ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
473/07.0TTCBR.C1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/09/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PEREIRA RODRIGUES

DESCRITORES UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
REGULAMENTO INTERNO
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO

SUMÁRIO I. Nos termos do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, a contratação do corpo docente desta Universidade é feita de acordo com o Regulamento Interno, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes.

II. O Regulamento Interno constitui, assim, a atinente regulamentação para a contratação do seu corpo docente, sendo que no tocante à forma da celebração desta contratação não estabelece a observância de quaisquer requisitos, prevalecendo, por isso, a regra geral da liberdade de forma.

III. Deste modo, qualquer contrato de trabalho de docente celebrado na UCP não carece para a sua validade formal de ser vertido em documento escrito, mesmo quando seja estabelecido a termo.

IV. O contrato de provimento de assistentes tem a duração de seis anos, prorrogável por mais dois, mas a prorrogação não é automática, sendo antes autorizada pelo Reitor, precedendo proposta do respectivo Conselho Científico, desde que o assistente tenha em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento.

V. Se o assistente, decorridos os seis anos, não reunir os requisitos para a prorrogação do contrato, mas apesar de tudo for mantido ao serviço por mais cerca de três meses, o contrato não se pode haver por prorrogado automaticamente por mais dois anos, antes se considerando legalmente cessado com oportuna comunicação nesse sentido por parte da UCP.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL          

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Coimbra, AA instaurou, contra a Universidade Católica Portuguesa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, alegando, em síntese, que:

Foi contratada, verbalmente, pela ré, em 01/04/2000, para exercer, ao serviço subordinado desta, funções de investigação, na área de Histologia, mediante remuneração base, ilíquida, de 233.230$00 (reduzida a metade até Agosto de 2000) e outros complementos remuneratórios;

Não tendo sido criadas pela ré quaisquer condições para investigação, passou a desempenhar funções da categoria profissional de docente;

A remuneração base foi sendo actualizada até € 1.389,34, auferindo ainda a autora, sem recibo, a quantia média, mensal, de 100.000$00 (€ 498,80);

Em 15 de Maio de 2006, a autora veio a receber um ofício, em que a ré comunicou a extinção do seu contrato de trabalho, com efeitos reportados a 31/08/2006, por não ter concluído provas de doutoramento no prazo previsto na lei (Estatuto da Carreira Docente — Dec-Lei 128/90, de 17/4), extinção que a autora não aceitou;

Mesmo que ao caso fosse aplicável o Estatuto aludido, a denúncia do contrato teria que ser comunicada com a antecedência de 90 dias antes de 31 de Março e não para 31 de Agosto, mostrando-se, por isso, já renovado o prazo do contrato quando a autora recebeu o pré-aviso da ré;

Além disso, por lhe não ter sido facultada qualquer legislação, a autora desconhecia os prazos para concluir provas de doutoramento para progredir na carreira;

Apesar de estar matriculada no doutoramento em Ciências Biomédicas na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, não lhe foram proporcionadas as condições mínimas de redução do horário de trabalho para o obter;

A dispensa da ré constituiu um despedimento ilícito, daí devendo ser extraídas as legais consequências.

Pediu: a) a declaração de nulidade do seu despedimento pela ré; b) a condenação da ré a reintegrá-la no seu quadro de pessoal, no mesmo local de trabalho, com a mesma antiguidade, categoria profissional, com o mesmo salário, incluindo a verba referida no artigo 9º da petição inicial (o inicial acréscimo extra recibo), actualizado por força de eventuais actualizações salariais, e as demais regalias descritas na petição inicial; c) a condenação da ré a tudo isto reconhecer, com todas as legais consequências; d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 12.507,86, conforme descrição do artigo 37º da petição inicial; e) a condenação da ré a pagar-lhe todos os salários e subsídios que se vencerem desde a presente data até à reintegração.

Contestou a Ré alegando, em síntese, que:

A Autora foi contratada como assistente, estando sujeita às regras dos Estatutos da Ré e, remissivamente, ao Estatuto da Carreira Docente Universitária;

Não tendo concluído doutoramento no prazo legalmente previsto, extinguiu-se o contrato de trabalho, inexistindo despedimento ilícito, nem lhe sendo devida qualquer indemnização;

À Autora deixou de ser paga a gratificação que é paga aos docentes integrados na carreira e que desempenhem as funções em regime de dedicação plena e em tempo integral, quando deixou de estar em regime de dedicação plena e já lhe foram pagos todos os créditos a que tinha direito.

Prosseguindo o processo os seus termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente no sentido de: a) ordenar o diferimento dos efeitos da comunicação de denúncia (enviada pela ré à autora) do contrato de trabalho docente celebrado entre as partes para 31 de Março de 2008; b) condenar a ré a pagar à autora, a título de retribuições vencidas até 31 de Março de 2008 (incluindo retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal) a quantia total de € 32.996,83; c) absolver a ré de tudo o demais peticionado.

Inconformada, a Ré recorreu da sentença e, tendo os autos prosseguido seus termos, veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no qual se acordou, por unanimidade, em confirmar a sentença recorrida.

Mais uma vez inconformada, a Ré interpôs recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

«1ª.- O douto acórdão recorrido, ao ter confirmado a decisão proferida em 1ª instância, incorreu em erro de interpretação e aplicação dos art.°s 39°, n.°s 1, 3 e 4 e 34°, n.º 1, alínea c), e n.º 2 do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa e dos art.°s 384°, alínea a), e 387°, alínea b), do Código do Trabalho, em vigor à data da cessação do contrato.

2ª.- A A./recorrida, por dispor do grau de Mestre, foi contratada como Assistente, pelo prazo de seis anos, atento o disposto no art°. 39°, n° 1, do ECDUCP.

3ª.- A A./recorrida sabia que a duração do seu contrato era de seis anos e que, para poder continuar nos quadros da UCP como docente, tinha de realizar as provas de doutoramento dentro de tal prazo. Sendo que,

4ª.- A A./recorrida, caso tivesse em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento, poderia requerer a prorrogação do contrato, a qual, em tal hipótese, seria autorizada pelo Senhor Reitor, mediante proposta do Conselho Científico fundamentada no relatório do orientador da dissertação e na informação do(s) professor(es) responsáveis pelas disciplina(s) em que o assistente presta serviço, como inequivocamente decorre do art°. 39°, n° s. 1, 3 e 4, do ECDUCP.

5ª.- A A./recorrida não obteve o grau ou título de "doutor" no prazo de seis anos e, por não dispor em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento (factualidade que nem sequer foi alegada, bem pelo contrário: afirmou na petição inicial que apenas se inscreveu no doutoramento em Setembro de 2005, ou seja, seis meses antes do termo do contrato), não requereu (nem podia requerer) a prorrogação do contrato pelo prazo de dois anos.

6ª.- À data da celebração do contrato entre a R./recorrente e a A./recorrida encontravam-se satisfeitos os respectivos requisitos, nada impossibilitando o exercício das funções docentes.

7ª.- Com a não obtenção do grau de "doutor" no prazo de seis anos (e dado que a prorrogação não era legalmente admissível), passou a faltar à docente o preenchimento de um requisito essencial ao exercício das contratadas funções de docência - o que determina a cessação do contrato. E,

8ª.- Ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido, a impossibilidade em causa é superveniente, absoluta e definitiva na medida em que, dependendo a obtenção do grau de "doutor" apenas da A./recorrida, não era exigível que R./recorrente aguardasse por mais tempo o seu preenchimento [art°. 34°, n° 1, al. c) e n° 2 e art°. 39° do ECDUCP e art.s. 384°, al. c) e 387°, al. b), do C.T. então em vigor].

9ª.- O douto acórdão recorrido ao considerar que a não obtenção do grau de "doutor" não gera a impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de manutenção do contrato, na medida em que o preenchimento de tal requisito dependia apenas da A. Recorrida e que não era exigível à recorrente aguardar por mais tempo o seu preenchimento, viola o art. 34° n.° 1 alínea c) e n.° 2 Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa e o art. 384° alínea c) e art. 387° alínea b) ambos do Código de Trabalho então em vigor.

10ª.- Fazendo a recorrente cessar o contrato pela forma que o fez, o mesmo extinguiu-se por caducidade e por impossibilidade absoluta da docente prestar o trabalho a que se vinculou (art. 34°, n.º 1, alínea c) e n.° 2 Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa e o art° 384° alínea c) e art. 387°, alínea b), ambos do Código de Trabalho). Pelo que,

11ª.- Deverá ser concedida revista e revogado o douto acórdão, interpretando-se os preceitos supra referidos nos termos preditos, o que acarretará a absolvição da recorrente no pagamento das retribuições e legais acréscimos de Setembro de 2006 a 31 de Março de 2008 em que foi condenada.

NESTES TERMOS,

DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROCEDENTE E POR VIA DISSO, SER CONCEDIDA REVISTA, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, NOS TERMOS PREDITOS, COM A CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO DA RECORRENTE DO PAGAMENTO DA QUANTIA EM QUE FOI CONDENADA».

A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, mas não apresentou conclusões.

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido de dever ser negada a Revista, ao qual a Recorrente apresentou resposta, manifestando o seu dissentimento, por considerar que o parecer é contraditório nos seus termos e pugnar por uma solução destituída de fundamento legal.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar a questão que se coloca à apreciação, que é a de saber se o contrato se extinguiu por caducidade e por impossibilidade absoluta da Autora de prestar o trabalho a que se vinculou.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1- No dia 1 de Abril de 2000, a Ré admitiu a ora Autora ao seu serviço, por contrato de trabalho subordinado, não reduzido a escrito.

2- Essa admissão iniciou-se com um convite feito pelo Prof. BB, então coordenador do Curso de Medicina Dentária do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa, para exercer funções de investigação no mesmo Centro Regional, sito na Estrada da Circunvalação, em Viseu, na área de Histologia.

3- A Universidade Católica Portuguesa acordou pagar à Autora a remuneração base mensal, ilíquida, de 233.230$00, equivalente a 1.163,35 euros (mas que, até Agosto de 2000, foi reduzida a metade), paga em 12 mensalidades, acrescida de subsídios de Natal e de férias e ainda de subsídio de refeição, por cada dia de trabalho, no montante diário de 643$00 (3,21 euros).

4- Não tendo sido facultados, pela demandada à Autora, os meios para proceder a qualquer investigação, quer a nível do horário de trabalho, quer em termos de equipamentos, a Autora, a partir daquele dia 1 de Abril de 2000, passou a desempenhar as funções e tarefas correspondentes à categoria profissional de docente, categoria que lhe foi atribuída pela sua entidade patronal, cumprindo o horário de trabalho por esta sempre determinado.

5- Por ordem da ora Ré e sempre sob a sua direcção e remuneração, passou a Autora a exercer as referidas funções de docente no referido Centro Regional das Beiras da Ré, leccionando, ao longo do período em que trabalhou por conta da demandada, as seguintes cadeiras: Micro-Biologia, Higiene e Segurança Laboratorial, Higiene Alimentar e Histologia e Embriologia, nesta última dando aulas práticas e teóricas.

6- E mediante a referida remuneração fixa até Setembro de 2000 e, a partir dessa data, a quantia mensal, aproximada, mas não inferior a 233.230$00 (equivalente a 1.163,35 euros) e que foi sendo actualizada, fixando-se, actualmente, na quantia mensal de 1.389,34 euros.

7- A Autora recebeu também da ré, mensalmente, embora sem constar do recibo de vencimento, uma quantia média não inferior a 100.000$00 (ou 498,80 euros), verba esta que a Ré deixou de pagar à autora em Janeiro de 2003.

8- Por ofício da Ré, expedido por carta registada com aviso de recepção, no dia 15 de Maio de 2006, mas efectivamente recebido pela Autora no dia 18 de Maio de 2006, a ré comunicou à Autora que: «- no dia 1 de Abril de 2000 celebrou com a autora contrato especial de trabalho docente; - foi contratada com a categoria de “assistente” integrada na carreira docente e subordinada à obtenção dos graus académicos indispensáveis à progressão na carreira; - devia ter concluído o doutoramento até 31 de Março de 2006; - por não ter concluído as provas de doutoramento comunico que consideramos que o mesmo se extinguirá nos termos do disposto no artigo 34º, nº1 e 2 do ECD (Estatuto da Carreira Docente – Lei nº 128/90, de 17 de Abril), a partir do dia 31 de Agosto de 2006».

9- A autora foi inicialmente contratada para exercer funções de assistente de investigação.

10- O contrato não foi celebrado por escrito.

11- A autora está matriculada no doutoramento em Ciências Biomédicas, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, desde Setembro de 2005.

12- A demandada não proporcionou à Autora nem possuía quaisquer condições técnicas – ao nível de equipamentos, de produtos, de laboratórios, de salas de animais de experimentação, de logística – assim como não tinha orientador, na área da Autora, para a acompanhar no seu doutoramento.

13- Por outro lado, a demandada não concedeu à Autora, não obstante esta lho ter solicitado, qualquer redução de horário de trabalho ou horário compatível para a realização do doutoramento e, após a sua inscrição, para a preparação dos trabalhos necessários ao doutoramento, inibindo-a de comparecer, com a necessária frequência, na Faculdade de Medicina, em Coimbra.

14- E ordenou-lhe, o que a Autora teve que aceitar, que executasse as funções de docência descritas em 5.

15- A Ré designa o contrato da Autora como Contrato Especial de Trabalho Docente.

16- Na sequência do convite mencionado em 2 a Autora foi admitida ao serviço da Ré em 1/4/2000, mas impondo-lhe os órgãos decisórios desta que a sua contratação fosse para exercer funções docentes no Curso de Medicina Dentária no C.R.B./U.C.P..

17- O Curso de Medicina Dentária apenas teve o seu início em Setembro de 2000, com o 1º Ano.

18- A Autora foi contratada em Abril de 2000, quando ainda não eram leccionadas quaisquer aulas, figurando no recibo de remuneração a categoria de assistente de investigação.

19- A Autora, desde Setembro de 2000 até à cessação do contrato, desempenhou sempre e exclusivamente funções docentes com a categoria de Assistente.

20- A Autora era titular do grau de Mestre e foi admitida ao serviço da ré levando em conta este grau académico.

21- Sabia que a duração do contrato como assistente é de seis anos, prorrogável por mais dois, se autorizada pelo Reitor.

22- A Autora sabia que, para poder continuar nos quadros da UCP como docente, tinha de realizar as provas de doutoramento dentro do prazo legal.

23- A Ré concedia uma quantia como contrapartida da dedicação exclusiva dos seus docentes que estivessem ao abrigo desse estatuto.

24- Tal quantia apenas seria paga aos docentes integrados na carreira, que desempenhassem as funções em regime de dedicação plena e em tempo integral.

25- À autora já foram pagos o proporcional do subsídio de Natal de 2006 correspondente aos meses de Janeiro até Agosto desse ano, bem como o proporcional de férias e subsídio de férias correspondente aos meses de Janeiro a Agosto de 2006.

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Para tentar ensaiar uma resposta para a questão, que a Recorrente suscita na presente Revista, cabe chamar à colação que, como é entendimento pacífico no âmbito da acção, na esteira do que também tem sido entendido noutros arestos, ao contrato dos autos não é aplicável a disciplina do Código do Trabalho, mas sim o regime especial consagrado no Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, como, de resto, o estabelece o artigo 5º, nº 2, do DL nº 128/90, de 17 de Abril, ao dizer que «[a] contratação do corpo docente da Universidade Católica Portuguesa é feita de acordo com o Regulamento Interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes».

E o artigo 7.º, do mesmo diploma, insiste em chamar a atenção para o regime específico da UCP, ao consignar que «[e]m tudo quanto não estiver previsto no presente diploma, a Universidade Católica Portuguesa rege-se de harmonia com o disposto no artigo XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, de 7 de Maio de 1940, pela legislação canónica aplicável e pelos seus estatutos e regulamentos próprios».

Pretendeu, assim, o legislador, conferir à UCP, ampla liberdade de estabelecimento das regras pelas quais pretendesse reger a contratação do pessoal docente, sem ter que se sujeitar ao regime comum do Código do Trabalho.

E a UCP criou, de facto, o Estatuto da Carreira Docente da UCP — junto aos autos 41 e seguintes[1] —, no qual constitui a atinente regulamentação para a contratação do seu corpo docente, sendo que no tocante à forma da celebração desta contratação não estabelece a observância de quaisquer requisitos, o que só pode ter a consequência de se cair na regra geral da liberdade de forma, conforme preceitua o artigo 219.º do Código Civil.

Deste modo, qualquer contrato de trabalho de docente celebrado na UCP não carece para a sua validade formal de ser vertido em documento escrito, mesmo quando seja estabelecido a termo.

No caso dos autos, a Autora foi admitida ao serviço da UCP por acordo verbal, como aquela alegou e se provou, mas ao contrário do que a mesma defende, o contrato pelo facto de ter sido celebrado verbalmente não é, por tal razão, de considerar como contrato por tempo indeterminado.

A ausência da forma escrita na contratação do pessoal docente da UCP é fácil de entender em face do respectivo Estatuto da Carreira Docente, onde se estabelecem normas precisas para a admissão das várias categorias de docentes e para a extinção dos respectivos contratos.

Assim, nos termos do artigo 18.º daquele Estatuto «[o]s professores são recrutados por: a) Concurso público; b) Transferência; c) Convite».

No artigo 37.º, n.º 3 do mesmo Estatuto estabelece-se que «[o] contrato dos professores não pertencentes ao quadro é sempre feito por tempo determinado podendo ser renovado».

E o artigo 39.º do mesmo regulamento estipula o seguinte:

«1. O contrato de provimento de assistentes tem a duração de seis anos, prorrogável por mais dois, salvo o disposto no número seguinte.

2. A duração do contrato dos assistentes recrutados nos termos da alínea d) do n° l do artigo 29° é de dois anos, prorrogável por mais dois.

3. A prorrogação do contrato é autorizada pelo Reitor, precedendo proposta do respectivo Conselho Científico, desde que o assistente tenha em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento.

4. A proposta do Conselho Científico fundamenta-se em relatório do orientador da dissertação e informação do professor ou professores responsáveis pela disciplina ou disciplinas em que o assistente presta serviço.

5. Requeridas as provas de doutoramento, o contrato é prorrogado até à sua realização».

Foi, assim, que, nos termos das normas citadas, no dia 1 de Abril de 2000, a Ré admitiu a ora Autora ao seu serviço, por contrato de trabalho subordinado, não reduzido a escrito, iniciando-se tal admissão com um convite feito pelo Prof. BB, então coordenador do Curso de Medicina Dentária do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa, para exercer funções de investigação no mesmo Centro Regional.

 A Autora, desde Setembro de 2000 até à cessação do contrato, desempenhou sempre e exclusivamente funções docentes com a categoria de Assistente, bem sabendo que a duração do contrato como assistente é de seis anos, prorrogável por mais dois, se autorizada pelo Reitor.

Perante as normas em vigor na UCP e os termos em que o contrato de trabalho da Autora foi estabelecido, tal contrato caducava em 01.04.2006, caso não fosse renovado. E como a seguir se verá também poderia caducar por impossibilidade superveniente.

Com efeito, nos termos do artigo 34.º, que regula o modo de extinção dos contratos,

«1. O contrato extingue-se por: a) Acordo a todo o tempo; b) Denúncia de qualquer das partes, até noventa dias antes do termo do respectivo prazo, quando renovável; c) Caducidade; d) Decisão final proferida na sequência de processo disciplinar; e) Remoção, tratando-se de docentes de Faculdades Eclesiásticas, nos termos do artigo 22º das Ordenações da Sapientia Christiana.

2. Caduca o contrato pelo decurso do prazo nele fixado ou quando se verifica a impossibilidade absoluta e definitiva de o docente prestar o trabalho a que se vinculou.[...]».

Como bem assinala a Recorrente, o contrato de trabalho de um assistente, nos termos do art. 39.º, n.º 1 do Estatuto da Carreira Docente da UCP, tem a duração de seis anos, findos os quais se verificará uma das seguintes situações:

a) O assistente obtém o grau ou título de “doutor” no aludido prazo de seis anos e então poderá, nos termos do art. 23.° do referido Estatuto, ser oponente ao concurso para professor auxiliar e, consequentemente, ser contratado, nessa qualidade, por um prazo de cinco anos (art. 37.°, n° 2, do Estatuto), passando depois a professor por tempo indeterminado, salvo denúncia de qualquer das partes (interpretação conjugada do art. 37.°, n.º 1, com o art. 38.° do Estatuto da Carreira Docente da UCP).

b) O assistente não obtém o grau ou título de “doutor” no dito prazo dos seis anos, mas tem em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento e nesse caso a prorrogação do contrato será autorizada pelo Reitor, mediante proposta do Conselho Científico fundamentada no relatório do orientador da dissertação e na informação do professor ou dos professores responsáveis pelas disciplinas em que o assistente presta serviço.

c) O assistente não obtém o grau ou título de “doutor”, nem possui em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento e neste caso a prorrogação do contrato do contrato não pode ter lugar, pelo que o mesmo caducará, não só pelo decurso do prazo, como também pela impossibilidade absoluta e definitiva de o docente continuar a prestar o trabalho a que se vinculou.

No caso em apreço, tal como decorre dos factos provados, a Autora, desde Setembro de 2000 até à cessação do contrato, desempenhou sempre e exclusivamente funções docentes com a categoria de Assistente, sabendo que, de acordo com o respectivo Estatuto, a duração do contrato como assistente era de seis anos e que, para poder continuar nos quadros da UCP como docente, tinha de realizar as provas de doutoramento dentro do prazo legal e que, a não se verificar esta situação, o contrato apenas seria prorrogável, por mais dois anos, se tivesse em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento e se a prorrogação fosse autorizada pelo Reitor.

Ora, quando haviam decorrido os seis anos após o início do contrato, em 01.04.2006, a Autora não só não havia realizado provas de doutoramento, como não se provou que possuísse em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento, estando provado apenas que desde Setembro de 2005 se encontrava matriculada no doutoramento em Ciências Biomédicas, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, sendo certo que nem a Autora invoca que estivesse em condição de o contrato ser prorrogado.

E, na verdade, a Ré UCP, não só não prorrogou o contrato, prorrogação que nem a Autora solicitou, como por carta de 15 de Maio de 2006, comunicou à Autora que: «- no dia 1 de Abril de 2000 celebrou com a autora contrato especial de trabalho docente; - foi contratada com a categoria de “assistente” integrada na carreira docente e subordinada à obtenção dos graus académicos indispensáveis à progressão na carreira; - devia ter concluído o doutoramento até 31 de Março de 2006; - por não ter concluído as provas de doutoramento comunico que consideramos que o mesmo se extinguirá nos termos do disposto no artigo 34º, nº 1 e 2 do ECD (Estatuto da Carreira Docente – Lei nº 128/90, de 17 de Abril), a partir do dia 31 de Agosto de 2006».

Será que o contrato dos autos se deve considerar legalmente cessado por caducidade, no caso até invocada pela Ré, ou ao contrário se deve considerar prorrogado por mais dois anos como se defendeu nas instâncias?

A fundamentação aduzida nas instâncias para considerar o contrato prorrogado por mais dois anos, não é, minimamente, convincente e assenta no errado pressuposto de que a prorrogação do contrato da Autora ocorreu automaticamente, por a Ré não ter feito cessar de imediato o contrato, findo o respectivo prazo (01.04.2006) e antes ter comunicado à Autora a cessação apenas a partir de 31.08.2006.

Sucede que o Estatuto da Carreira Docente da UCP, que é o único que rege a matéria, não prevê a prorrogação automática do contrato da Autora, antes a condicionando a determinados requisitos materiais e de forma.

Com efeito, o Conselho Científico apenas poderá apresentar a proposta de prorrogação do contrato por mais dois anos (obviamente, a requerimento do docente) se e apenas se o docente tiver em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento (art. 39.°, n° 3, do Estatuto referido).

Acresce que a proposta do Conselho Científico não depende da sua "livre e discricionária" decisão, uma vez que terá de ser fundamentada em relatório do orientador da dissertação e em informação do professor ou professores responsáveis pela disciplina ou disciplinas em que o assistente presta serviço. E apenas verificadas, cumulativamente, as condições estabelecidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 39.º do aludido Estatuto será autorizada pelo Reitor a prorrogação do contrato pelo prazo de dois anos.

Não estando prevista, no Estatuto em causa, a prorrogação automática do contrato da Autora, nem mesmo como cominação por qualquer comportamento omissivo da Ré, nem se verificando tão-pouco o condicionalismo da eventual prorrogação, tem de se aceitar que a Ré podia fazer cessar o contrato que mantinha com a Autora.

E se o tivesse feito de imediato quando o termo do contrato se completou, ao que parece, nenhuma polémica se suscitaria.

Acontece que é compreensível que a Ré o não fizesse desde logo, não só por o contrato a termo não estar sujeito a renovação automática, como também por, naturalmente, carecer de elementos para saber se iria prorrogar o contrato ou declarar a sua caducidade. Certamente que se a hipótese fosse a de prorrogação do contrato também não o faria de imediato dado o formalismo a que estava sujeita.

O facto de a Ré ter comunicado à Autora a cessação do contrato para uma data diferida, coincidente com o fim do ano lectivo, não parece relevar em face do Estatuto da Carreira Docente da UCP, tanto mais quanto é certo que tal diferimento nem parece ter sido em prejuízo da Autora, que certamente apenas no início do ano lectivo seguinte iria obter nova colocação.

Na prática, a Ré procedeu a uma prorrogação do prazo do contrato da Autora para o final do ano lectivo, à semelhança do que prevê o Estatuto da Carreira Docente Universitária [aprovado pelo Decreto-Lei 448/79, de 13/11], que no artigo 26.º, n.º 5 estabelece que «[p]or despacho do reitor, sob proposta do conselho científico da escola, poderão ser prorrogados até ao termo do ano escolar os contratos de assistentes cujo termo ocorra no decurso do ano escolar».

Não se descortina qualquer impedimento legal ou regulamentar para que a Ré UCP usasse de semelhante mecanismo de prorrogação do contrato da Autora, fazendo protrair o seu termo para 31 de Agosto de 2006.

O que parece insustentável é a tese das instâncias de que, verificada a prorrogação, esta teria de ser por dois anos, nos termos do art. 39.°, n.º 1, do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa.

Do que se conclui que tendo-se o contrato extinguido nos termos em que se extinguiu e pelas razões que se deixaram expostas, a Ré, ora Recorrente, nada mais tinha a pagar à Autora para além de 31 de Agosto de 2006, designadamente as retribuições em que foi condenada desde Setembro de 2006 até 31 de Março de 2008 e legais acréscimos retributivos, no valor de € 32.996,83, pelo que tem de ser absolvida integralmente do pedido.

Diga-se, por último, que a actuação da Ré, ao contrário do que invoca a Recorrida e parece sugerido na decisão da 1.ª instância, não envolve qualquer abuso de direito nos termos do artigo 334.º do CC, tanto mais no contexto em que se pretende defender que, apesar do estipulado no Estatuto da Carreira Docente da Ré, o contrato da Recorrida sempre poderia por aquela ser prorrogado. É que, se assim se opina, igualmente terá de se aceitar que a Ré também poderia prorrogar o contrato apenas até 31 de Agosto de 2006.

Procedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se a Revista e revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se a Ré do pedido.

Custas na revista e nas instâncias pela Recorrida.

Lisboa, 9 de Novembro de 2011. 

      

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

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[1] Também acessível em http://www.ucp.pt/site/resources/documents/Est.Carreira_Docente.pdf.