AA aí vem exercendo o seu comércio.

Desconhecemos este facto, que não consta dos autos.

Tendo, sim, ficado provado que a deslocação da 1ª ré para a Loja dos k....., em 1998, implicou que a 2ª ré deixasse de lá poder fazer o comércio exclusivo dos k..... (respostas aos quesitos 7.º e 8.º).

O que é, naturalmente, coisa diferente.

Não podendo deixar de se ter como assente que também a 2ª ré, que, ao que tudo leva a crer, anuiu a tal deslocação, ocupou e vem ocupando o questionado espaço, destinado ao comércio exclusivo dos k..... por banda das duas.

Pelo que, face ao atrás dito, quanto aos efeitos da nulidade do contrato, deve também a mesma, seu titular à data da outorga, a parte objectivamente correspondente à sua utilização do prédio.

O que sucede é que, nem a sentença de 1ª instância, nem o acórdão recorrido, fixaram tal valor correspondente à utilização do prédio.

Se bem que a sentença de 1ª instância – sem decisão a tal respeito por banda do acórdão recorrido – quando, na respectiva fundamentação, fala em “valor correspondente”, alude ao valor das rendas que pela autora foram recebidas, que representam o valor do uso da coisa locada, que serão as aludidas na cláusula sexta do contrato de arrendamento em apreço.

Ora, o princípio de que a decisão tem de estar incluída na sentença não exclui que se possa e deva recorrer à parte motivatória desta para interpretar a decisão, para reconstruir e fixar o seu verdadeiro conteúdo[22].

Sendo certo que a interpretação da sentença, verdadeiro acto jurídico a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos, exige que se tome em consideração a respectiva fundamentação, factor também básico da sua estrutura.

Devendo, desde logo, ter-se em conta o sentido que de acordo com uma interpretação efectuada ao abrigo da equidade, conduza a um maior equilíbrio das prestações (art. 237.º)[23].

Mas, como dizíamos, trata-se de questão não colocada pelos recorrentes, que aqui não havemos de julgar.

Devendo, de qualquer modo, também a 2ª ré  ficar condenada, conjuntamente com a 1ª, a pagar á autora o valor correspondente ao do uso da referida loja, até à data da restituição do locado.

Pretendendo, de qualquer modo, tal ré, que a ser condenada “no pagamento das rendas vencidas e vincendas” (melhor dizendo no valor correspondente ao do uso da loja), tal deverá ocorrer desde a data da acção até final e pelo valor dos recibos de fls 72 (que é, afinal, o da retribuição estipulada na dita cláusula sexta), sob pena de, assim não sucedendo, se estar a condenar em valor superior ao do pedido, ao arrepio do consagrado no art. 661.º, nº 1 do CPC.

Trata-se de questão nova, não colocada na Relação.

Que, por isso, aqui não deve ser conhecida.

Pois o nosso legislador (art. 676.º, nº 1 do CPC) não considerou os recursos como atribuições de competência dos tribunais superiores para tomarem posição sobre o conteúdo do pleito, incidindo antes sobre a decisão recorrida, a chamada “reponderação”.

Constando daqui um entendimento constante e reiterado, quer na doutrina, quer na jurisprudência, de que os recursos não visam, salvo casos de conhecimento oficioso, a apreciação de questões novas, tendo antes como pressuposto o conhecimento de questões já colocadas e decididas no tribunal recorrido[24].

Sempre se dizendo, à laia de pequena nota, que a autora, alem de pedir a devolução do espaço, pede a condenação das rés a pagarem-lhe, no pressuposto da validade do contrato que elegeu como causa de pedir, indemnização pelos prejuízos sofridos desde o final do Verão de 2005, data em que a denúncia produziria efeitos.

Nunca se falando em data da acção, que apenas foi distribuída em 31/10/2006.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.

Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Fernando Bento
  ______________________
[1] Os pedidos pelas rés elencados nas alíneas b), d) e e) não foram admitidos por despacho de fls 152.
[2] Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3.º, p. 137 e Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. II, p. 729.
[3] Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa.
[4] Tendo sido a autora absolvida da instância, no despacho saneador, quanto aos pedidos ao mesmo contrato respeitantes. Com trânsito em julgado.
[5] Pelo que não há aqui, desde logo, que atender ao eventual direito de indemnização da ré AA pela sua alegada resolução.
[6] Podendo fazê-lo, ao abrigo do disposto no art. 684.º-A do CPC.
[7] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa, p. 163 1e 164.
[8] Ac. do STJ de 29/9/98 (Lopes Pinto), Bol. 479, p. 412
[9] Segundo se crê, à data em que a ré AA foi deslocada, por imposição da autora, para a Loja dos k....., com o seu comércio (que seria só dela e não da ré BB), em 1998, já a mesma era também titular do contrato celebrado em 1992, referente a esta mesma loja, onde, à partida, por acordo de todas as partes, se deveria fazer o comércio exclusivo de produtos de merchandising alusivos aos k...... Mas aqui impera a liberdade das partes de aceitarem alterações contratuais por acordo de todas, mesmo que derivadas da iniciativa de uma delas. Sempre a elas podendo reagir, se caso disso fosse, já que os contratos devem ser cumpridos nos seus precisos termos e não, fora hipóteses que aqui não estarão em causa, segundo alterações apenas por uma das partes pretendidas, 
[10] Sendo certo que a imposição por banda do autor de tal deslocação, que implicou a cessação do comércio exclusivo na Loja dos k....., tem que ser entendida em termos hábeis, já que as partes são livres de contratar ou não contratar e de, fazendo-o, fora casos excepcionais que aqui não importam, estabelecerem livremente o conteúdo dos contratos (art. 405.º do CC). Assim, se a AA não aceitasse a aludida deslocação, certamente pela autora pretendida, quer como titular do contrato atinente ao Bazar do Jardim, quer do da Loja dos k....., e se a BB também a tal não anuísse, por certo teriam reagido, assim protegendo os seus direitos e interesses.
[11]Afastada, ficando, assim, a qualificação de tal contrato como de mera concessão às rés, por banda da autora, em regime de exclusividade, do direito de exercerem a actividade comercial de venda de produtos de merchandising alusivos à espécie animal Koala, num espaço da mesma autora – estamos no perímetro do Jardim Zoológico, junto às instalações dos k..... – cedido gratuitamente, por comodato. Estando-se, assim, segundo alegou a autora, mas sem reacção à diferente qualificação do contrato nas instâncias, perante um contrato de merchandising, ao que parece do chamado “character merchandising” (merchandising de reputação), que utiliza personagens ou pessoas e que pode ser definido como a adaptação ou a exploração secundária das características próprias essenciais de uma personagem relativamente a bens e/ou serviços com vista a criar em potenciais consumidores a apetência para adquirir tais bens e/ou serviços devido a afinidades entre o consumidor e tal personagem. Sendo, assim, o merchandising a exploração secundária da capacidade atractiva adquirida por um bem (pessoa, coisa ou bem imaterial) em outro sector de actividade – Carlos Olavo, Contrato de licença de exploração de marca, p. 118 e ss.
                        Com efeito, no contrato de merchandising, contrato atípico que tem por objecto uma licença de uso de marca, e que também pode ser definido como um contrato que permite desfrutar economicamente do valor sugestivo adquirido por um direito de propriedade intelectual, resultante da sua utilização no âmbito de uma determinada actividade que, subsidiariamente, vai ser canalizado para promover a venda de produtos ou serviços numa actividade diferente da que foi originalmente usada, o titular de uma marca reputada (e falamos no caso específico do merchandising de marcas) celebra uma pluralidade de contratos em que concede a outros empresários o direito de usar a marca. Sendo esta negociada como um bem autónomo, ainda que imaterial, dissociada de quaisquer produtos ou serviços, pelo seu valor intrínseco enquanto sinal distintivo de comércio. Sendo condição de validade de tal contrato a disponibilidade do direito ao uso exclusivo da marca – Hugo Lança, Em defesa da função publicitária da marca, in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 17 (2010), p. 167 e ss.
                        Podendo ainda definir-se o mesmo negócio como o contrato pelo qual uma pessoa proporciona a outra, mediante remuneração, o uso de um direito da propriedade intelectual ou de um direito de personalidade com finalidade promocional diversa da finalidade originária do direito (o merchandising é uma palavra polissémica usada a propósito de técnicas de promoção e de comercialização). No merchandising de marca, o titular do direito de marca licencia o seu uso para a aposição em produtos ou serviços diferentes daqueles para os quais a marca foi originariamente concebida – Carlos Ferreira de Almeida, Contrato II, p. 235 e 236.
[12] Aragão Seia, Arrendamento Urbano, p. 132.
[13] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 610.
[14] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, p. 579.
[15] Mota Pinto, ob. cit., p. 616.
[16] Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, p. 298.
[17] Ac. do STJ de 21/10/2003 (Alves Velho), CJ S. Ano XI, T. 3, p. 104, P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 266, Mota Pinto, ob. cit., p. 617 e A. Varela, RLJ  Ano 102.º, p. 253.
[18] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 328.
[19] Menezes Cordeiro, A Boa Fé, p. 112.
[20] Bol. 74, p. 45 e A. Costa, Direito das Obrigações, p. 846.
[21] E já vimos que o alegado arrendamento do denominado Bazar do Jardim não está aqui em causa.
[22] M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 317.
[23] Ac. do STJ de 28/1/97, CJ S. Ano V, T. 1, p. 83.
[24] Ac. do STJ de 14/4/2011 (João Bernardo), Pº 4598/07.4TVLSB.L1.S1, com menção de jurisprudência e doutrina a respeito.