ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
290/05.2TBRMR.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 6ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR AZEVEDO RAMOS

DESCRITORES CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DA COISA
DIREITO PESSOAL DE GOZO
PROMITENTE-COMPRADOR
OBRAS
BOA FÉ
DIREITO DE RETENÇÃO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE POR FALTA DE FORMA

SUMÁRIO
I - O direito de retenção, previsto no art. 754.º do CC, depende de três requisitos: 1.º) a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem; 2.º) que o detentor se apresente, por sua vez, credor da pessoa com direito à entrega; 3.º) que entre os dois créditos exista um nexo resultante de despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por ela causados.
II - Não há direito de retenção, segundo o art. 756.º do CC: a) a favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem, entregar; b) a favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito.
III - Não constituindo a entrega da coisa prometida vender um efeito típico do contrato-promessa de compra e venda, mas tão só do contrato definitivo de compra e venda (art. 879.º, al. a), do CC), a traditio da coisa prometida vender tem sido considerada como um contrato atípico ou inominado, diferenciado do contrato-promessa, constitutivo de um direito pessoal de gozo, traduzido na antecipação de um dos efeitos do contrato definitivo, no pressuposto da realização desse contrato.
IV - No caso concreto, se a entrega do prédio pelos réus aos autores foi feita de forma lícita, pois teve lugar voluntariamente, na sequência da celebração de um contrato-promessa verbal de compra e venda do mesmo prédio, não pode haver dúvida quanto à boa fé dos recorridos (promitentes-compradores), pois as obras para acabamento da moradia foram realizadas, após a tradição da coisa, no pressuposto de que o contrato de compra e venda seria cumprido e foi com o acordo da recorrente e seu ex-marido que os autores foram ocupar a casa.
V - A declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda, por falta de forma escrita (arts. 410.º, n.º 2, e 220.º do CC), não afecta a licitude da entrega do prédio aos autores, nem a sua boa fé na realização das obras de acabamento da moradia. Assiste, pois, aos autores o direito de retenção pelo crédito referente às indicadas benfeitorias, nos termos do art. 754.º do CC.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 31-3-05, AA e mulher BB, residentes em Rio Maior, intentaram a presente acção ordinária contra os réus CC e o ex-marido DD, ela residente em ........, e ele actualmente residente em Inglaterra, pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de € 41.881,89, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas e demais despesas pagas, acrescida de juros de mora vencidos desde meados de Agosto de 2004 até à data de 28-3-05 à taxa legal de 4% ao ano no montante de € 1.029,90, no valor total de € 42.911,80, e juros vincendos à mesma taxa desde a referida data até total e integral pagamento.

Alegam para tanto, e em síntese, que em Maio - Junho de 2001, os RR. estavam construindo uma moradia de rés-do-chão, num lote de terreno que lhes pertencia, moradia que se encontrava apenas rebocada.
Como atravessassem graves dificuldades financeiras, com prestações em atraso, foi acordado verbalmente entre AA. e RR., cujas mulheres são irmãs, aqueles venderem a estes o lote de terreno com a moradia em construção, no estado em que se encontrava, por Esc. 11.500.000$00.
Ficou logo estabelecido que até à realização da escritura, os AA. assumiriam o pagamento das prestações em dívida, que à data era de Esc. 8.750.000$00, e que na data da celebração da escritura entregariam aos RR. a quantia de Esc. 2.500.00$00, assim perfazendo a totalidade do preço.
Todavia, não foi possível celebrar escritura pública de aquisição por ausência de licença de utilização e impossibilidade de aquisição da mesma, antes de a vivenda estar concluída, razão por que AA. e RR. acordaram que a escritura de compra e venda apenas seria celebrada após a conclusão das obras.
Os autores iniciaram as obras para acabamento da vivenda, para onde foram residir alguns meses após, mesmo antes das obras estarem concluídas.
E efectuaram o pagamento das prestações em dívida à CCAM, num total de € 10.631,89, procedendo ao acabamento da casa, no que despenderam a quantia de € 30.000,00, em material e mão-de-obra, nos termos em que discriminaram, o que tudo fizeram de boa fé, na convicção de que, após terminarem as obras, os RR. cumpririam a promessa verbal de compra e venda, o que não sucedeu, pois, obtida a licença de utilização, os RR. comunicaram aos AA. que se tinham arrependido da venda da casa.

Contestaram os RR. pugnando pela improcedência da acção e deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos AA.:
- no pagamento da quantia de € 38.620,00, acrescida de todas as importâncias que se venceram relativas ao imóvel até à sua entrega;
- na restituição do mesmo prédio, livre e devoluto;
- no pagamento de uma indemnização cujo montante deverá ser fixado em execução de sentença, pelos danos que perduram resultantes da privação do prédio;
- no caso de serem condenados a pagar aos AA. a quantia por estes peticionada ou parte dela, pediram ainda que fosse aquele crédito extinto por compensação com os seus créditos sobre os autores..

Para tanto, alegaram os réus que os AA. não procederam ao pagamento do empréstimo desde Julho de 2004, nem nunca procederam ao pagamento do IMI, nem do seguro do imóvel relativo a 2005, conforme havia sido acordado.
Acrescentam ainda que em Maio de 2001 a casa se encontrava praticamente concluída e que têm insistido pela celebração da escritura, tendo estabelecido vários prazos que os AA. não cumpriram, declarando-se dispostos a pagar as despesas que os AA. comprovadamente hajam feito.
Invocam que o valor mínimo de renda para a vivenda é de € 800,00 mensais, considerando-se credores da quantia de € 36.000,00 pela ocupação da casa desde Agosto de 2001, e da quantia de € 2.620,00, a título de IMI e seguro do imóvel do ano de 2005.

Replicaram os AA., pugnando pela absolvição do pedido reconvencional contra eles deduzido e pedindo que seja declarado que têm direito de retenção sobre o imóvel até que lhes sejam pagas as quantias peticionadas na petição inicial, isto com fundamento no artigo 754.º CC.
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Foi proferido despacho saneador, teve lugar a admissão do pedido reconvencional e procedeu-se à selecção da matéria de facto relevante.
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Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência:

1 - Condenou os RR. a pagar aos AA. a quantia total de € 23.137,96 (vinte e três mil cento e trinta e sete euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação até total e integral pagamento;

2 - Declarou que os AA. reconvindos têm direito de retenção sobre o imóvel até que lhes seja paga a quantia de € 12.365,74 (doze mil trezentos e sessenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), referente ao valor das benfeitorias úteis que realizaram no prédio, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, que à taxa legal de 4% ao ano se vencerem sobre a aludida quantia, contados desde a data da citação até total e integral pagamento;

3 - Condenou os AA. reconvindos a restituir aos RR. reconvintes o imóvel, mas só depois de os autores deixarem de poder exercer o direito de retenção supra referido, devendo então nessa altura o imóvel ser restituído livre e devoluto, com excepção das benfeitorias úteis e voluptuárias que permanecerão no imóvel e que são as referidas nos factos provados n.ºs 35 a 48, 50, 51, 52, 54, 55, 56, 58 a 60 e 62 da sentença;

4- No mais, julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo dos restantes pedidos, respectivamente, os RR. e os AA. reconvindos.

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Apelaram os réus, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, através do seu acórdão de 4-11-2010, negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.

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Continuando inconformada, a ré pede revista, onde resumidamente conclui :

1 – O contrato promessa de compra e venda celebrado é nulo, por falta de forma .
2 – Quando o tribunal conhece oficiosamente da nulidade do negócio, no pressuposto da sua validade, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289, nº1, do C.C.
3 – O tribunal decidiu que após a celebração do mencionado contrato promessa, em finais de Agosto de 201, as autores foram viver para a moradia do prédio prometido vender, tendo então aí realizado obras, uma vez que a moradia não se encontrava acabada.
4 – Existe, nesta matéria, notória oposição entre os fundamentos considerados provados e a decisão.
5 – O direito de retenção não se verifica, porquanto o imóvel que os autores ainda ocupam foi objecto de contrato promessa de compra e venda verbal e, consequentemente, nulo.
6 – Efectivamente, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442 do Cód. Civil (art. 755, nº1, al. f) do C.C.).
7 – O que releva essencialmente nesta matéria é que a coisa entregue deva constituir o objecto mediato do contrato prometido, ou seja que tenha conexão com o contrato promessa respectivo.
8 - Mesmo que assim se não entendesse, e pretendendo-se constituir a favor dos autores um direito real de garantia de modo a acautelar um eventual direito de crédito, tal direito de crédito já se encontra acautelado por outro direito real de garantia, consistente no arresto objecto da providência cautelar apensa.
9 – O tribunal da Relação podia e devia conhecer desta questão que, contrariamente ao invocado, não se trata de uma questão nova, na medida em que estão apensos os autos de arresto e não tendo o tribunal de primeira instância invocado esse facto, o tribunal da Relação devia pronunciar-se em primeira instância.
10 – Também é notória e manifesta a contradição entre os fundamentos e a decisão, bem como a errónea aplicação das normas jurídicas : por um lado, o contrato promessa é declarado nulo e de nenhum efeito; por outro lado, é considerado suporte e fundamento para atribuir aos autores um direito real de garantia (direito de retenção).
11– No que respeita à indemnização devida à recorrente, pela fruição do imóvel, é de aplicar, por analogia, a jurisprudência que se encontra firmada para o caso da nulidade do contrato de arrendamento, ou seja, a obrigação do locatário de restituir abrange, para além da entrega da coisa, o pagamento do valor correspondente à sua utilização, equivalente ao valor da retribuição acordada pela respectiva cedência.
12 – Na declaração da nulidade do contrato promessa de compra e venda, sob pena de enriquecimento à custa alheia, a parte que entrou na posse do imóvel tem de pagar o valor correspondente a tal ocupação.
13 – A nulidade decretada obriga, por isso, os recorridos a pagar à recorrente o valor correspondente à indemnização pelo período de tempo que estiveram na posse do imóvel.
14 – A aplicação do instituto do enriquecimento sem causa foi invocada em sede de apelação e, tratando-se de um erro de julgamento, a simples invocação do instituto é suficiente para aplicação, ao caso concreto, das normas jurídicas correspondentes.
15 – Termina com a alegação de que, face ao exposto, a sentença deverá ser revogada e, em consequência, os autores deverão ser condenados a pagar aos réus uma indemnização correspondente ao tempo de ocupação do imóvel, sendo assim julgado procedente o pedido reconvencional .
16- Consideram violados os arts 220, 289, 473 e segs, 755 e segs, 847 e seguintes, e 1289 do C.C. e 668, nº1, al. c) do C.P.C.

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Os autores contra-alegaram em defesa do julgado.

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Corridos os vistos, cumpre decidir .

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A Relação considerou provados os factos seguintes:

1. Encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de Rio Maior, sob o n.º 000000000, da freguesia de Alcobertas, concelho de Rio Maior, um prédio urbano, sito em........... ou Figueira, composto por lote de terreno para construção com 3.560 m2 que confronta do norte e poente com EE, FF, GG e herdeiros de HH, sul com II e nascente com estrada (A).

2. Pela Ap. 0000000 passou a constar da descrição daquele prédio "em construção uma moradia de rés-do-chão, alpendres e sótão amplo" (B).

3. Pela Ap. 0000000 passou a constar da descrição do referido prédio a seguinte descrição "moradia de rés do chão, alpendres, sótão amplo e logradouro - ac 168,48 m2; ad 3.391,52 - vv 15.000 - artigo: - omisso (C).

4. Sobre o referido prédio foi inscrita a aquisição a favor de CC e DD por compra, inscrição à qual corresponde a cota G-1 e a Ap. 0000000 (D).

5. Mais foi inscrita - cota C-1 Ap. 000000000 - hipoteca voluntária a favor de Caixa Central - Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL para garantia do montante máximo de capital e acessórios de 11.560.850$00 (E).

6. Foi ainda inscrita - cota G-2 Ap. 0000000000 - a aquisição, por compra, provisória por natureza nos termos da al. g) do n.° 1, a favor de AA e BB, cuja caducidade já foi verificada e anotada (F).

7. E as inscrições correspondentes à cota C-2 Ap. 0000000, provisória por natureza nos termos da al. i) do n.° 1 e b) do n.° 2, correspondente a hipoteca voluntária a favor do Crédito Predial Português para garantia do montante máximo de capital e acessórios de 15.087.160$00 e à cota G-3 Ap. 0000000000 provisória por natureza nos termos da al. i) do n.° 1 e b) do n.° 2, correspondente a hipoteca voluntária a favor do Crédito Predial Português para garantia do montante máximo de capital e acessórios de 4.114.680$00, ambas cuja caducidade já foi verificada e anotada (G).

8. A autora mulher é filha de EE e de JJ (H).

9. A ré mulher é filha de EE e de JJ (I).

10. Os réus contraíram casamento um com o outro em 17/02/1990, o qual veio a ser dissolvido por sentença de 15/03/2002 (J).

11. A ré mulher contraiu novo matrimónio com KK em 30/11/2002 (L).

12. Em meados de 2001 réus e autores acordaram verbalmente que os primeiros vendiam aos segundos o prédio urbano descrito em 1 composto pelo lote de terreno e pela moradia nele em construção, no estado em que esta se encontrava (M).

13. O preço acordado foi de 11.250.000$00 (N).

14. Tendo sido acordado que os autores assumiriam, desde logo, o pagamento do empréstimo contraído pelos réus na Caixa de Crédito Agrícola, referente ao imóvel (O).

15. Em Julho de 2001, os autores entregaram aos réus, para pagamento de prestações em atraso do empréstimo junto da Caixa de Crédito Agrícola a quantia de 220.000$00 (P).

16. Entre Julho de 2001 e Novembro de 2002, os autores entregaram aos réus a importância de 1.020.000$00/ € 5.087,74 , para pagamento das prestações do empréstimo bancário (Q).

17. Após Novembro de 2002 e até Julho de 2004, os autores procederam ao depósito na conta dos réus n.º 0000000000 na Caixa de Crédito Agrícola, agência de Rio Maior, de € 5.544,15 para pagamento de prestações do empréstimo contraído pelos réus (R).

18. A escritura pública de compra e venda seria realizada logo que fosse obtida a documentação relativa ao imóvel e necessária à sua realização (T).

19. Os autores encontram-se a viver na moradia construída no prédio referido em 1 (U).

20. Após Julho de 2004, os autores não procederam ao pagamento de qualquer quantia relativa ao empréstimo contraído pelos réus na Caixa de Crédito Agrícola (V).

21. Os autores não procederam ao pagamento do seguro da casa referente ao ano de 2005 (X).

22. Em Maio de 2001, o montante do empréstimo referido em 14, em dívida, era de Esc. 8.500.000$00 (1.º).

23. Autores e réus acordaram que a importância de 2.500.000$00 seria entregue aos segundos na data da realização da escritura (2.º).

24. Data em que os autores pagariam à instituição bancária o crédito hipotecário contraído pelos réus (3.º).

25. Autores e réus acordaram que até à realização da escritura de compra e venda acordada (referida em 12), os autores assumiriam o pagamento das despesas inerentes ao imóvel como seguros e contribuição autárquica (4.º).

26. Os autores nunca procederam ao pagamento da contribuição autárquica do imóvel (5.º).

27. Inicialmente, os autores entregavam aos réus os montantes das prestações do empréstimo para que estes os depositassem na respectiva conta (6.º).

28. Posteriormente e conforme referido em 17, os autores passaram a proceder ao depósito das quantias na conta dos réus (7.º).

29. Em finais de Agosto de 2001, os autores foram viver para a moradia do prédio referido em 1 (11.º).

30. Em Maio/Junho de 2001, a moradia encontrava-se telhada e rebocada e sem portas ou janelas (13.º e 14.º).

31. Em Maio de 2001, faltava colocar e executar na moradia as portas exteriores e interiores, proceder à montagem dos estores, forrar as escadas de aceso ao sótão, assentar a louça da casa de banho (com excepção da banheira), assentar chão da varanda, capear em mármore a varanda e proceder ao respectivo assentamento, proceder à pintura exterior e interior adquirindo a respectiva tinta (63.º).

32. Nessa data, as paredes e o pavimento da cozinha já se encontravam forrados a azulejo (64.º).

33. Os autores iniciaram as obras para acabamento da moradia, após o acordo referido em 12 (15.º).

34. O pavimento da despensa já se encontrava colocado (65.º).

35. Os autores procederam, nas obras que realizaram, à abertura de uma vala com quatro metros e colocação de manilhas, compra e colocação de interruptores, colocação de mármores nas escadas de acesso ao sótão e à compra e colocação de torneiras (com excepção das da cozinha) (S).

36. Gastaram uma quantidade não apurada de sacos de cimento e de metros cúbicos de areia na construção da vala (16.º).

37. Procederam ao acabamento de chaminés com marmorite e colocação de caleira à volta (17.º).

38. Procederam à electrificação da casa, com excepção da tubagem e dos fios (18.º).

39. Colocaram uma quantidade não apurada de metros de cabo monofásico (19.º).

40. Colocaram 130 metros de polegada PVC (20.º).

41. Colocaram caixa sanitária (21.º).

42. Procederam à ligação da tubagem da casa à fossa com tubagem PVC 110 (2 varas) (22.º).

43. Colocaram pavimento nas varandas (23.º).

44. Procederam à colocação do capeamento das varandas, com mármore à volta (24.º).

45. Realizaram todos os trabalhos de carpintaria (portas e roupeiros) com excepção dos aros (25.º).

46. Colocaram as gavetas dos estores e os estores (26.º).

47. Colocaram todas as dobradiças, puxadores, batentes e fechaduras (27.º).

48. Colocaram todos os alumínios da casa (28.º).

49. Colocaram o lavatório e espelho da casa de banho (29.º).

50. Forraram o patamar da escada do sótão a azulejos e mármore (30.º).
51. Forraram a cozinha a azulejo, nas paredes e no pavimento, sendo que para o efeito substituíram o azulejo que já havia sido colocado pelos réus nas paredes e no pavimento (31.º).

52. Colocaram um tecto falso em PVC, na cozinha (32.º).

53. Na cozinha colocaram todos os móveis onde se inclui uma porta basculante, forno, placa, lava-louça e mármores (33.º).

54. Colocaram o fogão de sala, chaminé, remates desta e meias canas à volta (34.º).

55. Procederam à pintura interior e exterior de toda a casa (35.º).

56. Forraram com azulejo as paredes e chão da despensa e colocaram a respectiva canalização, sendo que em relação ao pavimento substituíram o que já havia sido colocado pelos réus (36.º).

57. Colocaram radiadores e torneiras de aquecimento (38.º).

58. Procederam à alteração do aquecimento a gás para aquecimento a gasóleo mas não colocaram caldeira (39.º).

59. Colocaram tubos de gás para o exterior (40.º).

60. Colocaram pedra mármore na janela e porta da escada do sótão (41.º).

61. Assentaram a loiça de casa de banho, com excepção da banheira (42.º).

62. Assentaram o rodapé da sala e corredor (43.º).

63. Os autores colocaram as torneiras da cozinha (43.º-A).

64. A aquisição dos materiais e outros bens e a realização dos trabalhos atrás referidos, importaram nos seguintes valores:

- Referidos em 35, os cerca de € 150 a seguir referidos quanto à construção da vala a que se alude em 36, tendo ainda dispendido quantias não apuradas referentes à colocação de mármores nas escadas de acesso ao sótão e à compra e colocação de torneiras (com excepção das da cozinha);
- Referidos em 36, cerca de € 150;
- Referidos em 37, cerca de € 100;
- Referidos em 38, cerca de € 600;
- Referidos em 39, cerca de € 80;
- Referidos em 40, cerca de € 100;
- Referidos em 41, cerca de € 50;
- Referidos em 42, cerca de € 150;
- Referidos em 43, cerca de € 500;
- Referidos em 44, cerca de € 500;
- Referidos em 45, cerca de € 1.500;
- Referidos em 46, cerca de € 350;
- Referidos em 47, cerca de € 200;
- Referidos em 48, € 3.840,74;
- Referidos em 49, cerca de € 150;
- Referidos em 50, cerca de € 250;
- Referidos em 51, cerca de € 570;
- Referidos em 52, cerca de € 250;
- Referidos em 53, € 3.656,21 nos móveis onde se inclui a porta basculante, forno, placa e lava-louça, tendo ainda despendido quantia não apurada nos mármores, materiais e mão-de-obra;
- Referidos em 54, cerca de € 500;
- Referidos em 55, cerca de € 2.500,
- Referidos em 56, cerca de € 150;
- Referidos em 57, cerca de € 600;
- Referidos em 60, quantia não apurada;
- Referidos em 61, cerca de € 150;
- Referidos em 62, cerca de € 120;
- Referidos em 63, cerca de € 50;

Sendo que em relação aos referidos em 58 e 59 não se apurou que os autores tivessem gasto qualquer valor (44.º a 46.º).

65. Correspondentes a trabalho, materiais e outros bens que não se encontravam na casa ou não estavam aí realizados, com excepção daqueles que já aí se encontravam colocados/realizados pelos réus e referidos em 51 e 56 (47.º).

66. Em Fevereiro de 2002 a casa ficou concluída (49.º).

67. Tendo os autores diligenciado para que se procedesse à actualização da descrição predial, que foi feita (50.º).

68. E tendo diligenciado para que fosse solicitada a realização de vistoria para obtenção de licença de utilização para habitação (51.º).

69. Utilização essa que foi autorizada por despacho de 15/05/2002, tendo o respectivo alvará de utilização sido passado em 14/06/2002 (52.º).

70. Os autores gastaram os seguintes valores:
- Em despesas de legalização da casa junto da Câmara Municipal, a quantia de € 108,33;
- Em certidão da conservatória do registo predial, a quantia de € 32 (53.º).

71. Os autores procederam ao pagamento de prestações do empréstimo dos réus, adquiriram materiais e colocaram os mesmos na casa na convicção que os réus outorgariam na escritura de compra e venda (60.º).

72. E que a casa seria sua propriedade (61.º).

73. Sempre na sequência do acordo que celebraram e referido em 12 (62.º).

74. Os autores propuseram à ré mulher a emissão de aceites no valor de 2.500.000$00 em troca uma procuração irrevogável a favor dos autores e referente ao imóvel referido em 1, como alternativa à outorga de escritura pública sobre o mesmo (68.º e 69.º).

75. A moradia de rés-do-chão que os autores habitam é composta por dois quartos, casa de banho, sala, cozinha, despensa, alpendres, sótão amplo e logradouro, com uma área de 168,48 m2 de superfície coberta e 3.391 m2 de superfície descoberta (70.º).

76. Localizada em lugar isolado do aglomerado populacional, edificada num lugar alto e com vistas, junto à estrada principal e a cerca de 15 km de Rio Maior (71.º a 74.º).

77. Possuindo um valor mensal, para locação, de cerca de € 400, valor que é o referente ao estado actual da moradia, após a conclusão das obras efectuadas pelos autores e atrás descritas, sendo que antes dessas obras a moradia não dispunha de condições para habitar (75.º).

78. A ré mulher vive com a sua filha e o actual marido em casa dos pais, por não possuírem casa própria (76.º e 77.º).

79. Os réus solicitaram aos autores a entrega da moradia para a habitação da mulher e respectivo agregado familiar (78.º).

80. Propondo-se pagar as despesas que os autores comprovassem documentalmente ter realizado (79.º).

81. Estes exigiam quantias em dinheiro sem qualquer comprovativo documental (80.º)

82. Pelo que os réus não acordaram no seu pagamento (81.º).

83. Em contribuição autárquica e IMI os réus despenderam:
- Em 30/05/2003, € 170,63;
- Em 20/09/2004, € 145,80;
- Em 21/06/2005, € 181,67;
- Em 21/06/2005, € 245,00;
- Em 21/06/2005, € 235,90;
- Em 30/09/2005, € 145,80;
- Em 29/09/2006, € 145,80;
- Em 05/07/2006, € 161,95 (82.º).

84. No pagamento do seguro do imóvel, os réus gastaram:
- Em 01/03/2005, € 91,74, referente ao período de 01/03/2005 a 28/02/2006;
- Em 01/03/2006, € 98,73, referente ao período de 01/03/2006 a 28/02/2007;
- No período entre 01/02/2007 e 28/02/2007, € 101,19, referente ao período de 01/03/2007 a 29/02/2008;
- No período entre 01/02/2008 e 29/02/2008, € 94,02, referente ao período de 01/03/2008 a 28/02/2009;
- No período entre 26/02/2009 e 16/03/2009, € 101,55, referente ao período de 01/03/2009 a 28/02/2010 (83.º).

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As questões a decidir são as seguintes :

1 – Nulidade do Acórdão, por oposição entre os fundamentos e a decisão.
2 – Nulidade do Acórdão, por não ter conhecido da questão da existência de um arresto obtido pelos recorridos sobre os bens da recorrente e que, na sua óptica, afasta o direito de retenção.
3 - Inexistência do direito de retenção, por o contrato promessa de compra e venda ser nulo .
4 – Direito da recorrente a uma indemnização pela ocupação por parte dos autores do imóvel objecto do contrato promessa nulo.

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Vejamos, então, cada uma das questões postas.

1.

Nulidade do Acórdão, por pretensa oposição entre os fundamentos e a decisão.

Nos termos do art. 668, nº1, al. c), do C.P.C., a sentença é nula quando os fundamentos estejam em contradição com a decisão.
O que então sucede é que “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo Juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto “ (Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 541).
A oposição entre os fundamentos e a decisão “ não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica, nem tão pouco a uma errada interpretação dela, situações que se configuram como erros de julgamento”(Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed, pág. 54).
Ora, não se mostra que os fundamentos invocados no Acórdão recorrido devessem conduzir logicamente não ao resultado traduzido na decisão, mas a um resultado oposto.
Por isso, não ocorre a invocada nulidade.
O que a recorrente alega é antes erro de julgamento.

2.

Nulidade do Acórdão, nos termos do art. 668, nº1, al. d), do C.P.C., por pretensa omissão de pronúncia sobre a questão da existência de um arresto sobre os bens da recorrente e que esta entende afastar o direito de retenção.

Sustenta a recorrente que não assiste aos recorridos o direito de retenção, por o crédito destes se encontrar garantido por um arresto sobre os bens daquela.
A Relação não conheceu desta matéria, por considerar que se trata de questão nova que não foi submetida à apreciação da primeira instância.
E com razão.
O tribunal só tem de se ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras – art. 660, nº2, do C.P.C.
Os recursos não são meio para se obter decisão sobre matéria nova, mas tão só para reapreciar a decisão recorrida.
Como é sabido, a função do recurso é reapreciar a decisão tomada pelo tribunal recorrido e não a de julgar questões novas levantadas nas alegações.
Ora, a recorrente não suscitou tal questão em 1ª instância, pelo que a Relação, pela sua novidade, não tinha que se pronunciar sobre ela, já que não se trata de matéria de conhecimento oficioso.
Consequentemente, também improcede esta arguida nulidade do Acórdão.

3.

Do direito de retenção :

Foi reconhecido aos autores, aqui recorridos, o direito de retenção relativamente a benfeitorias úteis para acabamento da moradia e que estes efectuaram no imóvel objecto do contrato promessa, que veio a ser declarado nulo, por falta de forma escrita, estando já transitada a parte da decisão que lhes reconheceu o direito de indemnização por tais benfeitorias e respectivo montante.
A recorrente defende que inexiste direito de retenção dos recorridos, para estes serem pagos do valor dessas benfeitorias, por ser nulo o contrato promessa de compra e venda celebrado.
Só que o Acórdão recorrido, tal como a sentença da 1ª instância, fundou o direito de retenção dos autores no disposto na cláusula geral do art. 754 do C.C. e não no caso especial do art. 755, nº1, al. f), do mesmo diploma, invocado pela recorrente.

O citado art. 754 dispõe:
O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de dano por ela causado”.

Por sua vez, o mencionado art. 755, nº1, al. f), estabelece:
Goza ainda de direito de retenção “o beneficiário da promessa de transmissão ou de constituição que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442 “.

O direito de retenção é o “direito conferido ao credor que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também de executar a coisa e de se fazer pagar à custa do valor dela, com preferência aos demais credores (Antunes Varela, Vol. II, 7º ed, pág. 579).
Em síntese, o direito de retenção previsto no art. 754 depende de três requisitos:
- a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem:
- que o detentor se apresente, por sua vez, credor da pessoa com direito à entrega :
- que entre os dois créditos exista um nexo resultante de despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por ela causados.
Não há direito de retenção:
- a favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar ( art. 756, al. a) do C.C.);
- a favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito ( art. 756, al. b) do C:C.).

No caso concreto, a entrega do prédio pelos réus aos autores foi feita de forma lícita, pois teve lugar voluntariamente, na sequência da celebração de um contrato promessa verbal de compra e venda do mesmo prédio.
Não constituindo a entrega da coisa prometida vender um efeito típico do contrato promessa de compra e venda, mas tão só do contrato definitivo de compra e venda (art. 879, al. a) do C.C.), a traditio da coisa prometida vender tem sido considerada como um contrato atípico ou inominado, diferenciado do contrato promessa, constitutivo de um direito pessoal de gozo, traduzido na antecipação de um dos efeitos do contrato definitivo, no pressuposto da realização desse contrato (Antunes Varela, R.L.J. Ano 128-145 e segs ; Ana Prata, O Contrato Promessa e o seu Regime Legal, pág. 839; Ac. S.T.J. de 12-10-04, Col. Ac. S.T.J., 2004, III, 50; Ac. S.T.J. de 17-7-07, www.dgsi.pt.jstj, Proc. 07A480).
Assim sendo, não pode haver dúvida quanto à boa fé dos recorridos, pois as obras para acabamento da moradia foram realizadas, após a tradição da coisa, no pressuposto de que o contrato de compra e venda seria cumprido e foi com o acordo da recorrente e seu ex-marido que os mesmos autores foram ocupar a casa .
Por outro lado, as ditas obras para acabamento da moradia também foram realizadas com o consentimento da recorrente e seu ex-marido, pois a casa não reunia condições de habitabilidade, já que apenas se encontrava telhada e rebocada, sem portas, nem janelas, quando a recorrente e seu ex-marido procederam à entrega do mesmo prédio aos autores.
A declaração da nulidade do contrato promessa de compra e venda, por falta de forma escrita (arts 410, nº2 e 220 do C.C.), não afecta a licitude da entrega do prédio aos autores, nem a sua boa fé na realização das obras de acabamento da moradia.
Assiste, pois, aos autores o direito de retenção pelo crédito referente às indicadas benfeitorias, nos termos do citado art. 754 do C.C.

4.

Indemnização da recorrente pela ocupação, por parte dos autores, do prédio objecto do contrato promessa declarado nulo.

As instâncias negaram o direito ao recebimento de qualquer indemnização, objecto do pedido reconvencional, pela ocupação dos autores relativa ao prédio prometido vender.
A recorrente insurge-se contra esta decisão de improcedência do pedido reconvencional, invocando a jurisprudência dos tribunais superiores que, em caso de nulidade do contrato de arrendamento, considera que o locatário é obrigado ao pagamento do montante correspondente ao valor da retribuição acordada pela respectiva cedência .
Mas a razão está com as instâncias, pois o caso dos autos apresenta particularidades que obstam à aplicação do invocado regime decorrente da nulidade dos contratos de arrendamento, por falta de forma.
Desde logo, no caso presente, a tradição do imóvel prometido vender não teve lugar mediante o pagamento de qualquer retribuição, assumindo-se antes como antecipação dos efeitos do contrato prometido, na expectativa de que seria celebrado.
Depois, há que ponderar que a casa se encontrava inacabada, no momento da sua entrega aos autores, estando apenas telhada e rebocada, sem portas e sem janelas.
Foram as obras realizadas pelos autores que permitiram que a moradia tivesse condições para ser habitada.
Se os autores não tivessem realizado tais obras, a moradia não podia ser ocupada pelos réus e fruída para sua função normal, que é a habitação.
Do mesmo modo, sem as obras referidas, o mesmo prédio não podia ser arrendado a terceiros, para habitação.
Os réus não demonstraram que, sem o acabamento e a ocupação da moradia pelos autores, que gozam do direito de retenção, teriam eles feito as obras necessárias para a poderem usufruir ou dá-la de arrendamento, sendo certo que reconhecem na sua contestação que, à data da outorga do contrato promessa, atravessavam dificuldades financeiras.
O dono que se vê privado de uma coisa tem de alegar e provar ter visto frustrado um propósito, sério e efectivo, de proceder à sua utilização, em que termos o faria e o que auferiria se não fosse a ocupação do lesante.
Nada disto se apurou.
A mera referência ao valor locativo actual do prédio, após as obras realizadas pelos autores, só por si, não releva, pois antes dessas obras, a moradia não tinha esse valor locativo, já que estava inacabada e não dispunha de condições para ser habitada.
O instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473 e segs do C.C., a que a recorrente agora faz apelo na revista, não foi invocado pelos réus, como fundamento da causa de pedir do seu pedido reconvencional.
Tal instituto tem natureza subsidiária – art. 474 do C.C.
Trata-se de questão nova, que pela falta de alegação e discussão em tempo oportuno, não pode aqui ser conhecida – art. 660, nº2, do C.P.C.
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Termos em que negam a revista, confirmando o Acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Outubro de 2011


Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Nuno Cameira