ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
10/11.2YFLSB
DATA DO ACÓRDÃO 05/04/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR FERNANDES DA SILVA

DESCRITORES CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
ENSINO SUPERIOR PARTICULAR E COOPERATIVO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
ÁREA TEMÁTICA DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO DO TRABALHO/2003 (CT): - ARTIGO 318.º
DL N.º16/94, DE 22 DE JANEIRO: - ARTIGO 24.º, N.º2.
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23.3.2011, REVISTA N.º 1493/07.0TTLSB.L1.S1 – 4ª. SECÇÃO.


SUMÁRIO 1. Embora o legislador reconheça a necessidade de criar um regime especial de contratação do pessoal docente para o ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo ( cfr. Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro), a contratação de docentes pode efectuar-se entretanto através dos típicos contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço, de acordo com a vontade, necessidades e/ou interesses das partes.
2. A identificação da matriz diferenciadora do contrato de trabalho relativamente aos demais vínculos contratuais próximos, (a subordinação jurídica), faz-se, quando não seja imediatamente alcançável através do método subsuntivo, com recurso ao chamado método tipológico, conferindo, casuística e globalmente, os índices relacionais disponíveis.
3. O art. 318.º do Código do Trabalho/2003 consagra uma noção ampla de ‘empresa/estabelecimento’, abarcando a transmissão da respectiva titularidade, a qualquer título, conquanto que a mesma, enquanto unidade económica, mantenha a sua operacionalidade e identidade.
4. A actividade prosseguida, pressuposta no escopo da unidade económica (o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória – n.º 4 do art. 318.º) não tem que visar necessariamente fins lucrativos.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I –

1. – AA, com os demais sinais dos Autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, em 16.3.2006, a presente acção com processo comum, contra:
- ‘BB – ..., CRL’
- ‘CC – ..., CRL’ e
- ‘DD’, pedindo que, julgada procedente a acção, sejam as RR. Condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 55 533,69 e os juros à taxa legal desde o vencimento das prestações e até integral pagamento, sendo os vencidos até esta data de € 3 750,00.
Alegou para o efeito, em síntese útil, que, sendo engenheira química, celebrou com a 1.ª Ré, em 15 de Outubro de 1997, um contrato de trabalho a termo certo, com início em 15.10.97 e termo em 14.10.98, prorrogável por iguais períodos de tempo – contrato ainda em vigor porque nunca denunciado – para o exercício da actividade de "Professora Auxiliar sem Mestrado", na Universidade ..., pertencente à 1ª Ré, ministrando as disciplinas que pela 1.ª Ré lhe fossem atribuídas, de acordo com o horário por esta fixado e exercendo a actividade nas respectivas instalações, mediante remuneração.
Mais alegou que fez a Pós-graduação em "Engenharia de Qualidade" e parte curricular do Mestrado em "Ciência e Engenharia do Ambiente", doutorou-se em 2002 em "Biotecnologia", tendo passado a receber, além do vencimento mensal, o "Subsídio de Grau" e o "Subsídio de Tempo Integral", no valor mensal de 598,66 Euros, tudo no total mensal de 2.164,78 Euros, sendo que a partir de Outubro de 2002 inclusive, sem nada que o justificasse, ou lhe tivesse sido dado qualquer aviso, a Ré deixou de lhe pagar o referido subsídio de tempo integral.
Por comunicação datada de 18 de Outubro de 2005, a 2.ª Ré, ‘CC’, informou a A. de que havia celebrado um "acordo" de transferência do estabelecimento "Universidade ..." da 1.ª Ré, para a 2.ª Ré e a instalação da 3.ª Ré.
Que desconhece o teor desse acordo de transmissão, mas se existe, será a 2.ª Ré responsável pela liquidação dos créditos da A., cabendo à 1.ª Ré a responsabilidade solidária pelo que, subsidiariamente e por mera cautela, deduz contra a 2.ª Ré o pagamento peticionado.
Porém, e se assim for, atenta a autonomia e personalidade jurídica e judiciária, da "DD" e designadamente, a sua responsabilidade no pagamento dos débitos aos seus docentes, justifica-se seja igualmente a 3.ª Ré, ‘DD’ e subsidiariamente, a assumir o ressarcimento dos créditos reclamados pela A., a título de Subsídios de Férias e de Natal não pagos, correspondentes aos anos de 1999, 2001, 2002, 2003 e 2004; vencimentos mensais não pagos de Dezembro de 2000, Maio a Setembro de 2004, a Dezembro de 2004 e de Março de 2005 a Fevereiro de 2006 e subsídio de tempo integral, não pago de Outubro de 2002 a Fevereiro de 2006.

Frustrada a conciliação empreendida na Audiência de partes, vieram contestar:
- A R. ‘BB, CRL’, aceitando parte da factualidade e impugnando a remanescente, sustenta que tendo processado contabilisticamente e entregue as respectivas folhas na Segurança Social, os valores reclamados terão de ser considerados em termos líquidos, reconhecendo apenas dever à A. o montante de € 19 442,63; alega ainda que devido à crise do chamado “escândalo ...”, com a subsequente perda de alunos, teve que reestruturar os cursos e diminuir a respectiva carga horária dos docentes, pelo que deixou de fazer sentido a atribuição do subsídio a tempo integral.
Concluiu pela procedência parcial do pedido.
- A R. ‘CC, CRL’, excepcionando a sua ilegitimidade, porquanto não foi ajustada a substituição de sujeitos, nem a transmissão, revestindo a natureza meramente administrativa, impôs a subsistência dos vínculos contratuais, pelo que não pode ser demandada; e em sede de impugnação, realçando a inexistência de transmissão de estabelecimento, bem como de contrato de trabalho entre a A. e a própria ‘CC’, assevera que não há relação jurídica a justificar o pedido formulado.
Pugna, a final, pela procedência da excepção com a consequente absolvição da instância e do pedido.

A A. respondeu às contestações das RR., sustentando a improcedência do excepcionado e concluindo, no mais, como na P.I.

Saneado o processo, o M.º Juiz a quo julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pela R. ‘CC’, que inconformada interpôs recurso de agravo.
A A. contra-alegou defendendo o não provimento do agravo.

Discutida a causa, proferiu-se sentença julgando a acção parcialmente procedente, por provada, com condenação solidária das aludidas Rés a pagarem à A. a importância de € 52.897,46, acrescida de juros de mora, à taxa legal, julgando-a parcialmente improcedente, por não provada, quanto ao mais peticionado, com absolvição nessa parte do pedido das co-Rés ‘BB - … CRL’ e ‘CC - ... CRL’.
Julgou-se por fim improcedente, por não provada, a presente acção contra a co-R. ‘DD’, que foi em consequência, absolvida do pedido.”

2.
A co-R. ‘CC, CRL’, irresignada com a decisão, dela interpôs recurso de apelação, em que, pugnando basicamente pela inaplicabilidade à presente situação do art. 318.º do Código do Trabalho, por se tratar de uma Universidade e de o contrato sujeito ser um contrato de trabalho de serviço de docência universitária, concluiu que o Tribunal 'a quo' errou ao considerar o contrário, pedindo a sua absolvição do pedido.

A recorrida contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, com a consequente manutenção do julgado.

A Relação do Porto, em Acórdão prolatado a fls. 600-627, confirmou a decisão impugnada, julgando improcedente o recurso.

É contra esta decisão que a R. se rebela, trazendo o presente recurso de Revista, cuja motivação remata com a formulação das seguintes conclusões:
A. O Tribunal Recorrido violou a lei e o direito ao decidir:
a) Que existiu entre a A. e a co-Ré ‘BB’ um contrato de trabalho pelo qual aquela se obrigou a prestar a sua actividade docente; e,
b) Que existiu transmissão de estabelecimento nos termos e para os efeitos do artigo 318.° do CT, passando para a aqui recorrente a titularidade do contrato celebrado entre a A. e a co-Ré ‘BB’, ocupando a posição jurídica de empregador relativamente à A;

B. O Tribunal a quo qualificou incorrectamente como contrato de trabalho o contrato que vinculou a A. à ‘BB’, dado que os factos provados impõem qualificação diversa, a de contrato de prestação de serviços, ou, quando muito, um contrato de trabalho especial.

C. O Tribunal a quo, ao aplicar indevidamente o art. 318.° do CT, conclui incorrectamente pela transmissão para a aqui recorrente da titularidade do contrato da A.
Com efeito,

D. Para além dos critérios/índices e da metodologia sintética de procurar, caso a caso, o vínculo de subordinação jurídica, clássico na distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, tem de trazer-se à colação o ambiente histórico de onde eclodiu o juslaboralismo: não pode esquecer-se a Questão Social e o horizonte fabril.

E. Os Professores das Universidades nunca estiveram coligados à Questão Social, regulando-se o estatuto jurídico do desempenho de funções docentes superiores, desde sempre, pelo modelo romanista da prestação de serviços.

F. E sem necessidade de qualquer especialização no seio do ordenamento: nunca se tratou verdadeiramente de salariato no sentido que o conceito obteve justamente do ponto de vista da Questão Social.

G. As Universidades seguem, na verdade, o modelo institucional das corporações de Mestres e Alunos para a transmissão e elaboração do saber, herança cultural nacional.

H. Este enfoque institucionalizado do relacionamento Professores/ Universidades inibe de todo a produtividade do método analítico baseado na subordinação jurídica, qualquer que sejam as modalidades concretizadoras com que se nos apresente.

I. Por isso mesmo, é que são absolutamente claras e justas as conclusões da sentença de 1.ª instância no sentido de o recorrido não ter provado estar sujeito à disciplina da recorrente (mera entidade instituidora), nem sequer alguma vez ter havido um critério disciplinar coagente, nem para conformidade e avaliação do seu desempenho como Professor.

J. E, não despiciendo no campo de uma lógica ultra-liberal, o Professor pode, na última das reduções lógicas, ser encarado como um certificador de competências adquiridas: é o que resulta dos exames públicos.

K. E esta actividade implica um esforço e um juízo absolutamente autónomo, fora de qualquer subordinação ou condicionamento: tal como a qualquer actividade de certificação da qualidade corresponde-lhe, sem dúvida, um exercício liberal.

L. Quanto a este último tipo de relações sociais (ocupação liberal) também não há dúvida que são recobertas pela prestação de serviços romanista originária.

M. As Universidades não são um estabelecimento que constitua uma unidade económica. Como vimos, a salvaguarda, transmissão e produção do saber são uma actividade política e não do âmbito e alcance da mera economia. E apenas a condicionam a economia por se tratar, sim, de estabelecimentos de ensino de onde vão sair os inputs que supõem, amparam e são condição maior do desenvolvimento, mas do desenvolvimento humano, conquanto este tenha de ter, naturalmente, uma dialéctica base de apoio nas estratégias de afectação dos recursos materiais.

N. Por isso mesmo, o acto administrativo da substituição da entidade instituidora da Universidade .../Porto se nos apresenta como uma descontinuidade, passível, por exemplo, de impugnação em si e por si, com vida jurídica de raiz: não foi nem é qualquer título de transmissão de um estabelecimento, nem sequer de um estabelecimento de ensino, portanto de todo distraído do conceito de unidade económica.

O. Trata-se de um marco público de revisão fundacional da universidade como instituição que o direito reconhece na realidade dos acontecimentos societais, que o direito não cria mas acolhe e regulamenta nos limites e traves do nicho ecológico donde emerge.

P. Ou seja, essa comunidade de professores e alunos é uma entidade natural e o recrutamento dos professores, tal como a admissão dos alunos, apenas se desenham nas formas jurídicas mais próximas de uma individualidade plena, sem desproporção inegualitária das situações relevantes para o direito a que dão lugar, tanto como as instalações, ou melhor, a sede dos trabalhos universitários, o modo organizacional e a produtividade se distanciam da empresa e seu estabelecimento de indústria, ascendendo, enfim, à posição de instituições perfeitas em volta das quais gira o direito da equanimidade sócio global.

Q. Não tem sentido a técnica da subrogação ex lege para que aponta o art. 318.º do Código do Trabalho, porque não há parte mais fraca a necessitar de protecção no âmbito e alcance de toda esta lógica que remete para o limite da auto-regulamentação e na solução dos conflitos através do funcionamento interno dos órgãos académicos. Ou então, de um ponto de vista ainda napoleónico, no campo do direito público, na jurisdição administrativa, à qual, nem sequer há dúvidas, são adstritas as causas que envolvem os litígios discentes.
Pois que,

R. São centrais, para efeitos de aplicação do artigo em análise, os conceitos de empresa, de estabelecimento e de unidade económica.

S. O conceito de empresa é um conceito nuclear em toda a filosofia do Código do Trabalho, não sendo apenas relevante para efeitos do artigo 318.° (veja-se a título ilustrativo, entre outros, os artigos 91.°, 95.°, 121.°, 153.°, 313.°, 314.°, 315.°, 316.° ou o 321.°).

T. Não faz parte da essência de uma Universidade qualquer resquício de índole comercial ou económica pelo que não integra o conceito de empresa ou estabelecimento faltando, por essa via, um dos pressupostos da transmissão de empresa ou estabelecimento, nos termos do artigo 318.° do Código do Trabalho.

U. Por força do princípio da equiparação das carreiras, constante no artigo 25.° do EESPC, aos docentes do ensino superior privado é subsidiariamente aplicável o Estatuto da carreira Docente, aprovado pelo Decreto-lei 448/79, de 13 de Novembro, e são nessa medida, aplicáveis as disposições constantes no Estatuto da Carreira Docente Universitária, nomeadamente as todas aquelas normas que não pressuponham o exercício de funções na Administração Pública, tais como as referentes às categorias e funções (artigos 2.° a 8.° daquele Estatuto) e as atinentes aos direitos e os deveres do pessoal docente (artigos 63.° a 83.°).

V. A relação jurídica de serviço docente, no que aos sujeitos concerne, é integrada por três entes juridicamente diversos, a saber: docente, entidade instituidora e o estabelecimento de ensino para o qual o docente presta o seus serviços.

W. Os estabelecimentos de ensino superior privado são entes jurídicos embora sem personalidade jurídica;

X. A entidade instituída, ou seja, o estabelecimento de ensino superior privado é uma entidade jurídica dotada de autonomia perante a entidade instituidora.

Y. É clara intenção do legislador em estabelecer uma inequívoca separação entre entidade instituidora e estabelecimentos de ensino instituídos, sendo que estes estabelecimentos, embora juridicamente despersonalizados, são entes jurídicos.

Z. A relação de serviço de docência no ensino superior privado emerge de uma posição concertada da entidade instituidora e da entidade instituída.

AA. Tendo em conta a essência do serviço prestado, o docente está, em primeira linha, subordinado aos órgãos académicos, e só indirectamente ou em segunda linha, estará subordinado à entidade instituidora.

BB. O docente está numa relação que podemos denominar como relação de subordinação académica.

CC. O docente pode nem estar juridicamente subordinado (subordinação laboral, entenda-se) à entidade instituidora, bastando para tal que o contrato que os una seja um contrato de prestação de serviços nos termos do artigo 1154.º do Código Civil).

DD. O docente está sempre academicamente subordinado, não sendo possível conceber que determinada pessoa leccione numa Universidade, independentemente do tipo contratual, sem que esteja, em absoluto, sujeito aos deveres académicos que resultam, como já tivemos ensejo de mencionar, do Estatuto da Carreira Docente Universitária, e bem assim, dos estatutos da universidade e respectivos regulamentos internos.

EE. Os deveres académicos são, portanto, deveres inerentes à própria actividade, são-lhe co-naturais.

FF. Estando a subordinação académica na linha da frente relativamente à eventual (sublinhe-se, eventual) subordinação jurídico-laboral, e atendendo à autonomia jurídica, científica, cultural e pedagógica da universidade, permitimo-nos concluir que o serviço – ou pelo menos a sua essência – é efectivamente prestado à própria Universidade.

GG. Só indirectamente o serviço é prestado à entidade instituidora.

HH. Da entidade instituidora o docente apenas recebe a contrapartida financeira;

II. Do vínculo jurídico constitutivo da relação de serviço docente resultam dois tipos de relações específicas diversas, embora interligadas: relação entre o docente e os órgãos académicos do estabelecimento e relação entre o docente e a entidade instituidora.

JJ. Relações no âmbito das quais emergem direitos e deveres/poderes absolutamente distintos.

KK. Ali direitos e deveres/poderes estritamente académicos, cuja razão de ser deriva das particularidades próprias e do interesse público que inerem à actividade docente, direitos e deveres/ poderes esses que se aferem do EESPC, do Estatuto da Carreira Docente Universitária (normas de direito público) e dos estatutos próprios do estabelecimento de ensino.

LL. Aqui, direitos e deveres meramente contratuais, obrigacionais, resultantes directa e unicamente do contrato celebrado e das normas que o regem, emergentes do princípio da Autonomia da Vontade Privada (mais especificamente do sub-princípio da liberdade contratual).

MM. O contrato de trabalho de docência – se essa for a modalidade contratual que une as partes envolvidas – é necessariamente um contrato de trabalho especial.

NN. O regime laboral geral é relativamente incompatível com o exercício da actividade de docência no ensino superior privado, com a estrutura da relação jurídica de docência e com a natureza jurídica das universidades, sendo esta a razão que justifica a remissão para diploma especial (e não para o regime laboral geral) feita pelo legislador no EISPC.

OO. O ensino superior não pretende apenas a reprodução dos conhecimentos, mas, também, o seu aperfeiçoamento e inovação, que mal se coaduna com uma perspectiva de estabilidade tipicamente laboral.

PP. A legislação geral do trabalho – porque torna absolutamente estáveis os vínculos profissionais – afigura-se inadequada para disciplinar os contratos entre docentes e as instituições de ensino superior privado.

QQ. A docência universitária supõe a garantia de aptidão docente e de renovação de quadros, para preservação da idoneidade científica e pedagógica das instituições, requisitos que não se acomodam ao sistema laboral de estabilidade plena.

RR. A aplicação directa da legislação do trabalho não se ajustaria a parte substancial da actividade docente universitária que se realiza com plena autonomia técnica e jurídica.

SS. Pela autonomia das funções de investigação, pela necessidade imperativa de prestação de provas, pela realização de obras, o objecto da docência universitária e a formação que exige aproxima-se mais da figura do contrato de prestação de serviço do que do contrato de trabalho;

TT. O serviço de docência universitária impõe um «regime flexível de emprego», um regime não integrado de normas que tornem a relação em causa demasiadamente rígida e que, portanto, estejam de harmonia com a natureza da relação de serviço docente e com a natureza dos estabelecimentos de ensino superior privados, nomeadamente as universidades.

UU. São de todo incompatíveis com o serviço de docência universitária as normas do legislação do trabalho respeitantes à contratação a termo (art.l29.° e seguintes), algumas normas atinentes ao horário de trabalho, as normas respeitantes às vicissitudes contratuais (arts.315.º e seguintes), entre as quais se inclui o artigo 318. ° e as normas respeitantes ao despedimentos (artigos 396.° e seguintes).

VV. A filosofia subjacente ao nosso CT é uma filosofia empresarial, no sentido de que muitas das suas normas pressupõem um contexto empresarial.

WW. Há normas no mencionado Código, cuja aplicação pressupõe um contexto empresarial, sendo absoluta ou relativamente incompatíveis com realidades não empresariais.

XX. O contexto universitário não é, de todo em todo, um contexto empresarial.

YY. O contrato de trabalho de docência – a ser essa a qualificação do contrato – não é um contrato de trabalho empresarial, logo não lhe são aplicáveis as normas constantes do artigo 318.° do CT.

ZZ. O art. 318.° do CT é, ainda, materialmente incompatível com o Princípio da Autonomia Científica, Pedagógica e Cultural da Entidade Instituída.

AAA. Não é, portanto, aplicável à situação em crise o art. 318.° do CT, errando o Tribunal à quo ao fazê-lo.

Em suma: porque, por um lado, o contrato em apreço não é de qualificar como de trabalho – sendo, quanto muito, e sem prescindir, de qualificar como contrato de trabalho especial ao qual se não aplica o regime laboral geral –, e por outro lado, não existe transmissão nos termos e para efeitos do art. 318.° do CT, deve o acórdão recorrido ser revogado com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da aqui recorrente.
Vossas Excelências julgarão, contudo, segundo o melhor critério de Justiça.

A recorrida contra-alegou, suscitando uma questão prévia e concluindo no sentido de que o estabelecimento transmitido tem uma evidente natureza económica, tendo-se operado a transmissão em conformidade com o Termo de Acordo celebrado, como é dada nota pelos Avisos publicados no Diário da República.
Assim, seja pela força da responsabilidade contratual desse Acordo, seja por força do disposto no art. 318.º do Código do Trabalho, cabe à R. o pagamento do devido à A., cujo montante aliás aquela não contesta.

Já neste Supremo Tribunal a Exm.ª P.G.A. emitiu Parecer em que, abordadas as questões suscitadas, propende, a final, no sentido da total improcedência do recurso.
Notificado às partes, não foi oferecida qualquer resposta.


Ante a renúncia ao mandato (fls. 712), que foi deferida a fls. 738, foi a co-R. ‘BB’ notificada para constituir novo mandatário, com a consideração de que se o não fizesse, em vinte dias, o recurso seguiria os seus termos.
Na sequência da junção da certidão de fls. 753, realizaram-se as diligências documentadas a fls. 769, 762-3, 774, 777, 784, 788 e seguintes, 803 e 805.

Colheram-se os ‘vistos’ da formação finalmente estabilizada.
Cumpre decidir.
­­___

II –
Dos Fundamentos.

A – De facto.
Vem dada como assente a seguinte factualidade:
1.A A. é engenheira química e celebrou com a 1.ª Ré, em 15 de Outubro de 1997, um contrato de trabalho a termo certo, conforme documento constante de fls. 13 a 20.
2. Com início em 15.10.97 e termo em 14.10.98, prorrogável por iguais períodos de tempo enquanto não rescindido.
3. Conforme tal contrato, à A. cabia o exercício da actividade de "Professora Auxiliar sem Mestrado", na Universidade ..., pertencente à 1.ª Ré, ministrando as disciplinas que pela 1.ª Ré lhe fossem atribuídas, de acordo com horários por esta fixados e exercendo a sua actividade nas instalações da 1ª Ré.
4. E,
a) Leccionando as aulas teóricas, práticas ou teórico-práticas das disciplinas atribuídas de acordo com o plano de estudos aprovado pela 1ª Ré;
b) Elaborando os programas das disciplinas, relacionando a bibliografia respectiva, nos prazos por esta indicados;
c) Assegurando o número de horas semanais que lhe fossem atribuídas pela 1ª Ré;
d) Assegurando o regular funcionamento e vigilância das provas de avaliação, de acordo com os prazos, regulamentos, programas e calendários estabelecidos pela 1ª Ré;
e) Atendendo e procedendo ao aconselhamento dos alunos,
f) Registando os respectivos resultados e preenchendo o Livro de Sumários;
g) Afixando os resultados de exames e frequências nos prazos estabelecidos pela 1ª Ré;
h) Elaborando sumários e material didáctico;
i) Desenvolvendo permanente investigação e
j) Participando nas Consultas Escolares e Pedagógicas e nas reuniões de Departamento para que pela 1.ª Ré fosse convocada.
5. A remuneração da A. resultava do produto da multiplicação do número de horas de docência prestada em cada mês, pelo valor horário previsto na tabela anexa, tendo ainda direito a subsídio de férias, a férias e ao subsídio de Natal.
6. Nos anos lectivos de 1997/1998 e 1998/1999 a A. ministrou a disciplina de Qualidade de Produção, a que adicionou, no ano lectivo de 1999/2000, a disciplina de Auditoria Ambiental.
7. O que até à data da propositura da acção se mantinha.
8. Cumprindo as demais imposições estabelecidas pela 1.ª Ré.
9. A A., em Outubro de 1997, auferiu o vencimento mensal de Esc. 71.900$00.
10. Desde Novembro (inclusive) de 1997 a Março de 2000 o vencimento mensal da A. passou a ser de Esc. 143.800$00.
11. Variando de acordo com a carga horária atribuída à A.
12. A A., que fez a Pós-graduação em "Engenharia de Qualidade" e parte curricular do Mestrado em "Ciência e Engenharia do Ambiente", doutorou-se em 18 de Março de 2002, em "Biotecnologia".
13. Tendo passado a receber, além do vencimento mensal, o "Subsídio de Grau" e o "Subsídio de Tempo Integral", este no valor mensal de 598,56 euros.
14. Após o seu doutoramento, a A. passou, a partir de Abril de 2002, a receber o subsídio de tempo integral, tendo para o efeito, por solicitação da 1.ª Ré, assinado a declaração constante de fls. 26.
15. Era a 1.ª Ré que fixava os horários das aulas como entendia.
16. Que registou a A. no regime da Segurança Social como trabalhador dependente e fazendo os seus descontos nessa qualidade, emitindo os respectivos recibos.
17. A 1.ª Ré reconhece que a A. foi contratada e exerce a sua actividade como trabalhadora dependente, conforme declarações constantes de fls. 27 e 28.
18. A última declaração da 1ª Ré é datada de 31 de Janeiro de 2006.
19. A 1ª Ré procedeu ao pagamento à A. do vencimento mensal referente ao mês de Novembro de 2000.
20. A título de subsídio de Natal de 2001, a 1ª Ré pagou à A. a quantia de € 908,65.
21. De Abril a Outubro de 2000 o vencimento mensal da A. era de € 1.434,54.
22. De Janeiro a Março de 2002 o vencimento mensal da A. era de € 549,68; de Abril a Setembro, Novembro e Dezembro de 2002 era de € 1.566,22; no mês de Outubro foi de € 887,86.
23. De Abril a Agosto de 2003 o vencimento mensal da A. era de € 1.733,82, sendo de € 544,69 nos meses de Outubro a Dezembro.
24. De Maio a Setembro de 2004 o vencimento mensal da A. era de € 1.733,53.
25. De Janeiro a Março de 2005 o vencimento mensal da A. era de € 544,69; de Abril a Julho era de € 1.055,33.
26. A 15.11.05 e a 24.01.06 a co-Ré ‘CC’ pagou à A. a quantia de € 152,64 referente a Outubro de 2005 e a quantia de € 175,54 referente a Novembro de 2005.
27. A A. deixou de ter serviço de docência atribuído a partir do 1.º Sábado do mês de Outubro de 2006.
28. A partir de Outubro de 2002, inclusive, a 1.ª Ré deixou de lhe pagar o referido subsídio de tempo integral.
29. Por comunicação datada de 18 de Outubro de 2005, a 2.ª Ré, ‘CC’, informou a A. de que havia celebrado um "acordo" com a 1.ª Ré, conforme documento cuja cópia consta de fls. 29.
30. A Ré ‘BB - ..., CRL.’ é a entidade instituidora e que explora a Universidade ....
31. Desde 1999, altura em que rebentou o chamado "escândalo ...", a Universidade ... passa por dificuldades, tendo perdido alunos e diminuídas as suas receitas.
32. Por essa razão foi necessário proceder-se a uma reestruturação dos cursos existentes bem como da distribuição destes, da carga horária e da fusão de algumas cadeiras comuns a vários cursos.
33. A ‘CC’ contactou a A. com vista à formalização de um contrato de docência, tomando como referência o modelo contratual normalmente utilizado nos estabelecimentos de ensino tutelados pela ‘CC’, o que foi rejeitado pela A.
34. A A. prestou a sua actividade no ano lectivo 2005/2006.
35. De acordo com o novo figurino contratual e respectivo regime contributivo proposto pela co-ré ‘CC’ aos docentes, os vencimentos a partir do ano lectivo 2005/2006 (1 de Outubro) seriam pagos de acordo com a tabela das remunerações constante de fls. 139.
36. Face a essa tabela, a A. auferiria € 38.16/hora, sendo-lhe reconhecida a categoria de professora auxiliar.
37. A co-Ré ‘BB’ e a co-Ré ‘CC’ outorgaram o “Termo de Acordo”, datado de 10 de Fevereiro de 2005, nos termos do qual acordaram na transmissão para a ‘CC’ do Estabelecimento de Ensino Superior Universitário denominado Universidade ... do Porto, instituído pela ‘BB’, com­ a nova designação de DD.
38. A ‘CC’, na qualidade de entidade instituidora transmissária, recebeu a universalidade de direito constituída pelo estabelecimento de ensino supra mencionado, compreendendo o edifício onde se encontra instalado, todos os bens móveis ai existentes, todas as licenças e alvarás que a este respeitem, bem como o demais património imobiliário especialmente afecto ao mesmo estabelecimento.
39. Em contrapartida, na aludida qualidade de nova entidade instituidora, a ‘CC’ obrigou-se a:
a) Concluído o processo de transmissão, assumir como seus os contratos vigentes com os docentes e funcionários da até agora denominada UMP;
(…)”.
40. E ‘a BB comprometeu-se a:
a) Transferir o Estabelecimento de Ensino desonerado de quaisquer dívidas fiscais, designadamente IRS, contribuições à Segurança Social e à Caixa Geral de Aposentações sobre remunerações devidas a docentes, funcionários e outros credores;
(…)”.
41. O coordenador da licenciatura da Universidade ... dava instruções e orientações genéricas aos docentes, detendo estes autonomia técnica na prelecção das disciplinas.
42. Os instrumentos de trabalho utilizados pela A. na leccionação das disciplinas eram pertença das Rés.
__

B – O Direito.
Como deflui das asserções conclusivas – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão resulte prejudicada pela solução dada a outras – as questões em que se analisa o ‘thema decidendum’ são essencialmente as que foram propostas e versadas no Tribunal 'a quo': a) a qualificação da relação jurídica outorgada como uma relação juslaboral; b) a transmissão do (suposto) contrato.

B.1 – Contrato de docência: contrato de trabalho vs. contrato de prestação de serviço.

A recorrente reedita, de forma textual, grande parte das conclusões já debitadas na Apelação, a isso reagindo a recorrida, na sua contra-alegação, em termos de ‘questão prévia’, convocando mesmo Jurisprudência no sentido de que, em casos-limite, a mera reprodução nas alegações do novo recurso das alegações/conclusões/questões já apreciadas no Acórdão recorrido …’conduz de algum modo, à ideia da falta de objecto do recurso, como este S.T.J. tem já, por diversas vezes, afirmado’. (Excerto do Ac. do S.T.J. de 17.11.2005, no Proc. n.º 3059/05, da 7.ª Secção, por esta adrede citado).
A recorrida, não aderindo a tese tão radical, concede todavia que os termos em que já foram tratadas as questões e encontrada a adequada solução justificarão a simples adesão às razões do Acórdão recorrido.
Esta posição concitou o sufrágio da Exm.ª P.G.A.

Entendemos, não obstante, que a parte não está impedida de reiterar perante o S.T.J. os mesmos fundamentos (alegações/conclusões) que invocou no recurso de Apelação, com vista a convencer da bondade das suas razões.

Isto posto.
A R./recorrente insurge-se quanto à qualificação jurídica do vínculo outorgado entre as partes (originalmente a A. e a co-R. ‘BB’) como sendo um contrato de trabalho, pretendendo afinal que as relações entre o professor e a escola (Universidade) ou a entidade instituidora …‘hajam de ser compreendidas ou fundidas no cadinho romanista da prestação de serviços’ – sic, a fls. 646.
Em seu entendimento os factos provados impõem qualificação diversa, a de contrato de prestação de serviços, ou, quando muito, um contrato de trabalho especial.
A esta temática dedica, mais ou menos directamente, as conclusões que vão de A. a H. e, mais adiante, as que correspondem às letras V. a TT.

O Acórdão recorrido, sufragando o entendimento alcançado na 1.ª Instância quanto a esta matéria, convocou a respectiva fundamentação, reproduzindo-a nestes termos.
(Transcrevemos os passos mais significativos):
‘A questão primordial que se coloca é a de saber se a relação jurídica estabelecida entre a A. e a co-R. BB configura uma relação de trabalho subordinado ou uma relação de prestação de serviços.
Essa questão implica desde logo que se indague da aplicabilidade do regime geral do contrato individual de trabalho aos contratos de docência no ensino particular e cooperativo.
Ora, conforme orientação praticamente uniforme da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a contratação de docentes do ensino superior particular e cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao modelo do contrato de trabalho, como ao modelo do contrato de prestação de serviços.
Com efeito, quer do n.º2 do Decreto-Lei 271/89, de 19 de Agosto, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, quer dos n.ºs 1 e 2 do art. 24.º do Decreto-Lei 16/94, de 22 de Janeiro, diploma que aprovou um novo Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo e revogou o primeiro, decorre que não existe uma configuração jurídico-material exclusiva para as relações de trabalho que tenham por objecto a prestação de docência e/ou investigação em estabelecimentos de ensino superior.
A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo opera-se num contexto de liberdade contratual (art. 405.º do Código Civil), podendo a instituição universitária e o docente recorrer, tanto ao contrato de trabalho (através de um convénio em que se verifique o condicionalismo de subordinação característico do contrato individual de trabalho), como ao contrato de prestação de serviços, optando, num caso ou no outro, pelo modelo de contratação que melhor se ajuste aos seus interesses.
Não existe pois obstáculo legal à celebração pela 1.ª R. (cooperativa de ensino) com a A. de um contrato de trabalho.
… … … …
Nos termos do art. 10.º do Código do Trabalho ‘contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas’.
… … … …
O que distingue verdadeiramente o contrato de trabalho é o estado de sujeição do trabalhador relativamente ao empregador, consubstanciado na possibilidade daquele, a cada momento, poder ver ser concretizada por este a sua prestação em determinado sentido.
Quanto ao contrato de prestação de serviço, o que o caracteriza é a obrigação de prestação de uma actividade dirigida a certo resultado, em regime de autonomia do devedor perante o credor. Nesta espécie de contrato, o trabalhador obriga-se a prestar o resultado da sua actividade, permanecendo livre na escolha dos meios de exercício dessa actividade.
… … … …
Regra geral, na contratação para o exercício da docência o que o credor quer é que o devedor exercite a sua actividade docente, transmitindo ao longo do tempo ensinamentos aos alunos e avaliando o respectivo aproveitamento. O objecto do contrato é a prestação de uma actividade e não o proporcionar o resultado de uma actividade cujo modo de execução seja indiferente para o credor.
Embora se admita também a celebração de contratos de prestação de serviço no âmbito docente, existem indicações no sentido da ‘preferência’ do legislador pela celebração do contrato de trabalho. Relativamente ao ensino superior particular e cooperativo, o art. 24.º do respectivo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei 16/94, de 22 de Janeiro, após anunciar, no seu n.º1, diploma próprio contendo o regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo (diploma já prometido pelo n.º2 do art. 40.º do Decreto-Lei 271/89, mas nunca publicado), dispõe no n.º2 que esse diploma ‘estabelece o regime de contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços’, o que indicia que se considera, à partida, como mais adequado o contrato de trabalho, embora com adaptações justificadas pelo tipo de actividade em causa, e só em condições especiais se deverá consentir o recurso ao contrato de prestação de serviço.
(Cfr. neste sentido o Ac. do S.T.J. de 13.11.2002, Relator Conselheiro Mário Torres, disponível em www.dgsi.pt).
… … … …
O contrato de trabalho tem como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; é ao credor que cabe programar, organizar e dirigir a actividade do devedor, incumbindo-lhe não apenas distribuir as tarefas a realizar, mas ainda definir como, quando, onde e com que meios as deve executar cada um dos trabalhadores.
Ao contrário, no contrato de prestação de serviço o prestador obriga-se à realização de um serviço, que efectuará por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
… … …
A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.
Esta autonomia técnica ocorre em diversas situações, designadamente no exercício de actividades tradicionalmente próprias das profissões liberais (nelas se incluindo obviamente a dos docentes das universidades privadas), sendo certo que a sua compatibilidade com a noção de contrato de trabalho resulta expressamente do art. 112.º.
Tendo em consideração que o contrato de trabalho é, em regra, um contrato não formal, meramente consensual, (…) é possível alcançar a determinação da sua existência e dos seus contornos pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.
… … …
…É fundamental averiguar qual a vontade revelada pelas partes…
Quando tais opções impliquem a prestação heterodeterminada de serviços, são no sentido de um contrato de trabalho.
… … …
Dos Autos mostra-se provado que:
- A Ré BB – ..., CRL., é a entidade instituidora e que explora a Universidade ....
- A A. é engenheira química e celebrou com a 1.ª Ré, em 15 de Outubro de 1997, um contrato de trabalho a termo certo, com início em 15.10.97 e termo em 14.10.98, prorrogável por iguais períodos de tempo enquanto não rescindido, conforme documento constante de fls. 13 a 20.
- Conforme tal contrato, à A. cabia o exercício da actividade de "Professora Auxiliar sem Mestrado", na Universidade ..., pertencente à 1.ª Ré, ministrando as disciplinas que pela 1.ª a Ré lhe fossem atribuídas, de acordo com horários por esta fixados e exercendo a sua actividade nas instalações da 1.ª Ré.
- E,
a) leccionando as aulas teóricas, práticas ou teórico-práticas das disciplinas atribuídas de acordo com o plano de estudos aprovado pela 1.ª Ré;
b) elaborando os programas das disciplinas, relacionando a bibliografia respectiva, nos prazos por esta indicados;
c) assegurando o número de horas semanais que lhe fossem atribuídas pela 1.ª Ré;
d) assegurando o regular funcionamento e vigilância das provas de avaliação, de acordo com os prazos, regulamentos, programas e calendários estabelecidos pela 1.ª Ré;
e) atendendo e procedendo ao aconselhamento dos alunos;
f) registando os respectivos resultados e preenchendo o Livro de Sumários;
g) afixando os resultados de exames e frequências nos prazos estabelecidos pela 1.ª Ré,
h) elaborando sumários e material didáctico;
i) desenvolvendo permanente investigação e
j) participando nas Consultas Escolares e Pedagógicas e nas reuniões de Departamento para que pela 1.ª Ré fosse convocada.
- A remuneração da A. resultava do produto da multiplicação do número de horas de docência prestada em cada mês, pelo valor horário previsto na tabela anexa, tendo ainda direito a subsídio de férias, a férias e ao subsídio de Natal.
- Nos anos lectivos de 1997/1998 e 1998/1999 a A. ministrou a disciplina de Qualidade de Produção, a que adicionou, no ano lectivo de 1999/2000, a disciplina de Auditoria Ambiental, o que até à data da propositura da acção se mantinha, cumprindo as demais imposições estabelecidas pela 1.ª Ré.
- A A. em Outubro de 1997 auferiu o vencimento mensal de Esc. 71.900$00.
- Era a 1.ª Ré que fixava os horários das aulas como entendia.
- Que registou a A. no regime da Segurança Social como trabalhador dependente e fazendo os seus descontos nessa qualidade, emitindo os respectivos recibos.
- A 1.ª Ré reconhece que a A. foi contratada e exerce a sua actividade como trabalhadora dependente, conforme declarações constantes de fls. 27 e 28, sendo que a última declaração da 1.ª Ré é datada de 31 de Janeiro de 2006.
- O coordenador da licenciatura da Universidade ... dava instruções e orientações genéricas aos docentes, detendo estes autonomia técnica na prelecção das disciplinas.
- Os instrumentos de trabalho utilizados pela A. na leccionação das disciplinas eram pertença das Rés.
*
Antes de mais há, desde logo, que averiguar qual foi a vontade das partes e qual o modo como efectivamente se relacionaram.
E quanto à real vontade das partes que deu lugar à celebração do contrato versado nos autos dúvidas não se nos oferecem quanto à opção pelo contrato de trabalho.
E se é certo que não é o «nomen juris» que as partes dão aos contratos eventualmente que determina a aplicação da disciplina jurídica correspondente, havendo que atender antes à regulamentação que seja aplicável ao contrato efectivamente celebrado, também é certo que a denominação atribuída pelas partes não é um dado à partida irrelevante ou inútil, sobretudo quando os contraentes são – como no caso "sub judice" – pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas que se ajustam ao tipo negocial afirmado'.
(Cfr. Ac. do S.T.J. de 16.3.2000, BMJ 497/251 e Ac. S.T.J. de 6.4.2000, AD 471/458 e seguintes).
Começando desde logo pela nomenclatura utilizada no contrato – «contrato de trabalho a termo certo» –, passando depois para a qualificação das partes intervenientes – a 1.ª Ré como «Entidade Empregadora» e a A. como «Trabalhadora» –, aliada à sujeição ao regime previsto no art. 41.º, n.º1, al. b) do Dec.-Lei 64-A/89, de 27/02 (cláusula 2.ª) para justificar a aposição de um termo resolutivo – o que seria manifestamente despiciendo e, até, contraditório caso as partes pretendessem realmente celebrar um contrato de prestação de serviços –, são elementos que apontam claramente pela adopção do figurino do contrato de trabalho subordinado.
Ainda quanto à vontade das partes há que realçar o reconhecimento feito pela 1.ª Ré de a A. ter sido contratada e exercer a sua actividade como trabalhadora dependente, conforme declarações constantes de fls. 27 e 28, sendo a última declaração da 1.ª Ré datada de 31 de Janeiro de 2006.
Por não ser despiciendo, abra-se aqui um breve parêntesis para referir que a discussão acerca da natureza do contrato objecto dos autos apenas se colocou face à posição assumida pelas co-ré CC – ... CRL e DD – não intervenientes na outorga do contrato, as quais puseram em causa a natureza laboral do contrato.
Diversamente, a co-ré BB – Ensino Desenvolvimento e Cooperação CRL, outorgante do contrato, jamais colocou em causa estarmos perante um efectivo contrato de trabalho subordinado, o que diz bem da real vontade das partes intervenientes no contrato em causa.
Fechado tal parêntesis há, por outro lado, que particularizar algumas cláusulas do contrato firmado tendentes a descortinar se entre a autora e a 1.ª ré foi estabelecida e vigorou uma relação jurídica de trabalho subordinado.
Assim, constatamos que:
- Na sua regulamentação foi adoptado o regime previsto para a celebração de contratos de trabalho a termo em conformidade com o estatuído no Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27/02 (cfr. cláusula 3.a do contrato constante de fls. 13 a 20).
- A A. obrigou-se a ministrar as disciplinas que lhe fossem atribuídas pela 1.ª ré, de acordo com os horários por esta fixados, sem prejuízo desta vir a alterá-los caso o interesse da Universidade ... assim o exigisse, bastando, para o efeito, mera comunicação nesse sentido (cfr. cláusula 4.ª, n.º 2 do contrato constante de fls. 13 a 20), o que, de resto, se mostra em consonância com a factualidade assente de ser a 1.ª Ré que fixava os horários das aulas como entendia (ponto 15 do factos provados).
- Caso ocorresse alguma alteração quanto às disciplinas a ministrar ao abrigo do contrato versado nos autos, tal alteração considerava-se como efectiva mediante mera comunicação da 1.ª ré (entidade empregadora) à A. (trabalhadora) nesse sentido (cfr. cláusula 4.ª, n.º 3, do contrato constante de fls. 13 a 20).
- A A. obrigou-se a exercer as suas funções nas instalações da BB onde se encontrar a funcionar a Universidade ... ou nos seus Pólos Universitários, podendo o local de trabalho ser alterado dentro da mesma localidade ou para concelho limítrofe, por decisão unilateral da 1.ª ré, ou para qualquer outro local, por acordo entre as partes (cfr. cláusula 5.ª do contrato constante de fls. 13 a 20).
- A A. (trabalhadora) obrigou-se a exercer as suas funções de acordo com a lei aplicável, com os Estatutos da 1.ª ré (entidade empregadora), com o regulamento de avaliação e com os regulamentos e instruções internas em vigor, obrigando-se, nomeadamente a:
a) - Leccionar as aulas teóricas, práticas ou teórico-práticas das disciplinas
atribuídas, respeitando o programa constante dos planos de estudo superiormente aprovados.
b) - Elaborar os programas das disciplinas relacionando a bibliografia respectiva caso tal lhe venha a ser exigido pela Entidade Empregadora e nos prazos por esta indicados devendo, igualmente, proceder à sua regular actualização.
c) - Assegurar o número de horas semanais que lhe fossem atribuídas, conforme os planos de estudo anteriormente referidos e de acordo com o determinado pela Entidade Empregadora ou por quem a represente.
d) - Assegurar o regular funcionamento e vigilância das provas de avaliação,
normais ou extraordinárias, escritas ou orais, respeitando os prazos que lhe fossem indicados pela Entidade Empregadora, em conformidade com os regulamentos, programas e calendários aprovados pela Entidade Empregadora e de acordo com as instruções que esta lhe transmitir.
e) - Disponibilizar o tempo necessário ao atendimento e acompanhamento de
alunos.
f) - Proceder ao registo de livros de termos, dos resultados nas disciplinas que lhe forem distribuídas, bem como o correcto e atempado preenchimento do livro de sumários, de acordo com os regulamentos e instruções em vigor.
g) - Respeitar os prazos estabelecidos pela Entidade Empregadora para a afixação das classificações dadas nas provas escritas, quer se trate de frequências, quer de exames, cumprindo, igualmente, os relativos à realização das provas orais.
h) - Elaborar sumários, manuais e material didáctico complementar das disciplinas que lhe vierem a ser atribuídas devendo o Trabalhador, ainda, identificar a sua qualidade de docente da Universidade ... nas obras e publicações de índole académico que vier a subscrever e a divulgar.
i) - A desenvolver uma permanente investigação e actualização, bem como a
direcção de pesquisas, dissertações e teses, de acordo com as respectivas habilitações e categorias.
- Participar nos Conselhos Escolares e Pedagógico bem como nas reuniões de Departamento para as quais venha a ser convocado e dar cumprimento às decisões que aí forem adoptadas (cfr. cláusula 6.ª do contrato constante de fls. 13 a 20).
- A remuneração mensal a receber pela A. (trabalhadora) resultava do produto da multiplicação do número de horas de docência efectivamente prestadas em cada mês pelo valor horário previsto na tabela anexa ao contrato (Anexo II).
- A remuneração pelo trabalho prestado com a avaliação em frequências ou exames, escritos ou orais ou qualquer outra a que a A. (trabalhadora) se encontrava obrigada ao abrigo do contrato, seja na qualidade de docente da disciplina, seja por determinação do Director de Departamento ou da Reitoria23, encontrava-se compreendida no montante/hora referido no número anterior (cfr. cláusula 7.ª do contrato constante de fls. 13 a 20).
- Em tudo o mais não expressamente estipulado no contrato aplicavam-se as competentes disposições legais, bem como os regulamentos, estatutos, instruções e usos em vigor, constituindo, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos da Trabalhadora, além de outros expressamente previstos na lei:
a) - O incumprimento dos regulamentos internos ou ordens de serviço do estabelecimento de ensino propriedade da Entidade Empregadora;
b) - Um número de faltas igual ou superior às estipuladas na alínea g) do n.º 2 do artigo 9.° do decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
- A A. (trabalhadora) obrigou-se a justificar, por escrito, à 1.ª Ré (entidade empregadora) as faltas por si dadas com uma antecedência mínima de cinco dias ou, caso estas sejam imprevisíveis, obrigou-se a justificá-las no prazo máximo de setenta e duas horas a contar da data da sua ocorrência (cfr. cláusula 8.ª do contrato constante de fls. 13 a 20).
- A A. (trabalhadora) tem direito a, pelo menos, vinte e dois dias úteis de férias, sendo estas remuneradas, tendo, igualmente, direito a um subsídio de férias, tendo ambos os outorgantes acordado que o período de gozo de férias ocorrerá impreterivelmente durante o mês de Agosto de cada ano (cfr. cláusula 9..ª do contrato constante de fls. 13 a 20).
Ora, estes factos são suficientemente relevantes e significativos no sentido de que a autora estava sujeita às instruções e à direcção da 1.ª ré, o que basta para se concluir pela existência de relação laboral subordinada nos termos do art. 10.°.
Acresce que, para além de alguns factos-indíces já enunciados – tais como a vontade das partes outorgantes, a execução da prestação de trabalho em local definido pelo empregador, estando essa prestação sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02, com o alargamento ou, pelo menos, particularização de alguns comportamentos da A. fundamentadores da verificação de justa causa de despedimento, sem prejuízo dos outros expressamente previstos na lei, a fixação de horário de trabalho pela 1.ª ré, com a faculdade de unilateralmente o poder alterar caso o interesse da Universidade ... assim o exigisse, a obrigação da A. exercer as suas funções de acordo com a lei aplicável, com os Estatutos da 1.ª ré, com o regulamento de avaliação e com os regulamentos e instruções internas em vigor, o direito da A. a, pelo menos, vinte e dois dias úteis de férias, sendo estas remuneradas, tendo, igualmente, direito a um subsídio de férias – mostram-se provados alguns outros indícios, ou índices, significativos, no sentido da subordinação (jurídica) da autora à 1.ª ré, tais como:
- Além de auferir remuneração respeitante a férias e subsídio de férias já referidos, a A. tinha ainda direito ao subsídio de Natal.
O recebimento de tais complementos remuneratórios representa mais um indicador que nos leva a presumir pela existência de uma relação de subordinação (jurídica) da demandante em relação à 1.ª Ré.
- Os instrumentos de trabalho utilizados pela A. na leccionação das disciplinas eram pertença das Rés.
- A 1.ª Ré registou a A. no regime da Segurança Social como trabalhador dependente e fez os seus descontos nessa qualidade, emitindo os respectivos recibos.
Ora, os descontos para a Segurança Social feitos pela 1.ª a Ré são indiciadores de uma relação de subordinação jurídica entre a A. e a 1.ª R., já que tal dever é, normalmente, entendido como indicador da existência de uma relação de trabalho subordinado por revelar, por via indirecta, que quer o beneficiário, quer o devedor da prestação, se comportam mutuamente como empregador e trabalhador assalariado.
A efectivação de tais descontos é, também, reveladora da integração da A. na estrutura organizativa e funcional da 1.ª R., já que tal dever é imposto às entidades patronais, não sendo extensível a outros beneficiários de serviços.
- O coordenador da licenciatura da Universidade ... dava instruções e orientações genéricas aos docentes, detendo estes autonomia técnica na prelecção das disciplinas.
Ora, como já vimos, resulta do disposto no 112.º que a autonomia técnica do trabalhador não constitui, por si, obstáculo a que a sua actividade seja objecto de contrato de trabalho. Isto na medida em que a dependência técnica e científica não é necessária à subordinação jurídica, podendo esta restringir-se a domínios de carácter administrativo e de organização. Nestas situações, o trabalhador somente fica sujeito à observância das directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho – local, horário, normas de procedimento burocrático, regras disciplinares, etc.25.
Em suma: entrando em linha de consideração com a vontade das partes vertida no contrato constante de fls. 13 a 20, traduzida na sujeição do contrato ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02, com algumas particularidades próprias da função de docência; valorando, ainda que com menor relevância, a denominação ou ‘nomen juris’ atribuída ao contrato sobretudo quando os contraentes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas que se ajustam ao tipo negocial afirmado; considerando que o objecto da prestação acordada é o desenvolvimento de uma actividade e não o fornecimento de um resultado; sendo irrelevante a autonomia científica, interessando antes a heterodeterminação (pela 1.ª ré) das condições de prestação dessa actividade, designadamente quanto a horários e local de trabalho; o pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal, e a efectivação de descontos para a Segurança Social apontam no sentido da natureza laboral da relação estabelecida; finalmente, resulta das cláusulas dos contratos celebrados a inserção da autora na estrutura organizativa da ré, com dever de obediência a regulamentos internos e a instruções em vigor na 1.ª ré, sob pena de ser despedida com justa causa, sendo sabido que para a afirmação de uma situação de subordinação jurídica basta a constatação da possibilidade de a entidade patronal exercitar os poderes que essa situação lhe outorga, não sendo necessária a comprovação do efectivo exercício dos mesmos.
Assim, também pelo recurso ao regime estatuído no art. 12°, a valoração global dos factos provados conduz à conclusão de que, no caso concreto, existia uma situação de subordinação jurídica da Autora à 1.ª Ré, o que reconduz à qualificação do contrato celebrado como verdadeiro contrato de trabalho subordinado’.


Tudo visto e ponderado, não temos dúvidas em ratificar a solução eleita, assente aliás em proficiente fundamentação.
O vínculo sujeito foi estabelecido com a 1.ª Ré, ‘BB’, como se sublinhou, que reconheceu expressamente que a A. foi contratada e exerceu a sua actividade como trabalhadora dependente.
Nada obstava legalmente a que assim tivessem outorgado, como se deixou demonstrado de forma bastante.
A contratação de docentes do ensino superior, particular ou cooperativo, como vem sendo jurisprudencialmente firmado neste Supremo Tribunal, pode efectuar-se através de uma ou outra das identificadas modalidades: contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço – art. 24.º/2 do Decreto-Lei n.º16/94, de 22 de Janeiro.

Assim, pelo sobejamente dilucidado – a que mais nenhuma razão ou argumento relevante se justifica aditar com vista à refutação dos fundamentos opostos pela Recorrente, tornando inúteis outras delongas – não podem acolher-se, soçobrando por isso, as correspondentes proposições conclusivas.


B.2Da transmissão do estabelecimento.
A Recorrente insurge-se ainda contra o ajuizado entendimento de que existiu, no caso, transmissão de estabelecimento, nos termos e para os efeitos do art. 318.º do Código do Trabalho, passando para a R./impetrante a titularidade do contrato de trabalho celebrado entre a A. e a co-R ‘BB’.
Argumenta basicamente que não tem sentido a técnica da subrogação ex lege para que aponta a referida previsão porque não há parte mais fraca a necessitar de protecção no âmbito e alcance de toda esta lógica que remete para o limite da auto-regulamentação na solução dos conflitos dos órgãos académicos.
Sendo o conceito de empresa nuclear para o efeito e não fazendo parte da essência de uma Universidade qualquer resquício de índole comercial ou económica, a R. não integra tal noção de empresa ou estabelecimento, faltando por isso um dos pressupostos da transmissão, nos termos do art. 318.º do Código do Trabalho.

No Acórdão ‘sub judicio', ratificando o juízo já antes alcançado na sentença da 1.ª Instância, aduziu-se a seguinte fundamentação: (Transcrevem-se os excertos mais relevantes)
‘A solução desta questão consiste pois em saber se ocorreu uma transmissão da titularidade do estabelecimento, para os efeitos do art. 318.º, entre a R. ‘BB’ e a R. ‘CC’.
A este respeito vem factual e relevantemente provado que em 15 de Outubro de 1997 a A., que é Eng.ª Química, celebrou com a 1.ª R. o contrato de trabalho a termo certo constante de fls. 13-20, nos termos do qual lhe cabia o exercício da actividade de ‘Professora Auxiliar sem Mestrado’, na Universidade ..., pertencente à 1.ª R., ministrando as disciplinas que pela 1.ª R. lhe fossem atribuídas, de acordo com horários por esta fixados e exercendo a sua actividade nas instalações da 1.ª R.
Por comunicação datada de 18 de Outubro de 2005, a 2.ª R. CC informou a A. de que havia celebrado um ‘acordo’ com a 1.ª R., conforme documento cuja cópia consta de fls. 29.
Efectivamente a co-R. ‘BB’ e a co-R. CC outorgaram o ‘Termo de Acordo’, datado de 10 de Fevereiro de 2005, nos termos do qual acordaram na transmissão para a CC do Estabelecimento de Ensino Superior Universitário denominado ‘Universidade ... do Porto’, instituído pela ‘BB’, com a nova designação de ‘DD’.
A CC, na qualidade de entidade instituidora transmissária, recebeu a universalidade de direito constituída pelo estabelecimento de ensino supra mencionado, compreendendo o edifício onde se encontra instalado, todos os bens móveis aí existentes, todas as licenças e alvarás que a este respeitem, bem como o demais património imobiliário especialmente afecto ao mesmo estabelecimento.
Em contrapartida, na aludida qualidade de nova entidade instituidora, a CC obrigou-se a, concluído o processo de transmissão, assumir como seus os contratos vigentes com os docentes e funcionários da até agora denominada UMP.
E "a BB comprometeu-se a transferir o Estabelecimento de Ensino desonerado de quaisquer dívidas fiscais, designadamente IRS, contribuições à Segurança Social e à Caixa Geral de Aposentações sobre remunerações devidas a docentes, funcionários e outros credores ".

E tal como outrossim se consigna na sentença em apreço "resulta, ainda, do aviso n.º 2734/2005 (2a Série) da Direcção-Geral do Ensino Superior, publicado no DR - II Série - de 16/03/2005, que, por despacho de 22/02/2005 da Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior, proferido ao abrigo do disposto na al. b) do art. 9.º e no art. 13.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 16/94, de 22/01, alterado, por ratificação, pela Lei n.º 37/94, de 11/11, e pelo Dec.-Lei n.º 94/99, de 23/03), foi registada a denominação «DD» para o estabelecimento de ensino reconhecido oficialmente pelo Dec.-Lei n.º 313/94, de 23/12, então com a denominação «Universidade ... do Porto».
E o aviso n.º 2735/2005 (2a Série) da Direcção-Geral do Ensino Superior, publicado no DR - II Série - de 16/03/200528, torna público que, por despacho de 22/02/2005 da Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior, é reconhecida a transmissão pela BB - Ensino Desenvolvimento e Cooperação CRL, da Universidade ... do Porto para a CC - ... CRL, mantendo-se as autorizações de funcionamento de cursos conferentes de grau académico, bem como o reconhecimento oficial de graus, relativamente aos cursos ministrados neste estabelecimento de ensino."
Ora, destes factos e designadamente da eficácia probatória decorrente da publicação oficial dos Avisos, resulta pois comprovada a transmissão, pela co-Ré BB - Ensino Desenvolvimento e Cooperação CRL, do estabelecimento de ensino reconhecido oficialmente, então com a denominação «Universidade ... do Porto», para a co-Ré CC - ... CRL.
Esta factualidade configura-se subsumível ao teor da Directiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12.Março.2001, quando no art. 1°/1 dispõe:
a) a presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa ou estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional, quer de uma fusão.
c) A presente directiva é aplicável a todas as empresas públicas ou privadas que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativos. (...) "
E - por força da transposição operada pelo art. 2.º, al. q), da L. 99/2003, de 27- 08, que aprovou o Código do Trabalho - também [é subsumível] ao art.318° deste diploma laboral, que estabelece:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores (...).
2 - Durante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão.
3 - 0 disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica.
4 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica principal ou acessória.
Daqui decorre, na verdade, de forma mais abrangente, mas com raízes já no direito anterior (art. 37.º da LCT) que por empresa ou estabelecimento se entende quer a organização afecta ao exercício do comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens ou fornecimento de serviços, desde que dotada de uma natureza técnica organizativa própria, conservando a respectiva identidade e prossecução da sua actividade especifica.
Nem se argumente que não se abrangem nestes preceitos os estabelecimentos de ensino superior privado cooperativo (EESPC), porquanto como escreve Palma Ramalho30 ‘os termos amplos do art. 318° viabilizam a aplicação deste regime não apenas a transmissões da titularidade ou da exploração de unidades negociais no âmbito do sector privado, mas também a transmissões que envolvem os sectores público e privado, caindo sob a alçada da norma as concessões de serviços públicos a entes privados ou outras formas de cedência da exploração de actividades públicas a entes privados, bem como a respectiva reversão’.
E sendo assim, como nos parece, aqui se tem de incluir o caso de um estabelecimento superior de ensino, cuja transferência resulta designadamente, como no caso em apreço, de uma cessão convencional, sendo irrelevante, ao invés do exigido no art. 37.º da LCT, a ocorrência de qualquer hiato de actividade, relevando somente a prossecução da actividade principal ou acessória determinante outrossim da transmissão automática dos vínculos laborais.
Destarte, no caso sub judice - estabelecimento de ensino superior - a transmissão por cessão convencional operou ‘ope legis’ pelo processo da autorização do Ministério competente que culminou através da publicação dos anúncios, na respectivo DR - II Série, de 16 de Março de 2005.
E se, como diz a recorrente, o contexto universitário não é de todo um contexto empresarial, também é certo que o art. 318.°/4 do CT considera unidade económica o conjunto de meios organizados não só para prosseguir uma actividade económica, a título principal, mas também a título acessório.
Aliás, como a propósito igualmente esclarece a sentença sub judice "dos factos supra enumerados resulta comprovada a transmissão, pela co-Ré BB - Ensino Desenvolvimento e Cooperação CRL, do estabelecimento de ensino reconhecido oficialmente, então com a denominação «Universidade ... do Porto», para a co-Ré CC - ... CRL.
Para o efeito enunciam-se os critérios que indiciam inequivocamente a manutenção da unidade económica, como seja:
- A transmissão da universalidade de direito constituída pelo estabelecimento de ensino supra mencionado, compreendendo o edifício onde se encontra instalado, todos os bens móveis aí existentes, todas as licenças e alvarás que a este respeitem, bem como o demais património imobiliário especialmente afecto ao mesmo estabelecimento;
- A obrigação de, uma vez concluído o processo de transmissão, assumir como seus os contratos vigentes com os docentes e funcionários da até agora denominada UMP, ou seja, a assunção dos contratos dos efectivos da UMP;
- A natureza claramente similar da actividade prosseguida antes e depois da transmissão e a continuidade dessa actividade, tendo por objecto o ensino e a formação profissional, traduzida na prelecção de Cursos de Ensino Superior Universitário.
Donde se conclui que, tendo ocorrido transmissão do estabelecimento de ensino então denominado «Universidade ... do Porto» para a co-Ré CC - ... CRL, nos termos referidos no art. 318.°, esta passou a ocupar a posição jurídica de empregadora relativamente à Autora AA.
O mesmo é dizer que se transmitiu para a co-ré CC a posição contratual que a Autora detinha em relação à co-ré BB (sujeita a contrato de trabalho subordinado), que passou a ser a sua entidade patronal."
Donde sem olvidar a índole pedagógica primeira do estabelecimento de ensino superior particular e cooperativo, também não se deve ignorar que, ao menos acessoriamente, prossegue uma actividade económica.
Ante o exposto, e ao invés do defendido pela recorrente, parece-nos que o caso em apreço é, reiteramo-lo, subsumível à transmissão de estabelecimento prevista no art. 318° do C Trabalho , com as inerentes e legais consequências’.

As considerações transcritas, que enformam estruturalmente a solução sob protesto, concitam, no essencial, o nosso sufrágio, conduzindo logicamente à confirmação do julgado, também nesta parte.
Com efeito, como vem sendo reiterado entendimento deste Supremo Tribunal (cfr, v.g., a sustentação jurídica expendida no recente Acórdão desta Secção, tirado na Revista n.º 1493/07.0TTLSB.L1.S1, da pretérita Sessão de 23.3.2011), o regime jurídico que enforma o art. 318.º do Código do Trabalho - visando salvaguardar, por um lado, o interesse do cessionário em receber uma empresa com plena operacionalidade e eficácia e, por outro, acautelar a manutenção dos contratos de trabalho, protegendo os trabalhadores das vicissitudes da alteração da sua titularidade - consagrou um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele incluídas todas as situações em que aconteça a passagem, seja a que título for, do complexo jurídico-económico em que o trabalhador esteja integrado.
Assim, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores – n.º1 do art. 318.º.
Para o efeito – e corporizando as directivas e Jurisprudência comunitárias identificadas no Aresto vindo de referir, maxime a Directiva n.º 2001/23/CE - considera-se unidade económica (n.º4 da mesma norma) o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
A unidade económica pressuposta (empresa/estabelecimento) é afinal um conjunto de meios organizados com o objectivo de prosseguir uma actividade que, não obstante a mudança de titularidade, mantém a estabilidade produtiva e a sua identidade.
(A Directiva a que nos reportamos, como informa Júlio Gomes, ‘Direito do Trabalho’, Vol. I, pg. 810, contém no seu art. 1.º, c), o esclarecimento de que a actividade económica pode ser com ou sem fins lucrativos, cabendo inclusivamente no seu âmbito de aplicação uma entidade que se destine à produção de bens ou à prestação de serviços).

Donde a acertada conclusão de que - mesmo admitida a especial natureza da R. e/ou a sua vocação pedagógica e não imediatamente empresarial, ‘proprio sensu’ - o escopo que prossegue não pode deixar de ser entendido, ao menos acessoriamente, como constituindo uma actividade económica para os efeitos em causa.

Soçobram consequentemente as correspondentes asserções conclusivas alinhadas pela Recorrente, inexistindo fundamento bastante para alterar o julgado.

III –
DECISÃO
Nos termos expostos, delibera-se negar a Revista, confirmando integralmente o Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 04 de Maio de 2011

Fernandes da Silva (Relator)
Gonçalves Rocha
Pinto Hespanhol