ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
509/05.0TTFUN.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GONÇALVES ROCHA

DESCRITORES REFORMA ANTECIPADA
ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO DA C G A
ÁREA TEMÁTICA DIREITO DO TRABALHO - APOSENTAÇÃO
LEGISLAÇÃO NACIONAL DL Nº 12/74: - ARTIGO 19.º, N.º1,
ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO (DL N.º 498/72, DE 9-12, COM A ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELO DL Nº 191-A/79 DE 15-6, E COM O ADITAMENTO DA LEI 32-B/2002 DE 30/12): - ARTIGOS 37.º, 37.º-A.
ESTATUTO UNIFICADO DE PESSOAL DE 1983 DA EMPRESA DE ELECTRICIDADE DA MADEIRA, SA (EUP), PUBLICADO EM ANEXO À ORDEM DE SERVIÇO Nº 101/83 DE 19-12: - ARTIGOS 1.º, N.º3, 2.º, 20.º, 24.º.
ORDEM DE SERVIÇO Nº 8/74, DE 26-7.
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 27/10/2009, PROCESSO Nº 508/05.TTFUN.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.


SUMÁRIO

I - A cláusula ínsita no art.º 20.º, n.º 1 do Estatuto Unificado de Pessoal de 1983 da Empresa de Electricidade da Madeira, SA, – que sob a epígrafe “Direito de antecipar a reforma”, dispõe que “os trabalhadores do quadro de pessoal permanente com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos, têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice” – teve a sua razão de ser na circunstância de os trabalhadores que exerciam funções na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira – e que, nesse tempo, eram subscritores da Caixa Geral de Aposentações – terem, após a transformação daquela instituição na empresa pública denominada Empresa Eléctrica da Madeira, EP e mais tarde transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, deixado de poder desfrutar dos direitos que lhes eram concedidos pelo facto de serem subscritores da referida Caixa Geral de Aposentações por passarem a ser beneficiários da Caixa de Previdência e Abono de Família do Funchal.

II - Com efeito, ao tempo da assinalada mudança de subscrição, as condições de aposentação de quem era subscritor da Caixa Geral de Aposentações – cujo regime estava previsto no Estatuto da Aposentação, aprovado pelo DL n.º 498/72, de 9 de Dezembro – apresentavam-se mais favoráveis do que as concedidas a quem era subscritor das Caixas de Previdência, designadamente no que concerne à idade mínima para se requerer a passagem à situação de aposentado.

III – Assim, a história daquele preceito e respectiva alteração que ocorreu em 1985, aponta para uma aproximação deste benefício, concedido aos trabalhadores da empresa que eram subscritores da CGA, ao regime de aposentação que teriam caso continuassem subscritores da CGA.

IV - Daí que, podendo antecipar a reforma nos termos daquele artigo 20º, não deve a R pagar-lhes mais do que estes receberiam se se reformassem ao abrigo do artigo 37º-A do estatuto da aposentação, e que foi aditado pela Lei 32-B/2002 de 30/12, sofrendo assim a penalização que teriam no valor da pensão, caso continuassem a ser subscritores da Caixa Geral de Aposentações e não fossem detentores de todas as condições para auferir a pensão completa.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL
           Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---       

              AA, BB e CC instauraram, em 28 de Setembro de 2005, uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra
             
              DD, SA, pedindo que se declare que os autores têm direito a antecipar a reforma, ao abrigo do art. 20.º do Estatuto Unificado do Pessoal (EUP); que durante a reforma antecipada permaneçam equiparados aos trabalhadores no activo; e que a ré seja condenada a conceder-lhes a reforma já solicitada e a pagar-lhes a remuneração prevista no EUP.
              Para fundamentar a sua pretensão, alegaram, em síntese, que:
- foram admitidos ao serviço da ré em 30.07.69, 22.07.69 e 30.07.69, respectivamente;
- ao atingirem 36 anos de serviço comunicaram com doze meses de antecedência que pretendiam passar à situação de reforma antecipada a partir de 01.01.05, ao abrigo do disposto no art. 20.º do Estatuto Unificado do Pessoal;
- até ao momento a ré não deu qualquer andamento à pretensão dos autores.
              Atribuíram à causa o valor de € 15 020,00.
              Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que fez vindo desde logo impugnar o valor da causa, sustentando que lhe deve ser atribuído o valor de € 858 772,05; por outro lado, veio invocar a excepção de ilegitimidade passiva e sustentar a improcedência da pretensão dos autores nos seguintes termos:
- a reforma prevista no art. 20.º do EUP traduz-se numa forma de caducidade do contrato atípica e contrária ao tipificado no Código do Trabalho;
- poder-se-ia entender o regime previsto naquele artigo como uma situação de pré-‑reforma, mas de qualquer modo o pedido dos autores é juridicamente inviável por a sua concessão implicar o reconhecimento judicial de uma nova forma de cessação do contrato não prevista no art. 356.º e seguintes do Código do Trabalho;
- por força do art. 6.º, nº1, alínea e) do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, em vigor à data da negociação do EUP, a cláusula do art. 20.º do EUP é nula;
    - entendimento diverso, contenderia com o disposto no art. 63.º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, ferindo-o de inconstitucionalidade;
- atento o respectivo enquadramento a nível da génese do EUP, deve considerar-se que a retribuição a abonar no caso de reforma antecipada, a que têm direito os antigos trabalhadores da CAAHM, terá de ser calculada de acordo com o regime fixado pelas Instituições Oficiais de Previdência que no caso concreto lhes seja mais favorável. No entanto, em circunstância alguma, poderá ultrapassar os montantes que lhe seriam pagos por aquelas, pelo que os trabalhadores que a partir de 2005, pretendam passar à situação de reforma antecipada, não podem deixar de ver reduzidos os montantes a receber em função do número de anos de antecipação face à idade mínima de reforma da Caixa Geral de Aposentações;
- a ré só não deu andamento à pretensão dos autores de passar à situação de reforma antecipada porquanto os mesmos não aceitam o valor da pensão decorrente da aplicação do art. 37.º-A do Estatuto da Aposentação.
          Concluiu assim pela procedência das excepções da nulidade e ilegitimidade com a consequente absolvição da instância; caso assim se não entenda, pede a improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.
             
         Os autores vieram apresentar a sua resposta impugnando o valor da causa atribuído pela ré e sustentando ainda que o seu pedido não implica a cessação do contrato de trabalho, mas antes o cumprimento do art. 20.º do EUP e que a alínea e) do nº 1 do art. 6.º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, se encontra ferida de inconstitucionalidade tal como já julgado pelo Tribunal Constitucional.
            No final, requereram a notificação da ré para juntar aos autos o número de todos os trabalhadores que vêm usufruindo da reforma antecipada prevista no art. 20.º do EUP, assim como as datas da concessão da mesma e se alguma vez foi indeferido o pedido de reforma antecipada formulado por qualquer trabalhador ao abrigo do art. 20.º do EUP.
              Posteriormente, requereram ainda que a ré fosse notificada para juntar aos autos cópia do requerimento dos autores solicitando a reforma antecipada ao abrigo do art. 20.º do EUP (fls. 381), pretensões que repetiram a fls. 418.
              Foi decidido o incidente do valor da causa, que por despacho de fls. 200 a 202, foi fixado em € 828 844,15.
              Inconformados, os autores interpuseram recurso desta decisão, que foi admitido no regime de subida diferida.
              Foi designada data para uma audiência preliminar no decurso da qual foi proferido despacho saneador que considerou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela R, fixando-se de seguida a matéria de facto assente e organizando-se a base instrutória.
              Realizada a audiência de discussão e julgamento, vieram os autores, no seu decurso, apresentar requerimento através do qual pretendiam que se solicitasse à Ré informação sobre “o número de todos os trabalhadores que vêm usufruindo ou já usufruíram da reforma antecipada prevista no art° 20° do EUP, assim como as datas da concessão da mesma, e se alguma vez foi indeferido o pedido de reforma antecipada formulado por qualquer trabalhador da R. ao abrigo do art° 20° do EUP”, requerimento que foi indeferido.

              Inconformados, os autores interpuseram recurso deste despacho, que foi admitido com subida diferida.
              E proferido despacho com a resposta aos artigos da base instrutória, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente absolveu a ré dos pedidos.
             
              Novamente irresignados, interpuseram os autores recurso de apelação, mas o Tribunal da Relação negou provimento ao agravo através do qual se impugnava o valor da causa que fora fixado em € 813 880,20; negou provimento ao agravo interposto do despacho que indeferiu o requerimento apresentado na audiência de julgamento e através do qual pretendiam os autores que se solicitasse à Ré informação sobre “o número de todos os trabalhadores que vêm usufruindo ou já usufruíram da reforma antecipada prevista no art° 20° do EUP, assim como as datas da concessão da mesma, e se alguma vez foi indeferido o pedido de reforma antecipada, formulado por qualquer trabalhador da R. ao abrigo do art° 20° do EUP”; e julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

              Ainda inconformados, trazem-nos os autores a presente revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

            1º - O art.º 24º, n°1 do Estatuto Unificado do Pessoal determina que o trabalhador, na situação que aí se acha denominada como «reforma antecipada», tem direito a uma remuneração igual a 14 vezes a que serviria de base de cálculo da sua pensão de reforma;

2º  - O Acórdão recorrido entendeu ser inaplicável essa disposição, por força do disposto no n°3 do art° 1º do aludido EUP.

3º  - Para tal, desvalorizou total e completamente qualquer interpretação literal das normas que estavam em causa, sustentando que a interpretação "sistemática", "histórica" e "teleológica" a ser aplicada ao art. 20° do mesmo EUP imporia conclusão radicalmente diversa daquela que resultava da sua letra.

4º  - Está pacificamente aceite que o aludido EUP constitui um autêntico instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho e que às suas normas se aplicam as regras constantes do art. 9º  do Código Civil.

5º -Sendo, desde logo, forçoso sublinhar que o disposto no invocado art. 1º, n°3 do EUP, apenas se aplica "aos limites estabelecidos pelas instituições oficiais de previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado, ou continuasse adstrito" relativamente aos "benefícios concedidos pelas instituições oficiais de previdência".

6º - A nível das instituições de previdência não existe a figura de «reforma antecipada» e, consequentemente, não existe qualquer benefício que "seja concedido a esse respeito"; donde decorre, inelutavelmente, que não se colocaram "limites" para algo que não existe.

7º- Independentemente desse aspecto, uma interpretação sistemática relativamente ao conteúdo do art. 20° do EUP não poderia levar ao resultado que foi adoptado pelo Acórdão recorrido.

8º - Sendo escassa a fundamentação que, a este respeito, se detecta no dito Acórdão, sempre se dirá que, apesar do art. 20° se encontrar intercalado entre as normas respeitantes aos complementos dos benefícios estabelecidos pela previdência, tal como não o transforma, só por isso, num "complemento", situação que sempre se afiguraria inviável, por inexistência do regime que, alegadamente, seria objecto de "complemento" por parte do EUP.

9º - Por outro lado, as normas dos já citados artigos 20° a 24° encontram-se "arrumadas" sob uma designação própria, intitulada "Capítulo II (reforma antecipada)" e, por isso, não pode ser ignorada essa realidade transformando-se esse capítulo numa subsecção do capítulo I.

10° - Aliás, no capítulo I, art. 2º, estão enumerados todos os complementos aos benefícios concedidos pela previdência e dessa enumeração não consta a «reforma antecipada».

11° — Não sendo aceitável a invocação do elemento sistemático, o mesmo se dirá do elemento histórico.

12° — Pois, impensável seria que em 1983 as partes quisessem restringir "a melhoria das condições de vida das classes trabalhadoras".

13° - Assim como seria lógico a não indexação do regime previsto no EUP aos sistemas da Função Pública, face aos sucessivos benefícios que, nessa época, eram estabelecidos a favor dos respectivos funcionários.

14°-Cabendo referir que o regime estatuído pelo EUP em 1985 era substancialmente diferente daquele que então se achava previsto a nível da Caixa Geral de Aposentações, diferença que, aliás, o Acórdão recorrido reconhece, apesar de não retirar qualquer conclusão desse facto.

15° - Sendo forçoso entender que essas diferenças desde logo desautorizam qualquer parificação entre os dois regimes.

16º - Não sendo demais repetir que a passagem à «reforma antecipada» instituída na EEM constitui um direito potestativo do trabalhador que não está dependente de qualquer condição, também não será demais sublinhar que essa «reforma antecipada» não faz cessar o vínculo laboral, vincando bem a sua diferença relativamente ao funcionalismo público.

17°- O trabalhador continua a descontar para a Segurança Social.

18º- Face ao disposto no art. 12°, n.°1, do Decreto Lei n° 49 408, de 24.11 (vigente à data da elaboração do EUP) e sabendo-se que o EUP foi negociado entre a EEM e o STEEM (Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Madeira), não sobram dúvidas de que as normas naquele vertidas são normas decorrentes de negociação colectiva (cfr. art. 2º, n°3 do Dec.Lei n° 519-C1/79, de 29.12) e como tal os contratos de trabalho vigentes e respeitantes a trabalhadores abrangidos e enquadrados na situação considerada no EUP estão sujeitos às respectiva normas.

19° - O art. 531° do Código do Trabalho, dispõe que "As disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se daquelas disposições não resultar o contrário”.

20° - O n.°2 do art. 9º do C.C. exige "um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expressa".

21° - De qualquer forma, a interpretação do aludido art. 20° nunca poderia ser realizada de forma manifestamente oposta à respectiva letra.

22° - Os comandos constantes dos artigos 20° a 24° do EUP da EEM traduzem-se, iniludivelmente, na criação de um regime de pré-reforma.

23º -A decisão recorrida fez errada interpretação dos artigos. 20° a 24° do EUP e ainda mais errónea aplicação do disposto na Lei n° 32-B/02 de 30/12.

24° — Violou ainda os princípios gerais que referem a contratação colectiva, nomeadamente o art. 7º do D.L.nº 519-C1/79.

 25° — Num ponto se coincide com o Acórdão recorrido, aceitando-se portanto que, e passa a citar-se, "a EEM não podia estabelecer um verdadeiro regime de reforma antecipada".

26°- Daí decorrendo que são abusivas e despropositadas as comparações com o regime previsto para a Caixa Geral de Aposentações.

27° - Do exposto resulta que o Acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto nos artigos. 1º, n°3, 20° e 24° do EUP.

28° — E violou o disposto no artigo 9º do Código Civil.

Pede-se assim a revogação do acórdão recorrido, e que se reconheça e declare que os recorrentes são portadores de um direito potestativo que lhes permite solicitar e usufruir da «reforma antecipada» ao abrigo do EUP, nos termos do mesmo Estatuto Unificado do Pessoal.

            A R também alegou, pugnando pela manutenção do decidido

            Subidos os autos a este Tribunal, foram os mesmos com vista ao Senhor Procurador-Geral-Adjunto que emitiu proficiente parecer no sentido da improcedência do recurso e que notificado às partes não suscitou qualquer reacção.

            E corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2----

            Para tanto, temos de atender à seguinte factualidade:
2.1. - Os autores AA, BB e CC nasceram, respectivamente, no dia 28 de Janeiro de 1950, 10 de Setembro de 1951 e 02 de Janeiro de 1952.
2.2. - Em 30 de Julho de 1969, o autor AA foi admitido ao serviço da comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM) serviço autónomo e eventual do Ministério das Obras Públicas.
2.3. - A partir da data referida em 2.2., o A exerceu primeiro por conta e sob a orientação da CAAHM e, depois por conta das entidades que lhe sucederam, as funções de Chefe de Secção 3F, auferindo, em Junho de 2005, um salário de € 2145,58.
2.4. - O autor BB foi admitido, em 22 de Julho de 1969, ao serviço da comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM) serviço autónomo e eventual do Ministério das Obras Públicas.
2.5. - A partir da data referida em 2.4., o autor exerceu primeiro por conta e sob a orientação da CAAHM e, depois por conta das entidades que lhe sucederam, as funções de Mecânico de Central, auferindo, em Junho de 2005, um salário de € 1664,48.
2.6. - O autor CC foi admitido, em 30 de Julho de 1969, ao serviço da comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM) serviço autónomo e eventual do Ministério das Obras Públicas.
2.7. - A partir da data referida em 2.6, o autor exerceu primeiro por conta e sob a orientação da CAAHM e, depois por conta das entidades que lhe sucederam, as funções de Chefe de Secção 3 F, auferindo, em Junho de 2005, um salário de € 2051,48.
2.8. - Os autores comunicaram à ré, com doze meses de antecedência que pretendiam passar à situação de reforma antecipada, com efeitos a partir de 01.01.05.
2.9. - O Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Região Autónoma da Madeira celebrou com a DD, E.P. um Acordo de Empresa (A.E.)
2.10. - Do Acordo de Empresa referido faz parte integrante o Estatuto Unificado do Pessoal (E.U.P.)
2.11. - Os autores AA, BB e CC, são, respectivamente, os sócios nºs 192, 164 e 328, do Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia da Região Autónoma da Madeira.
2.12 - A ré, através da ordem de serviço nº 8/74, de 26 de Julho, determinou a obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Providência e Abono de Família do Distrito do Funchal de todo o pessoal que então prestava serviço na EM, EP.
2.13 - Os trabalhadores admitidos ao serviço da ré em data anterior a Março de 1974, dirigiram uma exposição ao Senhor Presidente do Governo Regional, apresentada em 19.10.81, no âmbito da qual chamam a atenção para o facto de os trabalhadores da antiga CAAHM ao passarem para a DD, EP, deixaram de ser subscritores da Caixa Geral de Aposentações, não tendo sido salvaguardadas as suas expectativas conforme tinha vindo a suceder com diversos organismos do Estado aquando da sua transformação em empresas públicas.
2.14 - Em 1983 foi negociado o Estatuto Unificado do Pessoal da Empresa Electricidade da Madeira, comprometendo-se as partes (Comissão Negociadora da EEM-EP e a Comissão Negociadora do STEEM) a criar matéria regulamentadora na área da idade da reforma sob o duplo condicionalismo de aposentação/reforma e no âmbito do Estatuto Unificado do Pessoal.
2.15. - Assim, estabeleceu-se no nº 2 do art. 1.º do EUP que “Os complementos referidos no número anterior serão concedidos sem prejuízo do disposto na al. e) do nº1 e no nº 2 do art. 6.º do Dec.-Lei nº 519-C/79, de 29 de Dezembro, excepto aqueles que vierem a ser considerados direitos adquiridos”.
2.16. - E estabeleceu no nº 3 do citado artigo e diploma que “ Os valores dos complementos concedidos serão calculados nos termos previstos nos artigos seguintes, em função da totalidade de tempo de serviço e das remunerações auferidas, não podendo ultrapassar os limites estabelecidos pelas instituições oficiais de previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado ou continuasse adstrito, segundo o regime que num caso ou noutro lhe for mais favorável”.
2.17. - A ré, através da ordem de serviço nº 101/83, de 19/12, procurou repor os direitos aos trabalhadores da antiga CAAHM que, por via da transição de regimes aposentação/providência, haviam perdido.
2.18. - O Estatuto Unificado do Pessoal acordado entre a EEM e o STEEM (Sindicato dos trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Madeira) em Dezembro de 1983, estabeleceu no seu art. 20.º, sob a epígrafe “Direito de antecipar a reforma”, o seguinte: “ Os trabalhadores do quadro do pessoal permanente com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos, têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice”.
2.19. - Nas negociações realizadas em Junho de 1985 a EEM e o STEEM acordaram alterar a redacção do art. 20.º do Estatuto Unificado do Pessoal, o qual passou a ter a seguinte redacção: “ Os trabalhadores do quadro de pessoal permanente com uma antiguidade igual ou superior a 36 anos têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma e ou aposentação por velhice”.
2.20. - Os colegas de trabalho dos autores, oriundos da antiga CAAHM que requereram a passaram à situação de reforma antecipada em data anterior à entrada em vigor do artigo 37.º-A do Estatuto de Aposentação, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30.10, auferem a mesma prestação mensal que auferiam a título de salário antes da passagem à “reforma”.
2.21. - A partir do ano de 1998 a empresa E.E.M. – DD, S.A, passou a solicitar aos trabalhadores oriundos da antiga C.A.A.H.M. que requeressem a passagem à situação de reforma nos termos do art. 20.º do Estatuto Unificado do Pessoal, a celebração de um acordo escrito de pré-reforma, por sugestão da Segurança Social e perante o diploma Dec-Lei nº 261/91, de 25.07.
2.22. - A DD, E.P., dirigiu ao Director-Geral das Contribuições e Impostos, por ofício nº 2420/85-TSJ, de 13.12.85, solicitando informação sobre a correcção do procedimento que a empresa estava a adoptar relativamente aos trabalhadores da extinta Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira que foram subscritores da Caixa Geral de Aposentações e que passaram para a Caixa Nacional de Pensões e que passavam à situação de reforma antecipada e em relação aos quais a empresa continuava a dar destino legal aos descontos e impostos da mesma forma que o fazia em relação a qualquer trabalhador.
2.23. - O Director de Serviços da 2ª Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, respondeu em 14.02.86 dando conta que “ foi sancionado o entendimento de que as referidas importâncias, e bem assim as atribuídas a título de subsídio de reforma, a empregados nas condições antes referidas, porque configuram uma indemnização por cessação do contrato de trabalho, por mútuo acordo, estão sujeitas a imposto profissional, nos termos do art. 1.º, § 2º, alínea f) do respectivo Código” referindo-se mais à frente que “ se em face do decidido pelo Despacho Normativo nº 103/85 da Secretaria de Estado da Segurança Social (…) são exigidas as contribuições para a Segurança Social (…) também no que concerne ao imposto profissional e Fundo de Desemprego, porque não há quebra de vínculo contratual, não poderiam as importâncias recebidas até à reforma deixar de ser passíveis de ambos os descontos”.
2.24. - A ré tem entendido que o “Regime de Reforma Antecipada” porque baseado no regime da aposentação da função pública, deveria acompanhar a evolução legislativa deste regime.

3---

              E decidindo:
              A matéria de facto supra elencada não poderá ser considerada como tal na sua globalidade.
              Efectivamente, é manifesto que os pontos 2.15, 2.16, 2.18 e 2.19 a partir de Estatuto Unificado do Pessoal, constituem matéria de direito.
              Por isso, não se atenderá ao que deles consta por não se tratar de matéria de facto.

3.1---
 
              A questão que se discute neste recurso equaciona-se nos seguintes termos:
              A ré teve origem na denominada Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM), criada pelo Decreto-Lei nº 33.158, de 21 de Outubro de 1943, entidade que constituía um serviço autónomo e eventual do Ministério das Obras Públicas, sendo o respectivo pessoal subscritor da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
              Em 1 de Março de 1974, data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 12/74, de 17 de Janeiro, a CAAHM foi transformada ena Empresa Eléctrica da Madeira, EP (EEM), sendo posteriormente transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, através do Decreto Legislativo Regional nº 14/94/M, de 3 de Junho.
              Por força do artigo 19º, nº 1 do supracitado DL nº 12/74, todo o pessoal ficou sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, tendo então a EEM determinado a obrigatoriedade de inscrição de todo o seu pessoal na Caixa de Providência e Abono de Família do Distrito do Funchal, o que fez através da ordem de serviço nº 8/74, de 26 de Julho.
              Assim, todos os trabalhadores da EEM passaram indistintamente a estar inscritos na Caixa de Previdência do Funchal (CPF), deixando os trabalhadores que transitaram da antiga CAAHM de ser subscritores da Caixa Geral de Aposentações.
              Por isso, em 19 de Outubro de 1981, os trabalhadores da R que tinham sido admitidos em data anterior a Março de 1974, dirigiram uma exposição ao Senhor Presidente do Governo Regional chamando a atenção para o facto do pessoal da antiga CAAHM ter deixado de ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 12/74, sem que tivessem sido salvaguardadas as suas expectativas, ao contrário do que havia sucedido com diversos organismos do Estado aquando da sua transformação em empresas públicas, solicitando assim que fossem adoptadas medidas legislativas para resolver a situação.
              Foi neste contexto que, em 1983, foi negociado entre a Comissão Negociadora da EEM-EP e a Comissão Negociadora do STEEM o Estatuto Unificado do Pessoal da DD (a seguir designado por EUP), publicado em anexo à Ordem de Serviço nº 101/83 de 19 de Dezembro de 1983, através do qual se procurou reparar a situação de desvantagem em que ficaram os trabalhadores por força da transição de regimes da CGA para a CPF.
              Ora, no seu artigo 2º foi acordada a concessão aos trabalhadores de diversos “Benefícios complementares”, sendo uns de carácter imediato – o subsídio na doença, subsídio de maternidade, subsídio de abono de família, subsídio de nascimento, subsídio pata descendentes incapazes, subsídio de casamento e de funeral, conforme consta do seu nº 2; e outros de carácter diferido – a pensão por invalidez, pensão de reforma por velhice, pensão de sobrevivência e subsídios por morte, conforme resulta do nº 1.
              E para repor os direitos dos trabalhadores da antiga CAAHM, que tinham sido afectados pela transição de regimes da CGA para a CPF, foi consagrado um sistema de “reforma antecipada”, que o artigo 20.º, sob a epígrafe “Direito de antecipar a reforma”, estabeleceu nos seguintes termos: “Os trabalhadores do quadro do pessoal permanente com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos, têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice”, tal como decorria do artigo 37º do DL nº 498/72 de 9/12, diploma que regulamentava o Estatuto da Aposentação dos funcionários públicos, na alteração introduzida pelo DL nº 191-A/79 de 15 de Junho, que alterou aquele artigo 37º.
              Por outro lado, nas negociações realizadas em Junho de 1985, a EEM e o STEEM acordaram alterar a redacção deste artigo 20.º do EUP, o qual passou a ter a seguinte redacção: “Os trabalhadores do quadro de pessoal permanente com uma antiguidade igual ou superior a 36 anos têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma e ou aposentação por velhice”, acompanhando desta forma a alteração no regime da aposentação da função pública introduzida pelo DL 116/85 de 19 de Abril.
             
              Atento este quadro legal, a R vem pagando aos trabalhadores oriundos da antiga CAAHM e que requereram a passagem à situação de reforma antecipada em data anterior à entrada em vigor do artigo 37.º-A do Estatuto de Aposentação, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30/10, a mesma prestação mensal que auferiam a título de salário antes daquela passagem à “reforma”.
              No entanto, a ré tem entendido que o “Regime de Reforma Antecipada”, porque baseado no regime da aposentação da função pública, deverá acompanhar a estatuído no artigo 37º -A do Estatuto da Aposentação, na versão que lhe foi conferida pela Lei nº 32-B/2002 de 30 de Dezembro.
              Por isso, embora no nº 1 deste preceito se reconheça ao funcionário público o direito a requerer a sua aposentação antecipada, desde que tenha pelo menos 36 anos de serviço, estabelecem os seus nºs 2, 3 e 4 um regime de redução do valor da pensão, variável em função do número de anos de antecipação em relação à idade legalmente exigida.
              Assim, o dissídio das partes reside apenas nisto:
              Os recorrentes, que comunicaram à ré a sua vontade de passar à situação de reforma antecipada, sustentam que têm direito a continuar a receber o ordenado por inteiro, invocando para tanto o artigo 24º do EUP, que determina que o trabalhador, na situação que aí se acha denominada como «reforma antecipada», tem direito a uma remuneração igual a 14 vezes à que serviria de base de cálculo da sua pensão de reforma.
              Por seu turno, a recorrida sustenta que, podendo eles requerer e passar à situação de reforma antecipada, sofrem porém as penalizações que teriam na sua reforma paga pela CGA, por ainda não terem a idade legalmente exigida para o efeito, invocando para tanto o fim visado por este instituto da reforma antecipada e o disposto no artigo 1º, nº 3, donde decorre que os valores dos complementos previstos nos artigo seguintes desse Estatuto não poderão ultrapassar os limites estabelecidos pelas instituições oficiais de previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado ou continuasse adstrito, segundo o regime que, num caso ou noutro, lhe seja mais favorável.
  .           Na decisão sindicada, na esteira da doutrina já seguida no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009, processo nº 508/05.TTFUN.L1.S1, disponível em www.dgesi.pt,entendeu‑se que os autores não poderiam receber da R mais do que receberiam se se reformassem pela Caixa Geral de Aposentações, se nela continuassem inscritos.
              Para tanto, o Tribunal da Relação estribou-se na seguinte argumentação e que vamos reproduzir:
             
              “O EUP faz parte integrante da AE/EEM, celebrado entre o Sindicato dos Trabalhadores de Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Região Autónoma da Madeira, publicado no Jornal Oficial da RAM, no dia 14 de Abril de 1981 (3.º Suplemento, II série, nº 14), como decorre expressamente do nº 2 do art. 1.º do referido AE.
              Em matéria de interpretação das leis, o art. 9.º do Cód. Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
              Já quanto à interpretação do acordo de empresa, há que ter em conta que este designa uma das formas que pode revestir a convenção colectiva de trabalho e caracteriza-se por ser outorgada entre sindicatos e uma só entidade patronal para vigorar numa determinada empresa (nº 3 do art. 2.º do Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro e alínea c) do nº 3 do art. 2.º do Cód. Trab. de 2003.
              Ora, a convenção colectiva tem uma faceta negocial e uma faceta regulamentar (Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 12.ª edição, Almedina, 2005, pág. 111).
              A primeira respeita às regras que disciplinam as relações entre as partes signatárias da convenção, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão; a segunda corresponde às normas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores.
              Segundo o entendimento maioritário sustentado na doutrina (Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 112, e Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2.ª edição, Almedina, 2005, págs. 212 a 214 e 1085, entre outros) e a jurisprudência firme e uniforme do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 28.09.2005, processo n.º 1165/05 da 4.ª secção, Diário da República, I Série-A, nº 216, de 10 de Novembro de 2005, págs. 6484-6493), na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos arts. 236.º e seguintes do Cód. Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no art. 9.º do Cód. Civil, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros.
              As cláusulas do EUP têm natureza normativa, e não meramente obrigacional, por isso, devem ser interpretadas de acordo com as regras constantes do art. 9.º do Cód. Civil.
              A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o art. 9.º do Cód. Civil, acima transcrito, a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.
              Como se disse, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal (Oliveira Ascensão, “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, pág. 392).
              E como também se disse, nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem histórica e racional ou teleológica e sistemática (Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, 3.ª edição, tradução, págs. 439 a 489; Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, págs. 175 a 192; Francesco Ferrara, “Interpretação e Aplicação das Leis”, tradução de Manuel Andrade, 3.ª edição, 1978, págs. 138 e seguintes).
              O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
              O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
              O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
              O iter histórico que conduziu à consagração da cláusula ínsita no art. 20.º, nº 1, do EUP aponta no sentido de a respectiva estatuição se ter devido à circunstância de os trabalhadores que exerciam funções na CAAHM – e que, nesse tempo, eram subscritores da Caixa Geral de Aposentações – terem, após a transformação daquela instituição na empresa pública denominada Empresa Eléctrica da Madeira, EP, por força do Decreto-Lei nº 12/74, de 17 de Janeiro (mais tarde transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - Decreto Legislativo Regional nº 14/94/M, de 3 de Junho), deixado de poder desfrutar dos direitos que lhe eram conferidos pelo facto de serem subscritores da Caixa Geral de Aposentações visto que passaram, obrigatoriamente, a ser inscritos na Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Funchal.
              Ao tempo da mudança de subscrição, as condições de aposentação de quem era subscritor da Caixa Geral de Aposentações (basicamente reguladas pelo Estatuto da Aposentação regido, àquele tempo, pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) apresentavam-se mais favoráveis do que as concedidas a quem era subscritor das Caixas de Previdência, designadamente no que concerne à idade mínima para se requerer a passagem à situação de aposentado, o que ainda se acentuou mais com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/85, de 19 de Abril, no qual, de harmonia com o nº 1 do seu art. 1.º, se veio a reger que os funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a categoria em que se integrem, poderão aposentar-se, com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que não haja prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam 36 anos de serviço.
              Por isso se compreende que, tendo os trabalhadores que se encontravam ao serviço na CAAHM ficado sem direito a desfrutarem das condições de aposentação conferidas pelo Estatuto da Aposentação após a transformação daquela instituição na EEM, EP, se tivesse, na primitiva redacção do EUP, consagrado, no seu art. 20.º, que os trabalhadores do quadro de pessoal com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice.
              Este preceito não vinha a dispor de modo substancialmente diferente daquele que constava do texto do Estatuto da Aposentação e a que se encontravam sujeitos os subscritores obrigatórios da Caixa Geral de Aposentações, nos termos do seu art. 1.º.
              E, de igual modo, é perfeitamente compreensível a nova redacção que veio a sofrer o mencionado art. 20.º do EUP, após a faculdade que veio a ser concedida pelo citado Decreto-Lei nº 116/85.
              Na verdade, a estipulação constante daquele art. 20º, em relação à regra prescrita no Decreto-Lei nº 116/85, apenas diverge pela circunstância de ali se não fazer menção à não existência de prejuízo para o serviço.
              Do que vem ser dito, resulta que o art. 20.º do EUP (seja na anterior, seja na actual versão) apenas vem consagrar um “benefício” permitindo a passagem às situações de reforma ou de aposentação por velhice em moldes diversos do que se depara quanto aos trabalhadores cuja reforma ou aposentação se encontra pautada pela legislação atinente às instituições de previdência que não a Caixa Geral de Aposentações, aproximando-se tal consagração do circunstancialismo que se encontra previsto no Estatuto de Aposentação e legislação complementar.
              O disposto no art. 1.º nº 3 do EUP, acima transcrito, por um lado, explica a razão de ser do próprio Estatuto e simultaneamente, estabelece uma cláusula limitativa aplicável a todos e a cada um dos complementos concretamente estabelecidos nos artigos seguintes.
              Parece-nos não fazer qualquer sentido que os limites estabelecidos no art. 1.º nº 3 do EUP não sejam também aplicáveis ao benefício estabelecido no art. 20.º – reforma antecipada – sobretudo tendo em conta o contexto histórico e as circunstâncias em que surgiu o Estatuto e em particular o benefício da reforma antecipada, a que nos referimos.
              O disposto no art. 20.º, surgiu para colmatar os prejuízos dos trabalhadores da CAAHM advenientes do facto de terem sido subscritores da Caixa Geral de Aposentações e passarem a ser inscritos, por imposição da ré, no regime da Caixa de Previdência do Funchal. Procurou-se, através do art. 20.º ficcionar um regime sui generis de suspensão de contrato (equivalente à pré-reforma) de forma a conceder a esses trabalhadores um regime idêntico ao que teriam se permanecessem adstritos à Caixa Geral de Aposentações.
              No regime de reforma antecipada previsto na Caixa Geral de Aposentações, o contrato de trabalho caduca e o trabalhador entra desde logo em regime de reforma. Acontece que a EEM, sendo uma empresa privada, não podia estabelecer um verdadeiro regime de reforma antecipada, mas apenas um regime que permitisse aos trabalhadores terem regalias idênticas àquelas que teriam se continuassem vinculados à Caixa Geral de Aposentações.
              Aqui reside o elemento racional ou teleológico e contextual da norma constante do art. 20.º do EUP, não fazendo, por isso, sentido o entendimento de que com o art. 20.º se permita que um trabalhador tenha direito a um benefício superior ao que teria se se reformasse pela Caixa Geral de Aposentações.
              De facto, a finalidade do benefício concedido no art. 20.º era o de reconstruir na esfera jurídica do trabalhador o leque de direitos que teria se continuasse subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
              Nesse sentido aponta claramente o disposto no art. 1.º nº 3 do EUP.
              O facto de o art. 1.º nº 3 do EUP se referir a “complementos” não significa que o legislador do EUP tivesse querido excluir o complemento da reforma antecipada previsto no art. 20.º, apesar de este, na verdade, não poder em rigor considerar-se um “complemento” mas antes um benefício equiparável à pré-reforma.
              É que na nomenclatura usada pelo EUP o benefício previsto no art. 20.º era considerado um “complemento”, e, por isso, nada permite concluir que o benefício previsto no art. 20.º, mesmo que em rigor não fosse um verdadeiro “complemento” – pois, efectivamente, não era - estivesse excluído da cláusula limitativa prevista no art. 1.º nº 3 do EUP, ainda que, para tal, se tenha de fazer uma interpretação extensiva que tem aqui perfeito cabimento.
              Na verdade, no dizer de Baptista Machado (ob. cit., págs. 185 e 186), interpretação extensiva aplica-se quando o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.
              No que concerne ao elemento sistemático, considerando globalmente o clausulado do EUP surpreendem-nos os comandos contidos nos arts. 1.º e 2.º supra transcritos.
              Por seu turno, a art. 10º veio a dispor que o trabalhador adquire o direito à pensão de reforma e ou aposentação por velhice logo que atinja a idade para o efeito prevista pelas instituições oficiais de previdência, dedicando-se os artigos 14.º-A e 14.º-B ao estabelecimento das regras da actualização do complemento da pensão de reforma e ou aposentação por velhice.
              Não obstante o referido art. 1.º se encontrar integrado no capítulo I do EUP, designado por “Complementos dos Benefícios da Previdência”, a história do preceito e o seu teor literal levam a concluir que do seu âmbito – e agora releva o âmbito do seu nº 3 – não está arredada a possibilidade que ficou consagrada no nº 1 do art. 20.º que é um benefício facultado ao trabalhador, e não, verdadeiramente, um complemento, benefício esse que, como se disse, se poderá considerar como a consagração de uma específica situação equiparada à posterior e legalmente consagrada pré-reforma.
              Não faria, pois, qualquer sentido que, tendo sido desiderato das partes outorgantes do estatuto unificado de pessoal a de estipularem um benefício para os trabalhadores que, sendo anteriormente subscritores da Caixa Geral de Aposentações, vieram posteriormente a ser integrados no regime geral das instituições de previdência, regime esse que, para eles, concernentemente às condições de idade e tempo de serviço para a reforma ou aposentação por velhice, se apresentava como menos favorável – e que, mesmo em determinadas situações, nem sequer permitia essas formas de cessação do vínculo laboral –, a isso ainda acrescesse uma outra benesse para além daquela, ou seja, ficarem isentos de qualquer penalização em termos de valor da pensão, que ocorreria caso continuassem a ser subscritores da referida Caixa e não fossem detentores de todas as condições para auferir a pensão completa”.

              Sufragamos, no essencial, as considerações e a conclusão a que chegou o Tribunal da Relação.
              Efectivamente, a evolução do referido artigo 20º do EUP aponta claramente no sentido duma aproximação do benefício aqui consagrado ao regime de que beneficiariam os recorrentes se continuassem a ser subscritores da CGA, pois este benefício visou reparar a situação de desvantagem dos antigos trabalhadores da R que eram subscritores daquela entidade, salvaguardando-lhes desta forma que as perspectivas de “aposentação” ficassem asseguradas.
              Por isso, o benefício consagrado neste preceito nunca lhes poderia conferir mais direitos do que aqueles que teriam se continuassem a descontar para a CGA.
              Nesta linha, se os recorrentes a ela continuassem adstritos e antecipassem a sua aposentação, estariam sujeitos ao factor de redução da pensão previsto no artigo 37º -A do estatuto da aposentação e que foi aditado pela Lei 32-B/2002 de 30/12.
              Daí que se justifique plenamente aplicar a este benefício o limite estabelecido no artigo 1º, nº 3 deste EUP.
              Na verdade, estatuindo o preceito que os valores dos complementos concedidos serão calculados em função da totalidade de tempo de serviço e das remunerações auferidas, não podendo ultrapassar os limites estabelecidos pelas instituições oficiais de previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado ou continuasse adstrito, tem que prevalecer o limite estabelecido neste nº 3, não podendo os valores pagos pela R ser de montante superior aos que os recorrentes receberiam se se tivessem reformado ao abrigo do estatuto da aposentação em vigor na época em que requereram à R a sua passagem à “reforma antecipada”.
              Por isso, estando a reforma concedida pela CGA sujeita às penalizações decorrentes dos autores ainda não terem a idade legal da reforma prevista naquele estatuto, podia a empresa repercutir tais penalizações nos montantes que lhes iria atribuir por essa situação.

            Contrapõem os recorrentes que o art.º 24, n.°1, do Estatuto Unificado do Pessoal determina que o trabalhador, na situação que aí se acha denominada como «reforma antecipada», tem direito a uma remuneração igual a 14 vezes a que serviria de base de cálculo da sua pensão de reforma.
      No entanto, a história do artigo 20º do EUP, que consagra tal direito, aponta, como já se disse, para uma aproximação deste benefício ao regime de que beneficiariam os recorrentes se continuassem a ser subscritores da CGA, pois ele visou reparar a situação de desvantagem dos antigos trabalhadores da R que eram subscritores daquela entidade.
              Por isso, tal benefício nunca poderia conferir mais direitos do que aqueles que os trabalhadores teriam se continuassem a descontar para a CGA, impondo-se portanto que fique sujeito aos limites que o artigo 1º, nº 3 determina.
              Por outro lado, face à letra do preceito, na parte respeitante às “instituições oficiais de previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado ou continuasse adstrito”, a referência expressa à instituição de previdência a que o trabalhador tivesse continuado adstrito tem como destinatários os funcionários da R que tinham sido subscritores da CGA e que deixaram de o ser por força da alteração do estatuto jurídico da R.
              Ora, visando o artigo 20º reparar as perdas destes trabalhadores decorrentes desta alteração, só podemos concluir que as partes que acordaram o EUP tiveram no seu espírito sujeitar o beneficio aqui consagrado aos limites daquele nº 3.
              Argumentam ainda os recorrentes que “face ao disposto no art. 12°, n.°1, do Decreto Lei n.° 49 408, de 24.11 (vigente à data da elaboração do EUP) e sabendo-se que o EUP foi negociado entre a EEM e o STEEM (Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Madeira), não sobram dúvidas de que as normas naquele vertidas são normas decorrentes de negociação colectiva e como tal os contratos de trabalho vigentes e respeitantes a trabalhadores abrangidos e enquadrados na situação considerada no EUP estão sujeitos às respectiva normas”.
              E argumenta ainda que o art. 531° do Código do Trabalho, dispõe que "As disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se daquelas disposições não resultar o contrário”.
             
              Ora, não restam quaisquer dúvidas que são as normas do EUP as aplicáveis ao caso.
              No entanto, o cerne do problema não reside aqui, mas na sua interpretação
              Por outro lado, o princípio do “favor laboratoris”não constitui um elemento decisivo no processo interpretativo das normas, ainda que advindas duma auto-regulação das partes, como é o caso.

              Por tudo isto, só nos resta confirmar o julgado.

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              Termos em que se acorda em negar a revista.

              Custas pelos autores.

 
              Lisboa, 20 de Outubro de 2011


              Gonçalves Rocha (Relator)

              Sampaio Gomes

              Pereira Rodrigues