ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2393/06.7TAGMR.G2.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 3.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO REJEITADO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SANTOS CABRAL

DESCRITORES ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ANALOGIA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA

SUMÁRIO I - É legítima a afirmação de que, face ao regime de recursos inicialmente previsto no CPP, bem como aos propósitos do legislador na reforma que lhe sucedeu, constituía uma afronta ao mesmo regime a admissibilidade de recurso de uma decisão do tribunal singular para o STJ – cf. arts. 13.º e ss., 400.º e 432.º do CPP. É neste contexto que aparece a alteração introduzida pela Lei 48/2007 que, em relação à matéria do sistema de recursos, enuncia, em termos de proposta, que é objectivo do legislador “restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.°, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas.”

II - A questão fundamental da análise da conjugação das als. d) e e) do art. 400.º com a al. c) do art. 432.º, ambos do CPP, reconduz-se à aplicação de princípios fundamentais, visando a consagração de uma interpretação permitida pela lei e arredando a possibilidade de uma analogia proibida por situada à margem do princípio da legalidade.

III - Decisivo será assim, por um lado, que a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; e, por outro, que ela seja funcionalmente justificada, quer dizer, adequada à função que o conceito (e, em definitivo, a regulamentação) assume no sistema.

IV - Na verdade, o intérprete move-se no âmbito das possíveis significações linguísticas do texto legal e tem de respeitar o sistema da lei, não lhe quebrando a harmonia, não lhe alterando ou rompendo a sua coerência interna. Só até onde chegue a tolerância do texto, e a elasticidade do sistema, é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e mais apropriado às exigências da vida; só dentre as várias acepções que a letra da lei comporte, e o sistema não exclua, é que o juiz pode escolher, valorando-as pelos critérios da recta justiça e da utilidade prática. Sendo certo que o mesmo interprete está ligado aos juízos de valor, bem como aos sentidos e finalidades da norma inscritos no pensamento do legislador histórico, igualmente é exacto que o mesmo se deve comprometer com a análise das novas exigências e realidades, entretanto surgidas, as quais não estiveram presentes no espírito do mesmo legislador. Tal tarefa tem único limite que se consubstancia na impossibilidade de ultrapassar o teor literal da regulamentação e o seu campo de significações adequadas ao entendimento comum e normal das palavras constantes da norma a interpretar.

V - Tendo presente tais pressupostos na tarefa interpretativa a elaborar, a primeira conclusão que se pode extrair é a de que a redacção atribuída à referida al. e) não está de acordo com princípios que desde sempre regeram o sistema de recursos pois que permite, em última análise, que da decisão de juiz singular alterada pelo Tribunal da Relação, e impondo uma absolvição, se possa recorrer para o STJ. Tal admissibilidade viola frontalmente aqueles princípios.

VI - A interpretação literal consagra, assim, um duplo grau de recurso em termos de matéria de direito em relação às decisões do juiz singular alteradas pelo Tribunal da Relação nos sobreditos termos, conferindo-lhes um superior coeficiente garantistico o que é algo totalmente despropositado na lógica do sistema e reflecte a incorrecção da mesma interpretação.

VII - Perfilhamos, assim, o entendimento de que é incontornável a constatação de que o sentido literal das referidas als. d) e) não coincide com a vontade da lei, tal como se deduz da interpretação lógica: há desconformidade entre a letra e o pensamento da lei. Analisando a disposição do ponto de vista lógico, vê-se que resulta outro sentido que não é aquele que das palavras transparece imediatamente.

VIII - No caso concreto impõe-se uma leitura restritiva das mencionadas alíneas, reconduzindo-as não só ao espírito do legislador como à sua interpenetração com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP. No cotejo e conjugação das duas normas em causa, a contradição existente deve ser resolvida dentro daquele que desde sempre tem sido o propósito invocado pelo legislador de reservar a intervenção do STJ ás decisões que o mereçam pela sua relevância e necessariamente decisões emitidas pelo tribunal colectivo e de júri.

IX - Assim, conclui-se que o disposto no art. 400.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP deve ser interpretado no sentido da recorribilidade para o STJ das decisões absolutórias está dependente do facto de as mesmas se reportarem a crimes julgados pelo tribunal colectivo, ou de júri, ou seja, se inscrevam no catálogo da al. c) do n.º 1 do art. 432.º do mesmo diploma, isto é, serem punidas com pena superior a 5 anos de prisão.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL