ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
10/09. 2TBLLE – A.E2.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/09/2011
SECÇÃO REVISTA EXCEPCIONAL

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA EXCEPCIONAL
DECISÃO NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCEPCIONAL
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS

DESCRITORES COMPETÊNCIA
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
CASO JULGADO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES

SUMÁRIO

a) A revista excepcional mais não é do que uma revista - regra vedada pela dupla conformidade (coincidência/ sobreposição do julgado pelas instâncias, sendo o Acórdão da Relação tirado por unanimidade, embora admitindo discordância quanto aos fundamentos) que vem a ser admitida por verificado algum dos requisitos do n.º 1 do artigo 721-A do Código de Processo Civil.

b) Esses requisitos, cuja ocorrência terá de ser invocada/motivada pelo recorrente são verificados pelo Colectivo a que se refere o n.º 3 daquele preceito.

c) A competência deste Colectivo tem como pressuposto a dupla conforme e limita-se à admissão extraordinária da revista.

d) Porém, se for notório que a revista - regra nunca poderia ser admitida, aquela Formação pode, desde logo, e por questão de economia processual, rejeitas as revistas.

e) Não sendo, desde logo, patente, evidente ou notória, a inadmissibilidade da revista - regra, o Colectivo em apreço limita-se a decidir da admissão da revista excepcional e deixar aquela questão para o M.º Conselheiro Relator a quem o processo venha a ser distribuído.

f) É que, então, não tem competência para se pronunciar, como não a terá se inexistir o pressuposto da dupla conformidade.

g) É sempre admissível revista regra nos casos elencados no n.º 2 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, devendo este preceito ser interpretado como excepção à regra absoluta do n.º 1 (impedimento em razão da alçada ou da sucumbência).

h) Daí que o n.º 2 do artigo 678.º prevaleça sobre o n.º 3 do artigo 721.º (dupla conformidade).

i) A excepção da parte final do artigo 387-A do Código de Processo Civil é, precisamente, a constituída pelos casos elencados no n.º 2 daquele artigo 678.º.

j) Se, em procedimento cautelar, com dupla conforme, o recorrente pede revista excepcional e revista - regra e invoca para esta a violação de caso julgado e para aquela a relevância jurídica a e contradição de julgados, este Colectivo/Formação irá, em primeira linha, conhecer estes requisitos por serem os que cabem na sua competência.

k) A questão tem relevância jurídica quando se apresenta com um grau de complexidade superior ao comum dos problemas que os tribunais decidem, ou por reclamar um aturado estudo ou reflexão, ou, finalmente, atendendo à natureza inovadora da lei, implicar um exercício de exegese de elevado grau de dificuldade.

l) A contradição de julgados prevista nas alíneas c) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 721-A do Código de Processo Civil não se confunde com a violação de caso julgado pois que aqui colidem duas decisões transitadas em lide com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir, enquanto a contradição de julgados apenas exige que o Acórdão recorrido tenha decidido uma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação, em sentido divergente de arestos definitivos de outras Relações ou do Supremo Tribunal de Justiça, irrelevando os sujeitos das lides, os pedidos e as causas de pedir, desde que o aresto recorrido não tenha seguido jurisprudência uniformizadora.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, os Juízes que constituem o Colectivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721-A do Código de Processo Civil.

AA, BB, CC e sua mulher DD requereram procedimento cautelar comum – declarando-o, desde logo, instrumental de acção inibitória a intentar ao abrigo do disposto nos artigos 10.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho – contra “D...P...Investimentos Turísticos, SA”, EE, FF, “... e Associados, SROC, Limitada” e GG.

Pediram que, a título antecipatório e provisório, até ao trânsito em julgado da acção que se propõem intentar:

“1.º

a) que as prestações periódicas a pagar pelos titulares de semanas vendidas, no ano de 2009, e nos anos seguintes, se não forem validamente alteradas em assembleia geral, são as que foram aprovadas por unanimidade dos titulares presentes e representados na assembleia geral do P... de 30 de Junho de 2007, ou seja, 163,75 por T0, 327,00 euros por T2, visto ser a última fixação da prestação periódica não impugnada.

b) que a 1.ª R fica impedida de exigir dos titulares de semanas vendidas quaisquer quantias não aprovadas em assembleia geral, designadamente a título de acréscimo de custos reais incorridos em exercício anterior em relação aos custos previstos;

c) que a 1.ª R não pode impedir a entrada dos titu1ares de semanas vendidas do empreendimento P... nos seus apartamentos e semanas, desde que tenham pago as respectivas prestações anuais deliberadas em assembleia geral do P..., e deve abster-se de impedir a entrada dos titulares nos seus apartamentos e nas suas semanas por falta de pagamento de quaisquer quantias que não tenham sido aprovadas em assembleia geral do P...;

d) que a 1.ª R não pode usar qualquer direito de voto nas assembleias gerais do Aparthotel P..., designadamente na assembleia geral a realizar no primeiro trimestre de 2009, de harmonia com o disposto no art° 34°, n° 4, do DL n° 275/93, de 5 de Agosto, enquanto não retirar do regime de direitos reais de habitação periódica pelo menos 40% dos 7.038 apartamentos de que se compõe o empreendimento, de harmonia com o preceituado no art° 4.º, n.º 1, alínea b), em conjugação com o art° 60°, n°s 1 e 4, ambos do DL n° 275/93, de 5 de Agosto, na redacção do DL n° 180/99, de 22 de Maio, e do DL n° 22/2002, de 31 de Janeiro, e

e) que após a 1.ª R ter retirado do regime de DRHP pelo menos 30% de apartamentos, não pode a 1.ª R a votar sobre o seu Relatório e Contas de cada ano e bem assim sobre a eleição ou recondução do Revisor Oficial de Contas e sobre a eleição do presidente da mesa da assembleia geral;

f) que a 1.ª R só pode exigir de cada um dos titulares de semanas vendidas a sua quota parte nos custos comuns do empreendimento proporcional à sua fruição, não podendo repercutir-lhes quaisquer outras quantias, sob a alegação de que o empreendimento lhe acarreta prejuízos,

g) e, designadamente, que os titulares de semanas vendidas nada têm a ver com o facto de haver cada vez mais titulares que não pagam as suas prestações anuais (sendo que, à medida que as prestações anuais sobem, cada vez mais titulares não pagam), não lhes podendo ser repercutidos quaisquer prejuízos que resultem para a R ... dos titulares que não pagam;

h) que a 1.ª R tem que contribuir para os custos comuns do empreendimento, em relação às semanas de que é proprietária, nos mesmos termos em que contribuem os demais titulares, independentemente do facto de a 1.ª R arrendar ou não as suas semanas, e que não existe qualquer base legal para a diferenciação entre custos fixos e custos variáveis, que permitam que a 1.ª R apenas contribua para os custos variáveis se e na medida em que arrendar as suas semanas, sendo que os demais titulares pagam a sua quota parte nos custos variáveis, tenham ou não usado os seus apartamentos;

i) que a imputação aos titulares de semanas vendidas da sua quota parte nos custos comuns não pode fazer-se na base de percentagem de semanas possuídas, mas sim distribuindo esses custos comuns por 9 664,5 pontos, cabendo a cada semana de apartamento tipo T0 o valor correspondente a 1 ponto, a cada semana do tipo T1 o valor correspondente a 1,5 pontos e a cada semana de apartamento tipo T2 o valor correspondente a 2 pontos;

j) que, enquanto o título constitutivo dos DRHP do P... não for alterado, a 1.ª R tem apenas direito às despesas de administração, ainda que com a designação de “remuneração”; e

l) que está vinculada, até deliberação válida em contrário, à deliberação tomada na assembleia geral de 31 de Março de 2005 de que as despesas de administração, ainda que com a designação a sua “remuneração”, corresponda a 10% dos custos imputáveis aos titulares de semanas vendidas;

2.º

a) que o 2.º R , enquanto se mantiver no exercício as funções de presidente da mesa da assembleia geral do Aparthotel P..., para que foi eleito na assembleia fantoche de 30 de Março de 2007, não pode admitir a 1.ª R a usar de qualquer direito de voto nas assembleias gerais do Aparthotel P... designadamente na assembleia geral a realizar no 1° trimestre de 2009, de harmonia com o disposto no art° 34°, n° 4, do DL no 275/93, de 5 de Agosto, se a 1.ª R antes não tiver retirado do regime de direitos reais de habitação periódica pelo menos 30% dos 7.038 apartamentos de que se compõe o empreendimento, em conformidade com o preceituado no art° 4°, n° 1, alínea b), em conjugação com o art° 60°, n°s 1 e 4, ambos do DL n° 275/93, de 5 de Agosto, na redacção do DL 180/99, de 22 de Maio, e do DL n° 22/2002, de 31 de Janeiro;

b) que, após a 1.ª R ter retirado do regime de DRHP pelo menos 30% de apartamentos, não pode admitir a 1.ª R a votar sobre o seu Relatório e Contas de cada ano e bem assim sobre a eleição ou recondução do Revisor Oficial de Contas e sobre a eleição do presidente da mesa da assembleia geral;

3.º

a) que a Ordem de Trabalhos das assembleias gerais do Aparthotel P... e as respectivas convocatórias têm que ser assinadas pelo presidente da mesa da assembleia geral;  

b) que o controlo das credenciais dos titulares e procurações que apresentem tem que ser feito no próprio dia designado para a assembleia geral, sob a direcção do próprio presidente da mesa, que tem que estar presente no acto, só podendo a assembleia começar quando o controlo estiver terminado;

c) que a convocatória das assembleias gerais, tem que definir as exigências relativas à credenciação dos poderes dos titulares e dos seus representados, não podendo a 1.ª R ou o presidente da mesa exigir requisitos que não tenha sido explicitados na convocatória;

d) que não podem ser recusadas as procurações assinadas pelos respectivos titulares, não podendo ser recusadas as que não tenham as assinaturas reconhecidas notarialmente ou que não venham acompanhadas de documento identificativo dos titulares;

4°. que os 3.º e 4°RR são obrigados:

a) a fazer constar dos seus Relatórios sobre as Contas apresentadas pela 1.ª R que os custos por esta suportados com advogados, em processos em que esta se encontre envolvida com titulares de semanas vendidas, e demais custos em processos, devem ser suportados exclusivamente pela 1.ª R;

b) a não aceitar que os custos com a realização das assembleias gerais sejam suportados apenas pelos titulares de semanas vendidas;

c) a não considerar correcta a imputação aos titulares de semanas vendidas os prejuízos alegadamente invocados pela 1.ª R resultantes dos titulares que não lhe pagam;

d) a não aceitar a divisão de custos comuns do empreendimento em custos fixos e custos variáveis, por forma que a 1.ª R suporte menos percentagem nos custos variáveis do que as semanas de que se diz titular;

e) a considerar, em consequência, que tais factos e efeitos jurídicos devem ser tidas em conta para efeito da proposta de aumento ou diminuição das contribuições anuais a prestar pelos titulares de semanas vendidas, de harmonia com o preceituado no art° 24°, n° 1, do DL n° 293/95, de 5 de Agosto.”

Mais requereram que a decisão sobre os pedidos 1°, alínea d), 2°, alínea a) e 3°, alíneas a), b) e c), seja tomada sem a realização de outras provas para além da documental ora apresentada, que se afigura suficiente para a decisão desses pedidos, sendo certo que se trata, essencialmente, de questões de direito, e sem audiência prévia dos Requeridos, ao abrigo do preceituado no art° 385°, n° 1, do Código de Processo Civil, em virtude de a sua audição prévia colocar em risco a eficácia desta providência cautelar, já que se aproxima a convocação e a realização da assembleia geral do P... do 1° trimestre de 2009, prevista no art° 340, n°4, do DL n° 275/93, de 5 de Agosto, e não ser possível a tomada de decisão a tempo de produzir efeitos até à convocatória (com pelo menos 30 dias de antecedência) da referida assembleia geral, se os Requeridos forem ouvidos previamente.

Requereram a citação do Ministério Público, para intervir, de harmonia com o preceituado no art° 20° da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.

Na 1.ª instância foram citados os requeridos e deduzidas as respectivas oposições, em que foram suscitadas excepções de ilegitimidade das partes e de litispendência e requerida a suspensão da instância por prejudicialidade (relativamente a outro procedimento cautelar a correr termos na 9.ª Vara Cível de Lisboa), e veio a ser logo proferida decisão (por se entender ser possível conhecer do mérito sem necessidade de quaisquer outras diligências), do seguinte teor: julgar as partes legítimas; julgar improcedente a excepção de litispendência; indeferir o pedido de suspensão da instância; declarar a inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos sob as als. d) e m) supra, na parte em que se referem à assembleia geral de 2009 (já entretanto realizada); julgar improcedente a providência cautelar.

Os requerentes apelaram para a Relação de Évora que revogou aquela decisão e determinou o procedimento da lide.

Após a produção de prova, foi proferida a seguinte decisão:

“a) absolver da instância os Requeridos FF, ... e Associados SROC, Lda. e GG, por inutilidade superveniente da lide;

b) determinar que para as assembleias gerais do empreendimento P... não possam ser recusadas as procurações assinadas pelos respectivos titulares, sem assinatura notarialmente reconhecida ou sem estarem acompanhadas de documento identificativo cio respectivo titular, não podendo também constar da convocatória exigência que extravase a lei;

c) determinar que as assembleias gerais não poderão iniciar-se antes de controladas todas as credenciais, sob a direcção do Presidente da mesa o que não obsta à delegação do acto em pessoas da sua confiança e, consequentemente, a que o mesmo não esteja no mesmo espaço físico destas;

d) indeferir o demais peticionado.”

De novo, apelaram os requerentes para aquela Relação que, por unanimidade, julgou o recurso improcedente e confirmou, tal qual, a decisão recorrida.

Vêm, então, pedir revista apresentando o respectivo requerimento com as alegações (fls. 1957 a 2007) invocando para a sua admissão quer a violação de caso julgado ou, se entendido tratar-se de revista excepcional, a relevância jurídica e a contradição de julgados.

Os recorridos produziram contra alegações defendendo, além do mais, a inadmissibilidade do recurso.

Sem precedência de vistos, cumpre conhecer.

1. Revista excepcional.

2. Relevância jurídica.

3. Contradição de julgados.

4. Procedimento cautelar.

5. Conclusões.

1 Revista excepcional.

Ponderando a data de instauração da lide é aplicável ao recurso de revista a redacção que o Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24 de Agosto, deu aos artigos 721.° e 722.°, introduzindo o artigo 721-A, todos do Código de Processo Civil.

O recurso terá de ser admissível como revista normal (ordinária) não fora o disposto no n.° 3 daquele artigo 721.°.

Aí se dispõe o princípio da irrecorribilidade tratando-se de Acórdão da Relação que confirme, unânime e irrestritamente (salvo discordância quanto à argumentação discursiva) a decisão da 1.ª instância.

Então, a revista só possível como excepcional perfilando-se algum dos requisitos do n.° 1 do artigo 721.°-A do diploma adjectivo.

Requisitos que, sob pena de rejeição, o recorrente tem de alegar e motivar e cuja verificação está a cargo deste Conclave — n.°s 2 e 3 do mesmo artigo.

Mas, como se insinuou, terá, de apurar-se, a montante, se a dupla conformidade é a única razão para que não haja revista-regra pois a existência de qualquer outra inviabiliza a revista excepcional (cfr., v.g., Acórdãos deste Colectivo - P.° 544/O8.6TBGDL.E1.S1 e P.º 358/10.3TBCLD.A.L1.S.1).

A competência deste Colectivo depende, assim, da presença da dupla conformidade limitando-se, depois, à verificação de qualquer daqueles requisitos.

Então, e se não presentes, quer por o impetrante não ter dado cumprimento ao ónus do n.º 2 do artigo 721-A do Código de Processo Civil, quer por os mesmos não se verificarem, de todo, a revista não é excepcionalmente admitida.

No entanto, vimos entendendo que, não obstante a dupla conformidade e a alegação dos requisitos do n.º 1 do artigo 721-A, podemos, desde logo, não admitir o recurso se for notória qualquer outra razão legal de inadmissibilidade (v.g. alçada, sucumbência, ou preceito expresso que exclua a revista).

Assim, numa perspectiva de economia processual, evitar-se-á uma nova distribuição sabendo, de antemão, que o recurso irá ser rejeitado.

Este entendimento foi aceite, entre outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, P.º 2707/11 – 8TBVR-A.P.1.S1.

Assim, a única razão que exclui, desde logo, a competência do Colectivo do n.º 3 do artigo 721-A do Código de Processo Civil é a desconformidade das decisões das instâncias.

Neste caso, os autos irão sempre à distribuição competindo ao M.º Conselheiro Relator decidir sobre a admissibilidade do recurso.

2 Relevância jurídica.

Considerando que existia, como de facto existe, uma situação de dupla conformidade, os recorrentes afirmaram pretender lançar mão da revista excepcional, invocando as alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 721-A do Código de Processo Civil.

Mas para tal teriam, em primeira linha, de invocar a relevância jurídica da “vexata quaestio” para, de seguida, a motivar, nos termos impostos pelo n.º 2 daquele preceito.

Crê-se, contudo, que não lograram a demonstração de se tratar de questão cuja importância justifique claramente a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, em termos de conseguir uma melhor aplicação do direito.

2.1 Vimos entendendo que a relevância jurídica inserível naquela alínea a) –  tema cuja reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça “seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” — implica que a questão se apresente com “um grau de complexidade superior ao comum dos problemas que se suscitam nos litígios que são apresentados nos tribunais” (...) sendo «matéria de grande importância para a comunidade, susceptível de se colocar repetidamente para ser resolvido em via judicial.” (P.° 3067/08 OYY LSB - A.S. 1); «que a questão sub judice surja como especialmente complexa e difícil, seja em razão de inovações no quadro legal, do uso de conceitos indeterminados, de remissões condicionadas à adaptabilidade a outra matéria das soluções da norma que funciona como supletiva e, em geral, quando o quadro legal suscite dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência.” (P.° 785/08 6TBOER.Ll.Sl); “uma questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, seja porque se trata de questão nova que, à partida, se revela susceptível de provocar divergências por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis de conduzir a decisões contraditórias.” (3401/08 — 2TBCSC.L1.S1); “tal relevância jurídica implica que esteja em causa uma questão de manifesta dificuldade e complexidade, para cuja solução jurídica se torne necessário um profundo e pormenorizado estudo e reflexão.” (P.° 1847/08 5TVLSB-A.L1.S1). (cfr. Ainda, e v. g. os P.°s 941/08.7BCBR.C1.Sl e 288/09.1TBES.B.G1.S1).

Ora, os recorrentes limitam-se a alegar para preencher este requisito que “o acórdão recorrido acolhe uma visão extremamente redutora do âmbito de aplicação do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96”.

 E continuam:

“Embora reconheça que os direitos dos titulares de DRHP podem ser defendidos através da proposição de acções inibitórias, parece que o admite muito a custo, pois relega estas acções para o último lugar dos meios processuais admissíveis. Designadamente, afirma que os meios processuais mais adequados para a defesa dos direitos desses titulares, violados através de deliberações ilegais tomadas em assembleias gerais previstas no DL n.º 275/93, são as acções de anulação de deliberações e correlativos processos cautelares de suspensão dessas deliberações e acções de indemnização. Admite, é certo que seja possível o uso do procedimento cautelar inominado, por apenso à acção inibitória, mas em termos de, sempre que esteja em jogo a violação de direitos dos titulares de DRBP por parte do administrador do empreendimento e eles impliquem a produção de danos de natureza económica, para que se verifique o requisito ‘lesão grave e dificilmente reparável’, ser necessário que esses danos sejam de montante apreciável e que o causador dos danos não tenha capacidade económica para os ressarcir. Ora, esta visão das coisas ofende, de modo frontal e insofismável, o princípio consagrado no art° 52°, n° 3, alínea a), da Constituição da garantia de defesa dos direitos dos consumidores.”

Concluem a pugnar pela interpretação do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, “no sentido de que os direitos reais de habitação periódica por parte da entidade prestadora de seguros aos seus consumidores constitui lesão grave e dificilmente reparável daqueles direitos para o efeito do disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Civil.”

Não se adere à tese que este entendimento implique a inserção da questão na alínea a) do n.º 1 do artigo 721-A do Código de Processo Civil face à densificação do conceito muito aberto contido nesse preceito nos precisos termos da jurisprudência acima citada.

Consideram, pois, inverificado este primeiro requisito da revista excepcional.

3 Contradição de julgados.

 3.1 Insistem os recorrentes na revista excepcional agora com base na alínea c) do n.º 1 daquele artigo 721-A do Código de Processo Civil.

Invocam como fundamento o Acórdão da Relação de Évora, de 29 de Setembro de 2010 (fls. 1417-1428).

Aqui, notóriamente sem razão.

Trata-se de Acórdão proferido nesta mesma lide.

Como se disse no início, este aresto limitou-se a revogar o despacho que indeferiu o procedimento cautelar e a determinar o prosseguimento dos respectivos termos.

O Acórdão recorrido indeferiu o processo preventivo no seu mérito.

Os impetrantes consideram que a contradição de julgados está em o Acórdão fundamento, a dado passo, afirmar o seguinte:

 “No entanto, é manifesto que, atento o quadro táctico traçado pelos Requerentes, a não serem tomadas medidas que vão de encontro à pretensão dos Requerentes, as deliberações tomadas nas AG’s podem constituir grave e irreparável lesão para os interesses dos Requerentes e de todos os titulares de DRHP do empreendimento em apreço. Daí que se conclua que os factos alegados pelos Requerentes, como fundamento da sua pretensão, consubstanciam lesão grave e dificilmente reparável para efeitos do disposto no n.° 1 do art.° 381 do CPC.”

Afirmação que foi fundamento para que a lide – então indeferida sem produção de qualquer prova – fosse mandada prosseguir.

No Acórdão recorrido, que indeferiu o procedimento, disse-se: “Do que se invocou em termos doutrinários, é claro que, estando em causa interesses predominantemente económicos (como sucede nos presentes autos), a providência cautelar comum é de aplicação muito restrita, por serem «passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva» — e, por isso, para alcançar o desiderato pretendido pelos requerentes, estão muito mais vocacionadas (do que o presente procedimento cautelar, ainda que não sendo este inadmissível, à luz do art° 10, n° 1, da Lei n° 24/96) acções de anulação de deliberações sociais (e correlativos procedimentos cautelares de suspensão das mesmas, que os requerentes até têm profusamente proposto), ou acções de indemnização, ou até, com intuito definitivo, uma acção inibitória como aquela de que os presentes autos constituem apenso. Ora, in casu, dada a reparabilidade das consequências da actuação ilícita da 1.ª requerida (designadamente, por via indemnizatória), não se pode afirmar que estejamos perante uma lesão susceptível de preencher as condições necessárias à procedência da providência requerida. Nesta conformidade, afigura-se adequado o juízo do tribunal recorrido de não verificação do mencionado requisito, no que se funda a improcedência decretada. E, excluída a verificação desse requisito, prejudicada fica a apreciação de quaisquer outras questões relativas à delimitação dos direitos a reconhecer aos requerentes.”

Note-se, desde já, que este requisito da revista excepcional não pode confundir-se com a excepção de caso julgado, já que aqui ocorre uma repetição da causa, (a contender com a imutabilidade da sentença) sendo as mesmas as partes, o pedido, e a causa de pedir (artigos 497.º e 498.º do Código de Processo Civil).

Ali o que acontece é que o Acórdão recorrido consagrou um entendimento “sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação”, sem que a jurisprudência sobre tal tivesse sido uniformizada em contradição com outra, já transitada em julgado, de qualquer Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, irrelevando a coincidência de sujeitos, de pedido ou de causa de pedir (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2011 – 153/04. 9TBTMC.P1.S1).

3.2 Do que se deixou transcrito e ora se afirmou, resulta poder concluir-se que não se está perante o requisito afirmado pois que os Acórdãos recorrido e fundamento se reportam a situações de facto – aquela já apurada e esta meramente afirmada – não se tratando de dar por assente uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito.

Não é, em consequência, caso de presença do requisito da contradição de julgados a permitir a revista excepcional.

4 Procedimento cautelar.

4.1 Tendo concluído, como concluímos, pela inadmissibilidade da revista excepcional, vejamos se, e nos termos atrás acenados, se perfila uma situação notória de inadmissibilidade de revista-regra, em termos de este Colectivo poder, desde já, rejeitar o recurso.

O artigo 387-A do Código de Processo Civil veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos procedimentos cautelares “sem prejuízo dos casos” em que o mesmo “é sempre admissível”.

Temos por certo que essas excepções são as elencadas no n.º 2 do artigo 678.º, sendo que a que estaria aqui em causa, por invocada pelos recorrentes, é  a da alínea a) “in fine”.

Entendemos que esta norma prevalece sobre o n.º 3 do artigo 721, ou seja, que a mesma foi excepcionada naquele artigo 387-A.

 Depois, se verificado não ocorrer dupla conformidade, a revista regra é possível.

Verificando-se dupla conformidade, passa-se à fase do artigo 721-A, para admitir a revista excepcional.

Finalmente, embora ocorrendo dupla conformidade, mas não se perfilando nenhuma das situações do n.º 2 do artigo 678.º, não há lugar a qualquer tipo de revista por o impedir o citado artigo 387-A.

Optamos por este entendimento.

Daí que, “in casu”, e tendo concluído desde logo pela não admissão da revista excepcional, (para o que somos competentes por presente uma situação de conformidade dupla) haveria que apurar da admissibilidade de revista regra, por invocada a alínea a), “in fine”, do n.º 2 do artigo 678.º do Código de Processo Civil.

“Ex abundantia”, sempre se poderia dizer ser duvidoso estar-se perante uma violação de caso julgado material, uma vez que o Acórdão recorrido não julgou, de mérito, em sentido oposto ao que o Acórdão de 29 de Setembro de 2010 decidira.

Doutrinariamente, a contradição para efeitos de caso julgado só releva nos “termos em que julga” na decisão em si não abrangendo nem os fundamentos de facto, nem os de direito (cfr. Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, II, 1969, 302).

E o que aqui parece ter-se verificado foi um aresto sem produção de prova, a mandar prosseguir a lide cautelar com o fundamento que o alegado pelos requerentes podia caracterizar o “periculum in mora” e o segundo Acórdão (ora recorrido) a decidir, após a produção de prova, que a reparabilidade dos danos não permitia integrar esse requisito.

Porém, este Colectivo não tem competência para decidir sobre esta questão (e só o faria excepcionalmente se a situação fosse notória e incontroversa – tal como acima se disse – o que não parece ser o caso) que ficará a cargo do M.º Conselheiro Relator a quem os autos venham a ser distribuídos como revista -regra.

Nós limitamo-nos a indeferir o pedido de revista excepcional.

5 Conclusões.

É, então, de concluir que:

a) A revista excepcional mais não é do que uma revista - regra vedada pela dupla conformidade (coincidência/ sobreposição do julgado pelas instâncias, sendo o Acórdão da Relação tirado por unanimidade, embora admitindo discordância quanto aos fundamentos) que vem a ser admitida por verificado algum dos requisitos do n.º 1 do artigo 721-A do Código de Processo Civil.

b) Esses requisitos, cuja ocorrência terá de ser invocada/motivada pelo recorrente são verificados pelo Colectivo a que se refere o n.º 3 daquele preceito.

c) A competência deste Colectivo tem como pressuposto a dupla conforme e limita-se à admissão extraordinária da revista.

d) Porém, se for notório que a revista - regra nunca poderia ser admitida, aquela Formação pode, desde logo, e por questão de economia processual, rejeitas as revistas.

e) Não sendo, desde logo, patente, evidente ou notória, a inadmissibilidade da revista - regra, o Colectivo em apreço limita-se a decidir da admissão da revista excepcional e deixar aquela questão para o M.º Conselheiro Relator a quem o processo venha a ser distribuído.

f) É que, então, não tem competência para se pronunciar, como não a terá se inexistir o pressuposto da dupla conformidade.

g) É sempre admissível revista regra nos casos elencados no n.º 2 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, devendo este preceito ser interpretado como excepção à regra absoluta do n.º 1 (impedimento em razão da alçada ou da sucumbência).

h) Daí que o n.º 2 do artigo 678.º prevaleça sobre o n.º 3 do artigo 721.º (dupla conformidade).

i) A excepção da parte final do artigo 387-A do Código de Processo Civil é, precisamente, a constituída pelos casos elencados no n.º 2 daquele artigo 678.º.

j) Se, em procedimento cautelar, com dupla conforme, o recorrente pede revista excepcional e revista - regra e invoca para esta a violação de caso julgado e para aquela a relevância jurídica a e contradição de julgados, este Colectivo/Formação irá, em primeira linha, conhecer estes requisitos por serem os que cabem na sua competência.

k) A questão tem relevância jurídica quando se apresenta com um grau de complexidade superior ao comum dos problemas que os tribunais decidem, ou por reclamar um aturado estudo ou reflexão, ou, finalmente, atendendo à natureza inovadora da lei, implicar um exercício de exegese de elevado grau de dificuldade.

l) A contradição de julgados prevista nas alíneas c) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 721-A do Código de Processo Civil não se confunde com a violação de caso julgado pois que aqui colidem duas decisões transitadas em lide com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir, enquanto a contradição de julgados apenas exige que o Acórdão recorrido tenha decidido uma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação, em sentido divergente de arestos definitivos de outras Relações ou do Supremo Tribunal de Justiça, irrelevando os sujeitos das lides, os pedidos e as causas de pedir, desde que o aresto recorrido não tenha seguido jurisprudência uniformizadora.

Nos termos expostos, acordam não admitir a revista excepcional.

Mas acordam determinar que os autos sejam distribuídos para eventual conhecimento da revista regra.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Dezembro de 2011

Sebastião Povoas (Relator)

Pires da Rosa

Silva Salazar