ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
222/03.2TTLRS-A.L2.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PINTO HESPANHOL

DESCRITORES ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
PROTECÇÃO CONTRA QUEDAS
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA

SUMÁRIO 1. Sempre que haja o risco de queda em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e quando, por razões técnicas, tais medidas forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas de protecção individual antiqueda, competindo ao empregador fornecer o correspondente equipamento.

2. O ónus da prova dos factos que agravam a responsabilidade da empregadora cabe a quem dela tirar proveito, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, incumbindo, no caso, à seguradora alegar e provar não só a inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho, mas também a existência de nexo de causalidade entre essa inobservância e o acidente.

3. Provando-se, apenas, que o sinistrado executava trabalhos na cobertura do edifício, que recebia os baldes de cimento através de uma roldana montada no andaime e depois os transportava através de um vão existente no canto esquerdo do edifício e que caiu do beiral do telhado, ignorando-se a razão dessa queda, não é possível estabelecer nexo causal entre a inobservância de regras de segurança no trabalho e a produção do acidente, pelo que não se verificam os pressupostos da pretendida responsabilização da entidade empregadora.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 9 de Novembro de 2004, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, 1.ª Secção, AA instaurou a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra BB – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Lda., e COMPANHIA CC, S. A., actualmente denominada L... CC, S. A., pedindo que a 1.ª ré fosse condenada a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia de € 11.583,45, com início em 11 de Março de 2003, € 87,34, relativos a despesas médicas, € 75, a título de despesas de transporte, € 4.279,20, correspondentes ao subsídio de morte, € 2.852,80, referentes a despesas de funeral, e € 15.000, atinentes a indemnização por danos não patrimoniais, acrescendo juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento das prestações, até integral pagamento; subsidiariamente, para o caso de se entender não se ter verificado culpa da empregadora na produção do acidente de trabalho, pede a condenação das rés a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 3.475,04, sendo da responsabilidade da 2.ª ré o pagamento de € 2.100 e, da responsabilidade da 1.ª ré, o pagamento do remanescente, bem como de € 87,34, relativos a despesas médicas, € 75, a título de despesas de transporte, € 4.279,20, referentes ao subsídio de morte, e € 2.852,80, correspondentes a despesas de funeral.

Alegou, em suma, que, no dia 10 de Março de 2003, o seu marido, DD, sofreu um acidente de trabalho, que lhe determinou a morte, quando o mesmo trabalhava, por conta e sob fiscalização da 1.ª ré, que transferira a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré seguradora, e que o acidente se verificou quando o sinistrado estava a trabalhar no beiral de um telhado e caiu do mesmo por não estar protegido por guarda-corpos ou outras protecções, sendo que não havia recebido da 1.ª ré a formação adequada para executar tal serviço, nem a mesma ré fiscalizou as condições em que aquele desempenhava o seu trabalho, tendo o acidente ocorrido por violação das regras de segurança por parte da empregadora.

Mais alegou que, desde a morte do seu marido, sofre grande angústia, tendo sido frustradas todas as expectativas e projectos de vida e que o sinistrado era o sustento económico do lar, garantindo-lhe o sustento e o pagamento das despesas e necessidades fundamentais como alimentação, vestuário, água, luz, telefone, gás, e medicamentos, já que a autora é doméstica e não aufere qualquer rendimento.

A ré seguradora contestou, alegando, em resumo, que o acidente de trabalho ocorreu por violação das regras de segurança no trabalho, uma vez que não estavam implementados na obra dispositivos colectivos nem individuais de segurança que prevenissem a queda em altura, além de que a obra não tinha plano de segurança e saúde, pelo que a entidade empregadora é a responsável principal pelo ressarcimento dos danos ocorridos, cabendo-lhe, apenas, responsabilidade subsidiária.

A ré entidade empregadora também contestou, alegando que a retribuição do sinistrado era de € 500 mensais, acrescidos de subsídio de alimentação, não auferindo subsídio de transporte, sendo que, as afirmações do seu representante na tentativa de conciliação quanto àquele subsídio foram certamente afectadas por algum vício.

E mais sustentou que a culpa pela produção do acidente cabe à EE, S. A., porque, em meados de 2000, quando a 1.ª ré se mudou, definitivamente, para Campo Maior, o sinistrado comunicou-lhe que não a podia acompanhar, que gostava de continuar a trabalhar na «EE», onde a 1.ª ré fizera várias obras, e que a «EE» também gostaria que ele ficasse, mas que não pretendia desvincular-se da 1.ª ré. Por isso, a 1.ª ré e a «EE» formalizaram a cedência do sinistrado, nos termos da qual este ficava vinculado à 1.ª ré, mas a trabalhar sob as ordens, direcção e autoridade da «EE», sendo que, no final de cada mês, o salário era pago, nas instalações da «EE», pela 1.ª ré. Esta receberia da «EE», doze meses por ano, uma quantia para ressarcimento dos catorze salários pagos em cada ano, acrescida das despesas de deslocação do seu representante e duma quantia calculada em função dos direitos que os trabalhadores iam adquirindo pelo vínculo laboral. Assim, porque a direcção do trabalho do sinistrado passou para a «EE», a responsabilidade pela ofensa de regras de segurança deve-lhe ser imputada, pelo que a chamou a intervir na acção.

Notificada deste articulado, a autora aduziu a questão da extemporaneidade do mesmo e opôs-se ao chamamento da «EE», tendo a 1.ª ré respondido.

Apreciada a questão, foi considerada extemporânea a contestação produzida pela 1.ª ré, ordenando-se o seu desentranhamento dos autos, e julgou-se prejudicada a apreciação do chamamento da «EE», tendo a 1.ª ré interposto recurso deste despacho, que foi admitido com subida diferida.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que condenou a 1.ª ré a pagar à autora os valores por esta peticionados.

Inconformada, a 1.ª ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação, na sequência da apreciação do agravo que com ele subiu, decidido revogar o despacho que julgou extemporânea a referida contestação, devendo ser substituído por outro que a admitisse, por tempestiva, e anular todo o processado subsequente.

Entretanto, foi admitida a intervenção da «EE», que apresentou contestação, e, em seguida, exarou-se despacho saneador, que julgou improcedentes as excepções de incompetência material do tribunal e de ilegitimidade processual passiva alegadas pela chamada, sendo que, interposto recurso daquele despacho, que obteve parcial provimento, foi mantida a intervenção da «EE», mas a título de auxiliar (assistente) na defesa da 1.ª Ré, convolando-se a intervenção principal em acessória, prevista nos artigos 330.º e ss. do Código de Processo Civil.

Após julgamento, foi proferida sentença, que julgando a acção parcialmente procedente, proferiu condenação nos termos seguintes:

                 «–    [C]ondeno a 1.ª Ré, BB, a pagar à A. a pensão anual e vitalícia de € 409,03 (quatrocentos e nove euros e três cêntimos), sem prejuízo do seu aumento para 40% da retribuição do sinistrado não transferida para a seguradora, a partir da data em que a A. perfizer a idade de reforma por velhice, pensão devida desde 11.3.2003, acrescida de 1/14 avos de subsídio de Natal e de 1/14 avos de subsídio de férias, pagos nos meses de Maio e Novembro de cada ano, acrescendo sobre o vencimento de todas as prestações já devidas desde 11.3.2003, juros de mora à taxa legal;
                   – [C]ondeno a 2.ª Ré, seguradora, a pagar à A. a pensão anual e vitalícia de € 2.100,00 (dois mil e cem euros), sem prejuízo do seu aumento para 40% da retribuição do sinistrado transferida para a seguradora, a partir da data em que a A. perfizer a idade de reforma por velhice, pensão devida desde 11.3.2003, acrescida de 1/14 avos de subsídio de Natal e de 1/14 avos de subsídio de férias, pagos nos meses de Maio e Novembro de cada ano, acrescendo sobre o vencimento de todas as prestações já devidas desde 11.3.2003, juros de mora à taxa legal;
                    –   [C]ondeno a 2ª Ré, seguradora, a pagar à A. a quantia de € 4.279,20, (quatro mil e duzentos e setenta e nove euros e vinte cêntimos), a título de subsídio por morte e a de € 1.426,40 (mil quatrocentos e vinte e seis euros e quarenta cêntimos), a título de subsídio de funeral, e ainda a quantia de € 87,34 (oitenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos), a título de despesas médicas, tudo no valor global de € 5.792,94 (cinco mil e setecentos e noventa e dois euros e noventa e quatro cêntimos), [acrescidos] de juros de mora à taxa legal desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.»

2. Inconformada, a 2.ª ré, entidade seguradora, apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto.

É contra esta decisão que a ré seguradora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões:
                 «1. Na douta sentença posta em crise, entendeu o Mmº Juiz “a quo” que o acidente em causa não se deveu a violação de qualquer regra de segurança no trabalho, e que o sinistrado era trabalhador da 1.ª Ré “BB”, e como tal responderá a ora Recorrente, na qualidade de seguradora de acidentes de trabalho, tese que não se aceita.
                     2. O acidente dos autos tratou-se de uma queda em altura (a 7 metros do solo).
                     3. Na obra em causa não existiam protecções colectivas, nem individuais.
                     4. A existência de andaimes e guarda-corpos, bem como de redes de segurança, utilização de cinto e respectivo arnês de segurança teria evitado a queda do sinistrado e as consequências verificadas.
                     5. A queda do sinistrado deveu-se única e exclusivamente à falta de implementação de medidas de segurança, em clara violação do disposto nos artigos 8.º [do] DL 441/91, de 14.11, 42.° do Decreto 41.821, de 11.08.1958, e artigo 6.º, n.º 1, 2 e 3, artigo 8.°, n.º 2, artigo 14.° e [artigo] 15.° [do] Decreto-Lei 155/95, de 01.07.
                     6. Não fosse a inobservância dessas regras de segurança e o acidente dos autos não teria ocorrido nas condições verificadas.
                     7. Cabe à entidade empregadora do sinistrado a reparação do acidente.
                     8. Caso se entenda que a entidade empregadora do sinistrado era a “BB”, a ora Recorrente é subsidiariamente responsável pela reparação do acidente, atenta a violação das normas de segurança por aquela.
                     9. A entidade empregadora “de facto” do Sinistrado era a “EE”, para a qual prestava e desenvolvia o seu trabalho.
                   10. Resultou provado nos autos que o sinistrado trabalhava na e para a “EE”, sob a orientação, fiscalização e no interesse desta, logo, era a “EE” a entidade empregadora do sinistrado.
                   11. Apesar de não ter sido reduzido a escrito, existia uma cedência do trabalhador sinistrado à “EE” pela “BB”.
                   12. Ficou provado que a “EE” fiscalizou a execução dos trabalhos de recuperação interior e conservação do edifício, no entanto tal fiscalização não foi diligente, pois não acautelou devidamente pelo cumprimento das regras de segurança no trabalho, concretamente pela instalação e utilização dos guarda-corpos, redes, cinto de segurança e respectivo arnês.
                   13. Tal, caso faleça todo o supra exposto, configurará um direito de regresso da ora Apelante em relação à “EE”, como dona da obra estava obrigada a uma fiscalização que certamente não cumpriu.»

Termina consignando que o aresto recorrido deve ser revogado, nos termos expostos, e substituído por decisão «que respeite a correcta aplicação dos normativos que subsumem a essência fáctica do caso dos autos».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto concluiu que a revista devia improceder, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se, à data do acidente, a entidade empregadora do sinistrado era a «EE», configurando-se um direito de regresso da recorrente contra aquela interveniente acessória [conclusões 1), na parte atinente, e 9) a 13) da alegação do recurso de revista];
              –   Se o acidente de trabalho ocorreu por falta de observância das regras de segurança no trabalho, por parte da entidade empregadora [conclusões 1), na parte atinente, e 2) a 8) da alegação do recurso de revista].

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                              II

1. As instâncias deram como provados os factos que se passam a enunciar,  mencionando-se as alíneas da matéria de facto considerada assente e os números das respostas positivas dadas aos factos integrantes da base instrutória:
A) No dia 10.3.2003, ocorreu um acidente na Quinta das ..., sita na Rua de …, n.º …, em Santa Iria da Azóia, em que foi vítima DD;
B) O acidente verificou-se quando a vítima trabalhava por conta da 1.ª Ré, BB – Sociedade de Construções Limitada, como arvorado;
C) O acidente causou a morte a DD no mesmo dia;
D) A 1.ª Ré tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a 2.ª Ré — Companhia de Seguros L... — pela retribuição de € 500 x 14, a que corresponde a retribuição anual bruta de € 7.000;
2) A 1.ª Ré iniciou a sua actividade no ramo da construção civil em 1978;
3) Teve, entre outros, como cliente, a chamada «EE», para quem construiu e executou vários trabalhos, em regime de empreitadas;
4) No ano de 1987/88, a 1.ª Ré transferiu grande parte dos seus serviços para Campo Maior;
5) Em meados de 2000, mudou, em definitivo, todos os seus serviços, quer técnicos quer administrativos, para Campo Maior;
6) A 1.ª Ré convidou os seus trabalhadores, e entre eles o A., a irem trabalhar para Campo Maior;
7) O sinistrado comunicou à 1.ª Ré a sua indisponibilidade para ir trabalhar para Campo Maior, por não querer ficar longe da família;
8) Mais comunicou que tinha falado com os responsáveis da chamada «EE»;
9) Onde já era bem conhecido e muito considerado,
10) Por lá vir trabalhando há algum tempo;
11) Mais comunicou à 1.ª Ré que aEE gostava, e ele também, de continuar a trabalhar, em definitivo, para esta;
12) Porém, sem se desvincular da 1.ª Ré, por já trabalhar para esta há cerca de 20 anos;
13) O sinistrado comunicou que aEE mesmo assim o aceitava;
14) A 1.ª Ré estabeleceu então conversações com a chamada «EE», a fim de acordarem as condições em que o sinistrado ficava a trabalhar na e para esta;
16) Houve uma reunião nas instalações da «EE», em que estiveram presentes FF e GG, em representação desta, e os legais representantes da 1.ª Ré, relativa à situação do sinistrado e de outro trabalhador da 1.ª Ré, HH;
22) O legal representante da 1.ª Ré deslocava-se mensalmente ao local onde o sinistrado prestava serviço para proceder ao pagamento da retribuição deste;
23) A BB sempre liquidou as contribuições devidas à Segurança Social relativas ao sinistrado;
24) E manteve o sinistrado seguro contra acidentes de trabalho;
29) AEE fiscalizou a execução dos trabalhos (não se leia que contratara à BB, porque se ignora o tipo de negócio e as pessoas com as quais foram negociadas as obras) de recuperação interior e conservação do edifício;
30) O acidente objectivou-se numa queda de aproximadamente 7 metros de altura;
31) O sinistrado executava trabalhos de alvenaria (rematava com cimento as beiras de três janelas das águas furtadas, situadas na cobertura do edifício);
32) O sinistrado recebia os baldes de cimento do servente através de uma roldana montada no andaime;
33) O sinistrado recebia os baldes de cimento no andaime e depois transportava-os através de um vão existente no canto esquerdo do edifício;
34) O beiral do telhado não se encontrava protegido por qualquer guarda-‑corpos ou outras protecções;
35) O sinistrado caiu do beiral do telhado;
36) O sinistrado era pedreiro de profissão há mais de 20 anos, na 1.ª Ré;
37) Era um bom trabalhador;
39) O edifício em que o sinistrado trabalhava era constituído por piso térreo e 1.º piso;
41) A obra não tinha plano de segurança e saúde;
43) Os trabalhos de recuperação interior e de conservação do edifício implicavam a restauração de «trapeiras», situadas no último piso do edifício;
44) As referidas trapeiras encontram-se recuadas a cerca de 1,50 metros do alçado principal do imóvel e são frontalmente limitadas pela parede exterior do edifício, que nesse lugar tem cerca de 1,15 metros de altura acima do pavimento;
45) Entre os trabalhos previstos encontrava-se o enchimento em betão das pequenas paredes laterais que limitam a área das trapeiras;
46) As paredes a encher situam-se totalmente no interior do edifício;
47) Pelo que o trabalho de enchimento seria realizado também no interior do edifício;
48) Para esse efeito, encontravam-se montadas armaduras de ferro e instaladas cofragens;
49) A colocação das cofragens foi prevista de modo a permitir a introdução do betão sempre pelo interior do edifício;
51) O sinistrado estava encarregado da execução das tarefas de cofragem e de enchimento em betão das paredes laterais das trapeiras;
52) O sinistrado devia fazer aquele enchimento pelo interior do edifício;
53) O sinistrado assim fez no que respeita à cofragem de uma parede de uma das trapeiras;
57) Todo o trabalho de enchimento das paredes laterais das trapeiras podia e devia ser realizado no interior do edifício;
58) Os trabalhos em causa não pressupunham a realização de quaisquer tarefas em altura nem estes estavam previstos;
59) O andaime referido no artigo 5.º da PI não servia de apoio para a execução de tarefas no exterior, mas apenas para permitir a elevação de materiais;
68) À data do acidente o sinistrado auferia a retribuição mensal de € 500 x 14 de retribuição base, acrescida de € 4 x 22 x 11 de subsídio de alimentação e de € 35,95 x 11 de subsídio de transporte, e acrescida dos valores que constam dos papéis anexos aos recibos que constituem os documentos n.os 1 a 8 com a PI;
69) O sinistrado vivia com a A.;
70) A A. gastou € 1.500 em despesas com o funeral do sinistrado;
71) Gastou, ainda, a A. € 87,34 em despesas médicas ocasionadas com o acidente;
73) Desde a morte do marido, a A. sofre grande angústia, pois a esta altura da sua vida se encontra sozinha, sem o apoio e carinho do companheiro de uma vida;
74) Com a morte do marido, foram frustradas todas as expectativas e projectos de vida que ambos haviam formulado no sentido de poderem usufruir do carinho, amor e apoio um ao outro, que o caminho para a velhice lhes exige e proporciona;
74) O sinistrado era o sustento económico do lar;
76) A A. vive agora com graves carências económicas, o que tem levado a abster-se de fazer despesas que normalmente não carecia de evitar, como a compra de fruta, peixe e carne e outros bens de primeira necessidade;
77) A insegurança, a solidão, o sofrimento e a angústia da perda têm-lhe perturbado o sono e a capacidade de raciocínio e trabalho;
78) A Inspecção-Geral do Trabalho aplicou à 1.ª Ré uma coima e custas no montante de € 1.540, por violação das regras de segurança relacionadas com o sinistro dos autos;
79) O sinistrado tinha 62 anos à data do acidente;
80) A A. era casada com o sinistrado desde 24.10.1964 e, nesta data, a A. tinha 18 anos [factos sob 79) e 80) provados pela certidão de assento de nascimento do sinistrado].

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. A recorrente alega que a entidade empregadora de facto do sinistrado era a «EE», para a qual prestava e desenvolvia o seu trabalho, provando-se nos autos «que o sinistrado trabalhava na e para a “EE”, sob a orientação, fiscalização e no interesse desta, logo, era a “EE” a entidade empregadora do sinistrado», e que, «apesar de não ter sido reduzido a escrito, existia uma cedência do trabalhador sinistrado à “EE” pela “BB”, sendo que ficou provado «que a “EE” fiscalizou a execução dos trabalhos de recuperação interior e conservação do edifício, no entanto tal fiscalização não foi diligente, pois não acautelou devidamente pelo cumprimento das regras de segurança no trabalho, concretamente pela instalação e utilização dos guarda-corpos, redes, cinto de segurança e respectivo arnês», pelo que, assim, se configurará um direito de regresso da recorrente em relação à «EE», uma vez que, como dona da obra, estava obrigada a uma fiscalização que certamente não cumpriu.

As instâncias convergiram no sentido de que a 1.ª ré era a empregadora do sinistrado, por se ter demonstrado a existência de um vínculo laboral entre ambos e não ter sido provada a alegada cedência do sinistrado à «EE».

Ora, não se descortinam fundamentos para alterar, neste aspecto, o julgado.

De facto, caracterizando-se o contrato de trabalho como um vínculo jurídico pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra pessoa, a qual adquire poderes de orientação e fiscalização da actividade a prestar, a empregadora corresponde àquela entidade que exerça sobre o trabalhador o poder de subordinação jurídica, entendido este na perspectiva de determinar e conformar a prestação de trabalho, fiscalizando-a e, eventualmente, punindo o trabalhador no âmbito da execução da sua prestação de trabalho.

A entidade empregadora é, pois, aquela que exerça perante o trabalhador os poderes de orientação, direcção e fiscalização da prestação do trabalho.

No caso, demonstrou-se que o acidente ocorreu no dia 10 de Março de 2003, quando o sinistrado trabalhava por conta da 1.ª ré, «BB» [factos provados A) e B)] e que, desde meados de 2000, «sem se desvincular da 1.ª ré», o sinistrado passou a exercer a sua actividade na «EE», tendo a ré «BB» estabelecido conversações com esta para acordar os termos em que o sinistrado o faria, sendo a ré «BB» quem, mensalmente, pagava a retribuição ao sinistrado, as contribuições devidas à Segurança Social e o seguro do sinistrado em caso de acidente de trabalho [factos provados 5) a 16) e 22) a 24)].

Daquela matéria de facto resulta que a entidade empregadora do sinistrado era, à data do acidente em apreço, a ré «BB», pois é em relação a esta que se acham demonstrados os elementos característicos do vínculo laboral, como sejam a prestação do trabalho do sinistrado «por conta da 1.ª ré “BB”» e os pagamentos, por parte desta e relativamente ao sinistrado, do valor pertinente à retribuição mensal (contrapartida essencial da prestação do trabalho) e dos encargos com a Segurança Social e a contratação do pertinente seguro de acidentes de trabalho.

E a matéria constante no facto provado 29), de acordo com o qual «a “EE” fiscalizou a execução dos trabalhos de recuperação interior e conservação do edifício» em que ocorreu o acidente, não demonstra, por si só, que tal fiscalização se inseriu no âmbito dos poderes de direcção e orientação da actividade do sinistrado, típicos e inerentes à qualidade de entidade empregadora, sendo certo que, ao invés  do pretendido pela recorrente (conclusão 10.ª da alegação do recurso de revista), não «[r]esultou provado nos autos que o sinistrado trabalhava na e para a “EE”, sob a orientação, fiscalização e no interesse desta», mas antes que «[o] acidente verificou-se quando a vítima trabalhava por conta da 1.ª Ré, BB – Sociedade de Construções Limitada, como arvorado» [facto provado A)] e que a 1.ª Ré estabeleceu conversações com a chamada «EE», a fim de acordarem as condições em que o sinistrado ficava a trabalhar na e para esta [facto provado 14)], mas sem concretização do desenho jurídico que assumia essa prestação de actividade.

Aliás, não decorre da factualidade apurada qualquer vínculo jurídico entre o sinistrado e a «EE» ou entre esta e a ré «BB», no sentido da invocada cedência do trabalhador, sendo que cabia à ré seguradora a demonstração desse circunstancialismo, o que, manifestamente, não logrou efectuar.

Adite-se, relativamente ao alegado direito de regresso da recorrente contra a «EE» e conforme bem se decidiu no acórdão recorrido, que improcede «a questão da responsabilização da “EE”, como dona da obra, não só porque dos factos nada resulta em relação a essa eventual responsabilização como, ainda, essa entidade foi admitida a intervir nos presentes autos apenas como auxiliar (assistente) na defesa da ré BB — a entidade empregadora do sinistrado.»

Neste quadro e atento o preceituado nos artigos 330.º, 332.º, n.º 4, e 341.º do Código de Processo Civil, carece de fundamento legal a pretendida efectivação, nesta acção, de um direito de regresso da ré seguradora em relação à «EE».

Improcedem, por conseguinte, as conclusões 1), na parte atinente, e 9) a 13) da alegação do recurso de revista.

3. A recorrente propugna que o acidente em apreço «tratou-se de uma queda em altura (a 7 metros do solo)», que na obra «não existiam protecções colectivas, nem individuais» e que «[a] existência de andaimes e guarda-corpos, bem como de redes de segurança, utilização de cinto e respectivo arnês de segurança teria evitado a queda do sinistrado e as consequências verificadas», donde, «[a] queda do sinistrado deveu-se única e exclusivamente à falta de implementação de medidas de segurança, em clara violação do disposto nos artigos 8.º [do] DL 441/91, de 14.11, 42.° do Decreto 41.821, de 11.08.1958, e artigo 6.º, n.º 1, 2 e 3, artigo 8.°, n.º 2, artigo 14.° e [artigo] 15.° [do] Decreto-Lei 155/95, de 01.07», termos em que cabia à entidade empregadora do sinistrado a reparação do acidente e, caso a entidade empregadora do sinistrado seja a “BB”, a ora Recorrente é subsidiariamente responsável pela reparação do acidente, atenta a violação das normas de segurança por aquela.

As instâncias decidiram que não estavam provados factos que permitissem afirmar as causas do acidente, consignando-se, na sentença do tribunal de primeira instância, que não se extraia da matéria de facto apurada «como é que o acidente se deu, só sabemos que o sinistrado caiu, mas nada sabemos sobre o que estava a fazer ou sobre o que é que aconteceu imediatamente antes e o levou a cair» e, como nada se sabe, não se pode afirmar a culpa da ré empregadora.

Neste particular, o acórdão recorrido explicitou a fundamentação seguinte:

                  «No caso dos autos, tal como se refere na sentença e resulta dos factos, o acidente consistiu numa queda do sinistrado de cerca de 7 metros de altura, mas nada se provou no que se refere à dinâmica do acidente.
                      Sabe-se que o sinistrado estava encarregado da execução das tarefas de cofragem e de enchimento em betão das paredes laterais das trapeiras (facto sob 51), sendo que a cofragem e as paredes a encher se situam no interior do edifício, e o trabalho de enchimento seria realizado também no interior do edifício.
                      Conforme ficou assente sob o facto 58, “Os trabalhos em causa não pressupunham a realização de quaisquer tarefas em altura nem estes estavam previstos”.
                      Como se diz na sentença “se o trabalho não podia nem devia ser realizado no exterior do edifício, se o enchimento das trapeiras tinha de ser feito pelo interior do edifício, não havia nenhum risco de queda em altura que justificasse que o sinistrado andasse com arnês de segurança e linha de vida nem havia que meter guarda-corpos no beiral. Pelo menos, para o trabalho concreto que estava a ser desenvolvido”.
                      O facto de se ter provado que a obra não tinha plano de segurança e saúde (facto sob 41), podendo dar origem a processo de contra-ordenação, com a condenação no pagamento de coima, não se mostrou que fosse causal do acidente – elemento necessário para que a entidade empregadora pudesse ser responsabilizada pelas consequências do acidente.
                      Improcede, assim, a questão da responsabilização da entidade empregadora.»

3.1. O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde recebeu expresso reconhecimento constitucional na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, prevendo a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito constitucional, o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doenças profissionais.

O acidente dos autos ocorreu em 10 de Março de 2003, por isso, no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro.

O n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 100/97, sob a epígrafe «Casos especiais de reparação», estabelece que «quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes: (a) nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte, serão iguais à retribuição; (b) nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.»

Por seu lado, o n.º 2 do artigo 37.º da mesma Lei dispõe que «verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei».

Assim, no domínio daquele regime jurídico, a responsabilidade agravada do empregador tem dois fundamentos autónomos: (i) um comportamento culposo da sua parte; (ii) a não observação pelo empregador das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

A única diferença entre aqueles fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo (neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Abril de 2007, Processo n.º 4473/06 – 4.ª Secção).

Tal como se pondera, sobre a apontada temática, no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Dezembro de 2008 (Processo n.º 2271/2008 da 4.ª Secção):

                    «A anterior lei dos acidentes de trabalho (a Lei n.º 2.127, de 3.8.65) previa, na sua Base XVII, os chamados “casos especiais de reparação”. Aí se previa o agravamento das indemnizações e pensões previstas na Base anterior, quando o acidente tivesse sido dolosamente provocado pela entidade patronal ou seu representante (n.º 1) ou quando o acidente tivesse resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante (n.º 2).
                      E, relacionado com o disposto no n.º 2 da Base XVII, o art. 54.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, que veio regulamentar a Lei n.º 2127, estabelecia que “[p]ara efeitos do disposto no n.º 2 da Base XVII, considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal ou de seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram à higiene e segurança no trabalho”.
                      Como resulta do teor do citado art. 54.º, conjugado com o n.º 2 da Base XVII da Lei n.º 2127, aquele artigo limitou-se a estabelecer uma presunção de culpa por parte do empregador, quando se provasse que o acidente tinha resultado da violação das normas referentes à higiene e segurança no trabalho. Ou seja, o legislador considerava que a violação das normas de segurança constituía, em si mesma, e em princípio, uma conduta culposa.
                      A actual LAT (a Lei n.º 100/97, de 13/9) não contém disposição idêntica à do art. 54.º do Decreto n.º 360/71, o mesmo acontecendo com o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4 que a veio regulamentar.
                      Todavia, isso não significa que o regime da actual LAT, no que toca à culpa da entidade empregadora na produção do acidente, quando este resulte da violação das normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, seja mais restritivo do que o regime anterior.
                      Com efeito, importa atentar que a Lei n.º 100/97 veio regular de forma diferente os “casos especiais de reparação”, ao estabelecer, no n.º 1 do seu art. 18.º, o agravamento das prestações “[q]uando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”.
                      Ora, como decorre do confronto do normativo referido com o disposto na Base XVII, n.os 1 e 2, da Lei n.º 2127, a Lei n.º 100/97 deixou de distinguir o dolo da negligência, passando a responsabilidade agravada do empregador a existir em qualquer hipótese de culpa (a palavra provocado abrange o dolo e a mera culpa) e a falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho passou a constituir um fundamento autónomo do agravamento das prestações, o que não acontecia na Lei n.º 2127, pois aí não passava de uma mera presunção de culpa na produção do acidente.
                      Por outras palavras, na Lei n.º 100/97, a violação por parte da entidade empregadora ou do seu representante das mencionadas regras passou a constituir um caso de culpa efectiva e não um caso de culpa meramente presumida, como sucedia no regime anterior.
                      E compreende-se que assim seja, uma vez que a culpa, na sua forma de mera culpa ou negligência, se traduz na omissão da diligência, dos deveres de cuidado que um bom pai de família teria observado, em face das circunstâncias do caso, a fim de evitar o facto antijurídico que provocou o dano (art. 487.º, n.º 2, do C.C).»

Assim, para efeitos de aplicação dos artigos 18.º, n.º 1, e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às seguradoras que pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade, para responsabilizar esta, de forma agravada, pelas consequências do acidente, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.

Na verdade, como é jurisprudência pacífica, o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete a quem dela tirar proveito, no caso, à ré seguradora, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

3.2. Importa examinar, por ordem cronológica, as regras sobre segurança no trabalho invocadas pela recorrente.

3.2.1. O Decreto n.º 41.821, publicado em 11 de Agosto de 1958, aprovou o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, diploma que previa as normas de segurança a observar no trabalho da construção civil, sendo que o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho (alterado pela Lei n.º 113/99, de 3 de Agosto, e revogado pelo Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro), vigente à data em que se verificou o acidente, manteve em vigor as normas técnicas do mencionado Regulamento em tudo o que não contrariasse as suas próprias disposições.

A recorrente invoca o disposto no artigo 42.º do sobredito Regulamento, o qual estabelece que, «[q]ualquer abertura feita numa parede, estando situada a menos de 1 m acima do solo ou da plataforma, será protegida por um ou mais guarda-corpos com as características indicadas no § único do artigo 40.º, bem como, se for necessário, por um guarda-cabeças com a altura estabelecida naquele parágrafo», devendo o guarda-cabeças ficar instalado «o mais perto possível do pavimento ou do lado inferior da abertura».

3.2.2. O Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro (vigente à data em que ocorreu o acidente, mas entretanto revogado pelo artigo 120.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 102/2009, 10 de Setembro), conforme resulta da atinente nota preambular, trata-se de uma lei quadro, que visou, não só dotar o País de um quadro jurídico global que garantisse uma efectiva prevenção de riscos profissionais, mas também cumprir as obrigações do Estado decorrentes da ratificação da Convenção n.º 155 da OIT, sobre segurança, saúde dos trabalhadores e ambiente de trabalho, e adaptar a ordem jurídica interna à Directiva do Conselho (89/391/CEE), de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho.

Este diploma contém os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos do estipulado nos artigos 59.º e 64.º da Constituição (artigo 1.º), aplica-se a todos os ramos de actividade, nos sectores público, privado ou cooperativo e social (artigo 2.º), prevendo o artigo 4.º que «[t]odos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e protecção da saúde» (n.º 1).

Extrai-se do seu artigo 8.º que «[o] empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho» (n.º 1), devendo, de acordo com o seu n.º 2, proceder, na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção [alínea a)], integrar no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço e a todos os níveis a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adopção de convenientes medidas de prevenção [alínea b)], planificar a prevenção na empresa, estabelecimento ou serviço num sistema coerente que tenha em conta a componente técnica, a organização do trabalho, as relações sociais e os factores materiais inerentes do trabalho [alínea d)], dar prioridade à protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual [alínea f)], dar instruções adequadas aos trabalhadores [alínea n)], ter em consideração se os trabalhadores têm conhecimentos e aptidões em matéria de segurança e saúde no trabalho que lhes permitam exercer com segurança as tarefas de que os incumbir [alínea o)].

O mesmo artigo 8.º dispõe que, na aplicação das medidas de prevenção, deve o empregador mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação e da informação, e os serviços adequados, internos ou exteriores à empresa, estabelecimento ou serviço, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar, tendo em conta, em qualquer caso, a evolução da técnica (n.º 3).
Em suma, o Decreto-Lei n.º 441/91 consagrava uma explícita obrigação do empregador de aplicar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de acidentes, devendo pôr à disposição do trabalhador os meios de protecção adequados, nomeadamente o correcto equipamento de protecção individual.

No desenvolvimento da regulamentação anunciada no n.º 2 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 441/91, foi editado o Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de Outubro, que visou transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de protecção individual, que constitui a terceira directiva especial, na acepção do n.º 1 do artigo 16.º da Directiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, e atende aos princípios orientadores da Comunicação da Comissão n.º 89/C328/02, de 30 de Novembro, relativa à avaliação do ponto de vista de segurança dos equipamentos de protecção individual.

De harmonia com o Decreto-Lei n.º 348/93, entende-se por equipamento de protecção individual todo o equipamento, bem como qualquer complemento ou acessório, destinado a ser utilizado pelo trabalhador para se proteger dos riscos, para a sua segurança e para a sua saúde (n.º 1 do artigo 3.º), o qual deve ser utilizado quando os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de protecção colectiva ou por medidas, métodos ou processos de organização do trabalho (artigo 4.º), constituindo obrigação do empregador, segundo o seu artigo 6.º, «[f]ornecer equipamento de protecção individual e garantir o seu bom funcionamento» [alínea a)], «[f]ornecer e manter disponível nos locais de trabalho informação adequada sobre cada equipamento de protecção individual» [alínea b)], «[i]nformar os trabalhadores dos riscos contra os quais o equipamento de protecção individual os visa proteger» [alínea c)], «[a]ssegurar a formação sobre a utilização dos equipamentos de protecção individual, organizando, se necessário, exercícios de segurança» [alínea d)].

Segundo o artigo 7.º, a descrição técnica do equipamento de protecção individual, bem como das actividades e sectores de actividade para os quais aquele pode ser necessário, é objecto de portaria do Ministro do Emprego e da Segurança Social, tendo a Portaria n.º 988/93, de 6 de Outubro, dado execução a esse preceito.

Consoante o Anexo II daquela Portaria, intitulado «Lista indicativa e não exaustiva dos equipamentos de protecção individual», são adequados à protecção contra quedas, os equipamentos ditos «antiquedas», os equipamentos com travão «absorvente de energia cinética» e os dispositivos de preensão do corpo (cintos de segurança).

Refira-se que o Anexo III da Portaria n.º 988/93, intitulado «Lista indicativa e não exaustiva das actividades e sectores de actividade para os quais podem ser necessários equipamentos de protecção individual», prevê a necessidade da utilização de protecção antiqueda (cintos de segurança) nos trabalhos em andaimes, montagem de pré-fabricados e trabalhos em postes (n.º 9).

Resulta globalmente das normas destinadas a garantir a segurança no trabalho, que o uso do cinto de segurança é obrigatório, para além dos casos especialmente previstos, quando o trabalhador estiver exposto a um risco efectivo de queda livre e esse risco não possa ser evitado ou suficientemente limitado por meios técnicos de protecção colectiva.

3.2.3. A recorrente alude, igualmente, ao Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho (alterado pela Lei n.º 113/99, de 3 de Agosto, e revogado pelo Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro), que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde nos estaleiros temporários ou móveis, visando estabelecer regras orientadoras das acções dirigidas à prevenção da segurança e saúde dos trabalhadores, nas fases de concepção, projecto e instalação daqueles estaleiros.

Segundo o n.º 1 do artigo 2.º, o seu âmbito de aplicação «corresponde ao definido no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, no que respeita a todos os trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil».

A definição de estaleiros temporários ou móveis consta da alínea a) do artigo 3.º, sendo aí caracterizados como «os locais onde se efectuam trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil, cuja lista consta do anexo I […], bem como os locais onde se desenvolvem actividades de apoio directo àqueles trabalhos».

Especificamente, o artigo 6.º, intitulado «Plano de segurança e saúde», reza que «[a] abertura do estaleiro só pode ter lugar desde que o dono da obra disponha de um plano de segurança e de saúde que estabeleça as regras a observar no mesmo» (n.º 1), que «[a] elaboração do plano de segurança e de saúde deve ter em conta, quando esse seja o caso, o desenvolvimento de outras actividades ou a presença de elementos já existentes no local ou no meio envolvente que, directa ou indirectamente, possam prejudicar ou condicionar os trabalhos no estaleiro» (n.º 2), e que«[q]uando estejam previstos trabalhos que impliquem a verificação dos riscos especiais para a segurança e saúde que se encontram enumerados no anexo II ao presente diploma e do qual faz parte integrante, o plano de segurança e de saúde deve incluir medidas adequadas a tais riscos» (n.º 3), sendo que aquele anexo, no ponto 1), reporta-se aos «[t]rabalhos que exponham os trabalhadores a riscos de soterramento, de afundamento ou de queda em altura, particularmente agravados pela natureza da actividade ou dos meios utilizados, ou do meio envolvente do posto, ou da situação de trabalho, ou do estaleiro».

Já o artigo 8.º, sob a epígrafe «Obrigações dos empregadores», determina que «[o]s empregadores devem adoptar as prescrições mínimas constantes da portaria referida em 14.º, tendo em atenção as indicações dos coordenadores do projecto e da obra em matéria de segurança e saúde ou, nos casos a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º, do director da obra» (n.º 2), o artigo 14.º estabelece que «[a]s regras técnicas de concretização das prestações mínimas de segurança e saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros são aprovadas por portaria conjunta dos Ministros da Saúde e do Emprego e da Segurança Social» e, por último, o subsequente artigo 15.º prevê as competentes contra-ordenações e coimas.

Refira-se que a Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, publicada ao abrigo do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 155/95, veio estabelecer as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos mencionados estaleiros temporários ou móveis, estipulando no n.º 11 que «[s]empre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil» e que, «[q]uando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável».

3.3. No caso vertente, demonstrou-se que o acidente consistiu «numa queda de aproximadamente 7 metros de altura», que o sinistrado «executava trabalhos de alvenaria (rematava com cimento as beiras de três janelas das águas furtadas, situadas na cobertura do edifício)», recebendo os baldes de cimento do servente através de uma roldana montada no andaime e depois transportava-os através de um vão existente no canto esquerdo do edifício, sendo que «[o] beiral do telhado não se encontrava protegido por qualquer guarda-corpos ou outras protecções» e que «[o] sinistrado caiu do beiral do telhado» [factos provados 30) a 35)].

Mais se apurou, com interesse para a apreciação do objecto do recurso, que:

               «39)  O edifício em que o sinistrado trabalhava era constituído por piso térreo e 1.º piso;
                 41)  A obra não tinha plano de segurança e saúde;
                 43)  Os trabalhos de recuperação interior e de conservação do edifício implicavam a restauração de “trapeiras”, situadas no último piso do edifício;
                 44)  As referidas trapeiras encontram-se recuadas a cerca de 1,50 metros do alçado principal do imóvel e são frontalmente limitadas pela parede exterior do edifício, que nesse lugar tem cerca de 1,15 metros de altura acima do pavimento;
                 45)  Entre os trabalhos previstos encontrava-se o enchimento em betão das pequenas paredes laterais que limitam a área das trapeiras;
                 46)  As paredes a encher situam-se totalmente no interior do edifício;
                 47)  Pelo que o trabalho de enchimento seria realizado também no interior do edifício;
                 48)  Para esse efeito, encontravam-se montadas armaduras de ferro e instaladas cofragens;
                 49)  A colocação das cofragens foi prevista de modo a permitir a introdução do betão sempre pelo interior do edifício;
                 51)  O sinistrado estava encarregado da execução das tarefas de cofragem e de enchimento em betão das paredes laterais das trapeiras;
                 52)  O sinistrado devia fazer aquele enchimento pelo interior do edifício;
                 53)  O sinistrado assim fez no que respeita à cofragem de uma parede de uma das trapeiras;
                 57)  Todo o trabalho de enchimento das paredes laterais das trapeiras podia e devia ser realizado no interior do edifício;
                 58)  Os trabalhos em causa não pressupunham a realização de quaisquer tarefas em altura nem estes estavam previstos;
                 59)  O andaime referido no artigo 5.º da PI não servia de apoio para a execução de tarefas no exterior, mas apenas para permitir a elevação de materiais;
                 78)  A Inspecção-Geral do Trabalho aplicou à 1.ª Ré uma coima e custas no montante de € 1.540, por violação das regras de segurança relacionadas com o sinistro dos autos.»

Como se alcança da matéria de facto enunciada, o sinistrado caiu do beiral do telhado, o qual não se encontrava protegido por guarda-corpos ou outra protecção colectiva, sendo certo que, embora o sinistrado estivesse encarregado da execução de tarefas que podiam e deviam ser realizadas no interior do edifício, as quais «não pressupunham a realização de quaisquer tarefas em altura nem estes estavam previstos», recebia os baldes de cimento do servente através de uma roldana montada num andaime e depois transportava-os através de um vão existente no canto esquerdo do edifício, não tendo sido elaborado plano de segurança e saúde na obra em causa.

Ora, respeitando o artigo 42.º do Decreto n.º 41.821 às medidas de protecção a adoptar nas aberturas em paredes e tendo ocorrido o acidente de trabalho quando o sinistrado se encontrava na cobertura do edifício, onde «rematava com cimento as beiras de três janelas das águas furtadas», aquela norma não tem aplicação no caso.

De todo o modo, decorrendo os trabalhos de construção civil na cobertura do edifício e na medida em que o sinistrado recebia os baldes de cimento do servente através de uma roldana montada num andaime, para a elevação de materiais, e depois os transportava através de um vão existente no canto esquerdo do edifício, expondo o trabalhador a específicos riscos de queda em altura, deviam ter sido tomadas medidas de protecção colectiva adequadas na extensão do telhado por onde ele devia transitar.

Porém, na zona do telhado onde o sinistrado caiu não existia qualquer meio de protecção colectiva, nomeadamente não estavam instalados guarda-corpos, nem foram  adoptadas medidas complementares de protecção individual, o que evidencia a não observância, pela entidade empregadora, do preceituado nos artigos 8.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do citado Decreto-Lei n.º 441/91.

Com efeito, nos termos daqueles preceitos, o empregador deve aplicar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de acidentes ou para atenuar as suas consequências, no caso, devia, na concepção das instalações e processos de trabalho, proceder à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-‑os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção [alínea a)] e integrar no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço e a todos os níveis a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adopção de convenientes medidas de prevenção [alínea b)].

Mostra-se, ainda, violado o estipulado nos artigos 6.º, n.º 1 a 3, e 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 155/95, normativos que acima se deixaram transcritos, porquanto não foi elaborado plano de segurança e saúde, contemplando medidas adequadas ao risco de queda em altura, e não foram adoptadas as prescrições mínimas consagradas na Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, portaria referida no artigo 14.º daquele diploma.

O certo é, porém, que não se extrai dos factos materiais considerados como provados qualquer vinculação causal entre a circunstância da cobertura do edifício não dispor de medidas de protecção colectiva adequadas na extensão do telhado por onde o sinistrado transitava e a produção do acidente de trabalho que o vitimou.

Efectivamente, apenas se apurou que o sinistrado «executava trabalhos de alvenaria (rematava com cimento as beiras de três janelas das águas furtadas, situadas na cobertura do edifício)», «recebia os baldes de cimento do servente através de uma roldana montada no andaime» e, depois, «transportava-os através de um vão existente no canto esquerdo do edifício» e que «caiu do beiral do telhado»; todavia, desconhece-se a razão dessa queda, por isso, não é possível estabelecer nexo causal entre a inobservância de regras de segurança no trabalho e a produção do acidente.

Cabia à recorrente alegar e provar os factos conducentes a essa conclusão, ónus que não se mostra cumprido (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).

Não se tendo provado que o acidente de trabalho tenha resultado da falta da observação de regras sobre segurança no trabalho, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização da entidade empregadora, previstos no n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 1), na parte atinente, e 2) a 8) da alegação do recurso de revista.

                                              III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. embora, parcialmente, com diferente fundamentação.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha