ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1300/09.0TVLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/10/2011
SECÇÃO JSTJ000

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PAULO SÁ

DESCRITORES CONTRATO BILATERAL
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA
DESTRUIÇÃO
DETERIORAÇÃO
RESPONSABILIDADE
ÁREA TEMÁTICA DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 408.º, 424.º, 428.º E SS., 790.º, N.º1, 795.º, 796.º, 874.º, 879.º, 1154.º.
CÓDIGO COMERCIAL (C.COM.): - ARTIGO 463.º.

SUMÁRIO I - Num contrato comutativo, implicando a transferência do direito de propriedade sobre os respectivos bens, o perecimento ou deterioração da coisa que não permaneceu em poder do alienante e causado por facto não imputável a este, corre por conta do adquirente.

II - O risco suportado pelo adquirente de um bem não abrange, porém, a impossibilidade da instalação daquele – incluída no preço global acordado – em consequência da deterioração do mesmo.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Na 8.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa (2ª Secção), AA - N... – Comércio e Indústria Automóvel, S.A, intentou acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB - T... – Construções Técnicas e Saneamento, S.A, pedindo a condenação da Ré:

a) no pagamento à A, do valor de € 38.189,03,
b) no pagamento à A. de juros de mora, às sucessivas taxas legais para créditos de empresas comerciais, calculados sobre o capital de € 37.88,00, pelo período compreendido entre 24.4.2009 e o momento do integral cumprimento da prestação;
c) caso a R. pretenda por fim à impossibilidade de cumprimento da obrigação gratuita de instalação da máquina vendida a que a A. se vinculou, a custear a reparação da mesma máquina e a comunicar à A. a conclusão dessa mesma reparação.

Alega, para tanto, em síntese:

No exercício do sua actividade, a solicitação da Ré, acordou com esta fornecer e instalar, num posto de abastecimento de combustíveis explorado pela BB - T... , um pórtico de lavagem automática exterior de veículos ligeiros e comerciais, pelo preço de € 31.500,00, mais IVA.
O equipamento em questão foi fixado ao chão pelos técnicos da A, tendo ficado para uma ocasião posterior a instalação do mesmo, já não possível nesse mesmo dia.
A Ré, apesar de interpelada não procedeu ao pagamento de 50% do preço, aquando da entrega do equipamento, conforme acordado, nem pagou os restantes 50% devidos pela instalação da máquina.
Sendo que tal instalação não foi levada a cabo por a máquina ter sido vandalizada, em duas noites intercaladas – sendo a última em 24-4-2009 –, correndo, porém, o respectivo risco por conta da Ré.
Extinguindo-se assim a obrigação acessória – e sem contraprestação – da instalação da máquina, sem prejuízo de, na eventualidade de a R. pretender por cobro à impossibilidade de realização de tal prestação gratuita por parte da A, esta proceder à instalação, logo que realizada a reparação, que importa uma despesa de € 22.781,99, mais IVA.

Citada regularmente, contestou a Ré e deduziu reconvenção.

Na contestação, afirma não ter recebido a mercadoria encomendada à A, que esta descarregou na estação de serviço da Ré, sem lhe dar qualquer aviso prévio, e, como tal, sem a presença de qualquer representante desta, não sendo, por isso, assinado “o competente auto de recebimento”.
Apenas veio a tomar conhecimento da descarga da mercadoria através de um seu funcionário da obra que aí executava, que lhe referiu ter, a máquina, sido objecto de actos de vandalismo.
Tal estação de serviço não se encontrava em funcionamento, não havendo ninguém no local que pudesse tomar conhecimento da deslocação dos equipamentos em causa e comunicar esse facto à Ré.
E a entrega do equipamento teria de ser, nos termos acordados, com a instalação do mesmo a funcionar, que assim não aconteceu.
Posto o que nada é devido à A, a título de preço.
Na reconvenção, sustenta que, encontrando-se a A. em mora, é responsável pelos prejuízos ocasionados à Ré.
Tendo já concluído todos os trabalhos de construção civil do posto de combustíveis em causa, apenas aguarda, para fazer entrega total da obra à dona da mesma, a CC - E... Equipamentos Industriais e Obras Públicas, L.da que a A. lhe entregue a máquina pronta a funcionar, como se obrigou.
Sendo que a não entrega da obra concluída, no prazo, por parte da Ré, irá afectar profundamente a relação comercial que se estabelece entre aquela e a citada CC - E..., se não mesmo a sua ruptura, com avultados prejuízos, tanto para a Ré como para a CC - E..., os quais não é possível calcular, à data, com rigor.

Remata com a improcedência da acção – pela procedência da excepção peremptória de não cumprimento do contrato, ou, quando assim se não entenda, com base na impugnação dos factos da p.i. – e a sua absolvição do pedido, e com a procedência da reconvenção, condenando-se a A. a indemnizá-la, em quantia a liquidar em execução de sentença.

Houve réplica da A, sustentando a improcedência da arguida excepção peremptória de incumprimento e do pedido reconvencional.
Apresentada tréplica pela Ré, foi a mesma mandada desentranhar, por inadmissível.

Dispensada a audiência preliminar, prosseguiu o processo seus termos, com saneamento e condensação.

Realizada a audiência final, com observância do legal formalismo, veio a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, condenando-se a Ré a pagar à A. a quantia de € 37.800, acrescida de juros de mora, vencidos desde 22.04.2009 até integral pagamento, à taxa legal prevista para créditos de empresas comerciais.

Inconformada, recorreu a Ré, tendo a Relação vindo a julgar a apelação parcialmente procedente e a revogar, correspondentemente, a sentença recorrida, julgando a acção parcialmente procedente, com condenação da Ré a pagar, à A, a quantia de 18 mil e novecentos euros (€ 18.900,00), acrescida de juros de mora, vencidos desde 22.04.2009, até efectivo e integral pagamento, à taxa legal prevista para créditos de empresas comerciais, bem como a quantia resultante da subtracção a € 18.900.00 do valor (IVA incluído) da instalação do equipamento, a liquidar em incidente próprio, sobre esta última incidindo juros de mora, à mesma taxa, desde a liquidação, até efectivo e integral pagamento, confirmando, no mais, a sentença recorrida.

De tal acórdão veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.

A A. apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

1. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nestes autos considerou existir impossibilidade de cumprimento, pela Recorrente, da prestação de instalação da máquina vendida por aquela à Recorrida.
2. Tal impossibilidade não seria, nos termos definidos no aludido acórdão, imputável a qualquer das partes, pelo que o Tribunal aplicou o disposto no art.º 795º/1 do C.C.
3. Em consequência de tal aplicação, a decisão recorrida determinou a condenação da Recorrida no pagamento do equipamento que adquiriu à Recorrente, mas com dedução do valor correspondente à respectiva instalação, a obter em incidente de liquidação.
4. Os factos definitivamente fixados nos autos demonstram ter havido a prática de actos, por parte da Recorrida, que estão na origem dos danos no equipamento, que provocaram a impossibilidade de instalação do mesmo pela Recorrente.
5. Tais actos consubstanciam o incumprimento, por parte da Recorrida, de uma obrigação acessória essencial para o cumprimento do contrato celebrado com a Recorrente, o que constitui violação do art.º 762º/2 do CC.
6. Essa violação tem como consequência que a causa da impossibilidade de cumprimento da obrigação de instalação da máquina pela Recorrente é imputável à Recorrida.
7. O contrato concluído entre Recorrente e Recorrida relativo ao equipamento de lavagem dos autos é um contrato bilateral ou sinalagmático.
8. Nos termos do disposto no art.º 795º/2 do C.C., tomando-se a prestação impossível por causa imputável ao credor da mesma – a Recorrida, na obrigação de instalação da máquina a que a Recorrente estava adstrita – não fica tal credor desobrigado da sua contraprestação – o pagamento da aludida instalação.
9. O Tribunal da Relação aplicou, por conseguinte, desadequadamente, o art.º 795º/1 do C.C. ao caso dos autos, o que constituiu violação do disposto no n.º 2 do mesmo preceito.
10. A Recorrida é devedora à Recorrente do valor integral do equipamento que adquiriu, sem qualquer redução.
11. Nos termos expostos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e proferindo-se decisão que condene a Recorrida a pagar à Recorrente o montante de € 37.800,00, bem como de juros de mora vencidos desde 22.4.2009, até integral pagamento, à taxa para créditos de empresas comerciais.

Não houve contralegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A) De Facto

Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

A. A A. dedica-se à comercialização de máquinas de limpeza, acessórios para estes equipamentos e de jantes e pneus para automóveis.
B. Em Julho de 2008, a R. solicitou à A. que elaborasse uma estimativa de custos para o fornecimento e instalação, num posto de abastecimento de combustíveis explorado pela referida R, sito no Barreiro, de um pórtico de lavagem automática para a lavagem exterior de veículos ligeiros e comerciais, de marca DD-K..., com a referência 1.267.
C Em resposta a essa solicitação, a A. remeteu à R. a proposta n.º 0172/08/CO/mg, datada de 9.7.2008 (doc. 1), em que comunicava à R. as condições de venda do equipamento.
D. O preço de aquisição do equipamento foi fixado em € 31.500, valor a que acresceria o IVA.
E. Conforme acordado entre as partes, a instalação técnica da máquina incumbia aos funcionários da A, que levariam a cabo tal tarefa no posto de abastecimento explorado pela R.
F. No dia 22.4.2009, a máquina apareceu vandalizada, tendo sido cortados 8 cabos de comando e mangueiras de água, o que foi efectuado na noite de 21 para 22.4.2009.
G. A R. não pagou à A. qualquer quantia.
H. As partes acordaram como prazo de entrega o de 30 dias.
I. O conselho de administração da R. é composto pelos Senhores EE (Presidente) e FF (cargo a que renunciou em 08.01.2009), cujas assinaturas vinculam, separada e isoladamente, a sociedade.
J. A sociedade CC - E..., L.da é detida, na sua integralidade, pelas sociedades GG-M..., S.A., anteriormente GG-M..., L.da (50%), e HH-E..., L.da (50%), sendo seu gerente o acima referido Sr. Vítor Manuel Godinho, cuja assinatura isolada é suficiente para obrigar a sociedade.
L. A sociedade HH-E..., L.da é detida pelas sociedades GG-M..., S.A. (60%) e CC - E..., L.da (40%), exercendo actualmente a gerência o citado Sr. EE, cuja assinatura isolada vincula a sociedade.
M. GG-M..., S.A. tem como Presidente do Conselho de Administração o mesmo Sr. EE, que pode, sozinho, vincular a mencionada sociedade.
N. Em 14.7.2008, os responsáveis da R. reuniram-se com o vendedor da A. com quem haviam sido discutidas e acordadas as condições do negócio, Sr. II, tendo a R. comunicado ao mesmo a sua aceitação das condições gerais constantes da proposta referida.
O. Em 15.7.2008, a A. enviou à R, para formalização do acordado, a carta que constitui o doc. 2 junto com a p.i.
P. A administração da R. emendou o teor da carta referida no artigo anterior, rubricando as emendas, subscreveu o documento emendado e devolveu-o à A.
Q. Dessa carta decorre que o preço seria pago através da entrega à A. de 50% do respectivo valor com a entrega do equipamento na estação de serviço do Barreiro, sendo os remanescentes 50% do preço pagos quando a instalação técnica da máquina se mostrasse concluída, tarefa pela qual a A. não cobraria qualquer montante acrescido à R.
R. Foi concluído o acordo.
S. O Sr. Eng.º II, responsável de obra da sociedade R, solicitou à A. que procedesse à entrega e instalação da máquina com urgência.
T. Nos meses seguintes à conclusão do acordo, antes do versado na al. S, sempre que a A. procurou agendar um dia para a entrega da máquina no posto de abastecimento da R. sito no Barreiro, a R. adiou sucessivamente a data para essa diligência.
U. No dia 21.4.2009, o equipamento objecto do acordo foi colocado pela A. no posto de abastecimento explorado pela R, sito no Barreiro, segundo as instruções desta última.
V. No dia 20.4.2009, por conta do preço da máquina, foi emitida pela A. a factura n.º 391276, no valor de € 37.800.
X. Em 21.4.2009, o equipamento foi fixado ao chão pelos técnicos da A, através da colocação da máquina sobre os carris, previamente soldados.
Z. A instalação do equipamento, que envolve a ligação da parte eléctrica da máquina, foi deixada para ocasião posterior, dado não ser já possível levar a cabo nesse dia, face ao tempo que uma montagem deste tipo requer.
AA. Após o facto descrito na al. F, a R. referiu ao técnico da A. incumbido de proceder à instalação da máquina que iria reforçar a segurança do local, dado que a guarda do posto era assegurada durante apenas 22 horas por dia.
AB. No dia 24.4.2009, foram cortados e furtados todos os cabos eléctricos da máquina.
AC. Em resultado do que se tomou impossível a instalação da máquina, que envolve a respectiva ligação à corrente eléctrica.
AD. A reparação da máquina, no sentido de a voltar a colocar em situação de ser instalada de forma completa, importará uma despesa de € 22.781,99 + IVA, como resulta do orçamento n.º 370467/3.9, de 30.4.2009.
AE. Nos termos do acordo celebrado, o remanescente de 50% do preço só seria devido depois de o equipamento estar a funcionar.
AF. A instalação técnica da máquina estava incluída no preço fixado.
AG. No dia 17 de Abril de 2009, o Sr. Eng. II contactou a A, tendo ficado acordado que a A. procederia à colocação e montagem da máquina.
AH. A máquina foi descarregada na estação de serviço.
AI. A R. não declarou expressamente receber a mercadoria nem assinou o auto de recebimento.
AJ. A estação de serviço não se encontrou em funcionamento até ao final de 2009.
AL. A R. encontrava-se a realizar obras de construção civil no posto de abastecimento de combustíveis para a sociedade CC - E... – Equipamentos Industriais e Obras Públicas, L.da, que se apresenta proprietária do posto.
AM. A R. obrigou-se perante CC - E... à instalação no referido posto de uma máquina de lavar automóveis com as características da que encomendou à A.
AN. O prazo fixado para a conclusão dos trabalhos pela R. já se mostra ultrapassado.
AO. A R. realizou todos os trabalhos (com excepção de um telheiro que exige prévia instalação da máquina) estando em falta a entrega da máquina pronta a funcionar.
AP. O posto de combustíveis localiza-se na cidade do Barreiro.
AQ. A CC - E... imputou "responsabilidades" à R. pelos "custos inerentes à operação de remoção da máquina bem como pelos prejuízos causados" pela R.”

B) De Direito

1. São as conclusões que delimitam o objecto do recurso – art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 4, do CPC.

A presente revista visa discutir apenas se há direito da A. de receber a totalidade do preço contratual.

2. A A. que se dedica à comercialização de máquinas de limpeza, de acessórios para estes equipamentos, jantes e pneus para automóveis, acordou com a R. o fornecimento e instalação, num posto de abastecimento de combustíveis, explorado por esta, de um pórtico para a lavagem automática exterior de veículos ligeiros e comerciais, nos termos das condições da proposta avançada pela A. e com as emendas nela apostas pela R.

Mediante o acordado, a instalação técnica da máquina no posto de abastecimento incumbia aos funcionários da A, tarefa pela qual a A. não cobraria qualquer montante acrescido ao valor do preço do equipamento: a instalação técnica da máquina estava incluída no preço fixado.

Em contrapartida da única prestação a cargo da R. pagamento do preço , a A. obrigou-se a fornecer o equipamento, a transportá-lo para as instalações indicadas pela R. e a proceder à respectiva instalação.

Como é reconhecido pelas instâncias e não há fundamento para divergir deste entendimento estamos perante um “contrato que agrega elementos do contrato de compra e venda comercial (art.º 463.º do Código Comercial) e do contrato de prestação de serviços (art.º 1154.º do CC). Por um lado, em face do disposto nos art.ºs 874.º e 879.º do CC, está em causa um contrato oneroso, bilateral (art.ºs 428.º e ss), com prestações recíprocas (art.º 424.º do CC) e dotado de eficácia real ou translativa (CC Anotado, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, vol. II, 3.ª edição, p. 167); por outro lado, considerando o regime inserto no art.º 1154.º do CC, está em causa a obrigação de proporcionar certo resultado do trabalho manual ou intelectual, com ou sem retribuição.

Donde, as partes celebraram um contrato misto de compra e venda e de prestação de serviço, de natureza comercial (art.ºs 2.º, 3.º, 13.º e 463.º do Código Comercial, bem como 1154.º do CC). Dele decorre a transmissão do direito de propriedade sobre o equipamento para a R, a obrigação a cargo da A de entregar o equipamento bem como de proceder à instalação do mesmo no posto de combustível que a R explora, recaindo sobre esta a obrigação de pagamento do preço.
Tal relação jurídica regula-se mediante a aplicação a cada um dos elementos integrantes da espécie da disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato típico.

Dando parcial cumprimento à obrigação a que se vinculara, a A. colocou o equipamento versado no contrato no posto de abastecimento explorado pela R, segundo as instruções desta. Nesse mesmo dia, o equipamento foi fixado ao chão pelos técnicos da A, através da colocação da máquina sobre os carris, previamente soldados.

A instalação, que envolve a ligação da parte eléctrica da máquina, foi deixada para ocasião posterior, dado não ser possível realizá-la, de imediato.

No dia seguinte, a máquina apareceu vandalizada, tendo sido cortados durante a noite 8 cabos de comando e mangueiras de água. Após esta ocorrência, a R. referiu, ao técnico da A. incumbido de proceder à instalação da máquina, que iria reforçar a segurança do local, dado que a guarda do posto era assegurada apenas durante 22 horas por dia.

Apesar disto, dois dias depois, foram cortados e furtados todos os cabos eléctricos da máquina, o que tornou impossível a sua instalação.

Atenta a eficácia real do contrato celebrado entre as partes (art.º 408.º do CC), mediante a celebração dele, a R. adquiriu o direito de propriedade sobre o equipamento.

A A. cumpriu a obrigação de entregar o equipamento (art.º 879.º, al. b), do CC), colocando-o no posto de abastecimento explorado pela R, segundo instruções desta, não decorrendo do regime legal aplicável ao contrato celebrado e atentos os termos contratuais a que as partes se vincularam, que a falta de termo de recebimento da máquina implicasse qualquer desoneração da R.

No entanto, a A. não cumpriu a obrigação de instalar a máquina no posto, como lhe competia.

O que não pôde fazer, dados os actos de vandalismo referidos.

A situação descrita configura uma impossibilidade de realização da prestação que acarreta a extinção da obrigação, dado tal impossibilidade não ser imputável à A, pois não procedeu de culpa sua art.º 790.º, n.º 1, do CC. Logo, a A. ficou desobrigada de proceder à instalação do equipamento.

A questão é a de saber se a R. tem o direito a obter o integral pagamento do preço.

Dispõe o artigo 795.º do CC:

1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação.”

Importa, ainda, considerar o disposto no art.º 796.º do CC, que regula o risco do perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante. Estatui o n.º 1 que, nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente. O que não se verifica caso a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu favor (art.º 796.º, n.º 2, do CC) ou quando o contrato estiver dependente de condição resolutiva (art° 796.º, n.º 3, do CC).

No caso em apreço, as instâncias divergiram quanto ao entendimento da extensão do direito da A. ao recebimento da contraprestação.

Para a 1.ª instância, corria por conta da R. o risco decorrente da deterioração da máquina de que era proprietária e estava obrigada a realizar a prestação contratual que assumiu junto da A, pelo que estava adstrita ao pagamento do preço da máquina (art.º 879.º, al. c), do CC).

“Nos termos do contrato celebrado, o preço correspectivo ao fornecimento e instalação do equipamento seria pago da seguinte forma: 50% do respectivo valor com a entrega do equipamento na estação de serviço do Barreiro, sendo os remanescentes 50% do preço pagos quando a instalação técnica da máquina se mostrasse concluída, tarefa pela qual a A. não cobraria qualquer montante acrescido à R (al. Q dos factos assentes).

Atento o enquadramento legal relatado, a R encontra-se em falta quanto à obrigação de pagamento de € 37.800 (incluindo IVA) desde a data em que se extinguiu, por impossibilidade, a obrigação de instalação do equipamento a cargo da A, a 24.04.2009. Sendo certo que nada pagou.

Já a Relação defende que o risco suportado pelo adquirente de um bem não abrange a impossibilidade da instalação, em consequência da deterioração do mesmo.

Diz-se no acórdão recorrido:

“Abrangendo o “preço de aquisição do equipamento”, e afinal, a “instalação técnica da máquina” – vd. alínea AF da matéria de facto – na circunstância da deterioração do equipamento por causa não imputável ao alienante, não ficando o adquirente desvinculado da obrigação de pagamento da parte do preço correspondente ao equipamento, por suportar o risco respectivo, já lhe não é exigível que pague a parte do preço correspondente à instalação daquele, que assim obstaculizada ficou.”

Apoia-se o acórdão na lição de VAZ SERRA (“Impossibilidade superveniente”, n.º 10, BMJ n.º 46, citado por PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4.ª ed. Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 50) que a propósito do artigo 796.º, n.º 1, afirma que “ao adquirente pertence o aumento do valor da coisa, posterior à alienação, sem que deva pagar, por isso, um preço mais alto, devendo, em troca, suportar o risco da perda ou deterioração; o alienante, que transferiu a propriedade cumpriu a sua principal obrigação; o alienante, que conservou a coisa em seu poder, depois de transferir a propriedade dela, fica sendo mero depositário, não recebe, em regra, qualquer benefício com essa conservação e não seria, portanto, justificado que suportasse o risco”.

No mesmo sentido, o acórdão cita, igualmente, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, vol. II, 4.º ed. Almedina, Coimbra, p. 125):

“Este regime explica-se em virtude de, após a alienação da propriedade, e mesmo que não ocorra logo a entrega da coisa, a posição do devedor em relação à coisa se alterar, já que ele passa a funcionar como mero depositário da mesma, não retirando qualquer benefício pela sua guarda, pelo que não seria correcto que suportasse o risco pela sua perda ou deterioração. Efectivamente, o risco pela perda ou deterioração da coisa é legalmente associado ao proveito que dela se retira, o qual compete, em princípio, ao proprietário, que após a transmissão passa a poder exigir ao devedor a sua entrega.

Naturalmente, o acórdão recorrido acaba por concluir que o risco pela perda ou deterioração da coisa não tem nada a ver com a impossibilidade de instalação de equipamento vendido, decorrente da deterioração do mesmo, ainda que por causa não imputável ao alienante.

Se daquele modo se justifica que o adquirente suporte o risco da perda ou deterioração da coisa alienada, já nenhuma razão se lobriga para que aquele continue adstrito ao pagamento do custo da assim impossibilitada instalação, incluído no preço do equipamento.

Regendo pois, e nessa parte, o disposto no art.º 795º, n.º 1, do Código Civil.

Não podemos estar mais de acordo, pois, o facto de o preço da instalação estar abrangido no preço do equipamento não implica optar-se por uma solução divergente daquela que resultaria de ter sido fixado um preço autónomo para a instalação.

Do que decorre estar a Ré obrigada ao pagamento dos 50% iniciais (IVA incluído) mais os restantes 50%, deduzidos do valor da instalação do equipamento por si adquirido à A, considerando-se sempre o IVA respectivo.

Não merece controvérsia a afirmação de que o valor da instalação terá que ser apurado em liquidação de sentença, por não fornecerem os autos os necessários elementos quantificadores.

Cabe dizer que a questão da culpa da adquirente, suscitada apenas neste recurso, não pode ser apreciada, porquanto o processo não contém elementos de facto bastantes.

Na verdade, a factualidade constante do ponto AA da matéria de facto não é suficiente em termos temporais, para se poder imputar à Ré a culpa pela principal deterioração da máquina.

A não ser assim, isto é, se resultasse dos autos que os danos de 24.04. ocorreram depois da R. ter assumido a especial obrigação de vigiar as instalações 24 horas por dia, poderia concluir-se pela culpa da adquirente e fazer funcionar o n.º 2 do artigo 795.º do CC.

De qualquer modo, a alteração não implicaria uma diferença significativa.

Como a obrigação de instalação não implicava uma contraprestação autónoma, não haveria nenhuma quantia de que o credor ficasse desobrigado, salvo se o devedor tivesse benefício com a exoneração, caso em que o respectivo valor deveria ser descontado.

Neste caso, teria que se considerar que o preço do equipamento incluía o de instalação e, por via da dedução do benefício do devedor, teria que ser retirado do montante do preço, o valor do custo, para o vendedor, da instalação a que não procedeu.

A diferença poderia residir apenas no facto de o valor da instalação no primeiro caso poder incluir uma quantia a título de lucro e a repercussão em termos de IVA.

III.– Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto, confirmando-se, por isso o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.
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Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713.º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, como segue:

I – Num contrato comutativo, implicando a transferência do direito de propriedade sobre os respectivos bens, o perecimento ou deterioração da coisa que não permaneceu em poder do alienante e causado por facto não imputável a este, corre por conta do adquirente. II O risco suportado pelo adquirente de um bem não abrange, porém, a impossibilidade da instalação daquele – incluída no preço global acordado – em consequência da deterioração do mesmo.
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Lisboa,10-11-2011.

Paulo Sá (Relator)
Garcia Calejo
Helder Roque