ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
255/08.2TTVCT.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/26/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PEREIRA RODRIGUES

DESCRITORES REFORMA
COMPLEMENTO DE REFORMA

SUMÁRIO
I - Estando consagrado em Acordo de Empresa que a entidade empregadora se comprometeu em garantir a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obrigava a criar e a divulgar, entre outras regalias, um complemento de reforma de invalidez, conclui-se que aquela ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as condições respectivas, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, mas também com a de promover eventuais alterações.

II - Tendo a empresa empregadora, nos termos de tal compromisso, criado um Fundo de Pensões, cuja função é limitada ao pagamento do complemento da pensão, compete à primeira o reconhecimento do direito a esse pagamento, a sua atribuição, a definição do seu montante, a data prevista para o início do respectivo pagamento e o aprovisionamento desse Fundo.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL            

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, AA, residente na Rua ..., n.º …, …, ..., intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra “BB … – …, S.A.”, sociedade com sede em ..., Viana do Castelo, alegando que:

Exerceu, desde 16 de Novembro de 1973, a sua actividade profissional para a Ré e as sociedades que a antecederam;

Ultimamente, desempenhava a actividade profissional de operador industrial, auferindo a retribuição de base mensal de € 830,23, acrescida de € 254,50 de diuturnidades;

Em 01/05/2007, passou à situação de reformado por invalidez;

Por força do disposto no AE e do Regulamento das Regalias Sociais que dele decorre, tem direito a um complemento de reforma;

A Ré não tem pago esse complemento, com a justificação de que procedeu a uma alteração ao Plano de Pensões, em 13/07/2007;

Só em 30/10/2007 é que foram publicadas no site institucional as alterações invocadas pela R.;

Nessa medida, e tendo em atenção a data da sua passagem à situação de reforma por invalidez, essas alterações não se lhe aplicam;

Acresce que esse complemento de reforma fazia parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo.

Pediu a condenação da Ré no pagamento ao Autor:

- de um complemento de reforma por invalidez, que lhe é paga pela Segurança Social, desde 01/05/2007, no montante mensal de € 315,40 até 31/12/2007, e posteriormente de € 323,28, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na Ré;

- da quantia de € 3.808,44, a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na Ré;

- no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento, ascendendo o já vencido, em Novembro de 2007, ao valor de € 315,40, sem prejuízo dos que se vierem a vencer posteriormente e de acordo com as tabelas salariais em vigor na data dos seus vencimentos;

- juros de mora sobre estas quantias, vencidos e vincendos, até integral pagamento;

- da quantia de € 200, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas pela sentença.

Apresentou a Ré contestação, na qual alegou, em resumo, que:

É parte ilegítima, pois que o pedido formulado apenas pode proceder contra o Fundo de Pensões, que é quem está obrigado a proceder ao pagamento daquele complemento de reforma;

Por outro lado, o contrato de trabalho com o Autor caducou apenas no momento em que chegou ao seu conhecimento a passagem à situação de reforma do trabalhador, o que ocorreu em 24/07/2007;

Assim, o Autor ainda era seu trabalhador efectivo, à data em que foi alterado o contrato do Fundo de Pensões, sendo-lhe, por isso, aplicável esta alteração;

À data de 13/07/2007, o Autor não recebia ainda qualquer complemento de reforma;

De acordo com o AE publicado no BTE n.º 1, de 18/01/2002, a empresa podia negociar alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões;

A alteração a que se procedeu era absolutamente lícita.

Formulou pedido reconvencional, a título subsidiário e para o caso de procedência do pedido principal, no sentido do Autor ser condenado a reconhecer que não tem direito ao montante de € 36.436,97 que foi alocado à sua ordem na sua conta de participante do Plano de Pensões.

Alega para tanto que, na aplicação do novo plano de pensões, foi alocada ao A. aquela quantia, à qual não terá direito caso proceda o pedido que formula.

Pediu ainda a intervenção acessória provocada do Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, por entender que, caso proceda o pedido do Autor, foi o comportamento desta instituição, ao comunicar apenas em 24/07/2007 a reforma do Autor, que determinou a sua actuação. 

Foi admitida aquela intervenção.

O Autor contestou o pedido reconvencional, alegando, em suma, que nunca aceitou que lhe fosse entregue aquele montante, pelo que não deu causa ao pedido reconvencional.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença cujo segmento decisório foi o seguinte:

Condenar a R. a pagar ao A:

- um complemento da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 01/05/2007, no montante mensal de € 315,40 até 31/12/2007, e posteriormente de € 323,28, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na Ré;

- a quantia de € 3.808,44 a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na Ré;

- no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento, ascendendo o já vencido em Novembro de 2007 ao valor de € 315,40, sem prejuízo dos que entretanto se venceram e se vierem a vencer posteriormente e de acordo com as tabelas salariais em vigor na data dos seus vencimentos;

- juros de mora sobre estas quantias, vencidos e vincendos, à taxa legal e até integral pagamento.

Inconformada, a Ré recorreu da sentença, vindo a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, no qual se decidiu, por unanimidade, em revogar a sentença recorrida, com o fundamento de que tendo a mesma condenado apenas a Recorrente a pagar ao Recorrido o complemento da pensão de reforma e cabendo essa obrigação apenas ao Fundo de Pensões, tal pagamento é inexigível à Recorrente.

Inconformado, agora, o Autor interpôs recurso de Revista para este STJ, apresentando alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

«1- No Acórdão em análise foi decidido não conhecer da questão «de saber se ao A. não é aplicável o plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão publicado no DR, III série, de 2004-12-31, mas sim o resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo», fim de citação do Acórdão em revista;

2- A supra referida questão era e é questão essencial nos autos, e como tal deveria ter sido objecto de conhecimento no Acórdão em análise, até porque a ela fez expressa referência a Apelante nas suas alegações de recurso, nas alíneas I) e seguintes;

3- Defende o Recorrente que a questão apontada e que não foi conhecida pela decisão do Venerando Tribunal da Relação em apreço, constitui questão nuclear dos autos intentados pelo Recorrente contra a Apelante, na medida em que, conforme resulta da sua petição inicial e do pedido formulado na mesma, o que estava e está em causa não é uma negação "tout court" da Apelante/Recorrida em proceder ao pagamento do complemento de reforma ao Recorrente, mas sim uma negação em proceder ao pagamento de um determinado valor de complemento de reforma a cujo direito o Recorrente se arroga e que reclamava nos autos.

4- Face ao que, se entende que a questão «de saber se ao A. não é aplicável o plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão publicado no DR, III série, de 2004-12-31, mas sim o resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo», e cujo conhecimento o Tribunal da Relação considerou prejudicado era afinal uma questão que deveria ser apreciada, e que não foi, pugnando-se por isso pela nulidade do Acórdão proferido por omissão de pronúncia nos termos e ao abrigo do disposto no Art. 668º, 1, alínea d) do C.P.C.;

5- Considerou o Acórdão em apreço que «a sentença condenou a Ré não a reconhecer o direito, como nos autos sobre os quais versou o acórdão desta Relação, citado, mas — apenas — a pagar o complemento de reforma vencido e vincendo»;

6- Porém, se atendermos ao pedido do Autor/Recorrente poderá constatar-se que conjugando o teor do ponto V. do pedido: «Condenar-se a Ré a reconhecer tais direitos ao Autor e no pagamento das importâncias devidas a eles respeitantes e que supra se referem, com o teor da sentença proferida pelo Mmo Juiz na primeira instância e que condenou a Apelante a pagar ao Autor/Recorrente exactamente as importâncias respeitantes aos direitos que o Autor/Recorrente invocava nos pontos anteriores, forçosamente se retira que, a condenação nessas importâncias pressupunha a condenação no reconhecimento dos direitos respeitantes às ditas importâncias.

7- Pois, é isso mesmo que se encontra claramente sentenciado numa das conclusões da sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo onde se pode ler e cita-se:

«Resulta de tudo quanto vimos dizendo que o A. tem direito ao complemento de reforma nos termos que peticionava, estando correctamente efectuados os respectivos cálculos, pelo que deve proceder a acção nesta parte.» (nossos sublinhados).

8- A análise de uma qualquer sentença não se pode limitar à parte dispositiva da mesma mas sim a um todo composto por premissas e conclusão, e nessa medida dever ser feita e uma análise às premissas que permitiram chegar à conclusão, ou seja, questões a solucionar pelo tribunal e fundamentos que permitiram chegar à conclusão final. Aliás cumprindo a composição obrigatória de qualquer sentença prevista no Art. 659° do C.P.C.;

9- O Acórdão em apreço não só ignorou a fundamentação da sentença da primeira instância como também não interpretou a sentença de acordo com o sentido que um declaratário normal poderia deduzir do contexto da mesma. Interpretação que devia ter feito nos termos dos Arts. 295° e 236°, 1 do Código Civil.

10- Pois, qualquer declaratário normal forçosamente deduziria do texto da sentença - «Resulta de tudo quanto vimos dizendo que o A. tem direito ao complemento de reforma nos termos que peticionava, estando correctamente efectuados os respectivos cálculos, pelo que deve proceder a acção nesta parte» - que, tinha obtido ganho de causa relativamente a todos os pedidos que formulou referentes ao complemento de reforma.

11- O acórdão em apreço ao entender que «a sentença condenou a Ré não a reconhecer o direito, como nos autos sobre os quais versou o acórdão desta Relação, citado, mas — apenas — a pagar o complemento de reforma vencido e vincendo», não teve em devida conta o pedido formulado pelo Autor/Recorrente e qual a verdadeira questão que se decidia nos autos, violando assim o pedido do Autor e a norma prevista no Art. 470° do C.PC. que permite ao Autor formular pedidos cumulativos, bem como não teve em devida conta a sentença proferida pelo Mmo. Juiz da 1.ª instância e nem a interpretou correctamente, violando assim as normas previstas nos Arts. 295° e 236°, 1 do Código Civil.

12- Assim como pelas mesmas razões violou igualmente a norma constante do Art. 446°, 1 e 2 do C.P.C., ao ignorar que a Ré foi condenada na totalidade das custas quanto à acção principal.

13- Se o Acórdão da Relação do Porto tivesse feito uma correcta interpretação da sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo no sentido de que, a Apelante ao ser condenada no pagamento das importâncias peticionadas pelo Autor foi simultaneamente condenada a reconhecer ao Autor/Recorrente os direitos respeitantes a essas mesmas importâncias e referentes ao complemento mensal de reforma nos termos por ele peticionados não teria dado razão à Apelante, e assim não devia ter decidido pela procedência das conclusões de recurso da mesma nessa parte.

14- Pois, mesmo tendo em conta a teoria que sufraga o Acórdão da Relação do Porto de que, a Apelante, aqui Recorrida, não podia ser condenada no pagamento de quaisquer quantias, teoria que se discorda - conforme adiante se fará melhor referência - ainda assim, poderia ter revogado apenas parcialmente a sentença da primeira instância e manter a decisão pelo menos na parte em que reconhecia o direito ao Autor/Recorrente em receber as quantias por si peticionadas ainda que não da Ré.

15- Ao não fazê-lo o Tribunal da Relação do Porto absteve-se totalmente de julgar a questão dos autos e violou a norma que lhe impõem o julgamento, o art. 8°, 1 do Código Civil, e violou ainda o direito que assiste ao Recorrente de obter uma decisão judicial que aprecie a pretensão que regularmente deduziu em juízo, violando também o disposto no Art. 2.º do C.P.C..

16- O acórdão do Tribunal da Relação do Porto em apreço sufraga o entendimento do Acórdão de 05.07.2010 que por sua vez seguia um outro acórdão, o proferido igualmente pelo Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2010, e fá-lo como fundamentação da decisão que profere mas conclui em sentido inverso daquele último. Pois, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2010, em que a Apelante era a mesma e as alegações de recurso eram as mesmas, pelo menos nas alíneas que agora importam, as alíneas A) a H), o Tribunal da Relação do Porto decidiu que improcediam essas mesmas alegações, enquanto que no agora em apreço nos presentes autos e no de 05.07.2010, entendeu que as mesmas conclusões de recurso procediam.

17- O Acórdão agora em apreço não atendeu à identidade dos direitos reclamados em duas situações idênticas onde os direitos reclamados eram análogos, mais os pedidos eram até iguais, apenas divergindo nos montantes, e em ambos os casos discutia-se a mesma questão de direito.

18- O Acórdão em apreço é por isso inconstitucional ao tratar de forma diferente situações iguais, onde são invocados direitos iguais e obtidos resultados diferentes ainda mais do mesmo Tribunal, violando o Art. 13° da Constituição da República Portuguesa.

19- Mais, o Acórdão em apreço ao não ter em consideração um caso análogo ao do Autor/Recorrente não fez uma interpretação e aplicação uniforme do direito, pelo contrário, aplicou o direito de forma diferente em casos análogos, pelo que violou o disposto no Art. 8º, n.° 3 do Código Civil.

20- O Acórdão em apreço ao sufragar o entendimento do Acórdão de 05.07.2010 considerou que o Autor poderia ter arguido a nulidade da sentença de primeira instância ou recorrido da mesma.

21- Apesar de o Acórdão em apreço não referir expressamente a que nulidade se refere, presume-se que, só poderá ser à omissão de pronúncia prevista no Art. 668° do C.P.C., alínea d).

22- Porém, na sentença em causa pode ler-se: «A questão a decidir na presente acção é, de forma singela, a seguinte: saber se o complemento de reforma a que o A. tem direito é aquele que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões que vigorava na R., ou se, pelo contrário, essa regalia é aquela que decorre das alterações a esse contrato assinadas em 13/07/2007». E que «Como já defendemos noutras decisões semelhantes, afigura-se-nos que se terá que considerar que não são aplicáveis ao A. as alterações contrato constitutivo do fundo de pensões». E ainda, e cita-se: «Resulta de tudo quanto vimos dizendo que o A. tem direito ao complemento de reforma nos termos que peticionava, estando correctamente efectuados os respectivos cálculos, pelo que deve procedera acção nesta parte».

23- Ora, salvo o devido respeito, resulta com clareza e evidência que o Mmo Juiz do Tribunal de Viana do Castelo na sentença que proferiu se pronunciou sobre a questão de saber se assistia ou não ao Autor/Recorrente os direitos que reclamava e que eram respeitantes à condenação nas quantias cujo pagamento também reclamava, questão esta nuclear dos autos pois, o ponto V do pedido do Autor/Recorrente era um pedido conclusivo dos demais e que sujeitava a procedência dos demais pedidos anteriores e que respeitavam à condenação no pagamento de importâncias à condição de haver condenação no reconhecimento dos direitos inerentes às tais importâncias.

24- Pelo que, o acórdão da Relação ora em apreço ao decidir que competia ao Autor/Recorrente ter arguido a nulidade da sentença da primeira instância violou de forma clamorosa o disposto no Art. 668°, 1 do C.P.C.

25- Assim como, ao considerar que o Autor/Recorrente devia ter recorrido da sentença de 1.ª instância, violou o disposto nas normas processuais constantes dos Arts. 678°, 1, in fine e 680° do C.P.C., uma vez que a sentença, à excepção do pedido de sanção pecuniária compulsória, condenou a Ré na totalidade dos pedidos formulados pelo A, conforme se lê na mesma: «Resulta de tudo quanto vimos dizendo que o A. tem direito ao complemento de reforma nos termos que peticionava, estando correctamente efectuados os respectivos cálculos, pelo que deve proceder a acção nesta parte.»

26- O Acórdão em análise decidiu não conhecer da questão «de saber se ao A. não é aplicável o plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão publicado no DR, III série, de 2004-12-31, mas sim o resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo», fim de citação do Acórdão em revista, por considerar esta questão prejudicada pela questão que apreciou e decidiu;

27- Ora, esta decisão do Tribunal da Relação do Porto, salvo o devido respeito, é errada, porquanto a questão supra enunciada, não só não fica prejudicada como devia ter sido apreciada ainda antes da única questão apreciada por aquele acórdão e que, no entender daquele Tribunal prejudicou o conhecimento desta.

28- Porquanto, a questão nuclear dos autos era e é a de definir ou melhor decidir a que valor de complemento de reforma tinha e têm o Autor/Recorrente direito se, ao valor resultante do da fórmula constante do artigo 6º do Anexo ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão publicado no DR, III série, de 2004-12-31 e constante do Art. 26° do Regulamento de Regalias Sociais (regulamento interno da Ré e que constitui documento junto aos autos) e que peticionava, ou se, o valor resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo, ou melhor dito de outra forma se o plano de pensões aplicável ao Autor/Recorrente era o resultante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão publicado no DR, III série, de 2004-12-31, e nesse caso um plano de pensões de beneficio definido e por isso teria direito aos valores que peticionava na petição dos autos, ou se era o plano de pensões resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 ao referido contrato constitutivo e nesse caso ser-lhe-ia aplicável um plano de pensões de contribuição definida, com consequente alteração do valor a receber a título de complemento de reforma que deixaria assim de estar definido, e que levaria a concluir que não teria direito aos valores que peticionava nos autos.

29- E sendo esta a questão nuclear dos autos o seu conhecimento teria até que ser prévio à questão de saber quem deveria ser o "sujeito" da condenação no pagamento ao Recorrente do valor do complemento de pensão de reforma por ele reclamado. Pois, previamente a decidir quem deve ser condenado no pagamento de uma determinada quantia caberá decidir em primeiro lugar se assiste ou não o direito a receber essa quantia por parte daquele que a peticiona.

30 - Ao não conhecer da questão supra por a considerar prejudicada pela que decidiu apreciar, o Tribunal da Relação do Porto absteve-se de julgar e violou a norma que lhe impõem o julgamento, o art. 8º, 1 do código civil, e violou ainda o direito que assiste ao Recorrente de obter uma decisão judicial que aprecie a pretensão que regularmente deduziu em juízo, violando também o disposto no Art. 2º do C.P.C..

31 – [nota: no original salta-se do n.º 30 para o n.º 40, seguindo-se aqui a devida sequência numérica]

Mas não só, o Acórdão em apreço ao entender que a obrigação do pagamento do complemento de reforma era do fundo de pensões sem previamente decidir o plano de pensões aplicável ao Autor/Recorrente e a que complemento de reforma tinha o Autor/Recorrente direito, violou ainda as normas que regem os Fundos de Pensões constantes na alínea c) do Art. 2º, e no n.° 1 do Art. 12°, ambos do DL 12/2006, de 20/01/2006.

32- O Acórdão da Relação do Porto em apreço, ao decidir revogar a sentença da 1.ª instância por entender que a Ré/Recorrida não devia ser condenada no pagamento das quantias reclamadas pelo Autor/Recorrente a título de complemento de pensão de reforma, violou ainda as normas jurídicas respeitantes às obrigações assumidas pela entidade patronal perante os seus trabalhadores, e entre eles o Recorrente, obrigações essas quer decorrentes dos contratos individuais de trabalho quer dos instrumentos de regulamentação colectiva.

33- Pois, quer se diga que estamos perante um direito resultante do contrato individual de trabalho quer se diga que resulta da negociação colectiva com os representantes dos trabalhadores, é indiferente, porque estamos sempre perante a atribuição pela entidade empregadora de um direito aos seus trabalhadores como contrapartida do trabalho que estes lhe prestam.

34- A fonte da obrigação que a Recorrida assumiu terá sempre que ser o contrato de trabalho, e se o sujeito do contrato que é a fonte da obrigação é a entidade patronal, a condenação no pagamento das quantias respeitantes a esse direito tem obviamente que recair sobre o sujeito que no contrato assume essa obrigação, ou seja, a Recorrida.

35 - Ademais, partindo dos pressupostos de que, a entidade patronal — Recorrida — não podia unilateralmente alterar o valor do complemento de reforma que assumiu, no âmbito de um contrato de trabalho, conceder aos seus trabalhadores —Recorrente —, mas que o fez, e que o fundo de pensões tal como consta das alterações ao contrato constitutivo não prevê atribuir aos trabalhadores o pagamento dos valores resultantes das fórmulas supra referidas, resulta com clareza que o sujeito responsável pela falta de pagamento ao Recorrente dos valores reclamados nos autos é a Ré/Recorrida, pelo que deve ser esta condenada nesse pagamento.

36- O Acórdão da Relação do Porto em apreço ao isentar a Recorrida da responsabilidade no pagamento das quantias reclamadas pelo Recorrente, violou as normas previstas na clausula 87ª, n.° 1, alínea c) do AE outorgado em 30.11.2001, e publicado no BTE, 1.ª série, n.° 1 de 8/01/2002, no artigo 6º do Anexo I (Regulamento de Regalias Sociais) ao Contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão publicado no DR, III série, de 31 de Dezembro de 2004, e no artigo 21° do Regulamento de Regalias Sociais da Recorrida, todos documentos constantes dos autos.

37 - Assim como, violou o conteúdo do contrato de trabalho do Recorrente, o conceito de direitos adquiridos no âmbito dos contratos de trabalho e o Art. 406° do Código Civil.

38- O Acórdão da Relação do Porto ao seguir o entendimento que, e cita-se: «o recurso deve obter provimento, pois a obrigação de pagar o complemento pertence ao Fundo, confinando-se a obrigação da R., a este nível, a entregar a este as respectivas contribuições, tal como sucede nos sistemas de segurança social: as entidades empregadoras não pagam pensões, mas apenas contribuições, cabendo tal obrigação ao Centro Nacional de Pensões ou à Caixa Geral de Aposentações»,

39 - E ao fazê-lo dizíamos citou parte da fundamentação do acórdão de 05.07.2010 que por sua vez citava o Acórdão também da Relação do Porto de 19-05-2010, que citava designadamente as normas constantes da clausula 87ª, do AE de 2002, e as normas constantes dos artigos 1°, 7° e 13° do Anexo I do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões publicado no DR, III série, de 31/12/2004,

40- Porém, não fez uma correcta interpretação e aplicação das normas supra referidas.

41- Desde logo porque, não interpretou as normas constantes da cláusula 87ª, do AE de 2002, e as normas constantes dos artigos 1°, 7° e 13° do Anexo I do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões publicado no DR, III série, de 31/12/2004 com o sentido que resulta do texto dos respectivos documentos, conforme estabelece o disposto no Art. 238°, 1 do Código Civil, uma vez que se trata de "negócios formais", ou seja, obrigados a forma escrita.

42- Pois, se o tivesse feito teria interpretado as normas em causa no sentido de que a Recorrida se obrigou perante os seus trabalhadores a garantir-lhes um complemento de reforma no valor reclamado pelo Recorrente nos autos, e teria decidido que a sentença de 1.ª instância condenou, e bem a Ré/ Recorrida a proceder ao seu pagamento ao Autor /Recorrente, e não a teria revogado.

43- Das normas citadas resulta ainda que a obrigação assumida pelo Fundo de Pensão seria apenas de assegurar o pagamento por forma a permitir à entidade patronal, a Ré/Recorrida cumprir a obrigação que assumiu perante os seus trabalhadores, e entre eles o Recorrente, de lhes garantir determinado valor de complemento de reforma.

44- Obrigação essa do Fundo que, resulta não de uma obrigação assumida para com os trabalhadores que não têm qualquer "contrato" com o Fundo de Pensões, mas apenas e tão só de uma disposição legal, o Art. 85° da L 4/2007.

45- O Fundo de Pensões in casu é um terceiro que, face às alterações introduzidas pela Ré/Recorrida em 13/07/2007 ao contrato constitutivo do fundo de pensões Gescartão, só está obrigado por lei - Art. 12°, 1, do DL 12/2006 - ao cumprimento do plano de pensões, que, como supra também se referiu é após as alterações outorgadas pela Recorrida e no que aos trabalhadores respeita um plano de pensões de contribuição definida e não de beneficio definido - vide (cláusula 6ª, n.° 2 e 3 das alterações - conforme documento constante dos autos, e dos factos provados: 9 ).

46- Pelo que, sendo o Fundo de Pensões claramente um terceiro, o contrato de trabalho entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida que é a fonte da obrigação do pagamento das importâncias a título de complemento de reforma reclamadas pelo Recorrente, só poderia produzir efeitos quanto a esse terceiro nos casos e nos termos em que estivesse previsto por lei - Art. 406°, n.° 2 do Código Civil, o que in casu não ocorre.

47- Assim, o Acórdão da Relação do Porto ao decidir que a obrigação de pagar o complemento pertence ao Fundo, e não à Recorrida, violou ainda as normas previstas no Art. 12°, 1, do DL 12/2006, nas cláusulas 5ª e 6ª, n.° 2 e 3 do actual Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão, outorgado em 13/07/2007 e publicado no site do ISP em 31/10/2007, e o Art. 406°, 2 do Código Civil.

Termos em que dando-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão da Relação do Porto e repondo a sentença da 1ª instância, far-se-á a JUSTIÇA que o caso merece».

A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo:

«A) Considera a Recorrida, no entanto, que, apesar das doutas e bem elaboradas alegações, não assiste ao Recorrente qualquer razão, verificando-se que nem a inversão da estrutura natural dessas alegações — que deveria ter seguido a organização de peça que impugna — permitirá ultrapassar a questão essencial decidida pelo Venerando Tribunal a quo, que foi bem decidida.

B) Em sede de recurso, deve ser tido em conta o objecto definido pelo Recorrente nas suas conclusões - e o resultante de um eventual pedido de alargamento desse objecto pelo Recorrido - e o conteúdo da douta decisão impugnada, conhecendo-se, por ordem lógica, as questões suscitadas pela decisão sob impugnação, porquanto será sempre esta (decisão) e não as conclusões das partes, que estará a ser apreciada pelo Tribunal de recurso, com vista à sua confirmação, substituição ou revogação.

C) Não tendo, o Recorrente, como poderia ter, suscitado a omissão de pronúncia daquela douta decisão de 1.ª instância, ainda que em sede de ampliação do objecto do recurso nas suas alegações de Recorrida no recurso de apelação, não pode, agora, invocar tal vício, porquanto tal invocação é, manifestamente, extemporânea.

D) Considerando não ter, a Recorrida, obrigação de pagar as quantias peticionadas pela ora Recorrente, não tinha, o Venerando Tribunal a quo, de se pronunciar sobre a sustentação da condenação que entendera revogar.

E) Como resulta dos autos, o contrato constitutivo celebrado entre a Recorrente e as entidades financeiras outorgantes do mesmo, foi negociado e outorgado pela Recorrente sem qualquer intervenção dos trabalhadores ou seus representantes, exercendo a Recorrente, no acto da outorga daquele contrato, as prerrogativas da liberdade de fixação desses termos que lhe foram reconhecidas em sede de contratação colectiva.

F) É a este respeito inequívoca e esclarecedora a redacção do n° 1 da Cláusula 87ª do A E, nos termos da qual a Recorrente se obrigou a garantir a todos os trabalhadores diversas regalias, entre as quais o complemento de reforma, sendo, tais regalias, estabelecidas nas condições dos Instrumentos que naquele AE, se obrigou a criar.

G) Não assumiu, assim, a Recorrida, a obrigação de proceder ao pagamento do complemento de reforma, mas apenas o de garantir a sua criação nos termos dos instrumentos cujo conteúdo poderia, de forma livre, negociar.

H) Resulta inequívoco do n° 1 do art. 7° do Regulamento das Regalias Sociais (anexo ao referido contrato constitutivo, de que faz parte e a cujas condições se deve considerar submetido!) que "o pagamento do complemento de pensão reforma será assegurado pelo Fundo de Pensões", sendo certo, e bem evidente, que este (Fundo) não pertence à Recorrente, competindo o poder, e, simultaneamente, dever, de representação à entidade gestora, a que a Recorrente é alheia.

I) Não competindo à Recorrida, nos termos do instrumento que, como se obrigara, criou, o pagamento de quaisquer quantias a título de complemento de reforma, não poderá ser-lhe peticionado o cumprimento dessa obrigação que, obviamente, inexistia na sua esfera jurídica, julgando-se, de forma inexorável, improcedente, por não provado, aquele pedido, de que a Recorrente deveria, assim, ter sido absolvida.

(Em ampliação do âmbito do recurso, ou como continuação das alegações de Recorrida).

J) Vinculando, o contrato constitutivo, apenas a Recorrida e as entidades subscritoras do mesmo — que não são integradas pelos representantes dos trabalhadores — necessário se torna concluir que nenhuma convenção existiu entre a Recorrida e os Sindicatos representativos dos seus trabalhadores que permita considerar, que as condições do complemento de reforma foram acordadas com os trabalhadores ou com os seus representantes, que à empresa, Recorrente, tenham sido impostos os termos dessa fórmula de cálculo, ou que, igualmente, e por maioria da razão, à empresa tenham sido impostos limites - que não os plasmados no Contrato Constitutivo e os formais, decorrentes do n° 2 de cálculo 87° do AE - para promover qualquer alteração ao contrato Constitutivo.

L) Não é, assim, admissível defender a necessidade de concordância dos trabalhadores para que fossem alteradas determinadas condições de cálculo de pensão de reforma, quando essas mesmas condições haviam sido estabelecidas sem que os trabalhadores ou seus representantes fossem ouvidos.

M) A inscrição do direito a um concreto plano de pensões, nas relações colectivas de trabalho, radica, de acordo com a douta sentença recorrida, na cláusula 87ª do A.E. publicado no BTE n° 1 de 8 de Janeiro de 2002 (transcrita nas alegações) da qual resulta, bem ao contrário do que conclui o M° Juiz a quo, inequívoco que a empresa deveria, apenas, criar instrumentos de regulamentação de regalias sociais, nomeadamente complemento de reforma, sendo, as condições dessas regalias, as que a empresa entendesse adequadas e, sobretudo, exequíveis, não tendo, em qualquer momento do texto acordado, as partes outorgantes, pretendido fixar os termos dessas regalias, que, aliás, expressamente foram afastados, pelos Outorgantes, do conteúdo do Acordo da Empresa.

N) A evidente diferença entre o texto desta cláusula e o da cláusula 90ª do anterior AE (igualmente transcrita nas alegações) demonstra inequivocamente que as partes outorgantes do AE de 2002 eliminaram o carácter contratual das condições do Regulamento do complemento de reforma expressamente deixando de o considerar parte integrante do Acordo como previa o anterior AE.

O) É, precisamente, por ter sido cometida à empresa a tarefa de criação do instrumento regulador das regalias sociais, que o dito "Regulamento de Regalias Sociais" veio a constar do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão (anexo I do Contrato, cfr. Doc. junto aos autos).

P) Não se está, assim, perante um regulamento interno da empresa, elaborado em matéria de organização e disciplina no trabalho que, depois de publicitado - e aceites os seus termos por ambas as partes na relação laboral (o que pode não suceder, nos termos legais!) constitui uma verdadeira fonte de obrigações.

Q) Bem pelo contrário, o Regulamento em causa constitui um mero anexo ao Contrato Constitutivo do Plano de Pensões, contrato esse que, como é evidente, tem um regime legal próprio (ao /tempo em que foi elaborado, o D.L. n° 12/2006, de 20 de Janeiro), não se confundindo com o regime da contratação colectiva.

R) Neste enquadramento, as alterações ao referido contrato regem-se quanto à sua admissibilidade, termos, condições e demais aspectos conexos, pelo disposto no Decreto-lei n° 12/2000, de 20 de Janeiro. Com efeito,

S) A convenção constante da cláusula 87ª do AE de 2002 não cria qualquer direito de o trabalhador reclamar uma concreta pensão complementar à sua reforma, não lhe conferindo sequer uma expectativa quanto ao seu montante.

T) A concretização dos termos do cálculo do complemento de reforma foi negociado entre a Recorrida e as estruturas financeiras outorgantes do contrato constitutivo, no qual não intervieram os representantes dos trabalhadores, no que constitui um óbvio reconhecimento de que tal matéria fora expurgada da contratação colectiva.

U) Não assistindo aos Sindicatos - por exclusão expressa desse direito em sede de negociação colectiva - a prerrogativa de negociar os termos do cálculo dos complementos de reforma, não assistirá a qualquer trabalhador o direito de negociar tais condições concretas de cálculo da sua pensão, não sendo, assim, susceptível de integrar o quadro dos direitos do trabalhador, individualmente considerado.

V) A noção de direitos adquiridos a ter em consideração na análise da questão controvertida não pode deixar de ser, atenta a matéria em apreço, a que resulta do contrato Constitutivo e da lei aplicável - o artigo 9.º do D.L. n° 12/2006 -, segundo o qual: "1- Considera-se que existem direitos adquiridos sempre que os participantes mantenham o direito aos benefícios consignados no plano de pensões de acordo com as regras neste definidas, independentemente da manutenção ou da cessação do vínculo existente com o associado".

X) Conforme consta do Anexo I ao Contrato Constitutivo do "Regulamento de regalias sociais" encontra-se consagrada, no seu artigo 4º, que, precisamente, regula a matéria da "Aquisição do Direito", a seguinte solução: "Só terão direito ao complemento de pensão de reforma os trabalhadores do quadro permanente da empresa que tenham sido reformados por velhice ou passado à situação de invalidez", o que exclui do benefício criado pelo regulamento qualquer trabalhador cujo contrato de trabalho viesse a cessar por motivo diverso da reforma.

Z) Necessário se torna concluir, deste texto e no que à aquisição do direito respeita que no âmbito do plano de pensões constante do Anexo I do Título Constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, o direito ao complemento de pensão de reforma, para a generalidade dos trabalhadores, como o Recorrente, se adquire com a passagem à reforma, não havendo, assim, antes dessa reforma, qualquer direito adquirido.

AA) A tese que subjaz na douta sentença, que confunde a "aquisição do direito", nos termos anteriormente enunciados, com "meras expectativas", não tem qualquer acolhimento na letra do Contrato Constitutivo, o qual foi escrupulosamente respeitado pela Recorrida, quando promoveu as alterações ao mesmo em 13 de Julho de 2007.

AB)      Nenhum "direito adquirido" resultando para qualquer trabalhador no activo da Recorrida, do Regulamento de Regalias Sociais em questão, toda a construção da douta sentença do Tribunal de Trabalho, pressupõe uma confusão (ilícita porque insustentável!) entre o conceito de direito e simples expectativas, que este Supremo Tribunal não deixará de censurar.

AC) Quando em 2004, a Recorrente negociou e contratou - sem intervenção dos trabalhadores ou dos seus representantes - o Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões (junto com os articulados desta acção) respeitou, a Recorrida, integralmente, os termos acordados, com os Sindicatos e plasmados no AE de 2002.

AD) De acordo com esse contrato constitutivo - único instrumento que vinculava a Recorrida na sua liberdade de conformação do seu conteúdo - qualquer alteração deveria ser sujeita à aprovação prévia do Institutos de Seguros de Portugal, sem necessidade de qualquer dos beneficiários a ela aderirem, ao contrário do que constitui pressuposto da douta sentença recorrida.

AE) Nesta alteração - e no processo a ela conducente – apenas cumpriria à Recorrida observar os termos impostos no contrato constitutivo e obter o parecer da Comissão de Trabalhadores, que nem sequer era vinculativo.

AF) Sucedeu que os termos em que estava determinado aquele plano - de beneficio definido - vieram a tornar insustentável aquele fundo, sendo inevitável concluir pela imperiosa necessidade de lhe introduzir alterações, tornando-o um Plano de Pensões de contribuição definida.

AG) Foi, assim, por esta consideração e no exercício das prerrogativas contratualmente permitidas à Recorrida, que esta promoveu negociação e alteração ao plano de pensões vigente, vindo, tal processo negocial, a culminar com a autorização do Instituto de Seguros de Portugal, para que certas alterações fossem promovidas, sendo assinado, em 13 de Julho de 2007, e com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro desse ano, o texto de alteração do fundo de pensões Gescartão, por cujo teor o Recorrente passou a estar abrangido.

AH) Foi, assim, lícita a alteração promovida, pela Recorrida, uma vez que respeitou os termos legais aplicáveis (no caso concreto a legislação aplicável aos Fundos de Pensões), sendo inequívoco que não teria de obter, nessa alteração, a concordância dos Sindicatos ou dos trabalhadores, uma vez que os termos dessa regalia social manifestamente, não integravam já o domínio das relações colectivas de trabalho, tal como conformadas no respectivo Acordo de Empresa.

AI) As soluções constantes do contrato e da lei são inteiramente coincidentes no que respeita ao direito ao complemento de reforma, o qual só se adquire aquando do preenchimento dos requisitos necessários para a respectiva atribuição.

AJ) A cláusula 87ª do AE de 2002, permite, de forma tão expressa que não é razoável que se desconsidere, no seu n° 2, a alteração das regalias previstas no n° 1, entre as quais se conta a atribuição do complemento de reforma, estabelecendo-se no n° 3 da referida cláusula a limitação transversal a todas as previsões referidas, quer sejam de índole contratual ou legal: as alterações operadas não podem colocar em causa os direitos adquiridos.

AL) Como dos autos abundantemente resulta, não tinha, o Recorrente, ao tempo em que tais alterações se produziram e se iniciaram os seus efeitos, qualquer direito adquirido.

AM) Do mesmo modo, salvo o devido respeito, a construção da douta sentença do tribunal de trabalho, suportada na teoria dita "da incorporação de direitos das convenções colectivas nos contratos individuais de trabalho", não encontra o menor suporte, não só porque tal "direito" não fora, ao tempo da alteração, adquirido pelo Recorrente, sendo desse modo um "não direito" ou um "direito inexistente", mas também porque tal matéria não integrava o "direito colectivo" não sendo, assim, preenchido um requisito necessário a essa "incorporação" que é, precisamente o de se transferir para a esfera individual do trabalhador um direito resultante de uma convenção colectiva que lhe seja aplicável.

AN) Tendo sido outorgada em 13 de Julho de 2007, alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões GESCARTÃO e definidos como participantes todos os trabalhadores que cumprissem as condições de elegibilidade definidas nos Planos de Pensão aí melhor descritos, e sendo o Recorrente, em 13 de Julho de 2007 um trabalhador que reunia as características próprias para integrar o novo plano de pensões, criado por aquela alteração, não poderá deixar de se concluir pela aplicação ao Recorrido, do plano de pensões resultante das alterações introduzidas em 2007 e não, como erradamente fez o M° Juiz a quo, o plano de pensões constante do Anexo ao contrato constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, revogado por aquela alteração.

AO) Tendo feito boa aplicação do Direito — e sendo lícita a decisão de considerar prejudicados o conhecimento das outras questões suscitadas pela ora Recorrida na sua apelação - deverá o douto Acórdão ser confirmado sendo, na hipótese do Supremo tribunal entender dever conhecer os fundamentos da douta decisão proferida, em qualquer hipótese, ainda que com fundamento diverso, confirmado o Acórdão que absolveu a Recorrida do pedido.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, ainda que tendo como fundamento as questões constantes da matéria de ampliação do âmbito do recurso, subsidiariamente suscitadas pelo Recorrente».

Com a contra-alegação, juntou a Recorrida o Parecer de fls. 659 a 757.

O Recorrente respondeu à matéria da requerida ampliação do objecto do recurso, não obstante entender que a matéria em questão já era de pronúncia do STJ em virtude de ser matéria constante das conclusões de recurso do Recorrente.

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista, ou, caso assim se não entenda, deverá proceder a ampliação do recurso pedida pela Ré, ao que o Recorrente ofereceu resposta manifestando o seu dissentimento.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar as questões que se colocam à apreciação, que se passam a discriminar, pela ordem em que abaixo se conhecerão, e que são as relativas:

a) à nulidade do Acórdão, por pretensa omissão de pronúncia;

b) à existência do direito peticionado e identificação do sujeito passivo da obrigação;

c) ao plano de pensões aplicável no caso.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1 – O A. foi admitido, em 16 de Novembro de 1973, ao serviço da BB (ex BB), nas instalações fabris de ..., Viana do Castelo, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a actividade de operador industrial.

2 – Em Julho de 1976, esta sociedade fundiu-se com mais outras quatro numa única empresa nacional de capital exclusivamente público, ficando com a denominação de “A BB – …, E.P.”.

3 – Em Dezembro de 1990, essa empresa foi transformada em sociedade anónima, com a denominação de “A BB – …, S.A.”.

4 – Na sequência do desmembramento desta sociedade anónima, em Junho de 1993, o A. passou a desempenhar a sua actividade para a R.

5 – O A. tinha ultimamente a categoria profissional de operador industrial, auferindo o vencimento base de € 830,23, acrescido de € 254,50 de diuturnidades.

6 – O A. entrou de baixa médica no dia 3/5/07, mantendo-se nessa situação até 24/7/07, data em que entregou nos serviços da R. documento comprovativo de que lhe havia sido atribuída reforma por invalidez pela Segurança Social.

7 – O ISS fez reportar o início da pensão por invalidez a 1/5/07.

8 – Em 2002, a R. e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, na qual se encontrava filiado o A., subscreveram um Acordo de Empresa (BTE, 1ª, nº.1, de 8/1/02).

9 – Na sequência do que constava do artº. 87, nº. 1, c), desse AE, a R. subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão com PensõesGere – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., (D.R., III série, 31/12/04).

10 – Em 13/7/07, a R. subscreveu juntamente com Gescartão e CC Pensões (entidade que geria o fundo de pensões desde 2006), uma alteração ao referido contrato constitutivo com efeitos reportados a 1/1/07 (documento de fls. 118 a 125).

11 – Na sequência da implementação da alteração referida em 10), foi transferida para a conta individual do A. a quantia de € 36.436,97.

12 – Não foi pago ao A. o complemento de reforma estabelecido pela fórmula do contrato referido em 9) e no regulamento de regalias sociais.

13 – O A. não deu o seu acordo, expresso ou tácito, à alteração referida em 10).

14 – O disposto no AE referido em 8) e no regulamento de regalias sociais não foi objecto de alteração em sede de negociação colectiva com os representantes dos trabalhadores.

15 – O Instituto de Seguros de Portugal pronunciou-se no sentido do teor do documento de fls. 30.

16 – A alteração referida em 10) veio a ser publicada no site institucional do Instituto de Seguros de Portugal em 30/10/07.

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Antes de se entrar na análise das questões a resolver, importa ter presente que na sentença proferida em 1.ª instância, foi decidido reconhecer direito ao Autor ao pedido do direito ao complemento da pensão de reforma por invalidez que lhe era paga pela Segurança Social, desde 01/05/2007, e condenou-se a Ré nos termos peticionados quanto a esse pedido.

Tendo a Ré recorrido da sentença, veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, no qual se decidiu revogar a sentença recorrida, com o fundamento de que tendo a mesma condenado apenas a Ré a pagar ao Autor o complemento da pensão de reforma e cabendo essa obrigação unicamente ao Fundo de Pensões, tal pagamento era inexigível à Ré.

Em face deste entendimento considerou o Acórdão recorrido que estava prejudicado o conhecimento da questão de saber qual o plano de pensões aplicável ao Autor.

É neste contexto que se colocam as questões que acima se deixaram equacionadas, das quais se passa a conhecer.

a) Quanto à nulidade do Acórdão, por pretensa omissão de pronúncia.

Vem o Recorrente arguir a nulidade do acórdão, por falta de pronúncia, pelo que importa ter presente em que situações esta se verifica em face do que a lei estabelece.

Um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o artigo 264º/1 do CPC, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções”.

E a que também se refere o art. 660º/2 do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas.

A sentença ficará afectada de nulidade, nomeadamente no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 668.º /1, alínea d), do CPC).

Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo não conhecimento integra nulidade por falta de pronúncia.

Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 668º/1, alínea d), do CPC.

Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido[1].

Dizia Alberto dos Reis, que «são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[2].

Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia.

Por último importa não confundir a nulidade por falta de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados[3].

No caso vertente não se verifica a alegada falta de pronúncia a que o Recorrente alude nas conclusões 1.ª a 26.ª da sua alegação, designadamente quanto à questão essencial «de saber se ao A. não é aplicável o plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão, publicado no DR, III série, de 2004-12-‑31, mas sim o resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo».

Aliás a falta de pronúncia em causa, tendo, adrede, sido suscitada no requerimento de interposição de recurso, foi objecto de pronúncia pelo tribunal recorrido, no acórdão que proferiu a fls. 783 e ss., julgando-a improcedente, com o fundamento de que tendo o acórdão sindicado resolvido a 1.ª questão analisada — a de saber se a Ré devia, ou não, ser condenada no pagamento dos complementos de reforma peticionados — no sentido de tal condenação não ser devida, dando procedência ao recurso; no tocante à 2.ª questão colocada — a aplicação ao A. do plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões Gescartão publicado no PR, III Série, de 2004-12-31 — considerou prejudicado o seu conhecimento nos termos do art. 660°, n° 2, do CPC.

Ora, não se verifica, na realidade, no caso em apreço a alegada falta de pronúncia, pois que o tribunal não ignorou a questão em discurso. O que entendeu foi que dela não tinha de conhecer, por o seu conhecimento se mostrar prejudicado pela resolução da 1.ª questão colocada à sua consideração. De facto, tendo o Tribunal da Relação concluído que a obrigação de pagar o complemento de reforma do Autor cabia ao Fundo de Pensões e não à Ré BB, decidindo-se pela absolvição desta, com a consequência da procedência do recurso, restaria prejudicado saber qual o plano de pensões aplicável ao Autor.

O Autor, ora Recorrente mostra o seu dissentimento com o sentido decisório do Acórdão recorrido, mas tal não significa a existência de qualquer vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele processo decisório susceptível de integrar omissão de pronúncia, parecendo o Recorrente confundir nulidade do acórdão com erro de julgamento, este só impugnável em sede de recurso, como, de resto, veio a acontecer.

Improcede, deste modo, a arguida nulidade.

b) Quanto à existência do direito peticionado e identificação do sujeito passivo da obrigação.

Em 2002, a Ré e as associações sindicais representantes dos trabalhadores, designadamente do Autor, subscreveram o Acordo de Empresa, publicado no BTE, 1.ª, n.º 1, de 08.01.2002, cuja  cl.ª 87.ª dispunha o seguinte:

«1- A Empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: a) Seguro de vida; b) Seguro de doença; c) Complemento de reforma de invalidez; d) Complemento de reforma de velhice e sobrevivência; e) Subsídio especial a filhos deficientes; f) Subsídio de casamento e de funeral.

2- Será solicitado parecer aos representantes dos trabalhadores quando se verifiquem alterações nas regalias referidas no n° 1.

3- A Empresa reconhece os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo de instrumentos anteriormente vigentes e reguladores destas matérias».

Para execução do comando previsto em tal cláusula, veio a ser criado o Fundo de Pensões Gescartão, através do contrato constitutivo publicado no DR, III Série, de 31.12.2004, e de cujo Anexo l consta o Regulamento de Regalias Sociais, neste se prevendo, entre o mais, que:

— «A empresa atribuirá aos trabalhadores do seu quadro permanente que se reformem ou passem à situação de invalidez um complemento da pensão atribuída pela segurança social, nos termos e condições dos artigos seguintes» (art. 1.º);

— «O pagamento do complemento de pensão de reforma será assegurado pelo Fundo de Pensões (art. 7.º/1);

— «A atribuição de complemento de pensão de reforma será proposto à administração, através do departamento de pessoal, devendo ser prestada informação sobre o valor mensal do complemento e a data prevista ou previsível do início do respectivo pagamento» (art. 13.º).

Decorre das disposições citadas que o complemento de reforma, uma vez instituído no âmbito do AE, passou a fazer parte das regalias garantidas pela BB aos seus trabalhadores, competindo a esta empresa a atribuição do mesmo, através do reconhecimento do seu direito, enquanto o seu pagamento deve ser feito pelo Fundo de Pensões.

No caso vertente nenhuma dúvida se suscita sobre o direito do Autor ao complemento da pensão de reforma por invalidez, o que se discute é qual a entidade com legitimidade para ser demandada na acção e qual o plano de pensões aplicável no caso.

Na sentença proferida na 1.ª instância defendeu-se o entendimento de que o direito ao complemento de reforma, resultando de um AE, integra o contrato individual de trabalho do Autor e nessa medida a acção apenas poderia ser formulada contra a Ré, pois que foi esta que no âmbito da relação laboral, que mantinha com o Autor, assumiu perante o mesmo a obrigação ao pagamento desse complemento de reforma. E, em consequência deste entendimento, proferiu decisão condenatória da Ré no sentido de reconhecer direito ao Autor ao aludido complemento nos termos por este peticionados.

De entendimento diferente foi a Relação, que se pronunciou do seguinte modo:

«Ora, no nosso caso, a sentença condenou a R., não a reconhecer o direito, como nos autos sobre os quais versou o acórdão desta Relação, citado, mas — apenas — a pagar o complemento de reforma vencido e vincendo.

Tal ocorreu apesar de na petição inicial os pedidos formulados contra a R. serem de condenação no pagamento do complemento de reforma e de condenação no reconhecimento dos direitos correspondentes.

No entanto, certo é que o A. não invocou a nulidade da sentença, nem recorreu, o que está na sua disponibilidade, tanto mais que os autos versam sobre direitos disponíveis.

Tal significa que o recurso deve obter provimento, pois a obrigação de pagar o complemento pertence ao Fundo, confinando-se a obrigação da R., a este nível, a entregar a este as respectivas contribuições, tal como sucede nos sistemas de segurança social: as entidades empregadoras não pagam pensões, mas apenas contribuições, cabendo tal obrigação ao Centro Nacional de Pensões ou à Caixa Geral de Aposentações, excepção feita ao sistema bancário.

Assim, cabendo ao Fundo de Pensões a obrigação de pagar o complemento da pensão e tendo a sentença condenado a R. a fazê-lo, deve ser revogada».

Ora, não se sufraga o entendimento defendido pela Relação.

Como já se viu, embora o pagamento do complemento da pensão deva ser feito pelo Fundo de Pensões, o reconhecimento da existência desse direito, a sua atribuição, a definição do seu montante e a data prevista para o início do respectivo pagamento, é da exclusiva competência e responsabilidade da empresa Ré.

O Fundo não é mais do que um instrumento constituído pela empresa Ré para executar o pagamento de harmonia com as instruções fornecidas por aquela e o prévio aprovisionamento dos necessários meios financeiros.

Mas a obrigação originária da constituição do direito ao complemento de reforma não é do Fundo, que é alheio à relação laboral, mas sim da entidade empregadora, que pela cláusula 87.ª/1 do AE se vinculou a criar o dito complemento.

Deste modo, a empresa Ré é a entidade que nos termos da acção devia, como foi, ser demandada com vista ao reconhecimento, ou não, dos complementos de reforma pelo Autor reclamados.

E a sua condenação nos termos da decisão proferida na 1.ª instância, comporta o implícito reconhecimento do direito do Autor ao complemento da reforma e da obrigação da empresa Ré de assegurar o respectivo pagamento, obviamente através do procedimento em vigor, que era pela mediação do Fundo de Pensões.

Do que se conclui que a Relação não decidiu acertadamente ao absolver a Ré do pedido, por esta ser a entidade responsável por assegurar o complemento de reforma em causa.

c) Quanto ao plano de pensões aplicável no caso.

Tendo-se concluído que a Ré é a responsável por assegurar o complemento de reforma devido ao Autor importa agora indagar se a mesma Ré podia, unilateralmente, introduzir as alterações que veio a fazer no contrato constitutivo do Fundo de Pensões.

Como acima já se viu, é na cl.ª 87.ª do Acordo de Empresa de 2002 que se encontra estabelecida a regalia em causa.

Nos termos do n.º 1 daquela cláusula «[a] Empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: … c) complemento de reforma de invalidez».

Para execução do comando previsto em tal cláusula, veio a ser criado o Fundo de Pensões Gescartão, através do contrato constitutivo publicado no DR, III Série, de 31.12.2004.

Tenha-se também presente que, em 13/07/2007, a R. subscreveu juntamente com Gescartão e CC Pensões uma alteração ao referido contrato constitutivo com efeitos reportados a 01/01/2007 (documento de fls 118 a 125).

Na sentença da 1.ª instância defendeu-se o entendimento de que a alteração do sistema de complemento de reforma só poderia ser realizada com o acordo expresso dos trabalhadores abrangidos, sendo que o A., por si ou por intermédio dos seus representantes, não foi parte nessa alteração.

Tal entendimento também o defende o recorrente, enquanto a recorrida contrapõe que constituiria um verdadeiro absurdo defender a necessidade de concordância dos trabalhadores.

Ora, analisado o texto do negociado clausulado, o que dele resulta inequivocamente é que a empresa Ré assumiu garantir aos seus trabalhadores as várias regalias nele aludidas, designadamente o complemento de reforma por invalidez, «[n]as condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar», nada ficando  pré-definido quanto a montantes, regras de cálculo, intervenção dos trabalhadores, modo de negociação, etc.

Por outro lado, conforme previsto no n.º 2 da mesma cláusula 87.ª, em caso de alteração nas regalias estabelecidas até então, apenas se estabeleceu que deveria ser solicitado parecer aos representantes dos trabalhadores, cujo carácter, alcance ou efeito não foram definidos.

 Do que se depreende que, ressalvados os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo de instrumentos anteriormente vigentes e reguladores destas matérias, conforme se previne no n.º 3 da cláusula 87.ª, se afastou o carácter contratual das condições reportadas no Regulamento próprio, que expressamente deixou de ser considerado parte integrante do Acordo de Empresa.

Parece, pois, inequívoco que a R. outorgante ficou, não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as condições respectivas, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, mas também com a de promover eventuais alterações.

Deste modo excluída se mostra a reclamada intervenção, directa ou mediata, do trabalhador beneficiário na implementada alteração, como condição da sua validade.

Assim sendo tem de considerar-se como perfeitamente lícita, na perspectiva analisada, a alteração introduzida pela empresa Ré, a 13 de Julho de 2007, no contrato constitutivo do Fundo de Pensões “Gescartão”.

Cabe então determinar qual plano de pensões, aplicável no caso dos autos.

Como decorre dos factos assentes, o Autor foi admitido, em 16 de Novembro de 1973, ao serviço da empresa Ré e entrou de baixa médica, no dia 03/05/2007, mantendo-se nessa situação até 24/07/20007, data em que entregou nos serviços da Ré documento comprovativo de que lhe havia sido atribuída reforma por invalidez pela Segurança Social, sendo que esta fez reportar o início da pensão por invalidez a 01/05/2007.

Sucede que, em 13/07/2007, a Ré subscreveu juntamente com Gescartão e CC Pensões uma alteração ao referido contrato constitutivo, com efeitos reportados a 01/01/2007, alteração que veio a ser publicada no site institucional do Instituto de Seguros de Portugal em 30/10/2007.

Tendo o Autor passado à situação de invalidez em 01/05/2007, pela Segurança Social, nessa data se consolidou o direito ao complemento de reforma em causa e a ela se reporta a respectiva atribuição (cf. art. 6.º/1 do Decreto-Lei n.º 12/2006, conjugado com a cl.ª 4.ª do Regulamento de Regalias Sociais constante do Anexo I ao contrato constitutivo do Fundo).

Note-se que as alterações aos contratos constitutivos, (que não podem reduzir as pensões que se encontrem em pagamento, nem os direitos adquiridos à data da alteração, caso existam), estão sujeitas a autorização do Instituto de Seguros de Portugal, com publicação obrigatória através de um dos meios indicados, (no caso no site da Internet do ISP), requisitos que no caso se verificaram (cfr. arts. 2.º, 6.º/1, 9.º/1, 19.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que regula a constituição e funcionamento dos Fundos de Pensões).

Assim, quando ocorreu o facto determinante da aquisição do reclamado direito, (a passagem do Autor à situação de invalidez, pela Segurança Social), não vigoravam ainda as alterações ao referido contrato constitutivo, cuja publicação obrigatória, contendo a devida autorização do ISP, apenas se verificou a 30.10.2007.

 O que conduz a concluir que só a partir desta data as alterações implementadas se tornaram vinculativas, não podendo, por isso, as mesmas repercutir-se nas pensões que já se encontrassem em pagamento, como tal se considerando a pensão cujo direito o Autor adquirira antes, em 01.05.2007.

Embora nesta data ainda não lhe estivesse a ser paga a pensão, não pode deixar de considerar-se que esta estava em situação do seu pagamento ser devido, pois que a partir desse momento se mostravam reconhecidos os requisitos da aquisição do direito, independentemente da data, mais ou menos morosa, em que os serviços administrativos da Segurança Social fizeram chegar aos destinatários a comunicação correspondente.

Pelos fundamentos que se deixam expostos a revista deve ser concedida, no sentido de se reconhecer direito ao Autor aos reclamados complementos de pensão, vencidos e vincendos, devidos em conformidade com o plano constante do Contrato Constitutivo do Fundo, anteriormente às alterações implementadas em 13.07.2007, nos termos e valores formulados na petição e de se condenar a Ré no reconhecimento desse direito e no dever de assegurar o pagamento dos mesmos complementos.

No sentido que aqui se deixa explanado, já se pronunciou, em caso similar movido por outro trabalhador contra a mesma empresa Ré, o Acórdão deste Tribunal, de 14.09.2011, proferido no processo n.º 474/08.0TTVCT.P1.S1, cuja fundamentação se segue de perto nesta decisão.

Uma nota final para dizer que a Recorrida na sua contra-alegação, formula, com hesitação, o pedido subsidiário de ampliação do objecto do recurso, para que sejam apreciadas as questões que desenvolve a partir da alínea J) das conclusões da mesma contra-alegação.

Sucede que nessas conclusões [J) a AO)], — que a Recorrida refere «[e]m ampliação do âmbito do recurso, ou como continuação das alegações da Recorrida» —  nem arguiu a nulidade da decisão recorrida, nem impugnou a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, pelo que não se verifica o condicionalismo previsto no art. 684.º-A, n.º 2 do CPC, para a ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Recorrida.

Assim, por falta de objecto, não há que conhecer da invocada ampliação do âmbito do recurso.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, delibera-se revogar o Acórdão impugnado e, concedendo-se a Revista, condena-se a Ré a reconhecer ao Autor o direito ao complemento mensal da pensão de reforma, vencido e vincendo, nos termos e valores ajuizados na sentença da 1.ª Instância e em assegurar o respectivo pagamento.

Custas nas Instâncias e neste Supremo Tribunal pela Ré.

[Anexa-se o sumário elaborado nos termos do artigo 713, n.º 7, do CPC]

Lisboa, 26 de Outubro de 2011. 

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva     

 ________________________         
[1] Ver Abílio Neto In Código do Processo Civil, Anotado, 14.ª ed., pág. 702 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.07.1969, publicado JR, 15.
[2] In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143.
[3] A. dos Reis, In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V,  pg. 130.