ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
39/2002.E1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/29/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL AGRAVO
DECISÃO CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR ALVES VELHO

DESCRITORES IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS

SUMÁRIO

Ao estabelecer o ónus de especificação dos “concretos” ponto de facto e meios probatórios - art. 690º-A (agora 685º-B) – 1-a) e b) CPC -, não se impõe que a impugnação seja feita com referência aos quesitos que integram a base instrutória nem que se estabeleça uma relação de correspondência directa entre a impugnação/decisão pretendida e os termos em que se encontra redigido o quesito ou quesitos que a devem comportar.

         Também se não exige que se especifique separadamente e relativamente a cada um dos pontos impugnados, os concretos meios de prova constantes da gravação que impõe decisão diversa.

O que a lei impõe, definindo os limites do ónus, é que se indiquem os concretos pontos de facto e que, relativamente a eles, se identifiquem os depoimentos (o concreto meio probatório invocado no caso) que impunham decisão diversa sobre aqueles pontos e pretende ver reapreciados, indicando-os, com referência à gravação constante da acta.   



DECISÃO TEXTO INTEGRAL
         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA e outros, na qualidade de herdeiros de BB, intentaram acção declarativa contra CC e mulher, DD, pedindo que se declarasse serem os Autores donos e legítimos possuidores de três prédios urbanos, sitos em Alter do Chão, e do rústico denominado B....., em Hortas da Ribeira de Alter, reconhecendo-se serem os RR., por sua vez, donos e legítimos possuidores do prédio misto conhecido Quinta do B....., também sito na Ribeira de Alter.

Como fundamento das pretensões vertidas nos pedidos alegaram que antes de 1965 aquele BB e o Réu CC, seu irmão, celebraram um acordo de partilha dos bens pertencentes aos pais de ambos, que então lhes foram entregues pelo pai, EE, sendo que, pelo menos desde 1965, o antecessor dos AA, por um lado, e o R., por outro, em execução daquele acordo, sempre detiveram e cuidaram, como donos, dos prédios que a cada um couberam, pelo que adquiriram, por usucapião - cuja factualidade alegam -, os prédios cujo reconhecimento da propriedade reclamam.

Os RR. contestaram. Negaram a realização do acordo e sustentam manter-se a indivisão da herança.

Após completa tramitação, a acção veio a ser julgada improcedente.

Os Autores apelaram, impugnando a decisão da matéria de facto, mas viram rejeitado o recurso.

Interpuseram, então, recurso de agravo, recebido como revista, mas, entretanto, alterado para a espécie de agravo.

Pedem a “anulação” do acórdão e a baixa do processo à Relação para julgamento da matéria de facto e de direito constante da apelação, a coberto da seguinte argumentação (transcrevem-se as conclusões):

  “I - Cotejando o que os recorrentes alegaram no recurso de apelação o que lhes é imposto pela normas legais constantes dos n.º 1 e 2 do Art° 690° do C.P.C., em cujo incumprimento se fundou a rejeição do recurso, afigura-se aos Autores que, ao contrário do que foi decidido, cumpriram o suficiente para que se devam julgar observadas tais regras processuais a que estavam sujeitos.

  II - Relativamente à al. a) do n.º 1 do art° 690º-A do C.P.C., mencionaram como pontos concretos que na decisão de facto consideravam incorrectamente julgados, os factos n.ºs 3 a 5(3, 4 e 5), 7. e 9. a 36 da douta base instrutória - Cf. parágrafo n.º 7. das alegações de apelação.

Afigura-se, pois, que, na apelação, especificaram os pontos concretos que consideravam erradamente julgados.

  III - Quanto à especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre aqueles pontos concretos de facto, al. b) do n.º 1 do arts. 690º-A do C.P.C. fundamentam, nas mesmas alegações, a pedida alteração da decisão sobre os ditos pontos concretos de facto, nos documentos de fls. 267 e 556, bem como nos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II, JJ e KK, pois, alegam que a decisão sobre aqueles pontos concreto de facto para si se revela errada, porque da apreciação conjunto dos documentos e dos depoimentos citados se impunham acerca dos apontados factos outras decisões, que expressamente apontam, ou seja, dizem que, pelos documentos e pelos depoimentos que referem (os depoimentos até os transcrevem), impunham, sobre os factos n.ºs 3 a 5 (3,4 e 5), 7 e 9. a 36. da base instrutória, decisões diversas das que foram proferidas, como já dito, deveriam ser as que expressamente apontam, no 2° parágrafo do parágrafo n.º 7. das suas alegações de apelação.

  IV - Os recorrentes especificaram os concretos meios de prova e até, expressamente, as decisões que, no seu entendimento deveriam resultar da apreciação crítica dos mesmos elementos para os mesmos factos concretos da douta base instrutória, apresentando assim o sentido da alteração da decisão. (É certo que, quanto a alguns desses factos, sobretudo dos n.ºs 9. a 36., expressam o entendimento, que tiveram por criterioso, de uma decisão conjunta, mas isso não lhes está legalmente vedado);

  V - No que respeita, à indicação dos depoimentos gravados em que se baseie a alteração, por referência ao assinalado na acta – n.º 2 do art° 690º-A do C.P.C. - os depoimentos em que se baseia a pedida alteração da douta decisão foram indicados: o depoimento de FF, prestado antecipadamente, quando a gravação ainda era feita em fita magnética, tem indicado na acta o princípio e o fim da gravação, a que obriga o art. 522° C do C.P.C. (cassete 1, lado A, voltas 1 a 2457, tal e qual como foi expresso na ale2:ação da apelação (Cf. parágrafo oitavo - não numerado - do parágrafo 7.); relativamente a cada um dos demais depoimentos, (de GG, HH, II, JJ e KK). já prestados em época que a gravação passou a ser feita em CD. os recorrentes escreveram, nas suas alegações, o que substantivamente consta da acta, ou seja "depoimento prestado na audiência registado no sistema habilus e gravado em CD" - Cf.- o que consta das alegações de apelação, logo a seguir ao nome e a anteceder a transcrição de cada um dos depoimentos apontados.

Se melhor não indicaram, foi porque a acta da audiência nenhuma outra menção faz que não seja: "o depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal" - Cf. acta de 19 de Março de 2010;

  VI - Crê-se, por conseguinte, que no recurso de apelação foi cumprido o ónus de impugnação especificada e concretamente identificada a matéria de facto cuja decisão se pretende alterada e o sentido dessa alteração, bem como indicados os concretos meios de prova que impõem a alteração.

  VII- Foram erradamente interpretadas e aplicadas as normas constantes dos art°s. 690°-A, n.ºs 1 e 2, e 522°-C do C.P.C.

  VIII- Também quanto aos factos constante de 6. e 8. da douta base instrutória, foram esses factos especificadamente indicados, como indicados foram os meios de prova em que assenta a pretendida alteração de decisão e o sentido da mesma alteração.

  IX - Assiste aos recorrentes fundamento para que os autos devam baixar ao Tribunal da Relação para conhecimento de todas as questões vertidas nas alegações de apelação, designadamente, a alteração da decisão sobre a matéria de facto bem como a decisão de direito substantivo, dando-se por verificada a divisão a que a acção alude e declarados os direitos ai pedidos e a procedência da mesma acção”.

         Os Recorridos apresentaram resposta, em apoio do julgado.

         2. - A questão proposta e para resolução traduz-se em averiguar se os Recorrentes, enquanto Apelantes, ao impugnarem a decisão sobre a matéria de facto, cumpriram os ónus de especificação de que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 690º-A CPC, depende a admissibilidade do recurso.  

 3. - Como fundamentos de facto, elementos a considerar são os que seguem.

a) - Nas conclusões da alegação no recurso de apelação os Recorrentes escreveram:

  I -. A prova produzida consistiu, no que à questão fundamental diz respeito - aquisição dos prédios por usucapião - em documentos, designadamente, as certidões do registo predial apresentadas com a comprovação do registo da acção e os contratos de fls. 267 e 556 –e nos depoimentos das testemunhas, cujos trechos essenciais foram acima transcritos;

  II - Pelo reexame de tais meios de prova, que no presente recurso se pretende e requer - e nos autos não existem outros meios de prova - feita a sua devida ponderação e apreciação e valoração crítica do seu conjunto, tomando-se em consideração a razão de ciência dos depoentes, a sua idade, a forma espontânea e desinteressada dos depoimentos, tudo à luz da lógica e da experiência da vida, afigura-se que a decisão da matéria de facto a proferir deveria ser outra, diferente, da que foi proferida, porque assim o imporiam tais meios probatórios.

  III - Em termos tais que nºs. 3 a 5, 7 e 9 a 36 devam merecer as seguintes respostas, em alteração da douta decisão recorrida, nos termos previstos no art. 712°, nº 1, aI. a) do C.P.C.:

a) - depois da morte de LL, em data não concretamente apurada, mas à volta de 1965, os bens que constituíam o património do seu casal com EE foram divididos e distribuídos entre os seus dois filhos, BB e CC;

 b) - Ficaram a pertencer ao filho BB os três prédios urbanos identificados em F) da especificação, assim como o prédio rústico denominado B....., identificado em F), que exclui a casa e a horta desse prédio e constitui a parte de baixo do mesmo, identificado em 4. de F) ;

c) -E ficaram a pertencer ao filho CC a casa e a horta do prédio do B..... que constituem a parte de cima deste prédio, identificados, respectivamente, em 5. e 4. de F);

d) - O prédio identificado em 4. F) foi dividido em duas partes, a de baixo, composta pelo olival, e a de cima, composta pela horta, ambas demarcadas, pela colocação de marcos, sendo que a parte de cima fica junta à casa identificada em 5. F);

e) - A partir da divisão, ocorrida cerca de 1965, os referidos BB e CC, e depois os seus herdeiros, passaram a ter, respectivamente, a posse sobre os prédios que Ihes couberam, exercendo sobre eles os poderes de vigilância, utilização, arrendamento, realização de obras, à vista de toda a gente, sem oposição e com a convicção de exercerem os poderes de proprietários.

  IV - O animus do direito de propriedade que, aliado ao poder material, integra a posse de Autores e Réus comprova-se pelos comportamentos relativos aos prédios de uns e outros.

  V - E também, com base nos depoimentos testemunhais e nas certidões relativas aos prédios, designadamente a do registo predial inserta a fls. , (apresentada com a comprovação do registo da acção) a decisão sobre a matéria dos factos quesitados sob os nºs. 6 e 8 deve ser julgada provada.

  VI - Naturalmente, ficarão assim comprovados os factos demonstrativos de AA. e RR. exercerem desde 1965, continuada e publicamente, sem interrupção, os  poderes de facto sobre os prédios de que na petição inicial são apontados, respectivamente, como proprietários, com a intenção de os fazerem exclusivamente seus, ou seja, fica assim demonstrada a posse pública e duradoura durante mais de 40 anos, que lhes confere direito de propriedade sobre os prédios, nos termos do disposto nos arte 1287° e 1296° do C. Civil.

  VII - Não foram tais normais aplicadas e deviam ser, pelo que a douta sentença, mercê do erro de julgamento da matéria de facto, violou também o disposto nas ditas regras de direito substantivo.

            b) - No corpo das alegações, os Recorrentes identificaram seis testemunhas e indicaram o local de gravação dos respectivos depoimentos, dos quais transcreveram excertos, cuja reapreciação, conjugada com o conteúdo dos documentos de fls. 257 e 556, imporia a alteração da decisão, por forma a que as respostas aos quesitos 3 a 5, 7 e 9 a 36, passassem a ser as propostas nas referidas cinco alíneas.   

4. - Mérito do recurso.

4. 1. - O recurso foi rejeitado a pretexto de os então Apelantes terem feito “uma remissão global para os pontos da matéria de facto, sem autonomizar cada um deles e sobretudo o que concretamente consideram incorrectamente julgado», remissão que viola o disposto no n.º 2 do art. 690º-A (redacção do DL n.º 181/2000) e «impede o Tribunal de identificar o que concretamente no entendimento do apelante está incorrectamente julgado», pois que «vem sugerir que se dê como provada determinada materialidade que enumera mas que não corresponde ao teor dos pontos de facto da base instrutória».

Acrescentou-se que os depoimentos convocados também não indicam concretamente qual a matéria que se destinam a impugnar, ónus que só se tem cumprido pelo recorrente se indicar os concretos pontos de facto de que discorda com referência, separada e relativamente a cada um deles, dos concretos meios de prova constantes da gravação (…)», desrespeitando-se o disposto nas als. a) e b) do citado preceito.   

Em causa o prosseguimento de recurso de apelação que tem por objecto a reapreciação e alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 712º-1-a) e 2 CPC.

Assim, o recurso teve como finalidade, ao que aqui interessa referir, a pretensão de alteração de pontos da matéria de facto, mediante reapreciação de depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento registados em gravação.

Nessa espécie de recurso, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações das partes, sem prejuízo de oficiosamente atender a outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos impugnados (n.º 2 do art. 712º)

Impõe, porém, o preceito que a impugnação tenha lugar com o cumprimento dos específicos ónus fixados no art. 690º-A, do mesmo passo que sanciona o incumprimento deles com a rejeição do recurso.

Na versão aqui aplicável, o art. 690º-A dispõe:

“1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de regis­to ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios pro­batórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no art. 522-C”.

4. 2. - A abertura à possibilidade da amplitude da reapreciação da matéria de facto com a “criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto”, como hoje se prevê no regime legal transcrito, entronca directamente no Dec.-Lei n.º 39/95, de 25/2, diploma que veio consagrar e regulamentar o registo das audiências e da prova nelas produzida, aditando, ao que aqui mais releva, o referido art. 690º-A.

Não será de estranhar, pois, que nesse diploma se procurem subsídios para interpretação e determinação do conteúdo das normas desse inovador preceito.

No preâmbulo daquele Dec.-Lei n.º 39/95 pode ler-se que "a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso".

         Do mesmo passo que, imediatamente a seguir, dele se fez constar que “não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”

         Os transcritos parágrafos surgem como justificação da solução vertida no art. 690º-A e, como tal, deverão, crê-se, ser interpretados no contexto em que se inserem.

Mais concretamente, esses trechos deverão conjugar-se com o que os antecede, mas sobretudo, com o que se lhe segue, e o que, de harmonia com o mesmo texto preambular, se pretende justificar.

         Assim, depois de referir pretender consagrar «um efectivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto», que não deveria redundar na criação de factor de agravamento da morosidade da justiça, donde a necessidade de adoptar um sistema que tendente a garantir, o melhor possível, o equilíbrio entre as garantias das partes e a celeridade do processo, o legislador verteu na exposição de motivos os transcritos parágrafos, aos quais fez seguir outros, em que escreveu:

«A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.

         Esse especial ónus de alegação (…) assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que (…) possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.

         Daí que se estabeleça, no art. 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto».

Ora, da leitura e interpretação do contido no desenvolvimento dos seis parágrafos que o legislador dedicou à justificação do regime acolhido no então introduzido art. 690º-A, crê-se que a ideia central a reter é que a lei, como expressamente está afirmado no preâmbulo sob apreciação, quis vedar completamente ao recorrente a impugnação “de forma genérica e global” da decisão de facto, pedindo, “pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida”, manifestando “genérica discordância” com a decisão da 1ª instância.

No mais, cumpridos os ónus cuja satisfação prevê, o art. 690º-A não estabelece limites.

Esses ónus não correspondem a mais que a exigências de fundamentação do recurso em termos de obtenção do falado equilíbrio possível entre a celeridade possível e as garantias das partes e que a lei pretendeu alcançar através de um apertado controlo do conteúdo da alegação, impondo a especificação dos concretos pontos de facto, dos concretos meios probatórios e sua indicação concretizada na referência da acta.

Com efeito, bem denuncia o regime adoptado pretender assegurar às partes o direito a um segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, mediante a respectiva reapreciação pela Relação, mas sempre condicionado a uma impugnação séria e, para tanto, sujeita à alegação e discriminação das aludidas especificações.

Assim, é perfeitamente natural e razoável que para efeito de correcção de erros “pontuais” e “concretos” se exija a indicação dos concretos pontos erradamente julgados, como se explica no relatório preambular, por contraposição à confessada impossibilidade de reapreciação genérica, global mediante pedido puro e simples, ou seja, desprovido de especificação e concretização.

Porém, com a opção por tal fórmula, não parece que o legislador tivesse querido fixar limites determinados ao âmbito de impugnação. O que quis seguramente, isso sim, como declara, foi proibir a impugnação genérica da decisão de facto, mediante simples manifestação de discordância, impondo um específico ónus de impugnação, ou, dito de outro modo, exigir, a um tempo, uma delimitação do objecto do recurso e uma fundamentação adequadas ao equilíbrio dos objectivos, confessadamente prosseguidos pelo legislador, que se deixaram mencionados (no sentido do exposto, o ac., relatado pelo também aqui relator, de 18-11-2008 – proc. 08A3406).

     O que realmente importa “é que, de maneira clara, haja indicação dos concretos meios de prova e, se testemunhal, a identificação das testemunhas e também a inequívoca indicação dos pontos de facto que se pretendem ver apreciados” (ac. STJ, de 23/02/2010 – proc. 1718.2TVLSB.L1.S1).  

4. 3. - O entendimento sufragado no acórdão recorrido, no sentido que os Recorrentes não fizeram a exigível especificação sobre os concretos pontos que consideram incorrectamente julgados, por fazerem uma remissão global, e por não terem feito, relativamente a cada um deles, indicação dos concretos meios de prova constantes da gravação, assenta, ao que parece na circunstância de os Recorrentes indicarem como incorrectamente julgados alguns pondo da base instrutória que não tiveram resposta negativa, mas apenas restritiva, sem indicar especificamente em que termos pretendiam ver alterada cada uma das respostas, antes propondo um conjunto de respostas não directa e expressamente relacionadas com cada um dos quesitos, podendo concluir-se que se exigiria a indicação, um a um, dos pontos da base instrutória erradamente julgados para, relativamente a cada um desses quesitos, ser proposta uma resposta.

Ora, assim sendo, afigura-se-nos que a exigência que foi colocada como base do decidido extravasa âmbito estabelecido pela lei para a satisfação dos ónus impostos pelos n.ºs 1 e 2 do art. 690º-A.

Com efeito, não se impõe que a impugnação seja feita com referência aos quesitos que integram a base instrutória nem que se estabeleça uma relação de correspondência directa entre a impugnação/decisão pretendida e os termos em que se encontra redigido o quesito ou quesitos que a devem comportar.

         Como também se não exige que se especifique separadamente e relativamente a cada um dos pontos impugnados, os concretos meios de prova constantes da gravação que impõe decisão diversa.

         O que a lei impõe, definindo os limites do ónus, é que se indiquem os concretos pontos de facto e que, relativamente a eles, se identifiquem os depoimentos (o concreto meio probatório invocado no caso) que impunham decisão diversa sobre aqueles pontos e pretende ver reapreciados, indicando-os, com referência à gravação constante da acta.    

Verificados estes pressupostos, estarão reunidas as componentes de reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão, no exercício dos poderes traduzidos num efectivo segundo grau de jurisdição, mantendo ou alterando os pontos de facto impugnados em conformidade com o seu juízo sobre a forma como foram julgados, face à identidade dos elementos de prova disponíveis (art. 712º-1-a) e 2).

Não pode, consequentemente, aceitar-se a posição que, apoiada nos transcritos passos do acórdão, conduziu à rejeição do recurso de apelação.

Sem que, face ao entendimento já expresso, se nos afigure relevante na apreciação do recurso, acontece até que, no caso, se está perante uma base instrutória em que, nuclearmente, estão em causa apenas duas questões de facto: - o acordo de partilha e respectivo conteúdo (pontos 3 a 5 e 9) e os actos materiais de posse sobre os prédios alegadamente partilhados nesse acordo (quesitos restantes).

Há, assim, quesitos com o objecto semelhante e mero desenvolvimento do conteúdo de outros, apenas referidos a realidades prediais distintas, razão por que, também por isso, entendemos não ser censurável a posição assumida pelos Recorrentes ao proporem, como respostas aos pontos de facto que impugnaram uma “súmula da matéria de facto”, em termos que entenderam capazes de responder às referidas questões, deixando aos Julgadores a respectiva distribuição por cada um daqueles específicos pontos.

Conclui-se, assim, carecer de fundamento, face aos pressupostos exigidos pelo art. 690º-A do CPC e do art. 712º-1-a) e 2 do mesmo diploma, a declarada rejeição do recurso, impondo-se, quanto a essa parte, a revogação do decidido.

4. 4. - A situação, que não integra nulidade do acórdão, pois que não tipifica nenhum dos vícios formais previsto no art. 668º CPC, mas pura violação da lei processual, por erro de interpretação e aplicação, ou seja, erro de julgamento, determina, como vem peticionado, a remessa do processo à Relação para reapreciação da prova relativamente à matéria de facto impugnada, após o que ficará constituída a base de facto para a decisão de direito.

5. - Decisão.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

- Conceder provimento ao recurso;

- Revogar a decisão impugnada;

- Determinar a remessa dos autos à Relação para novo julgamento da apelação que inclua no respectivo objecto a impugnação da decisão de facto da 1ª Instância; e,

        - Condenar os Recorridos nas custas deste recurso, visto terem deduzido oposição e decaído.

 Lisboa, 29 Novembro 2011

   Alves Velho (relator)

  Paulo Sá

 Garcia Calejo