ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
703/07.9TYVNG.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL AGRAVO
DECISÃO PROVIDO PARCIALMENTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SILVA GONÇALVES

DESCRITORES INSOLVÊNCIA
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
SUB-ROGAÇÃO

SUMÁRIO
No mapa de rateio final do processo de insolvência contemplado no art.º 182.º do CIRE devem ser incluídos e contemplados, paritária e proporcionalmente, tanto o crédito do Fundo de Garantia Salarial (credor sub-rogado) como a parte dos créditos dos trabalhadores não pagos pelo “Fundo de Garantia Salarial” (a parte remanescente).


DECISÃO TEXTO INTEGRAL
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo em que foi decretada a insolvência da sociedade “A & Companhia, S.A.” que teve sede na Rua ..., foi elaborado o mapa a que alude o art. 182 do CIRE, nos termos constantes de fls. 537 a 542, em que vem indicado um saldo para rateio de 101.178,73 euros, bem assim os diferentes credores reclamantes - tanto quanto resulta dos autos, trabalhadores da aludida sociedade - com o montante dos créditos laborais reconhecidos (a somar o valor global de 1.790.899,27 euros), indicando-se o global recebido pelos mesmos do “FGS” (733.428,20 euros) e ainda que o montante a ratear por cada um desses credores cabia ao “Fundo de Garantia Salarial”, atento o adiantamento por este último realizado a favor daqueles trabalhadores.

Estes credores/trabalhadores vieram reclamar deste mapa, pretendendo que o mesmo fosse rectificado, por forma a que nele fosse incluído o remanescente do seu crédito não coberto pelo pagamento feito pelo mencionado “FGS”, em termos de o mesmo reflectir a preferência nos pagamentos a efectuar relativamente aos seus créditos remanescentes e reconhecidos, posto beneficiarem de tal direito (de preferência) sobre o crédito sub-rogado do “FGS”, à luz do prescrito no art. 593, n.º 2 do CC, ou, assim não se entendendo, sempre devendo ambos os ditos créditos (por um lado, o do “Fundo” e, por outro, o remanescente desses créditos reconhecidos e não suportados pelo mesmo “Fundo”) ser atendidos em paridade no rateio.

Sobre tal pretensão tomou posição o Sr. Administrador, defendendo que o saldo apurado devia ser distribuído, rateada e proporcionalmente, em igualdade de circunstâncias, pelo “FGS” e pelos trabalhadores.

Lançada informação no processo pelo Sr. Funcionário AA, em que justificou a opção tomada na elaboração do aludido mapa, foi dada vista ao M.º P., o qual concordou com as razões naquela (informação) adiantadas, propondo a manutenção do rateio final no termos elaboradas no mapa, com o consequente indeferimento da mencionada reclamação.
Seguiu-se despacho a denegar a pretensão dos reclamantes, devendo o mapa de rateio manter-se nos termos elaborados pelo Sr. AA.

Do assim decidido os credores/trabalhadores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão datado de 5.05.2011 (cfr. fls. 792 a 797), negou provimento ao agravo, desta forma mantendo a decisão recorrida.

Novamente inconformados, ao abrigo do disposto no art.º 14.º, n.º 1 do CIRE e 754.º do C.P.Civil, recorreram para este Supremo Tribunal os credores/trabalhadores, apresentando as seguintes conclusões:
1.º O Recurso de Revista Excepcional é admissível nos termos do artigo 721° n° l b) e c) do CPC, conforme se deixou exposto.
2.º A Recorrente BB é representante dos trabalhadores.
3.° O FGS pagou à maioria dos trabalhadores incluindo às aqui Recorrentes 7.668,00€ a cada uma.
4.° Foi nestes valores que o FGS se sub-rogou, e não no valor total reclamado pelas trabalhadoras.
5.° Não pode, por isso, vir a rateio encabeçando o crédito total reclamado pelas Recorrentes, que por si não foi pago.
6.° É manifestamente contrário à Lei, atribuir-se ao Fundo de Garantia Salarial o crédito total reclamado pelas Recorrentes quando o FGS não pagou esse valor às mesmas, nem nele ficou sub-rogado - confrontar artigo 593° n° l do Código Civil.
7.º Não tendo o Fundo de Garantia Salarial pago a totalidade dos créditos das Recorrentes, os respectivos créditos (remanescentes) e valor a receber no rateio deveriam ter sido incluídos naquela lista de rateio.
8.° Para tanto:
1 - deve o crédito do FGS ser reduzido aquilo que efectivamente se sub-rogou e pagou às Recorrentes;
2 - devem os nomes das Recorrentes e demais trabalhadores integrar a lista dos Credores independentemente do Fundo de Garantia Salarial, com o seu crédito - correspondente ao valor remanescente em relação ao crédito total reclamado:
1. BB: 16.879,16 - 7.668,00 =
2. CC: 12.385,00 - 7.668,00 = 4.717,00€
3. o mesmo calculo para os demais trabalhadores.
9.° Com base nestes preceitos deve ser elaborado novo rateio final.
10.º Assim, no rateio final haverá que distinguir os dois créditos que resultaram da sub-rogação:
1) o do FGS no estrito limite do que pagou às Recorrentes e demais trabalhadores e
2) o das Recorrentes e demais trabalhadores, correspondente à diferença entre o valor pago pelo FGS e o valor total reclamado.
Isto Posto:
11.º No despacho em recurso adere-se à posição assumida pelo funcionário AA que se resume ao entendimento de que enquanto o crédito subrogado pelo FGS não for totalmente satisfeito não poderão os trabalhadores com os créditos ainda na sua titularidade concorrer com ele.
12.º O Código Civil estipula claramente no artigo 593° n.° 2 do Código Civil que "no caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada." (sublinhado nosso).
13.º E segundo ensina Antunes Varela "Apesar da sua diferente formulação, o novo Código mantém, praticamente, a preferência que a anterior legislação atribuía ao credor primitivo (ou ao seu cessionário) quanto ao pagamento do resto da dívida." Das Obrigações em Geral, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 349.
14.º O crédito das Recorrentes não só não pode ser preterido em relação ao crédito sub-rogado do FGS no concurso a rateio, como ainda deve ter prevalência sobre aquele.
I5.º E mesmo quando assim não se entenda, sempre se deverão apresentar a rateio em plena igualdade de condições.
16.º O acórdão em recurso faz tábua rasa da sub-rogação ocorrida por força do pagamento pelo FGS e trata a questão como se de um único crédito se tratasse.
17.º Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene a elaboração de novo rateio e que:
1. Inclua na lista do rateio final os nomes das Recorrentes e demais trabalhadores com os respectivos créditos - correspondente à diferença entre o valor pago pelo FGS e o valor total reclamado - e montante a receber no rateio.
2. Corrija os valores do crédito do Fundo de Garantia Salarial, resultantes da sub-rogação de parte dos créditos das Recorrentes.
3. Determine a preferência dos Créditos das Recorrentes e demais trabalhadores sobre o crédito sub-rogado do Fundo de Garantia Salarial, ou quando assim não se entenda, determine que ambos sejam levados a rateio em plena igualdade de circunstâncias.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A questão essencial posta no recurso é a de saber se no mapa de rateio final do processo de insolvência relativo à sociedade “A & Companhia, S.A.”, contemplado no art. 182.º do CIRE, se devem incluir a parte dos créditos dos trabalhadores não pagos pelo “Fundo de Garantia Salarial” (a parte remanescente), individualizando-se cada um dos créditos em função do que o FGS pagou, devendo os seus créditos não pagos (remanescente) serem atendidos preferencialmente em relação aqueloutro crédito global do “Fundo”, ou então, devendo contemplar, paritária e proporcionalmente, ambos esses credores (os credores originários/trabalhadores e o “Fundo”/credor sub-rogado).

II. O Acórdão recorrido considera que, para efeitos de rateio, há a considerar que concorrem tão só os créditos dos trabalhadores - embora em parte encabeçados também pelo “Fundo” - não podendo ser atendidas, autonomamente e com prevalência ou até em paridade, uma parte satisfeita pelo “FGS” e uma outra correspondente ao remanescente do não satisfeito por este último.

Sobre esta mesma temática outro foi o desfecho encontrado no processo n.º 7757/08-5 (5.ª secção) da Relação do Porto (cfr. a fls. 646 e segs.):
- Argumentando que, ocorrendo uma sub-rogação parcial pelo Fundo de Garantia Salarial relativamente a cada um dos créditos laborais em causa, não pode deixar de se ter em conta o estatuído no art.º 593.º, n.º 2, do C.Civil, segundo o qual no caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada, acolheu a posição dos trabalhadores, ordenando a reelaboração do mapa de rateio nele integrando o crédito dos trabalhadores.
Vejamos agora como deve ser solucionada esta questão.

III. Tomando em conta o regime legal estatuído para o caso sub judice - o art.º 380.º do Código do Trabalho/2003 e a regulamentação subsequente (arts. 316.º a 326.º da Lei 35/2004 de 29 de Julho) podemos inferir, conforme o faz a Relação, que é o Fundo de Garantia Salarial quem, sob certos requisitos, passa a garantir o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de que sejam titulares os trabalhadores e que não possam ser pagos pelo empregador, por motivo de insolvência ou de situação económica difícil (art.º 380.º do C. Trabalho e art.º317.º da Lei n.º 35/2004).

Neste contexto jurídico-positivo, o “Fundo de Garantia Salarial” fica sub-rogado nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na precisa medida dos pagamentos efectuados, com o acréscimo dos juros de mora vincendos (art.º 322.º da Lei n.º 35/2004).

A sub-rogação pode assim definir-se, segundo um critério puramente descritivo, como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento; e a sub-rogação é parcial quando o direito do credor não é integralmente satisfeito ou quando são duas ou mais pessoas a dar-lhes satisfação (Prof. A. Varela; Das Obrigações; II, pág. 324 336).

Ex vi do disposto no art.º art. 593.º do C.Civil, o Fundo de Garantia Salarial (sub-rogado) adquire os poderes que aos trabalhadores competiam na medida da satisfação dada ao seu direito e salientando-se que, no caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos dos trabalhadores (credores), quando outra coisa não for estipulada.
Quer isto dizer que, verificada a sub-rogação, porque na medida em que satisfez o crédito dos trabalhadores o Fundo de Garantia Salarial fica com o direito que originariamente pertencia àqueles, havemos de concluir que os trabalhadores terão legitimidade para reterem para si a parte do seu crédito que não foi pago pelo Fundo de Garantia Salarial e, deste modo, invocá-lo também perante a massa insolvente a par do Fundo de Garantia Salarial - o Código vigente também contemplou expressamente as duas situações (a sub-rogação total e sub-rogação parcial) nos n.º s 2 e 3 do art.º 593.º.
Quanto à primeira, diz-se (n.º 2 do art.º 593.º) que a sub-rogação, no caso de satisfação parcial, não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada (Prof. A. Varela; Das Obrigações; II, pág. 337).

Ponderando o que a lei contempla no art.º 593.º do C.Civil estamos em condições de expressar que a parte do crédito que não foi paga pelo FGS mantém-se na titularidade de cada um dos trabalhadores, com as mesmas características e alcance jurídico, tudo se passando como se a parte do seu crédito não tivesse sido transferido para o FGS.
Tratando-se de um crédito parcial, mas originariamente deles, os trabalhadores continuam a poder exigir da devedora massa insolvente o seu cabal cumprimento e acompanhado das garantias que ab initio dele desfruíam e continuam a fruir.
O crédito (parcial) dos trabalhadores e o crédito advindo ao FGS (sub-rogado), apesar da sua fragmentação continuam a manter a sua natural interligação, isto é, completam-se mutuamente; e esta sua unitária configuração há-de ser sempre tomada em consideração em todas os momentos jurídico-processuais em que esta especificada circunstância venha a ter relevância jurídico-positiva.
Deste modo, conservando a mesma natureza jurídico-vinculativa e só se distinguindo pelos montantes neles consignados, não podem estes créditos ser exercidos um contra o outro, confrontando-se entre si e deles retirar alguma preferência na concretização do seu pagamento.

Neste enquadramento legal podemos, outrossim, ajuizar que o crédito parcial dos trabalhadores pode e deve ser exercido a par do crédito do credor sub-rogado, porque a isso se não pode deduzir a sua diversificada natureza jurídica e, antes pelo contrário, se lhe pode associar a sua destacada complementaridade.

Concluindo:
1. Ex vi do disposto no art.º art. 593.º do C.Civil, o Fundo de Garantia Salarial (sub-rogado) adquire os poderes que aos trabalhadores competiam na medida da satisfação dada ao seu direito e salientando-se que, no caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos dos trabalhadores (credores), quando outra coisa não for estipulada.
2. Quer isto dizer que, verificada a sub-rogação, porque na medida em que satisfez o crédito dos trabalhadores o Fundo de Garantia Salarial fica com o direito que originariamente pertencia àqueles, havemos de concluir que os trabalhadores terão legitimidade para reterem para si a parte do seu crédito que não foi pago pelo Fundo de Garantia Salarial e, deste modo, invocá-lo também perante a massa insolvente a par do Fundo de Garantia Salarial.
3. O crédito (parcial) dos trabalhadores e o crédito advindo ao FGS (sub-rogado), apesar da sua fragmentação continuam a manter a sua natural interligação, isto é, completam-se mutuamente; e esta sua unitária configuração há-de ser sempre tomada em consideração em todas os momentos jurídico-processuais em que esta especificada circunstância venha a ter relevância jurídico-positiva.
4. Neste enquadramento legal podemos, outrossim, ajuizar que o crédito parcial dos trabalhadores pode e deve ser exercido a par do crédito do credor sub-rogado, porque a isso se não pode deduzir a sua diversificada natureza jurídica e, antes pelo contrário, se lhe pode associar a sua destacada complementaridade.

Pelo exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao agravo e, em consequência, determina-se o seguinte:
1. Se incluam na lista do rateio final os nomes das recorrentes com os respectivos créditos - correspondentes à diferença entre o valor pago pelo FGS e o valor total reclamado - e montante a receber no rateio.
2. Se corrijam os valores do crédito do Fundo de Garantia Salarial, resultantes da sub-rogação de parte dos créditos das Recorrentes.
3. Os créditos parciais (remanescente) das recorrentes e o crédito sub-rogado do Fundo de Garantia Salarial são levados a rateio em plena igualdade de circunstâncias.

Custas pelas recorrentes e massa insolvente na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Outubro de 2011.
Silva Gonçalves (Relator)
Pires da Rosa
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.