ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
6496/08.5TBMAI.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/13/2011
SECÇÃO REVISTA EXCEPCIONAL

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA EXCEPCIONAL
DECISÃO NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCEPCIONAL
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PIRES DA ROSA

DESCRITORES REVISTA EXCEPCIONAL
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REQUISITOS
DUPLA CONFORME
EXPROPRIAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA

SUMÁRIO I - Onde não é admissível recurso de revista normal não há nunca possibilidade de recurso de revista excepcional, visto que a abertura da janela da excepcionalidade só é concebível porque a porta da normalidade se fechou.

II - Só no caso de inadmissibilidade de revista normal, por existência de dupla conforme, é que a lei abre essa janela, como cláusula de salvaguarda, para as situações consignadas nas várias alíneas do art. 721.º-A, n.º 1, do CPC.

III - Perante um acórdão da Relação, proferido no âmbito de um processo de expropriação litigiosa, em que este tribunal anulou o julgamento da matéria de facto e todos os actos subsequentes, nomeadamente a sentença, a fim de se proceder a nova avaliação, seguindo-se, após, os ulteriores termos processuais, não só não seria admissível recurso de revista normal – uma vez que o art. 66.º, n.º 5, do CExp estabelece a irrecorribilidade para o STJ do acórdão da Relação que, decidindo a final, fixa o valor da indemnização devida ( e sob pena de total incongruência, é de concluir pela também irrecorribilidade de todas as decisões intercalares, processuais ou mesmo substantivas, proferidas no âmbito de um processo de expropriação a caminho dessa fixação ), como ainda não seria admissível a revista excepcional, atenta a inexistência de dupla conforme, visto que a Relação não confirmou a decisão da primeira instância, antes a anulou.

IV – A ausência da possibilidade do recurso de revista não traduz a violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, muito menos em matéria de expropriações, porque a decisão arbitral é já uma primeira instância decisória, ficando até assegurados, com o recurso para os tribunais de 1.ª instância e Relação, três graus de conhecimento.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                                      Acordam no Supremo Tribunal de Justiça os Juízes que constituem o Colectivo a que se refere o nº3 do art.721º-A do CPCivil:

      Por Despacho do Senhor Secretário de Estado e das Obras Públicas, de 22 de Dezembro de 2004, publicado no DR nº 17, II Série, de 25 de Janeiro de 2005,

                                    foi declarada a utilidade pública e a urgência da expropriação da parcela nº 15.1, a destacar do prédio sito no ..., inscrito no artigo 1217 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº …, destinada à construção da SCUT do Grande Porto – VRI – Sublanço Nó do Aeroporto/IP4 – Nó do Aeroporto,

  sendo expropriante o IEP – INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL (ACTUALMENTE, EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.)

   e expropriado AA.

Elaborado o auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam e tendo a expropriante tomado posse administrativa da parcela ( pela área de 55 941,00 m2 ), foi realizada a arbitragem, já com o procedimento a correr em tribunal (artigo 42º/4 do Código Expropriações), tendo os Srs. Árbitros, em consideração a potencialidade edificativa da parcela, fixado a indemnização a pagar ao expropriado em 1 742 343,33 para aquela referida área.

Adjudicada a propriedade à expropriante por decisão de fls.162 e 163, vêm esta ( fls.173 ) e o expropriado ( fls.184 ) recorrer da decisão arbitral.

Efectuada a necessária avaliação ( fls.214 ), foi proferida a sentença de fls.303 a 309 ) que julg|ando procedente o recurso interposto pelo expropriado e improcedente o recurso interposto pela expropriante, fix|ou| em € 1 751 171,00 o valor da indemnização a pagar pela expropriante ao expropriado em consequência da expropriação do referido prédio, acrescida da actualização decorrente do art.24º, nº1 do CExpropriações.

Inconformada, interpôs recurso EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. ( fls.311 ).

Em acórdão de fls.354 a 370 o Tribunal da Relação do Porto anul|ou| o julgamento da matéria de facto, e todos os actos subsequentes e dependentes, nomeadamente a sentença, para se proceder a nova avaliação, conforme referido em 8) da motivação, seguindo-se após os normais termos do processo.

Do acórdão, inconformado, vem o expropriado interpor       « recurso de revista excepcional |…| em conformidade com o disposto nos arts.721º, 721º-A, 722º-A e 723º do CPCivil, na redacção introduzida pelo Dec.lei nº303/2007, de 24 de Agosto ».

E chama concretamente à colação o nº1, al. c ) do art.721º-A que admite a revista excepcional quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Porque é de revista excepcional que se trata – assim o qualifica a fls.377 o recorrente – o Exmo Conselheiro-Relator, neste Supremo Tribunal, ordenou a remessa dos autos « nos termos do nº3 do art.721º-A do CPCivil |…| à formação ali referida ». A esta formação à qual compete – compete em exclusivo e compete apenas – a apreciação preliminar sumária dos pressupostos do nº1 do art.721º.

Ponto é que – e esse é ontologicamente o primeiro ponto de análise a ter em conta – nos estejamos a movimentar no caldo de cultura processual onde morre a revista normal e pode nascer a revista excepcional.

E não estamos.

Não estamos porque não estamos numa situação de dupla conforme, tal como a define o nº3 do art.721º do CPCivil – acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão de 1ª instância … - já que o acórdão da Relação anulou o julgamento de 1ª instância. E só perante uma dupla conforme que mate, e só ela mate, uma revista normal, é que pode nascer uma revista excepcional, entrada por qualquer das folhas da janela aberta pelo nº1 do art.721º-A.

Antes disso porque nem sequer estamos perante um qualquer recurso de revista ab origine normal – e sem ele, repete-se, sem o que é normal morto pela dupla conforme não pode nascer o excepcional.

O nº5 do art.66º do CExpropriações estabelece que sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida.

E o que este dispositivo estabelece para a sentença que é o culminar de todo o Capítulo II – Expropriação litigiosa - do Título IV – Processo de Expropriação – não pode deixar de valer para todas as decisões que procurem a fixação final da indemnização.

Não faria qualquer sentido fechar a porta à decisão final – a sentença – na Relação, e mantê-la aberta para todas as decisões intercalares, processuais ou mesmo substantivas, que caminhem o caminho a caminhar até essa mesma decisão final.

Seria a incongruência total.

No dizer do acórdão STJ de 18 de Março de 2004 ( Abílio Vasconcelos ), no proc. nº04B115, in www.dgsi.pt/jstj, já proferido no universo do CExpropriações99, « seria incongruente que no mesmo processo expropriativo fosse admissível um tecto recursório mais elevado que o da Relação, para as questões incidentais que nele se suscitem ». Para todas as decisões - acrescenta-se - a caminho da fixação final do quantum indemnizatório cujo julgamento se fica pela Relação

É isto: o nº5 do art.66º do CExpropriações99 limitou-se a deixar claro, no novo código, aquilo que a jurisprudência havia tido por necessário clarear no código velho – em matéria de expropriação tudo acaba na Relação.

Com uma pequena/grande nuance que, todavia, não afasta esta visão das coisas – acaba(m) o(s) recurso(s) na Relação … sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso.
E esses são os casos previstos nas várias alíneas do art.678º do CPCivil.
Eram os que nele estavam previstos na redacção anterior ao Dec.lei nº303/2007, de 24 de Agosto ( e que incluíam a contradição | do acórdão | com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito …, conforme dispunha o nº4 do art.678º, na redacção do Dec.lei nº38/2003, de 8 de Março ), são agora apenas os constantes nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo 678º, revogados que foram os nºs4, 5 e 6 pelo Dec.lei nº303/2007.
A contradição | do acórdão | com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito …não é agora, depois da entrada em vigor do Dec.lei nº303/2007, fundamento de “sempre admissibilidade” do recurso de revista – revista normal, já se vê – ficando reservada apenas para o extraordinário recurso para uniformização de jurisprudência a processar nos termos do disposto nos arts.763º a 770º do CPCivil. Recurso que prossegue e serve para atingir o desiderato pretendido coma Reforma de 2007 de acentuação das « funções de orientação e uniformização de jurisprudência » do Supremo Tribunal de Justiça.
                                                               ~~
Antes disso – dir-se-á também – o acórdão da Relação situa-se ainda no domínio da modificabilidade da decisão de facto - anul|ou| o julgamento da matéria de facto, e todos os actos subsequentes e dependentes, nomeadamente a sentença, para se proceder a nova avaliaçãotal como julgou permitir-lho o nº4 do art.712º do CPCivil.
Ora – nº6 do mesmo artigo – das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
                                                          ~~

Se não há recurso de revista normal, não há recurso excepcional de revista.
Haja ou não dupla conforme, não há no caso revista normal. E se não há revista normal, não há revista excepcional.
Repete-se, para que fique claro:
se não há revista normal, não há nunca revista excepcional porque onde não há, ab origine, a porta do normal não é concebível a abertura da janela da excepcionalidade porque a janela só se abre onde antes havia uma porta que se fechou;
se há ab origine revista normal, havê-la-á se as decisões das instâncias não são conformes;
não a haverá se houver dupla conforme – e então aí, sim, a lei abre uma clausula de salvaguarda na janela que pode abrir-se em qualquer das folhas das várias alíneas do art.721º-A, nº1.
E isto não atenta minimamente que seja – muito menos em matéria de expropriações em que a decisão arbitral é já uma primeira instância decisória, com a sentença e o acórdão da Relação a permitirem assim três graus de conhecimento – contra os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva que o recorrente pretende violados com a interpretação que vimos defendendo dos comandos legais aqui aplicáveis.
                                                      ~~~
                                      D   E   C   I   S   à  O

Não se admite a pretendida revista excepcional.
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
LISBOA,



Lisboa, 13 de Outubro de 2011


Pires da Rosa (Relator)

  Silva Salazar

  Sebastião Póvoas