ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
7898/09.5T2SNT.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/17/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO À REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR LOPES DO REGO

DESCRITORES ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
INDETERMINAÇÃO DO MONTANTE DO DANO
CONDENAÇÃO GENÉRICA
EQUIDADE

SUMÁRIO
Não viola as normas constantes dos arts. 566º, nº3, do CC e 661º, nº2, do CPC o recurso a juízos equitativos para alcançar prudencialmente, no âmbito da sentença proferida no processo declaratório, uma quantificação adequada dos danos cuja existência se provou – tendo, para tanto, as instâncias  em conta os valores invocados, plausíveis face aos factos provados e às presunções naturais neles alicerçadas, as manifestas dificuldades probatórias em obter uma precisa quantificação da indemnização devida por perda de clientela  e a anormal duração do processo, iniciado há mais de uma década (criando tal morosidade, só por si, sérias dificuldades probatórias na precisa reconstituição, em posterior liquidação incidental , de uma situação de facto ocorrida em momento temporalmente muitíssimo afastado).


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

   1. AA, Lda. instaurou acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A. pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 5.500.000$00, a título de indemnização, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

 Para tanto alegou, em resumo, que:

- Em data indeterminada no princípio de Outubro de 1997, o gerente da A., ao tentar levantar um livro de cheques da conta da sociedade A. nº 00000 do Banco Nacional Ultramarino, Agência de Sintra, foi aí informado não ser tal possível, uma vez que estava inibido do uso de cheque, por informação do Banco de Portugal;

- O Banco de Portugal informou que a Agência de Rio de Mouro da Ré lhe havia comunicado, relativamente à A., a rescisão devido a má utilização e a utilização de cheque após notificação da rescisão;

- Em consequência de tal comunicação da Ré, o Banco de Portugal informou as instituições bancárias sediadas em Portugal que a A. “consta da listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco, tendo entrado em 1997-9-26”;

- A Agência de Rio de Mouro da Ré, na qual a A. havia aberto a conta de depósitos nº 0000000000, sendo portadora de cheques daquela conta, declarou por escrito que “não foi por este balcão devolvido qualquer cheque em nome da firma AA, Lda., contribuinte nº 0000000000”;

- Por carta de 17.10.1997, a A. solicitou ao Banco de Portugal a sua exclusão da listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco;

- Tendo, na mesma data, escrito à Ré solicitando que providenciassem a exclusão da referida listagem, a fim de se evitar a continuação dos prejuízos causados com tal inclusão;

- Com a data de 25.11.1997, a A. recebeu do Banco de Portugal uma carta em que esta instituição lhe comunicava que a Ré “através da sua carta nº 0000 de 17.10.97, solicitou a este Banco que fossem consideradas sem efeito as comunicações efectuadas por aquela instituição”, comunicando ainda que a A. deixou de constar da listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco em 28.10.97;

- A A. é uma sociedade por quotas que explora o comércio por grosso e a retalho de carnes frescas, fornecendo e vendendo as mesmas a diversos restaurantes e talhos do concelho de Sintra e da Amadora, bem como directamente ao público, adquirindo a carne comercializada a criadores e a revendedores, em condições muito favoráveis, com grande desconto e aceitando letras para pagamento de tais fornecimentos que os sacadores aceitam reformar, visto. não ter possibilidade económicas de pagar a pronto;

- Em consequência dos factos expostos, nomeadamente da restrição ao uso de cheques pela A. e da sua inclusão na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, BB, Lda. recusou-se a sacar uma letra de 2.000.000$00 que a A. se propusera aceitar para pagamento de uma encomenda de carne que fizera daquela sociedade, não tendo procedido a tal fornecimento, visto a A. não ter disponibilidade financeira para pagar a pronto;

- CC igualmente informou a A. que só lhe forneceria carne a pronto pagamento, não aceitando cheques ou sacar letras para pagamento das encomendas como vinha acontecendo, não tendo a A. disponibilidade financeira para pagar de imediato as encomendas da carne que necessitava;

- Em consequência do não fornecimento de carne por estes fornecedores, a A. teve um abaixamento de vendas no seu talho, por não ter carne para vender, superior a 500.000$00;

- E diversos restaurantes e talhos do concelho de Sintra e Cascais a quem a A. fornecia e vendia cabrito, borrego e carne de vaca, procuraram outro fornecedor que substituísse a A., tendo tido com a perda de tais clientes, tanto temporariamente como definitivamente, um prejuízo superior a 4.000.000$00;

- A A. tinha uma boa imagem comercial, sendo pessoa credível, cumprindo pontualmente todas as suas obrigações, perante os fornecedores e clientes, beneficiando de óptima reputação comercial;

- Em consequência dos factos expostos, a credibilidade comercial da A. foi atingida, sendo comentada publicamente como má pagadora e cliente que não interessava por passar cheques sem cobertura e por fornecedora que não cumpria as encomendas que os restaurantes e talhos lhe faziam, sendo atingida no seu prestígio e honorabilidade;

-Tais danos não patrimoniais não devem ser avaliados em quantia inferior a 1.000.000$00.

A Ré, na contestação, defendeu-se, por impugnação e excepção peremptória, alegando, em síntese, que:

- Em consequência da devolução, por falta de provisão de cheques sacados sobre a conta nº 000000000, titulada por N.....V.....C....., Lda., foram transmitidos ao Banco de Portugal, em 09/09/1997 e 23/09/1997, incidentes com vista à inclusão do nome dessa entidade na lista de utilizadores de cheque que oferecem risco;

- A transmissão desses incidentes é efectuada automaticamente pelo sistema informático, logo que esgotado o prazo concedido para a regularização dos cheques - e, entre os vários elementos que compõem as transmissões feitas pela Ré, consta o nome da entidade visada e o número do documento de identificação;

- No caso em apreço foram transmitidos os incidentes em nome de N.....V.....C....., Lda., com a indicação de deter o NIPC nº 00000000000, quando esta empresa detém, na verdade, o NIPC nº 0000000;

- Tal discrepância foi decorrente da errada atribuição, na base de dados de clientes da Ré, do NIPC nº 00000000 à referida empresa N.....V.....C....., Lda.;

- Contudo, a transmissão de tais incidentes, em contrário do que se acha regulamentado no “Manual de Descrição de Ficheiros” estabelecido pelo Banco de Portugal, provocou a inclusão da A. na lista de risco, uma vez que o Banco de Portugal apenas atendeu ao NIPC que lhe foi comunicado;

- A inclusão da A. na lista de risco em substituição da sociedade expressamente designada na comunicação não decorreu de actuação dolosa ou negligente da Ré, que cumpriu escrupulosamente o prescrito naquele “Manual de Descrição de Ficheiros”

- Apenas durante 07 dias úteis o nome da A. constou das listas em poder das entidades bancárias e respeitantes à restrição do uso de cheque, pelo que não se podem aceitar os prejuízos aventados pela A.

Termina a contestante sustentando a improcedência da acção e consequente absolvição da Ré do pedido.

Na sequência da defesa apresentada pela Ré, a fls. 31-32, veio a A. requerer a intervenção principal provocada do Banco de Portugal, deduzindo contra tal entidade pedido subsidiário, nos termos do artº. 31-B do Cód. Proc. Civil – e sendo admitida a intervenção provocada da pessoa jurídica referida – Banco de Portugal – como Réu.

Citado, veio o chamado Banco de Portugal deduzir contestação, na qual, em síntese, enjeita qualquer tipo de responsabilidade pela inclusão da A. na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco, concluindo pela improcedência do pedido subsidiário deduzido, «com as legais consequências, uma vez que, a haver culpa e prejuízos daí emergentes, o único responsável pelo ressarcimento dos mesmos é a Ré CGD, contra a qual foi deduzido o pedido principal».

Após saneamento do processo e fixação da base instrutória, teve lugar a realização da audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência:

- condenou a Ré Caixa Geral de Depósitos a pagar à A. uma indemnização no valor de 25.000 Euros;

- absolveu a Ré Caixa Geral de Depósitos do demais peticionado;

- absolveu o interveniente principal Banco de Portugal do pedido contra si deduzido.

2. Inconformada com tal decisão, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, que , todavia, a Relação considerou improcedente, após fixar a seguinte factualidade relevante:

             1.1. O Banco de Portugal, a quem compete centralizar e divulgar, pelo sistema bancário, informação referente às entidades consideradas como utilizadoras de cheque que ofereçam risco, estabeleceu um “Manual de Descrição de Ficheiros”, em vigor desde Novembro de 1996, o qual se encontra copiado de fls. 87 a 116 e aqui se dá por reproduzido (al. A) dos Factos Assentes).

            1.2. No nº 29 deste Manual determina-se, em relação a comunicações relativas a pessoas colectivas, que a sua identificação é feita pelo número nacional de pessoa colectiva, precisando-se que se deve confirmar a correspondência do NIPC com a denominação da entidade a que respeita porque a aplicação informática uniformiza a denominação a partir da importação do que estiver em uso no ficheiro-base do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (al. B) dos Factos Assentes).

            1.3. O Banco de Portugal transmitiu a todas as instituições de crédito o Manual aludido em A) (al. L) dos Factos Assentes).

1.4. Em consequência da devolução, por falta de provisão de cheques sacados sobre a conta nº 000000000, titulada por N.....V.....C....., Lda., foram pela Ré CGD transmitidos ao Banco de Portugal, em 09/09/1997 e 23/09/1997, incidentes com vista à inclusão do nome dessa entidade na lista de utilizadores de cheque que ofereçam risco (al. C) dos Factos Assentes).

1.5. A transmissão desses incidentes são efectuados automaticamente pelo sistema informático, logo que esgotado o prazo concedido para a regularização dos cheques (al. D) dos Factos Assentes).

1.6. Foram transmitidos os incidentes em nome de N.....V.....C....., Lda., com a indicação de deter o NIPC nº 000000000, quando esta empresa detém, na verdade, o NIPC nº 0000000 (al. E) dos Factos Assentes).

1.7. Tal discrepância foi decorrente da errada atribuição, na base de dados de clientes da Ré, do NIPC nº 00000000à referida empresa N.....V.....C....., Lda. (al. F) dos Factos Assentes).

1.8. Sendo que o NIPC nº 00000000é o da A. (al. G) dos Factos Assentes).

1.9. O Banco de Portugal não verificou se o NIPC transmitido pela CGD correspondia à A. (al. H) dos Factos Assentes).

1.10. A errada indicação do NIPC de «N.....V.....C....., Lda.» deu lugar à inclusão da A. na listagem dos utilizadores de cheque que oferecem risco, em lugar da «N...V...», a 26 de Setembro de 1997 (al. I) dos Factos Assentes).

1.11. Após diligências feitas pela A., esta conseguiu que, a 28 de Outubro de 1997, o seu nome deixasse de constar da listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco (al. J) dos Factos Assentes).

1.12. A A. é uma sociedade por quotas que explora o comércio por grosso e a retalho de carnes frescas - vaca, porco, borregos, cabritos, fornecendo, vendendo as mesmas a diversos restaurantes e talhos do concelho de Sintra e da Amadora, bem como directamente ao público, através do seu talho sito na Rua ........, lote ........, na Rinchoa, concelho de Sintra (resposta ao Quesito 1.º da Base Instrutória).

1.13. Carne essa que adquire a criadores e a revendedores, nomeadamente a CC e a BB, Lda., em condições muito favoráveis, nomeadamente com grande desconto e aceitando letras para pagamento de tais fornecimentos que os sacadores aceitam reformar, visto a A. ter possibilidade económicas de pagar a pronto (resposta ao Quesito 2.º da Base Instrutória).

1.14. Em consequência da restrição ao uso de cheques pela A. e da sua inclusão na listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos, BB, Lda. recusou-se a sacar uma letra de 2.000.000$00 que a A. se propusera aceitar para pagamento de uma encomenda de carne que fizera aquela sociedade (resposta ao Quesito 3.º da Base Instrutória).

1.1.5. A partir daí não procedeu mais a qualquer fornecimento à A. (resposta ao Quesito 4.º da Base Instrutória).

1.16. CC informou a A., a 20 ou 21 de Outubro de 1997, que só lhe forneceria carne a pronto pagamento, não aceitando cheques ou sacar letras para pagamento das encomendas como vinha acontecendo, não tendo a A. disponibilidade financeira para pagar de imediato as encomendas da carne que necessitava (resposta ao Quesito 5.º da Base Instrutória).

1.17. Em consequência do não fornecimento de carne por estes fornecedores, a A. teve um abaixamento de vendas no seu talho, principalmente de borrego e carne de vaca, por não dispor de carne para vender (resposta ao Quesito 6.º da Base Instrutória).

1.18. E diversos restaurantes e talhos do concelho de Sintra e de Cascais a quem a A. fornecia e vendia cabrito, borrego e carne de vaca, procuraram outro fornecedor que substituísse a A., uma vez que esta deixou de fornecer-lhes tal produto (resposta ao Quesito 7.º da Base Instrutória).

1.19. Não tendo muitos deles ainda hoje regressado ao fornecimento pela A., entre eles o restaurante “Trilho”, “Chaby”, “A Cocheira”, e os talhos Mimo, DD e EE (resposta ao Quesito 8.º da Base Instrutória).

1.20. A perda de tais clientes, tanto temporária como definitivamente, causou ao A. prejuízo (resposta ao Quesito 9.º da Base Instrutória).

1.21. A A. tinha uma boa imagem comercial, sendo pessoa credível, cumprindo pontualmente todas as suas obrigações, perante os fornecedores e clientes, beneficiando de óptima reputação comercial (resposta ao Quesito 10.º da Base Instrutória).

1.22. Em consequência dos factos já assentes, a credibilidade comercial da A. foi atingida, sendo comentada publicamente como má-pagadora e cliente que não interessava por passar cheques sem cobertura e por fornecedora que não cumpria as encomendas que os restaurantes e talhos lhe faziam (resposta ao Quesito 11.º da Base Instrutória).

   3. De seguida, passando a abordar as questões atinentes ao enquadramento normativo do pleito, começou a Relação por considerar, perante a matéria de facto fixada, que se encontra demonstrado:

   - o prejuízo, a título de lucros cessantes (ganhos que se frustraram), decorrente do abaixamento de vendas que Ré teve no seu talho (principalmente de borrego e carne de vaca, por não dispor de carne para vender), e da perda de diversos clientes (restaurantes e talhos do concelho de Sintra e de Cascais a quem a A. fornecia e vendia cabrito, borrego e carne de vaca, e que procuraram outro fornecedor que substituísse a A., uma vez que esta deixou de fornecer-lhes tal produto), tanto temporária como definitivamente

- a ocorrência de dano patrimonial indirecto resultante da boa credibilidade comercial da A. ter sido atingida, sendo comentada publicamente como má-pagadora e cliente que não interessava por passar cheques sem cobertura e por fornecedora que não cumpria as encomendas que os restaurantes e talhos lhe faziam .

Passando seguidamente a pronunciar-se sobre o montante indemnizatório ( já actualizado), arbitrado segundo critérios de equidade,  considera o acórdão recorrido, a propósito da articulação das normas que constam dos arts.. 564º, nº2, e 566º, nº3, do CC e 661º, nº2,  do CPC:

Importa, assim, distinguir, os dois planos em que se inscrevem tais normativos.

Em primeiro lugar, aquando da prolação da sentença, o juiz deverá ponderar se ainda se mostra viável averiguar o valor dos danos em sede do incidente póstumo de liquidação e, em caso afirmativo, proferirá decisão genérica, nos termos do citado artº. 661º, nº 2, do Cód. Proc. Civil. Neste quadro, só, em último caso, usará do critério da equidade na fixação do montante dos danos, nos termos daquele nº 3 do artº. 566º do Cód. Civil.

Mas se, face aos elementos em análise, se mostrar, desde logo, de todo desnecessário ou inviável tal apuramento subsequente, o juiz procederá, então, à imediata fixação do valor dos danos, segundo critérios de equidade, dentro dos limites tidos por provados, ao abrigo do nº 3 do artº. 566º do Cód. Civil.

A opção pelo recurso à equidade ou pela liquidação em ulterior incidente processual depende, assim, do juízo que se formar, em face das circunstâncias concretas de cada caso, sobre a possibilidade de determinação do valor exacto dos danos: se esse juízo for afirmativo, será de aplicar o artº. 661º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, caso contrário, deve aplicar-se o artº. 566º, nº 3, do Cód. Civil.

Podemos, então, concluir, no que para o caso releva, que o recurso à equidade previsto no nº 3 do artº. 566º do Cód. Civil depende da verificação dos seguintes requisitos:

- apuramento de um mínimo de elementos sobre a natureza dos danos e a sua extensão, que permita ao julgador quantificá-los em valores próximos daqueles que realmente lhes correspondem;

- desnecessidade ou inviabilidade de averiguar o valor exacto dos danos

   E, após ponderar o peculiar quadro factual subjacente ao litígio, considerou o acórdão recorrido que:

   Deste espectro fáctico decorre:
- por um lado, a comprovação da existência de danos patrimoniais ressarcíveis e a respectiva extensão dos mesmos;

- por outro, a inexistência de qualquer elemento que permita quantificar tais danos (cfr. respostas restritivas aos Quesitos 6º e 9º e, relativamente ao dano patrimonial indirecto, as considerações anteriormente tecidas sob o ponto III.3.2.), demonstrativa de que já não é possível qualquer averiguação subsequente do valor exacto dos danos, sendo que, em abstracto, da própria circunstância respeitante ao lapso de tempo já decorrido desde a ocorrência dos factos, sempre resultaria a inviabilidade de tal apuramento subsequente,

de onde se extrai a legitimação do recurso à equidade.

            Atenta a linha argumentativa desenvolvida pela Apelante, designadamente na 3ª conclusão recursória, importa ainda sublinhar que não convém confundir as situações de insuficiência de prova quanto à existência do dano com a insuficiência de prova apenas quanto ao respectivo montante, sendo certo que o thema probandum em referência se encontrava sujeito ao critério da livre convicção do julgador e não a prova vinculada (designadamente, de natureza documental).

Assim, no caso dos autos, a A. logrou provar a existência de danos e a sua espécie, mas não o seu quantum, colocando-se, então, a questão da fixação do montante de tais danos em liquidação posterior ou segundo a equidade, tendo-se concluído pelo preenchimento dos requisitos que permitem ao tribunal julgar equitativamente.

            Nessa fixação equitativa do montante indemnizatório por todos os danos sofridos pela A., atendeu o tribunal a quo à situação económica da responsável Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. e à da A. lesada (considerando haver «debilidade económica da lesada», que caracterizou como sendo uma «pequena empresa fornecedora do comércio local, que lidava com dificuldades e cuja sobrevivência financeira. foi posta em causa», o que integra um mero juízo classificatório da realidade retratada sob os pontos 1.12. a 1.20. dos Factos Provados supra enunciados, que é lícito ao julgador emitir, do que resulta a manifesta sem razão da argumentação expendida na 9ª conclusão recursória), bem como à extensão dos danos causados.

Sendo certo que o cálculo do ganho futuro frustrado não se revela tarefa fácil, tendo em conta os factores relevantes na formulação do juízo de equidade para a fixação, no caso concreto, do quantum indemnizatório – juízo que se quer pautado pelas regras da boa prudência, pelo bom senso prático, pela justa medida das coisas com que o julgador deve decidir e pela criteriosa ponderação das realidades da vida –, entendemos que se mostra ajustado o montante de € 25.000,00, fixado pelo tribunal a quo.

Finalmente, importa, ainda, referir que, sendo a obrigação de indemnização uma dívida de valor, os efeitos da depreciação da moeda, por virtude da inflação (que, como facto notório, não carece de ser alegada, nem provada), fazem-se sentir com especial acuidade, o que determina a aplicação do princípio da actualização em função da quebra do poder aquisitivo da moeda, sendo lícita a actualização oficiosa da indemnização.

No caso em apreço, o Sr. Juiz a quo, oficiosamente, na sentença, procedeu a tal actualização, mas tendo o montante indemnizatório sido fixado equitativamente, a flutuação da moeda do valor da moeda foi um dos elementos a considerar para a formulação do juízo de equidade, pelo que, nesta hipótese concreta, se deve considerar uma quantia (€ 25.000,00), a final em cuja ponderação já entraram equitativamente factores atinentes ao valor da moeda, não sendo curial, como pretende a Apelante, partir-se de uma certa quantia e sobre ela fazer recair, matematicamente, índices de inflação.

4. Novamente inconformada, a CGD interpôs a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

  1) Nada ficou demonstrado quanto à quantificação dos prejuízos da recorrida não porque a recorrida tivesse carreado factos atinentes à prova da quantificação e determinação dos prejuízos e depois não os tivesse conseguido provar totalmente, mas, ao invés, porque a recorrida nada alegou nem tão pouco quantificou a tal respeito como também não cuidou na fase própria do processo de, por exemplo, juntar aos autos prova documental que permitisse aferir/determinar/quantificar a justeza do montante que pediu a título de danos indirectos, ou lucros cessantes;

2) O n° 3 do art. 566º do C. C. destina-se apenas àqueles casos em que não tenha sido possível averiguar o valor exacto dos danos, só aí se admitindo o recurso à equidade e sempre dentro dos limites que o Tribunal tiver por provados; o dano patrimonial indirecto - ou lucro cessante - apenas deverá ser atribuído por via desta norma quando não tenha sido possível ao lesado (e, consequentemente, ao Tribunal) averiguar/determinar o seu valor exacto, e não quando o lesado tenha descurado (negligentemente ou conscientemente) a alegação de factos que permitam concretizar os danos e tenha igualmente descurado a junção de prova documental que permita pelo menos balizar os seus limites;

3)         Basta analisar o processo para se concluir que a A. nem sequer se esforçou para carrear para o processo qualquer tipo de prova - nem qualquer alegação, por vaga que fosse - apta para a demonstração dos alegados lucros cessantes, optando por não juntar ao processos nem os modelos 22 respeitantes ao IRC pago no ano anterior aos factos e ao ano da ocorrência dos factos, para comprovar a alegada baixa de rendimentos de que se queixou em juízo, o mesmo se passando com as declarações fiscais respeitantes a IVA e até os extractos bancários da A., de onde se poderiam extrair contributos  sólidos  e  válidos  para  a  quantificação  dos  aludidos  danos;

4)         Afigura-se assim à recorrente perfeitamente plausível que a A. tenha optado conscientemente por não apresentar qualquer prova documental que pudesse consubstanciar a extensão dos alegados danos, porquanto, se a apresentasse da mesma resultaria o oposto do que pretende, isto é, que não existiu qualquer perda de rendimentos;

5)         Acresce ainda que nada está demonstrado nestes autos relativamente à eventual impossibilidade de a recorrida poder ainda efectuar tal prova, em sede de liquidação da douta sentença, prova esta que no caso nem sequer será complementar à já existente atenta a inexistência até ao presente de qualquer prova a este respeito;

6)         O Tribunal a quo aplicou a norma do n° 3 do art. 566º do C.C. sem que estivessem reunidos os pressupostos para a respectiva aplicação, atendendo a que dos autos nada lhe revela que lhe permita concluir pela impossibilidade de se efectuar o apuramento do valor dos danos porquanto como já se referiu a recorrida nada diligenciou para promover a quantificação/determinação dos danos através da junção aos autos de prova documental, que sempre lhe seria necessária para este fim, logrando por esta via, que as instâncias consagraram, inverter o ónus da alegação de factos constitutivos do seu direito e da respectiva prova dos mesmos;

7)         O Tribunal fixou a quantia indemnizatória em 25.000,00 € sem qualquer base fáctica que pudesse servir de suporte a tal juízo lançado até mão de pressupostos que não constam sequer da matéria constante da fundamentação de facto; com efeito o Tribunal a quo considerou que "a sobrevivência financeira da A. foi posta em causa" e ainda considerou a "debilidade económica da lesada" e ainda que a A. é uma "pequena empresa fornecedora do comércio local"; conforme se constata da última página da douta sentença. Em todos estes exemplos estamos perante juízos conclusivos que deveriam assentar em factos provados, o que não sucede;

8)         Acresce ainda que a norma do art.º 566º  n° 3 determina que o julgamento equitativo dos danos se situará dentro dos limites que tiver por provados. Ora, inexiste matéria de facto provada que sirva de delimitação à concretização dos danos o que significa que a fixação da indemnização no quantum de 25.000,00 € não assenta em nenhuma barreira ou limite constante dos factos provados que a legitime;

9)         Por último as instâncias não determinaram se a quantia de 25.000,00 € abrange danos morais, ou se abrange danos morais e danos indirectos, e, ainda, não esclarece nem fundamenta quais os critérios que usados para considerar actualizado aquele quantum, nem de que montante base partiu para aplicar os critérios de actualização que usou (sem explicar como os usou e que critérios usou);

10)       De todo o exposto decorre que o Tribunal a quo não dispunha de fundamentos nem fácticos nem jurídicos para poder lançar mão do dispositivo previsto no n° 3 do art. 566º do C.C. Impunha-se-lhe assim relegar para liquidação de sentença a concretização dos danos que considerou existirem.

11) Nem se afigura equitativo - atento o facto de a CGD ter emitido declaração 19 dias volvidos sobre a inclusão do nome da A. na listagem do banco de Portugal - que a indemnização arbitrada possa ser considerada adequada às circunstâncias dadas por provadas;

Termos em que deverá ser revisto o douto Acórdão em ordem à reposição da lei.

Assim se fará Justiça!

5. O objecto do presente recurso circunscreve-se, deste modo, à questão da admissibilidade do uso pelas instâncias de juízos equitativos para – suprindo as deficiências probatórias que obstaram à precisa quantificação do valor dos danos que comprovadamente foram causados à A. com o comportamento negligente da R. - proferir logo uma condenação em quantia certa, em vez de relegar para ulterior liquidação tal apuramento ou quantificação do prejuízo.

Note-se que a dúvida expressada na conclusão 9º não tem fundamento, resultando claramente do acórdão recorrido que o valor arbitrado visa ressarcir -apenas e tão somente – o lucro cessante e o dano patrimonial indirecto, decorrente da projecção na esfera patrimonial dos factos provados, portanto numa perspectiva puramente económica, excludente de qualquer contemplação da categoria normativa dos danos não patrimoniais ( cfr. fls 364).

E não se afigura, por outro lado, que o valor alcançado pelas instâncias se possa considerar manifestamente inadequado à natureza e extensão dos danos comprovadamente sofridos pela lesada e à gravidade da culpa que recai sobre a R., a qual não é naturalmente precludida pelo período temporal durante o qual  foi efectiva e manifestamente lesado o direito da A., em consequência  da absolutamente injustificada inclusão na listagem de pessoas e entidades inibidas do uso de cheque.

No caso dos autos, a sociedade A. optou por formular na petição inicial um pedido líquido, quantificando cada categoria de danos que pretendia ver ressarcidos, especificando os valores de 500.000$00 para o alegado abaixamento de vendas, de 4.000.000$00 para os danos conexionados com a perda de clientela e de 1.000.000$00 para os danos não patrimoniais: o núcleo essencial do prejuízo invocado prendia-se, deste modo, com a invocada - e demonstrada - perda de clientela, causalmente decorrente da indevida inclusão na listagem de sujeitos inibidos de uso de cheque.

Para prova da factualidade alegada, a A.- para além de juntar documentos particulares com a própria petição inicial, -  apresentou requerimento probatório baseado na prova testemunhal ( fls. 151).

Nas respostas aos «quesitos», o Tribunal, considerando provada a existência dos invocados danos patrimoniais, entendeu que não estavam, todavia, demonstrados os quantitativos especificados pala lesada – o que levou as instâncias a recorrerem a juízos equitativos para, suprindo tal indeterminação,  alcançarem o valor tido por razoável para o ressarcimento dos danos que a sociedade lesada comprovadamente sofreu, nomeadamente, em termos de perda efectiva de clientela e fornecedores.

Invoca a entidade recorrente, em primeiro lugar, que a A. nada teria alegado, nem quantificado, relativamente aos danos invocados: tal afirmação não é, porém, exacta, já que essa factualidade foi efectivamente alegada e quantificados os vários tipos de danos que a A. pretendia ver ressarcidos – radicando a decisão proferida e a respectiva indeterminação, não num défice de alegação, mas numa insuficiência probatória.

Em segundo lugar, trata a recorrente de imputar à A. os resultados da estratégia processual seguida, consistente em tentar provar os danos alegados e o respectivo valor através de prova testemunhal, em vez de ter optado por recorrer à mais plausivelmente eficaz prova documental, consubstanciada na junção aos autos de documentação tributária, de que resultassem os valores de IRC e IVA pagos nos períodos em causa, bem como os extractos bancários pertinentes.

Não parece, todavia, que a A. possa ser penalizada ou sancionada pela estratégia probatória que seguiu – e que manifestamente não viola qualquer norma processual -  já que esta conduziu à demonstração da realidade dos danos, embora relativamente indeterminados quanto ao seu valor: por outro lado, não pode deixar de realçar-se que era lícito à R., se considerava inverosímeis ou desproporcionados os valores especificados, ter ela própria requerido a junção aos autos de tais documentos, invocando o dever de cooperação consignado no art. 519º do CPC e obtendo, se necessário, a dispensa judicial do sigilo ou confidencialidade dos dados constantes dos citados documentos – e sendo naturalmente lícito ao tribunal valorar livremente uma eventual recusa injustificada de cooperação da autora.

Entende-se que, num caso com a configuração do dos presentes autos, não merece censura a opção das instâncias ao recorrerem a juízos equitativos para alcançarem, logo no âmbito da sentença proferida, uma quantificação adequada dos danos provados – tendo particularmente em consideração os montantes invocados e arbitrados, plausíveis face aos factos provados e às presunções naturais neles alicerçadas, as manifestas dificuldades probatórias em, pela própria «natureza das coisas», obter uma precisa quantificação da indemnização devida por perda de clientela ( quer na acção declaratória, quer obviamente no incidente de liquidação) e, muito em particular, a anormal duração do processo, iniciado em Janeiro de 1999 e ainda não definitivamente encerrado (criando tal arrastamento, desde logo, sérias dificuldades práticas na precisa reconstituição, em posterior liquidação incidental , de uma situação de facto ocorrida há bem mais de uma década).

Como se afirma judiciosamente no Ac. de 4/4/06, proferido por este Supremo e publicado na CJ II/06, pag. 33, a lei é adversa à fixação a indemnização em liquidação em execução de sentença, preferindo a determinação por equidade, nos termos do art. 566º, nº3, do CC. Não quer a lei – nem deve o juiz – arrastar a solução dos litígios, recomeçando na liquidação em execução de sentença o que devia ter acabado na acção declarativa.

Note-se que este privilegiar do recurso à equidade e a juízos prudenciais do tribunal para, suprindo possíveis insuficiências probatórias, logo alcançar, na medida do possível, uma justa composição do litígio no âmbito da própria acção declaratória não significa obviamente que, através de tais juízos de equidade, esteja legitimado um verdadeiro «salto no desconhecido», levando a quantificar, de forma arbitrária, um prejuízo, ainda susceptível de precisa determinação, perante uma total e absoluta fluidez do quadro factual relevante , agravada pela existência de possível  erro notório das instâncias quanto aos critérios em que equivocadamente se hajam, porventura,  baseado ( veja-se a situação objecto do Ac. proferido em 28/10/10 por este STJ no P. 272/06.7TBMTR.P1.S1, por nós relatado, referente  à quantificação dos danos materiais ligados à privação do uso de um veículo).

Considera-se, porém, que a situação dos autos é substancialmente  diferenciada de tal caso, impondo-se ter na devida consideração, quer as naturais dificuldades probatórias, atrás citadas, ( decorrentes simultaneamente da natureza dos danos invocados, ligados essencialmente à perda de clientela, e da anormal morosidade do processo) , quer o valor razoável alcançado pelas instâncias, através do juízo prudencial que emitiu, fundado numa ponderação equitativa dos valores peticionados e na natureza e extensão dos danos comprovadamente sofridos , amplamente documentados na matéria de facto provada – legitimando, deste modo,  que a justa composição do litígio se possa operar desde já, sem ainda maiores e injustificadas delongas. Não se consideram, deste modo, violadas, as disposições legais invocadas pela entidade recorrente.

   6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.

   Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de Novembro de 2011

Lopes do Rego (Relator)

Orlando afonso

Távora Victor