ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
69/09.2PAGDM.P1.SD1
DATA DO ACÓRDÃO 11/03/2011
SECÇÃO 5ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
VOTAÇÃO MAIORIA COM * VOT VENC

RELATOR RODRIGUES DA COSTA

DESCRITORES ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SUMÁRIO

I - No presente caso está-se em face de um acórdão do tribunal colectivo e de um recurso que visa exclusivamente o reexame da matéria de direito: o recorrente foi condenado pela prática de vários crimes (roubo simples e qualificado, violação, sequestro e condução sem habilitação legal), em várias penas que não ultrapassam e em penas que ultrapassam ligeiramente os 5 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 12 anos de prisão.
II - Como vem sendo entendimento da jurisprudência, expresso numa parte significativa da jurisprudência, nos casos de recurso directo do tribunal colectivo para o STJ, foi restringida significativamente a possibilidade desse recurso, pois, para além da exigência – que vinha da anterior reforma introduzida pela Lei 59/98, de 25-08 –, de o recurso visar exclusivamente matéria de direito passar agora a estender-se ao recurso da decisão final do tribunal de júri, foi acrescentado o pressuposto relativo à pena, que não constava do texto legal, a não ser de modo implícito, pela referência ao tribunal colectivo e à competência deste, resultante do art. 14.º do CPP, em especial da al. b) do n.º 2: processos respeitantes a crimes, cuja pena aplicável fosse superior a 5 anos de prisão, mesmo no caso de concurso de infracções em que fosse inferior a esse limite a pena aplicável a cada a crime.
III - Com a redacção actual, passou a exigir-se, como pressuposto do recurso directo para o STJ, que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão; com efeito, só são recorríveis para o STJ os acórdãos do tribunal colectivo ou do tribunal de júri, que, visando exclusivamente matéria de direito, tenham aplicado pena superior a 5 anos de prisão.
IV - Na perspectiva dessa jurisprudência – que tem a nossa adesão –, mesmo considerando que a expressão pena aplicada tanto pode referir-se à pena singular, como à pena conjunta, o certo é que, tendo em mente o focado desígnio de redução drástica dos recursos para o STJ, ou de reserva deste para os casos mais graves, a referida expressão (pena aplicada) só alcança projecção relevante, nesse enquadramento, quando entendida na sua dupla faceta de referência quer a penas singulares, quer à pena conjunta, estando em causa um concurso de crimes.
V - Só serão passíveis de recurso directo para o STJ as decisões do tribunal colectivo ou de júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena superior a 5 anos de prisão ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares aplicadas sejam iguais ou inferiores a 5 anos de prisão.
VI - Neste caso, porém, o recurso será restrito à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e a pena conjunta.
VII - Na verdade, seria um contra-senso, na perspectiva da reforma introduzida, que o legislador, ao falar de pena aplicada em concreto, pretendesse referir-se tão-somente à pena a cumprir ou à pena única, num caso de concurso de infracções, levando o STJ a conhecer de todos os crimes que formam esse concurso, mesmo que tais crimes correspondessem àquela noção que normalmente se designa de criminalidade bagatelar ou a que tivesse sido aplicada uma pena de gravidade não superior a determinado limite, a que, em geral, se associa a pequena e média criminalidade.
VIII - Este contra-senso tornar-se-ia mais saliente se, levando às últimas consequências tal tese (a de que a pena conjunta e só esta é que, por ser superior a 5 anos de prisão, determinaria a competência do STJ), se tivesse que admitir que era possível o recurso directo para o STJ mesmo que não se pusesse em questão a pena única, superior àquele limite, mas só qualquer das penas parcelares, inferiores a 5 anos de prisão, ou questões relativas aos respectivos crimes, com eventual reformulação consequencial da pena única.
IX - Isto é, nos casos em que a pena única só indirectamente e por via da impugnação de qualquer das penas singulares inferiores a 5 anos de prisão viesse a ser posta em causa, e não como decorrência da violação dos critérios de determinação desta.
X - Por outro lado, a lei, ao referir-se, nas alíneas e) e f) do art. 400.º do CPP, a pena aplicada não adopta critério diferente do aqui consignado, pois, também aí, é possível distinguir (e assim se tem distinguido) entre pena singular e pena conjunta, nomeadamente para efeitos de se não incluírem no recurso de revista que tenha sido interposto da decisão final as questões relativas a crimes em que foram aplicadas penas singulares iguais ou inferiores a 8 anos de prisão que tenham sido confirmadas pela Relação, num concurso de crimes, ou relativas a uma pena não privativa de liberdade, também numa situação de crimes concorrentes.
XI - Já, pelo contrário, tem-se considerado que podem ser incluídas nesse recurso as questões de direito relativas a penas singulares (e só estas) que ultrapassem 8 anos de prisão, bem como a pena conjunta, necessariamente superior.




DECISÃO TEXTO INTEGRAL



I. Relatório
1. AA foi julgado pelo tribunal colectivo de Gondomar, no âmbito do processo n.º 69/09.2PAGDM e, por acórdão de 1-06-2011, foi condenado, para além do mais:

a) Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210/1, 2, b), e 4, com referência ao art. 204/2, f), ambos do Código Penal, e ao art. 4.º do DL n.º 48/95, de 15.03, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão (factos de lI.l a II. 12);
b) Pela prática, em autoria material, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158/1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (factos de II.I a I1.12);
c) Pela prática, em autoria material, de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164/1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos de II. 1 a lI.12);
d) Pela prática, em autoria material, de dois crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo are. 210/1 e 2, b), com referência ao art. 204/2, f), ambos do Código Penal, e ao art. 4.° do DL n.º 48/95, de 15,03, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão para cada um deles (factos de 1I.13 a lI.29);
e) Pela prática, em autoria material, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158/1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (factos de II.13 a Il.29);
f) Pela prática, em autoria material, de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164/1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
g) Pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.°/1 e 2 do DL n.º 2/93, de 3.01, na pena de 3 (três) meses de prisão;
h) Em cúmulo jurídico das penas anteriores, na pena única de 12 (doze) anos de prisão;
Mais se julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB e, em consequência, condenar o arguido no pagamento das quantia de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado. E julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante CC e, em consequência, condenar o arguido no pagamento da quantia de € 7500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.


2. Do acórdão condenatório recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto e suscitou tão só questões relativas às medidas das diversas penas parcelares e também da pena única, que considera que devem ser reduzidas, como também considerou excessivos os montantes indemnizatórios arbitrados.
No Tribunal da Relação do Porto, por despacho do Relator de 16-09-2011, considerou-se que o recurso versava exclusivamente o reexame de questões de direito e que a pena aplicada tinha sido superior a 5 anos de prisão, pelo que, nos termos do art.º 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, o tribunal competente para o conhecer era o STJ.

3. No STJ, o M.º P.º suscitou a questão da competência do tribunal e defendeu que, nestes casos em que algumas das penas parcelares aplicadas são inferiores a 5 anos de prisão, embora a pena única seja superior e em que o recorrente quer reexaminar aquelas penas parcelares e também a pena única, não há lugar à aplicação do art.º 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, devendo seguir-se a regra geral de que o recurso da decisão da 1ª instância, salvo indicação em contrário, se interpõe para a relação, de acordo com a jurisprudência, que considera maioritária, da 5ª Secção Criminal.

4. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
Impõe-se, pois, decidir a questão prévia levantada pelo Ministério Público.

II. Fundamentação
5. Como resulta do exposto no n.º 1, o arguido foi condenado pela prática de vários crimes (roubo simples, roubo qualificado, violação, sequestro e condução sem habilitação legal), em várias penas que não ultrapassam 5 anos de prisão [as penas relativas aos crimes indicados nas alíneas a), b), d), e) e g)] e em penas que ultrapassam ligeiramente os 5 anos de prisão [as dos crimes indicados nas alíneas c) e f)].
Em cúmulo jurídico dessas penas, foi condenado na pena única de 12 anos de prisão.
No recurso, que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, pôs em causa questões relativas às várias penas singulares que lhe foram aplicadas, pondo também em causa a medida da pena única, desde logo como resultado da contestação das penas singulares.

6. Nos termos da alínea c) do art. 432.º actualmente vigente, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito

No caso, estamos em face de um acórdão do tribunal colectivo e de um recurso que visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Resta saber se se verifica o outro pressuposto relativo à medida da pena.
Como vem sendo entendimento neste Tribunal, expressa numa parte significativa da jurisprudência, nos casos de recurso directo do tribunal colectivo para o STJ, foi restringida significativamente a possibilidade desse recurso, pois, para além da exigência, que vinha já da anterior reforma (introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), de o recurso visar exclusivamente matéria de direito passar agora a estender-se ao recurso da decisão final do tribunal de júri, foi acrescentado o pressuposto relativo à pena, que não constava do texto legal, a não ser de modo implícito, pela referência ao tribunal colectivo e à competência deste, resultante do art. 14.º do CPP, em especial da alínea b) do n.º 2: processos respeitantes a crimes, cuja pena aplicável fosse superior a 5 anos de prisão, mesmo no caso de concurso de infracções em que fosse inferior a esse limite a pena aplicável a cada crime.

Com a redacção actual, passou a exigir-se, como pressuposto do recurso directo para o STJ, que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão. Com efeito, só são recorríveis para o STJ os acórdãos do tribunal colectivo ou do tribunal de júri, que, visando exclusivamente matéria de direito, tenham aplicado pena superior a 5 anos de prisão.

Na perspectiva da jurisprudência a que começámos por aludir e que tem a nossa adesão, mesmo considerando que a expressão pena aplicada tanto pode referir-se à pena singular, como à pena conjunta, o certo é que, tendo em mente o focado desígnio de restrição drástica dos recursos para o STJ, ou de reserva deste para os casos mais graves, como objectivo visado pelas alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e afirmado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, a referida expressão – pena aplicada - só alcança projecção relevante, nesse enquadramento, quando entendida na sua dupla faceta de referência quer a penas singulares, quer à pena conjunta, estando em causa um concurso de crimes.

Por outras palavras: só serão passíveis de recurso directo para o STJ as decisões do tribunal colectivo ou de júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena superior a 5 anos de prisão ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares aplicadas sejam iguais ou inferiores a 5 anos de prisão. Neste caso, porém, o recurso será restrito à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e a pena conjunta (entre muitos outros, cf. Acórdão de 02-04-2008, Proc. n.º 415/08, da 3.ª Secção, de 15/07/2008, Proc. n.º 816-08, da 5.ª Secção, este do mesmo relator deste processo, Acórdãos de 15-04-2011, Proc. n.º 33-10.9GDSNT.S1, também da 5.ª Secção).

Como se conclui no recente acórdão de 21-09-2011, Proc. n.º 7406/04.4TDPRT.P1.S1, da 5.ª Secção: «Por isso, no caso de ser aplicada mais do que uma pena de prisão, verificando-se, relativamente a uma delas (ou mais do que uma), o pressuposto de recorribilidade para o Supremo, a competência do Supremo só deve ser afirmada se o recurso tiver por objecto, justamente, questões de direito relativas aos crimes por que essa ou essas penas (de medida concreta de prisão superior a 5 anos) foram aplicadas. Daí que, se na decisão final do tribunal de júri ou do tribunal colectivo forem aplicadas penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos e penas de prisão superiores a 5 anos, mas o objecto do recurso se referir – ou, também, se referir – a questões de direito relativas aos crimes por que foram aplicadas as penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos, a competência para conhecer do recurso caiba à relação.»

Na verdade, seria um contra-senso, na perspectiva da reforma introduzida, visando a restrição do recurso para o Supremo Tribunal, que o legislador, ao falar de pena aplicada em concreto, pretendesse referir-se tão-somente à pena a cumprir ou à pena única, num caso de concurso de infracções, levando o STJ a conhecer de todos os crimes que formam esse concurso, mesmo que tais crimes correspondessem àquela noção que normalmente se designa de criminalidade bagatelar ou a que tivesse sido aplicada uma pena de gravidade não superior a determinado limite, a que, em geral, se associa a pequena e média criminalidade.

Esse contra-senso tornar-se-ia mais saliente se, levando às últimas consequências tal tese – a de que a pena conjunta e só esta é que, por ser superior a cinco anos de prisão, determinaria a competência do STJ – se tivesse que admitir que era possível o recurso directo para o STJ mesmo que não se pusesse em questão a pena única, superior àquele limite, mas só qualquer das penas parcelares, inferiores a cinco anos de prisão, ou questões relativas aos respectivos crimes, com eventual reformulação consequencial da pena única. Isto é, nos casos em que a pena única só indirectamente e por via da impugnação de qualquer das penas singulares inferiores a cinco anos de prisão viesse a ser posta em causa, e não como decorrência da violação dos critérios de determinação desta.

Seria o caso, por exemplo, de um arguido ter sido condenado por 2 crimes de violação, dos artigos 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.º 5 do CP, nas penas de 8 anos de prisão por cada um deles e por detenção de arma proibida, do artigo 86.º, alínea d), com referência ao art. 2.º, n.º 1, alínea m) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 60 dias de multa e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão e 60 dias de multa, e o Ministério Público ter interposto recurso da decisão, pretendendo a aplicação de uma pena de prisão para este último crime. Ou então ter sido aplicada, no mesmo caso, uma pena de 6 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida e o arguido ter impugnado esta pena, pretendendo a aplicação de pena de multa.

Em qualquer das situações, estaria em causa apenas a contestação de uma pena por um crime menor, embora, por efeito de reajustamento, caso viesse a proceder o recurso, tal tivesse reflexo na pena única (não impugnada directa ou explicitamente).

Ora, seria completamente ilógico e contrário ao objectivo declarado de reservar para o STJ os casos de maior gravidade, obrigar aquele tribunal a conhecer de situações que tais.

Por outro lado, a lei, ao referir-se, nas alíneas e) e f) do art. 400.º do CPP, a pena aplicada não adopta critério diferente do aqui consignado, pois, também aí, é possível distinguir (e assim se tem distinguido) entre pena singular e pena conjunta, nomeadamente para efeitos de se não incluírem no recurso de revista que tenha sido interposto da decisão final as questões relativas a crimes em que foram aplicadas penas singulares iguais ou inferiores a 8 anos de prisão que tenham sido confirmadas pela relação, num concurso de crimes, ou relativas a uma pena não privativa de liberdade, também numa situação de crimes concorrentes. Já, pelo contrário, tem-se considerado que podem ser incluídas nesse recurso as questões de direito relativas a penas singulares (e só estas) que ultrapassem 8 anos de prisão, bem como a pena conjunta, necessariamente superior.

Sendo assim, como, no caso sub judice se põem em causa as penas parcelares e não só a pena única, tem de seguir-se a regra geral, segundo a qual «exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação».

III. DECISÃO
7. Nestes termos, acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em remeter o presente recurso para o Tribunal da Relação do Porto, por ser o tribunal competente.

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Novembro de 2011

Rodrigues da Costa (relator por vencimento)

Santos Carvalho (com voto de vencido)*

Carmona da Mota (presidente)



* “Vencido, nos termos da declaração anexa”, segundo a qual «A nosso ver, há duas forças orientadoras do processo penal no que respeita à competência para o julgamento dos recursos de decisões finais que conheçam do objecto do processo, sem prejuízo de a lei contemplar algumas excepções:
- No primeiro recurso que seja interposto, a competência é em regra da relação (art.º 427.º do CPP), estando reservados para o STJ os casos que assumem maior gravidade e em que se vise tão só o reexame da matéria de direito (art.º 432.º, n.º 1, al. c, do CPP);
- No segundo recurso, só se pode visar questões de direito e a competência é sempre do STJ (art.º 432.º, n.º 1, al. b, do CPP), mas já não haverá recurso se a relação confirmar a decisão da 1ª instância (art.º 400.º, n.º 1, als. d e f, do CPP), com as excepções mencionadas nas als. e) e f).
Isto é, ao recorrer-se exclusivamente de matéria de direito, o recurso é directo da 1ª instância para o STJ nos casos considerados de maior gravidade e é de revista nos casos em que não houve confirmação pela relação da decisão da 1ª instância, embora se contemplem algumas excepções a esta última regra.
Para o problema em discussão nestes autos temos, portanto, que o recurso que visa exclusivamente o reexame da matéria de direito será directo da 1ª instância para o STJ nos casos considerados de maior gravidade, a qual a lei define como aqueles em que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão.
Ora, a gravidade de um caso penal, se reportado, como faz a lei, à pena aplicada, só se pode referir à pena que o condenado vai efectivamente cumprir, parecendo indiferente, para este efeito, que na operação de formação da pena a cumprir tenham sido consideradas penas parcelares, também aplicadas, mas que entretanto perderam autonomia face ao concurso de infracções e que, portanto, acabaram por se diluir, sem cumprimento autónomo.
Dir-se-á que o recurso pode dirigir-se apenas à fixação de uma pena parcelar aplicada em 5 ou menos anos de prisão, caso em que pareceria não funcionar o disposto no art.º 432.º, n.º 1, al. c), do CPP. Todavia, se tal pena parcelar impugnada for efectivamente alterada, será necessariamente reapreciada a pena única, a tal que o condenado irá efectivamente cumprir e, portanto, ao pôr-se em causa uma das penas parcelares, em causa põe-se também a pena única.
Dir-se-á também que no caso de concurso de infracções, se cada uma delas fosse julgada isoladamente e se fosse aplicada uma pena de 5 ou menos anos de prisão, o recurso respectivo seria dirigido obrigatoriamente para a relação. É verdade, mas estamos no domínio da hipótese, daquilo que não é, embora pudesse ter sido; trata-se, porém, de hipótese que só pode resultar de erro ou omissão processuais, pois a lei não quer nem deseja tal situação (cf. art.º 29.º do CPP), principalmente quando se trata do mesmo arguido (cf. art.º 30.º).
Por outro lado, para se saber a que “pena” o legislador se refere na expressão “pena de prisão superior a 5 anos”, que se encontra na al. c) do n.º 1 do art.º 432.º do CPP, se à pena única aplicada se a cada uma das penas parcelares aplicadas, há que ponderar que essa decisão tem de ser igual à que previamente se adoptou para a interpretação do art.º 400.º do mesmo código, onde estão previstos os casos genéricos de irrecorribilidade.
Nesta última norma, o legislador refere-se por duas vezes à “pena” (aplicada), nas alíneas e) e f).
Parece bastante óbvio que nestas duas alíneas a referência é para a pena única, pois ninguém defenderá, estamos em crer, que a pena (e não “as penas”) a que o legislador se reporta seja cada uma das parcelares.
Acresce que no domínio da lei anterior, no que respeita ao mesmo art.º 400.º, a jurisprudência maioritária que se formou no STJ era a de que o legislador se referia à pena aplicável a cada uma das infracções em concurso, pois que seria esse o melhor entendimento da expressão “mesmo em caso de concurso de infracções”.
Ora, o facto de agora o legislador se referir à pena aplicada e de ter retirado a menção expressa ao concurso de infracções, só pode significar que o que assume importância na visão actual, para efeito de recorribilidade, é a pena aplicada que o arguido tem efectivamente de cumprir, isto é, a pena única e não as penas parcelares acidentalmente aplicadas.
Acresce que o legislador tomou posição idêntica quanto à competência funcional do tribunal colectivo (art.º 14.º, n.º 2, al. b, do CPP), pois que se cingiu à pena única e não às penas parcelares, como de resto já era jurisprudência pacífica, embora, naturalmente, como nessa fase ainda não há condenação, se reporte à pena aplicável.
Seria uma incongruência, portanto, que o legislador em matéria de competência tivesse dois critérios díspares: para a do tribunal colectivo, valeria a pena única que se irá formar; para o recurso, as penas parcelares e não a pena única já formada.
Por tudo o exposto, entendeu-se que no caso dos autos, em que o recorrente foi condenado numa pena única de 12 anos de prisão, por cometimento de diversos crimes, para os quais foram aplicadas diversas penas parcelares, umas inferiores a 5 anos de prisão, outras superiores, querendo discutir-se no recurso a medida de cada uma das penas parcelares e também da pena única, a competência para conhecer do recurso é, nos termos do art.º 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, do Supremo Tribunal de Justiça, pois trata-se de recurso de acórdão final proferido pelo tribunal colectivo que aplicou pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito») *
Carmona da Mota (“com voto de desempate e declaração de voto”, segundo a qual «Quem recorre da penas parcelares e da pena única suscitada por essas penas parcelares, obviamente que o seu recurso quanto à pena única só valerá para a hipótese de se manterem as penas parcelares impugnadas.
Pois no caso de estas virem a alterar-se, a respectiva pena única passará a ser outra (já que suscitada por penas diferentes) relativamente à pena única recorrida.
Daí que, naquela hipótese, o recurso da pena única seja meramente subsidiário. Ora, a competência de um órgão não se mede pelo pedido subsidiário, mas pelo pedido principal. Tanto mais que, procedendo o pedido principal, caduca o pedido subsidiário.
O que, no caso faz todo o sentido, pois que se [subsidiariamente] se impugna a pena única baseada nas directamente impugnadas penas parcelares, o recurso (inicial) sobre a pena única pressupõe, simplesmente a hipótese (a menos benigna para o recorrente) de confirmação das concretas penas parcelares.
Mas, na eventualidade de estas virem a ser alteradas, o processo, em bom rigor, deverá baixar às instâncias para formulação – antes os novos pressupostos («A pena aplicável tem como limite máximo a somas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes». Aliás, só se poderá – rigorosamente – falar em penas concretamente aplicadas depois do trânsito da respectiva decisão) – de uma nova pena única, que , depois, será ou não recorrida (e, na afirmativa, directamente para o Supremo se superior a 5 anos de prisão e não vise mais que o reexame de matéria de direito).
No caso, e em suma, o STJ só seria hierarquicamente competente para julgar o recurso se este se tivesse limitado (…) à pena única decorrente das penas parcelares emergentes da 1.ª instância»)
Santos Carvalho