ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2435/09.4TBMTS.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 09/20/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GARCIA CALEJO

DESCRITORES INSOLVÊNCIA
ACÇÃO DECLARATIVA
ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ÁREA TEMÁTICA DIREITO COMERCIAL - INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO DECLARATIVA - INSTÂNCIA
LEGISLAÇÃO NACIONAL CIVA (COM A REDACÇÃO DA LEI N.º 3-B/2010, DE 28-04): - ARTIGO 78.º, N.º7.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 4º, N.º 2, AL. B), 287.º, N.º1 AL. E), 684.º, N.º3, 690.º, N.º1.
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 36.º, 39.º, N.º7 AL. B), 47.º, N.º 1, 81.º, N.º1, 85.º, 88.º, N.º1, 90.º, 128º Nº S1 E 3, 140.º, 173.º, 230.º, N.º1, ALS. C) E D), 231.º.
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-5-2003, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 25-3-2010, EM WWW.DGSI.PT .

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 18-10-2006, PROCESSO N.º 6544/2006-4;
-DE 03-06-2009, PROCESSO N.º 2113/04.0YXLSB.L1-2;
-DE 30-06-2010, PROCESSO N.º 424/06.0TTVFX.L1-4;
-DE 30-06-2010, PROCESSO N.º 1814/08.9TTLSB.L1-4;
-DE 13-1-2011, PROCESSO N.º 2209/06.4TBFUN-L1.S1 (PUBLICADO SOMENTE O SUMÁRIO, EM WWW.DGSI.PT);
-DE 15-02-2011, PROCESSO N.º 1135/06.1TVLSB.L1-1;
-DE 15-02-2011, PROCESSO N.º 3857/TBVFX.L1-7;
-DE 16-03-2011, PROCESSO N.º 884/09.7TTALM.L1-4;
TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
- DE 22-03-2011 (PROC. N.º 216881/08.4YIPRT.C1)

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 17-12-2008, PROCESSO N.º 0836085;
-DE 22-09-2009, PROCESSO N.º 413/08.0TBSTS-F.P1;
-DE 02-03-2010, PROCESSO N.º 6092/06.1TBVFR.P1;
-DE 01-06-2010, PROCESSO N.º 6516/07.0TBVNG.P1;
TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .


SUMÁRIO
Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada, a acção que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente, deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art. 287.º, al. e), do CPC.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL                  

                                                                                    

                                               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                                               

                        I- Relatório:

                        1-1- F..., Construção Civil, Ldª, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra O... - Representações, Ldª, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 76 954,78.

                       

                        Tendo sido junta aos autos certidão da qual constava ter a R. sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado 21-09-2009, proferida no processo n.º 659/09.3TYLSB, do 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa[1], o Mº Juiz considerou que a acção não podia prosseguir os seus termos, por entender que o meio processual próprio para o reconhecimento e verificação de créditos era o previsto no art.º 128º do CIRE e que, mesmo a proceder a acção, a A. nenhum efeito daí poderia retirar contra a massa falida, uma vez que a mesma seria inoperante contra os demais credores, atendo o disposto no art. 173º do CIRE.

                        Concluiu, por isso, que existia inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, julgou extinta a instância.

                        1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 25-11-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

                        1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, pedindo a revista excepcional, recurso que foi admitido na Relação como revista e com efeito devolutivo.

                        Remetido o processo à formação de Juízes deste STJ a que alude o art. 721º A. nº 3 do C.P.Civil, foi aí decidido admitir a revista excepcional, por oposição de julgados.

                       

                        A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1ª- Cumprindo o ónus do art. 721°-A, nº 2, alínea c), do CPC, indica-se como acórdão-fundamento o do Tribunal da Relação do Porto, de 1 de Junho de 2010, proferido no processo nº 651 6/07.0TBVNG.P 1.

                        2ª- São razões de identidade:

                        2.1 Em ambos os acórdãos, recorrido e fundamento, corria uma acção declarativa de condenação tendente a estabelecer, pela via judicial, a existência, validade e procedência de um direito de crédito sobre o réu (sociedade comercial), na pendência da qual foi proferida sentença de insolvência do réu, com trânsito em julgado.

                        2.2 Em ambos os acórdãos o que está em causa é a aplicação do art. 287°, alínea e), do CPC, tendo por horizonte os efeitos processuais da declaração de insolvência nos termos configurados pelo CIRE: artigos 85°, 88°, 128°, 129°, 173° e 234°.

                        2.3 Em ambos os casos o que está em causa é saber se a declaração da insolvência implica para a acção declarativa pendente a sua extinção por inutilidade superveniente da lide, designadamente porque o autor não pode dar à execução a sentença condenatória, como julgou o acórdão recorrido, ou se a acção deve prosseguir, como se considerou no acórdão-fundamento.

                        2.4 Estamos no domínio da mesma legislação: 287° CPC e artigos 85°, 90°, 128°, 129° e 234° do CIRE, interpretados e aplicados em sentido diferente, como se verá melhor infra.

                        3ª- São razões da contradição:

                        3.1 No acórdão recorrido, que confirmou a sentença que declarou a extinção da instância por impossibilidade/inutilidade e considerou-se que dos artigos 128°, 3 e 173° do CIRE, e do art. 287°, alínea e), do CPC, decorria necessariamente a extinção da instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide.

                        3.2 No acórdão-fundamento, julgou-se que a declaração de insolvência não determina nem a impossibilidade de a acção prosseguir, porquanto tal declaração não conduz à imediata extinção da sociedade, a qual só se dá com o registo de encerramento do processo após rateio final (234°, nº 3, CIRE), nem a inutilidade porquanto a obrigatoriedade de reclamar o crédito no processo de insolvência não assegura que o mesmo venha finalmente a ser reconhecido (129° CIRE) nem dispensa o credor de o provar (128° CIRE).

                        4ª- Como bem se refere no douto acórdão recorrido, a questão a apreciar é se "a declaração da insolvência implica para a acção declarativa pendente a sua extinção por inutilidade superveniente da lide ( ... ) ou se a acção deve prosseguir" .

                        5ª- É porém a jurisprudência do acórdão-fundamento aquela que deve prevalecer, por ser a que, face aos interesses em presença e à justa concatenação das normas do CIRE com as do processo civil, melhor interpreta, na perspectiva da Recorrente, o direito aplicável.

                        6ª- O intérprete deve estrita obediência à lei positivada. Deste ponto de vista, há desde logo um argumento decisivo: o não constar do CIRE - cfr. art. 85º - e não é por acaso!, nenhuma norma legal expressa no sentido da impossibilidade/inutilidade das acções declarativas pendentes.

                        7ª- Poderia argumentar-se que a tese contrária, apesar da omissão legal, decorre da interpretação sistemática do regime jurídico da insolvência e do regime processual da impossibilidade/inutilidade da lide. Mas a jurisprudência, menos representativa, que segue esta via não é convincente no sentido de que a inutilidade superveniente decorra necessariamente daquele regime falimentar, condição única para - contra um princípio pro actione - se declarar extinta a instância declarativa.

                        8ª- Ao contrário, a omissão de norma expressa no sentido de uma necessária e automática impossibilidade/inutilidade justifica-se porque o legislador, de sobreaviso, não quis afirmar esse princípio geral, o que fez em vista das múltiplas situações em que tal impossibilidade/inutilidade não pode ser afirmada, exigindo-se uma análise casuística (aliás na linha do que defende Artur Dionísio, no seu artigo publicado na revista Julgar, nº 9, citado no acórdão recorrido).

                        Já que o douto acórdão recorrido se louvou no artigo publicado por Artur Dionísio, vale a pena atentar um pouco mais no que diz este Autor:

                        9ª- A posição do acórdão recorrido, como a da jurisprudência que segue a mesma rota, assenta na inutilidade que decorre da fragilidade da sentença declaratória enquanto título executivo. Ou seja, a sentença declarativa não aproveita ao autor porque este não a pode dar à execução.

                        10ª- Ora grande parte do trabalho de Artur Dionísio destina-se a demonstrar em que circunstâncias é que a acção executiva pode e deve prosseguir, daí que, nesta perspectiva, conserve utilidade a acção declarativa conexa:

                        10.1 Atente-se, por exemplo, no que ele diz a fls. 177 da revista Julgar (nº 9): "Não obstante a lei continuar a afirmar que a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, não fica definitivamente comprometida a possibilidade das execuções pendentes poderem prosseguir no futuro. Tal prosseguimento será, por vezes, viável, designadamente (1) quando o processo venha a ser encerrado antes do rateio final a pedido do devedor ou por insuficiência da massa insolvente e (2) quando for homologado um plano de insolvência que não obste ao prosseguimento das execuções ".

                        Prossegue o mesmo Autor, a págs. 179: "Se o processo for encerrado antes do rateio final, a pedido do próprio devedor, nos termos previstos nos artigos 230º nº 1, al. c), e 231°, ou por insuficiência da massa insolvente, nos termos previstos nos arts. 230º nº 1, al. d), e 232º a execução deverá prosseguir, independentemente de se tratar de sociedade comercial ou pessoa singular, como decorre do disposto no art. 233º nº 1, alíneas a) e c)"

                        10.2 Referindo-se já, explicitamente, às acções declarativas, Artur Dionísio sustenta, no mesmo estudo (pág. 185), que o prosseguimento destas acções (declarativas) só se revela inútil quando há lugar a liquidação do património do insolvente (sendo este suficiente: cfr. art. 232° nº 4). Isto porque a liquidação desemboca na extinção da sociedade. Como alerta o Autor, a extinção segue sempre, fora da instância falimentar, por via administrativa, nos termos do art. 234°, nº 4, de acordo com o preceituado no Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29.03. Só que neste procedimento administrativo não há norma legal semelhante à do art. 88° do CIRE e as acções executivas prosseguem o curso normal.

                        10.3 O Autor lembra ainda, embora sem aprofundar, o interesse que pode haver no prosseguimento das acções declarativas por razões de ordem fiscal (parece-nos que se quererá referir a aceitação como custo fiscal de perdas por imparidade em créditos).

                        11ª- Esta argumentação é imediatamente transponível para a acção declarativa e para a respectiva utilidade (possibilidade de instauração/prosseguimento [ainda que futuro] da acção executiva = utilidade da acção declarativa).

                        12ª- Conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência - cfr. Acs. da RP, proc. 0714018, de 29-10-2007, proc. n° 0836085, de 17-12-2008, proc. 413/08.0TBSTS-F.P1, de 22.09.2009, in www.dgsi.pt- não havendo notícia, no processo, de que já foi proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, a acção declarativa conserva a sua utilidade e, como tal, nada obsta ao prosseguimento dos autos.

                        13ª- Aliás, a declaração de insolvência nunca determina, só por si, a impossibilidade/inutilidade das acções declarativas pendentes. Não se vislumbra norma expressa no CIRE que determine a inutilidade superveniente da lide dessas acções.

                        14ª- O que diz o CIRE é (apenas) que - concorrendo determinados requisitos ­as acções pendentes podem ser apensadas ao processo de insolvência. É aliás patente que a previsão legal aponta para a agregação (apensação) de processos, e não para a extinção por impossibilidade/inutilidade. É isso que resulta do art. 85° CIRE, que prevê a apensação, desde que a mesma seja requerida pelo administrador da insolvência.

                        15ª- Tal apensação, porém, não é automática; mesmo essa depende de requerimento e da verificação de certos requisitos. E mais, depende do controlo desses requisitos por parte do juiz - cfr. neste sentido CIRE Anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 2ª edição, pp. 354, anotação 5 ao artigo 85° do CIRE.

                        16ª- Quanto aos processos executivos, os mesmos são apenas suspensos ou impedida a respectiva instauração ou prosseguimento, mas nunca extintos (art. 88°CIRE). Nada impede que a execução se instaure ou prossiga depois de encerrado o processo de insolvência - cfr. art. 233°, 1 , c) ClRE, ­circunstância que leva um reputado Autor a afirmar que "não pode ser decretada a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, em virtude da insolvência do executado, ocorrendo apenas a suspensão da mesma enquanto durar o processo: cfr. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2ª edição, pp. 166, anotação 188 e Luís Martins, Processo de Insolvência, 2010, 2ª edição, pág. 233.

                        17ª- Na jurisprudência, pela não extinção da instância executiva:

                        - Ac. RG, de 5.6.2008, em CJ 33 (2008),3, pp. 274-275;

                        - Ac. RC, de 26.10.2010, proc. nº 169/08.6TBVLF-F.C1;

                        - Ac. RG, de 23.09.2010, proc. nº 981/08-6;

                        - Ac. RL, de 18.07.2007, proc. nº 6414/2007-6;

                        - Ac. RC, de 3.11.2009, proc. 68/08.1 TBVLF-B.C1;

                        - Ac. RL, de 4.03.2010, proc. nº 119/-A/2001.L1-2;

                        18ª- E na jurisprudência, pela não extinção, por inutilidade, das acções declarativas:

                        - Ac. RC, de 15.02.2007, proc. nº 168/06.2TTCBR.C1;

                        - Ac. RL, de 9.04.2008, proc. nº 10486/2007-4

                        -Ac. RL, de 30.06.2010, proc. nº 1814/08.9TTLSB.Ll-4;

                        - Ac. RL, de 1.07.2010, proc. nº 12/2002-Ll-6.

                        19ª- Há sempre que considerar o disposto no art. 230º, nº 1, alínea c), do CIRE, que virtualmente prevê o encerramento do processo de insolvência "a pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores derem o seu consentimento", altura em que o prosseguimento da instância fará todo o sentido e o autor terá legítimo interesse na obtenção de título judicial. Também por aqui, atenta aquela possível ocorrência, não poderia a decisão impugnada ser a da extinção da instância por impossibilidade, sob pena de contradição nos termos.

                        20ª- Com efeito, pode o autor ter necessidade do título judicial para obstar à eventual impugnação da reclamação do seu crédito no processo de insolvência; pode o processo de insolvência claudicar e ser encerrado, nos termos do art. 230º ClRE (ficando o autor sem título comprovativo do seu direito perante a Ré); pode não se iniciar a liquidação do património, designadamente por insuficiência de património, etc., ficando o autor sem título comprovativo do seu direito perante o réu da acção.

                        21ª- O acórdão recorrido adoptou ainda um outro argumento, ex abundante, e que na 1ª Instância se não considerou, de que deve afirmar-se, in casu, a inutilidade superveniente da lide porque "nenhuma menção é feita à insuficiência do património do devedor, como se infere da certidão de sentença de insolvência junta".

                        22ª- Salvo erro é argumento que nada acrescenta à tese que no acórdão recorrido se sufraga. Com efeito, ao que já foi dito acresce que nunca resulta da sentença declaratória da insolvência que o património do insolvente, nessa fase, é suficiente ou insuficiente, circunstância que só mais tarde, quando da apresentação do relatório do administrador, se revelará e estabelecerá - cfr. as alíneas a) a n) do art. 36° e o art. 155° do CIRE. Tanto mais que a massa insolvente, na fase da sentença, é uma realidade dinâmica, e que a empresa insolvente continua o giro comercial, sendo exigido ao administrador que "conserve e frutifique os direitos do insolvente", e que "proveja à continuação da exploração da empresa", o que sucederá até ao encerramento (designadamente por insuficiência da massa: art. 232° nº 1) ou liquidação.

                        23ª- Em resumo, deverá merecer acolhimento, por mais excelente, a tese subjacente ao acórdão-fundamento.

                        24ª- A do douto acórdão recorrido, que confirmou a sentença que declarou a extinção da instância, viola lei substantiva, nomeadamente, os artigos 128°, 3 e 173° do CIRE e, principalmente, o art. 287°, alínea e), do CPC, na medida em que destes artigos não decorre a extinção da instância com o fundamento invocado - impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.

                        Termos em que deverá a presente revista excepcional ser admitida e julgada procedente e o acórdão recorrido ser revogado, determinando-se a baixa do processo à 1ª Instância para ser proferida sentença de mérito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências.

                        Não houve contra-alegações.

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:

                        - Se a declaração da insolvência de uma entidade implica, ou não, a extinção por inutilidade superveniente da lide, de uma acção declarativa em que é demandada essa mesma entidade, para efeitos de condenação no reconhecimento de um crédito.

                       

                        2-2- As circunstâncias processuais que ditaram a declaração judicial de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide na presente acção, já acima se referiram. Recorde-se que face à junção aos autos da dita certidão da qual constava ter a R. sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, o Mº Juiz de 1ª instância considerou que a acção não podia prosseguir os seus termos, entendendo pelas razões indicadas na decisão, que existia inutilidade superveniente da lide, tendo julgado extinta a instância.

                        O douto acórdão recorrido confirmou esta posição tendo concluído que “não decorrendo a extinção das acções declarativas pendentes, directamente do disposto em matéria de efeitos da insolvência, nomeadamente do disposto no art.º 128º, nº 3, e 172º do CIRE, terá não obstante de considerar-se que dessas mesmas disposições, conjugadas ainda com o que se preceitua no art.º 90º do CIRE, e salvo situações específicas, o prosseguimento das acções declarativas em que se peticiona o reconhecimento de créditos sobre o devedor se revela inútil, devendo entender-se que sobreveio inutilidade da lide nos termos previstos no art.º 287º, nº1, alínea e), do CPC.”.

                        Através da argumentação acima referida nas conclusões de recurso acima transcritas, a recorrente discorda desta posição, assumindo a posição de que a declaração de insolvência não deve determinar, só por si, a impossibilidade/inutilidade das acções declarativas pendentes.

                        Vejamos:

                        Estabelece o art. 287º nº 1 al. e) do C.P.Civil que a instância extingue-se por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Como é reconhecido pela doutrina, estes casos de extinção da instância ocorrem quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio[2]. Daqui resulta que somente em caso de inutilidade patente e absoluta da acção, é que deve ser declarada a sua extinção.

                        Como ponto prévio haverá desde logo a sublinhar que não decorre directamente de qualquer disposição do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – Dec-Lei 53/2004)[3], a obrigatoriedade de declaração da inutilidade superveniente da lide em relação às acções declarativas pendentes em que seja demandada a entidade declarada insolvente[4].

                        No caso concreto, estamos perante uma acção declarativa de condenação (art. 4º, n.º 2, al. b), do C.P.Civil), intentada contra a R. devedora, entretanto declarada insolvente.

                        Por isso teremos que determinar quais os efeitos da declaração de insolvência, em relação a uma acção declarativa, decorrentes da aplicação dos dispositivos do CIRE (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) e como se devem compaginar esses efeitos perante as regras adjectivas gerais.

                        Resulta do art. 1º que “o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

                        Em relação aos efeitos processuais das acções derivados da declaração da insolvência, regem os arts. 85º a 89º. Para o que aqui importa o art. 85º determina que, declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor ou terceiros, devem ser apensadas ao processo de insolvência.

                        Por outro lado, a declaração de insolvência, por regra, de harmonia com o estatuído no art. 81º nº 1, priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (que passam a competir ao administrador da insolvência).

                        Resulta, assim, que as acções declarativas contra o insolvente, pendentes à data da declaração da insolvência, devem ser apensadas ao processo de insolvência[5]. Como afirmam Carvalho Fernandes e João Labareda[6]no nº 1 do art. 85º a mais significativa diferença em relação à lei anterior é a inclusão, no leque das acções apensáveis, das de «natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor». Para além disso, a oportunidade da apensação passou a ser aferida não apenas em função da sua conveniência para a «liquidação», mas para os «fins do processo», alargando-se, assim, o campo de aplicação do preceito”.

                        Em relação às acções executivas, o art. 88º nº 1 estabelece que a declaração de insolvência obsta à instauração e ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência contra a insolvente. Mas isto, claro, diz respeito às acções executivas e já não às acções declarativas. O regime em relação às acções executivas é diverso como se evidencia no estudo de Artur Dionísio Oliveira[7] invocado no acórdão recorrido e pela recorrente. No que concerne a acções declarativas apenas será incontroverso que elas deverão ser apensadas ao processo de insolvência, face ao referido no mencionado art. 85º, impondo até o nº 2 da disposição ao juiz, a obrigatoriedade de requisitar “ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens do insolvente”.

                        O art. 47º nº 1, estatui que “declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio”, donde decorre que declarada a insolvência, os titulares dos créditos referidos deixam de ser credores do devedor insolvente, passando a ser credores da insolvência.

                        Por outro lado, mas em consonância com a obrigatoriedade da dita apensação, estabelece o art. 90º que “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”. Isto é, estabelece esta disposição a obrigatoriedade de os credores do insolvente exercerem os seus direitos, durante a pendência do processo de insolvência, nos termos determinados no CIRE, ou seja, segundo os meios processuais regulados neste Código. Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda[8] a propósito deste dispositivo “é esta a solução que se harmoniza com a natureza e função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o art. 1º do Código[9]

                        Tendo os credores a obrigatoriedade de exercerem os seus direitos segundo os meios processuais determinados no CIRE, terão então de lançar mão da reclamação dos créditos de que sejam titulares. Neste sentido determina o art. 128º nº 1 que “dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham”. Acrescenta o nº 3 do dispositivo que “a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento[10].

                        Quer dizer, face a estes dispositivos, parece-nos claro que deles resulta que todo e qualquer credor da insolvência, deve reclamar o seu crédito no processo de insolvência, de forma a aí poder ser ressarcido dele. Consequentemente, declarada a insolvência, aberto o incidente de qualificação com carácter pleno[11] e fixado o prazo da reclamação de créditos, se as acções declarativas pendentes contra o devedor insolvente (em que se discutem direitos patrimoniais) prosseguirem, estar-se-á a desrespeitar o comando dos preceitos legais atrás indicados, com particular relevo para o art. 90º, porquanto aqueles credores da insolvência estariam, na pendência desta, a exercer os seus direitos por meios processuais alheios ao CIRE.

                        Daqui decorre que para efeitos de obtenção do pagamento de créditos em processo de insolvência, só releva a reclamação realizada nesse próprio processo. Neste sentido referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[12]da articulação do n.º 1 com o nº 3, primeira parte, com o artigo 128º resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação. A formulação ampla da primeira parte do nº 3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o n.º 3 do artigo 188.º do CPEREF (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93), não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderem ser pagos no processo, à custa da massa insolvente”.

                        Ainda a este propósito refere Artur Dionísio Oliveira[13] do disposto no art. 128º nº 3 “resulta que o reconhecimento judicial do crédito no âmbito de uma acção intentada pelo respectivo titular contra o devedor/insolvente não tem força executiva no processo de insolvência. Só a sentença que, neste processo, julgar verificado esse crédito terá essa força. E isto é assim porque …o legislador quis conferir a todos os credores a possibilidade de discutir o passivo do insolvente, na medida em que a verificação desta acaba por interferir com o grau de satisfação de cada um dos créditos”.

                        A força executiva da sentença de verificação de créditos no âmbito do processo de insolvência, está expressamente consagrada no art. 233º nº 1 al. c).

                        Segundo o estipulado no art. 173º, “o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgada”, o que limita o pagamento dos créditos, como salientam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[14], aos “que estejam definitivamente reconhecidos na respectiva sentença de verificação e graduação transitada em julgado, proferida, segundo os casos, em consonância com os arts. 128.º e seguintes, maxime os arts. 130º, nº 3, 140º e 146º”.

                        Por tudo o exposto, somos em crer, que transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação – frisa-se, sempre no âmbito do respectivo processo de insolvência –, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência. De nada servirá, assim, a sentença proferida na acção instaurada contra o devedor, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, porquanto jamais poderá tal decisão ser dada à execução para cumprimento coercivo, até porque, de acordo com o dito art. 88º, a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência[15].

                        Em sentido análogo (mas não totalmente coincidente) com a nossa posição refere Artur Dionísio Oliveira[16] … “em determinadas situações, o prosseguimento das acções individualmente intentadas contra o insolvente, pedindo o cumprimento de obrigações pecuniárias ou reivindicando bens, pode revelar-se inútil. Tal sucederá quando no processo de insolvência se procede à liquidação do património do insolvente e ao pagamento dos créditos verificados. Neste caso, só aí se poderá decidir sobre a restituição ou separação da massa de um bem apreendido, pelo que de nada servirá o prosseguimento doutras acções com o mesmo fim. Do mesmo modo, só serão pagos os créditos verificados no processo de insolvência, pelo que de nada servirá o prosseguimento de acções para pagamento de créditos, mesmo dos não reclamados no processo de insolvência … Assim sendo, aquelas acções deverão extinguir-se por inutilidade superveniente da lide”.

                        Alguns arestos das Relações têm defendido que a inutilidade superveniente da lide, das acções declarativas que têm por objecto o reconhecimento judicial de um crédito (sobre devedor insolvente), apenas ocorrerá a partir do momento em que, no processo de insolvência, seja proferida a sentença de verificação de créditos. Neste sentido, alguns acórdãos[17] têm sustentado que, antes desse momento, a sentença a proferir na acção declarativa poderá ser invocada para efeitos de verificação do crédito (litigioso) na insolvência. Além disso, tal sentença poderá também vir a produzir os seus efeitos nas situações em que o processo de insolvência é encerrado antes do rateio e sem que chegue a ser proferida sentença de verificação de créditos. Nestas circunstâncias, segundo tais teses, o prosseguimento dos autos e a sentença a proferir no processo declarativo poderá ser útil.

                        Somos em crer, porém, que este entendimento não será admissível.

                        Com efeito, como se viu, haja ou não decisão judicial a reconhecer o crédito na instância declarativa, nem por isso o credor está a salvo de ter de o reclamar no processo de insolvência, por força dos normativos legais supra enunciados. E é compreensível que assim seja, subscrevendo-se aqui, por inteiramente acertadas, as considerações do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-06-2010: “É que visando o processo de insolvência a colocação de todos os credores em posição de igualdade jurídica perante o património da insolvente, mediante o chamado concurso universal de credores, a afirmação e reconhecimento de direitos de crédito sobre a insolvente (com efeitos no processo de insolvência, como a consideração da sua verificação) através de acções declarativas de condenação em que apenas um dos vários credores é parte, estaria aberto o caminho a situações de conluio e favorecimento entre alguns dos vários credores ou de falsos credores, por um lado, e a empresa à beira da insolvência ou já insolvente, por outro, através de simples expedientes como a não contestação das acções, omissão de apresentação de prova, confissão dos factos ou do pedido, etc., tudo com prejuízo manifesto dos restantes credores não intervenientes na acção declarativa[18].

                        Não colhe, assim, o argumento de que a prossecução da instância declarativa revestirá interesse processual para efeitos de prova do crédito a verificar na insolvência.

                        Quanto à segunda tese (encerramento do processo de insolvência, antes do rateio e sem se proferir sentença de verificação de créditos), terá de se chamar à apreciação do disposto nos arts. 230º e seguintes, mormente aos casos de encerramento dos autos a pedido do devedor e por insuficiência da massa insolvente (salientados pelos arestos).

                        Para que exista encerramento a pedido do devedor é imprescindível que este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou que todos os credores prestem o seu consentimento (al. c), do nº 1, do art. 230º). Ora, o encerramento a pedido do devedor, no sentido de deixar de se encontrar em situação de insolvência, é sempre precedido de notificação aos credores, tal como se refere no art. 231º, os quais “são todos os que tenham os seus direitos verificados no processo” ou “na eventualidade de não haver ainda verificação (…) todos os credores reclamantes”, sendo “meramente académica a hipótese de o pedido ser formulado antes de esgotado o prazo da reclamação[19].

                        Ou seja, não se vislumbra o que é que tal encerramento tem a ver com a utilidade ou inutilidade da lide de uma acção declarativa, prévia ao processo de insolvência, caso o credor queira que o seu crédito seja efectivamente reconhecido, não resultando do eventual encerramento do processo de insolvência que aquela instância declarativa tenha qualquer interesse autónomo (o que poderia conduzir à defesa da suspensão da respectiva instância), porquanto, das duas uma, ou a situação de insolvência não cessou, sendo o crédito verificado onde foi e tinha de ser reclamado, ou os credores não dão o consentimento não podendo, assim, o processo de insolvência ser encerrado.

                        Por outro lado, registando-se o encerramento por insuficiência da massa insolvente (art. 230º, nº 1, al. d)), nem por isso a acção declarativa terá qualquer interesse autónomo, porquanto se não existem bens suficientes a liquidar não haverá qualquer utilidade em manter a instância declarativa.

                        Quanto à utilidade decorrente de o credor poder obter o reembolso do IVA, essa restituição sempre poderá ser obtida de harmonia com o estabelecido no art. 78º, nº 7, do CIVA[20], pelo que também por este aspecto será substancialmente inócua a prossecução da acção declarativa, à margem da insolvência.

                        Em suma, se não for pedida a apensação a que alude o art. 85º, devem os créditos ser reclamados no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, nos termos e com o formalismo previsto no art. 128º. Obstando a declaração de insolvência à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra a massa insolvente, tal significa que, mesmo no caso de procedência da acção declarativa, a sentença não pode ser dada à execução para cumprimento coercivo. Acresce que, segundo determina o nº 3 desse art. 128º, o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.

                        Face a estes normativos, impõe-se a reclamação do crédito na insolvência, quando ainda não exista sentença transitada a reconhecê-lo, assim demonstrando que o credor está interessado na satisfação do seu crédito, maxime de harmonia com o que vier a decidir-se na sentença de verificação e graduação dos créditos, a que alude o art. 140º.

                        Não procedendo deste modo, o credor ficará “inibido”, por via do sistema imperativo resultante do CIRE, de executar uma eventual sentença que julgue procedente o seu pedido (no âmbito da acção declarativa) contra o devedor insolvente.

                        No Acórdão deste STJ de 25-3-2010[21] tomou-se idêntica posição sobre o tema, tendo-se decidido que “durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos nesse processo e segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que consubstancia um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores… Aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos, deixa de ter utilidade o prosseguimento de acção declarativa tendente ao reconhecimento de invocados créditos laborais, já que os mesmos terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, pelo que, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, a instância pertinente àquela acção declarativa deve ser declarada extinta, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil. Isto porque se entendeu que “o que releva para efeito de obter o pagamento do crédito no processo de insolvência é apenas a reclamação e a verificação do crédito que é feita no próprio processo de insolvência”.

                        De sublinhar que, muito embora, as Relações tenham sido já chamadas a intervir por diversas vezes no sentido da resolução da questão aqui discutida (assumindo posições divergentes)[22], segundo cremos, este S.T.J., antes do presente caso, apenas foi chamado a decidir através do acórdão de 25-3-2010 já referido (publicado integralmente na internet) e através de um outro aresto de 13-1-2011 proferido na acção 2209/06.4TBFUN-L1.S1 (publicado somente o sumário, em www.dgsi.pt/jstj.nsf)[23]. Em ambas as decisões se concluiu que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada, a acção que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente, deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art. 287º al. e) do C.P.Civil.

                        As coisas poder-se-ão passar de forma algo diferente, perante as situações a que alude o 39º (insuficiência da massa insolvente - como aludimos na nota de rodapé nº 11 -) casos em que juiz conclui que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, dá apenas cumprimento ao disposto nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36º, declarando aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, e não sendo requerido que a sentença seja complementada com as restantes menções daquele artigo 36º, então o processo de insolvência será declarado findo logo que a sentença transite em julgado (artigo 39º nº 7, alínea b)). Claro que nesses contornos a declaração de insolvência não deverá conduzir à inutilidade superveniente da lide, pois o processo continuará a fazer e a ter sentido útil. Esta situação tem a sua especificidade, como é reconhecido no acórdão deste STJ de 25-3-2010 já acima referenciado. Porém esta situação não tem aplicação ao caso vertente porque, como se reconhece no douto acórdão recorrido, nenhuma menção é feita à insuficiência do património do devedor, sendo também certo que foi declarado o incidente da qualificação da insolvência com carácter pleno (vide também nota de rodapé nº 1).

                        Quer isto dizer que ao declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o douto acórdão recorrido agiu de forma certa.

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

                        Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Setembro de 2011


Garcia Calejo (Relator) *
Helder Roque
Gregório Silva Jesus
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[1] Nessa sentença declaratória da insolvência foi declarado aberto incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.

[2] Vide Alberto Reis, Comentário ao C.P.Civil, Vol. III, págs. 367-373 e Lebre de Freitas, C.P.Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 555
[3] O CIRE foi sucessivamente alterado pelos seguintes diplomas: DL nºs 200/2004, de 18-08, 76-A/2006, de 29-03, 282/2007, de 07-08, 116/2008, de 04-07, e 185/2009, de 12-08
[4] Em relação às acções executivas o art. 88º nº 1 do CIRE refere que a declaração de insolvência determina a suspensão de qualquer diligências executivas requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.
[5] Conforme refere Luís Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 4.ª edição, 2008, págs. 127/128: “Entre os efeitos processuais da insolvência compreende-se a apensação de acções relacionadas com a massa insolvente, a qual no entanto depende de requerimento do administrador da insolvência. No entanto, independentemente dessa apensação, o administrador da insolvência substitui automaticamente o insolvente nas referidas acções”.

[6] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume I, 2006, pág. 356.

[7] Estudo publicado na revista Julgar nº 9 nº 9, Setembro/Dezembro 2009, págs. 173-187.

[8] In obra citada pág. 367.
[9] Anotam, ainda, os mesmos autores, na mesma página que “um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem reconhecidos em outro processo”.

[10] De notar que é ainda possível, findo o prazo das reclamações, reconhecer outros créditos, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção de verificação ulterior de créditos, no contexto do art. 146º, nº 2.

[11] Há que atender à especificidade da situação prevista no art. 39.º, em que o juiz, concluindo que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, dá apenas cumprimento ao disposto nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36.º do CIRE e declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, caso em que o processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado, nos termos do art. 39.º, n.º 7, al. b), que aqui não interessa analisar, e a que se fará alusão mais detalhada no final deste acórdão.
[12] ob. cit., pág. 448
[13] Estudo já referido pág. 183.

[14] Obra citada, pág. 587.
[15] É esta a posição constante, entre outros, dos acórdãos da Relação de Coimbra, de 22-03-2011 (Proc. n.º 216881/08.4YIPRT.C1) e de Lisboa, de 18-10-2006 (Proc. n.º 6544/2006-4), de 03-06-2009 (Proc. n.º 2113/04.0YXLSB.L1-2), de 30-06-2010 (Proc. n.º 424/06.0TTVFX.L1-4), de 15-02-2011 (Proc. n.º 3857/TBVFX.L1-7), e de 16-03-2011 (Proc. n.º 884/09.7TTALM.L1-4), todos acessíveis em http//www.dgsi.pt.
[16] Obra citada pág. 185.
[17] Conferir entre outros, Acórdãos da Relação de Lisboa, de 30-06-2010 (Proc. n.º 1814/08.9TTLSB.L1-4), e de 15-02-2011 (Proc. n.º 1135/06.1TVLSB.L1-1), e do Porto, de 17-12-2008 (Proc. n.º 0836085), de 22-09-2009 (Proc. n.º 413/08.0TBSTS-F.P1), de 02-03-2010 (Proc. n.º 6092/06.1TBVFR.P1), e de 01-06-2010 (Proc. n.º 6516/07.0TBVNG.P1).
[18] Acórdão proferido no âmbito do Proc. nº 424/06.0TTVFX.L1-4, mencionado na nota 16.

[19] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pág. 168.
[20] Cf. art. 78.º, n.º 7, do CIVA, com a redacção emergente da Lei n.º 3-B/2010, de 28-04:
Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:
a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil;
b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.
c) Nos termos de acordo obtido em procedimento extrajudicial de conciliação, em conformidade com o Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 201/2004, de 18 de Agosto”.
[21] Em www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[22] Vide acórdãos já mencionados.
[23] Perante as normas e o regime do CPEREF o acórdão deste STJ de 20-5-2003 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) decidiu, em sentido análogo ao aqui sustentado, que a reclamação nos autos de falência do mesmo crédito que se discute na acção declarativa, inutiliza a instância declarativa..