PROCESSO |
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DATA DO ACÓRDÃO | 10/14/2011 | ||
SECÇÃO | REVISTA EXCEPCIONAL |
RE | |
MEIO PROCESSUAL | REVISTA EXCEPCIONAL |
DECISÃO | NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCEPCIONAL |
VOTAÇÃO | UNANIMIDADE |
RELATOR | SEBASTIÃO PÓVOAS |
DESCRITORES | RELEVÂNCIA SOCIAL DESPEJO REVISTA EXCEPCIONAL |
SUMÁRIO | a) O requisito da alínea b) do n.° 1 do artigo 721-A do Código de Processo Civil — estar em causa interesse de particular relevância social — tem de ser alegado e motivado pelo recorrente que procurará convencer o Tribunal da sua indiciação. b) Tratando-se de conceito muito indeterminado a sua densificação será feita casuisticamente, na ponderação de um enquadramento conceptual exemplificativo para o qual, além do mais, releva a repercussão (em situação limite, o alarme) a larga controvérsia, por conexão com inquietantes valores sócio culturais, perturbadoras implicações politicas ou outras situações que questionem a eficácia ou credibilidade do direito. c) Na verificação do requisito há que ter em conta o pedido, a causa de pedir da lide e a matéria de facto assente pelas instâncias. d) Tratando-se de acção de reivindicação em que o Réu é condenado a entregar a fracção de habitação que ocupa, o facto de alegar ter muita idade, ser doente, que ali reside há anos e tem precária situação económica, não basta para que se considere estar em causa questão de particular relevância social pois, ainda que a provar-se a factualidade descrita, trata-se de caso que ocorre com alguma frequência e onde apenas está em causa uma situação subjectiva do recorrente, sem impacto social ou mesmo comunitário. |
DECISÃO TEXTO INTEGRAL | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, os Juízes que constituem o Colectivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721-A do Código de Processo Civil. AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB pedindo que: Na 1.ª Instância, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Autora declarada proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.° 9775, da freguesia de Cascais, e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo n.° 5905; julgada verificada a caducidade, com efeitos a partir de 9 de Novembro de 2007, do contrato de arrendamento em apreço nos presentes autos, descrito sob o ponto 3; e, consequentemente, o réu BB condenado a entregar à autora, no prazo máximo de três meses, o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens; absolver o réu do demais peticionado. Inconformada, apelou para a Relação de Lisboa que, por unanimidade, confirmou o julgado. Vem, agora, pedir revista excepcional invocando a alínea b) do n.º 1 do artigo 721-A do Código de Processo Civil. No essencial, e para motivar esse requisito, como lhe impõe a alínea b) do n.º 2 do mesmo preceito refere que: De seguida produz alegações quanto ao mérito do julgado. Antes do mais dir-se-á que alguns dos factos acima elencados pelo recorrente – v.g. idade, doença e rendimentos – não poderão ser considerados já que as instâncias não os deram por assentes. Não foram produzidas contra alegações. Sem precedência de vistos, cumpre conhecer.
1 Revista excepcional e relevância social. 1.1 Perfilada, que surge, a dupla conformidade (acórdão recorrido a conter confirmação unânime e irrestrita do decidido pela 1.ª instância) a revista comum/regra só é de admitir se verificado algum dos requisitos do n.º 1 do artigo 721-A, “ex vi” do n.º 3 do artigo 721.º, ambos do Código de Processo Civil. Então, o recorrente tem o ónus de alegar, e demonstrar, perante este Colectivo a presença desse(s) requisito(s) nos termos dos n.ºs 2 e 3 do primeiro preceito citado. E foi o que o impetrante fez ao alegar, desde logo, o circunstancialismo da alínea b) do n.º 1. 1.2 Tal traduz-se em estarem em causa “interesses de particular relevância social”. Quanto a este requisito, o Colectivo já afirmou ser necessário que estejam em causa valores sociais, culturais, éticos ou de conduta, com a virtualidade de poder ser posta em causa a eficácia do direito ou a sua aplicação casuística ou que tenham um impacto mediático susceptível de causar intranquilidade ou descredibilizar o funcionamento das instituições. (cfr. “inter alia”, os Acórdãos proferidos nos P.ºs 725/08 – 2TVLSB.L1.S1; 3401/08 – 2TBCSC.L1.S1 e 1195/08 0TBBRR.L1.S1; 111/09 – 7BMRA.E1.S1; 9630/08 – 1TBMAI.AP1 e 1282/08 – 5TVLSB.L1). Como se escreveu no Acórdão desta Formação (P.° 216/09. 4TVLSB- A.L1.S1) será “uma situação em que possa haver uma colisão de uma decisão jurídica com valores sócio culturais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de profundos sentimentos de inquietação que minem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas, situações em que, nomeadamente, fique em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma, ou normas jurídicas, em apreço vise(m) regular, ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto.” 1.3 Mas, além do exposto, e como acima referimos, o recorrente vem agora alegar factos que as instâncias não deram por assentes o que não podia fazer. Para verificar o requisito que estamos a apreciar há que, na ponderação do pedido e da causa de pedir, atentar na matéria de facto definitivamente assente pelas instâncias, pois o que se busca é a admissão de um recurso de revista e o Supremo Tribunal de Justiça tem limitadíssimos, e excepcionais, poderes em sede de julgamento dos factos limitando-se, em regra, a aplicar o direito à materialidade fixada pelo juízo “a quo” - artigos 729.° e 722.° n.° da lei adjectiva. Ora, não resulta da factualidade assente a idade da recorrente e, no mais, vê-se apenas que ocupa prédio destinado a habitação, há pelo menos 30 anos. Parece evidente que tal não basta para considerar que, na questão “sub judice”, estejam em causa “interesses de particular relevância social”. Como se disse, e agora se reitera, entende-se que, na densificação deste conceito deverá fazer-se apelo à “repercussão (até alarme, em caso limite), larga controvérsia, por conexão com valores sócio-culturais, inquietantes implicações politicas que minam a tranquilidade ou, enfim, situações que põem em causa a eficácia do direito e põem em dúvida a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística.” (Acórdão deste Colectivo no P.° 725/08 — 2 TVLSB L1.S1; no mesmo sentido o Acórdão proferido no P.° 3401/08. 2TBCSC.L1.S1). Também o Supremo Tribunal Administrativo considera inseríveis neste requisito os casos em que há um “invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular” ou “um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância pudesse levar, por si só, à admissão de revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto”. Por isso é que o Dr. Armindo Ribeiro Mendes, considerando-o muito vago e flexível, deixa o seu preenchimento para a casuística pela dificuldade de estabelecer critérios para a sua delimitação. (in “A Reforma de 2007 dos recursos cíveis e o Supremo Tribunal de Justiça”, separata dos “Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa”, II, 565). Também o Prof. Vieira de Andrade, agora no âmbito do direito processual administrativo, considera os conceitos homólogos “fortemente indeterminados” (in “A Justiça Administrativa (Lições)”, 2006, p. 449 e, no mesmo sentido, o Prof. Sérvulo Correia — “Direito do Contencioso Administrativo”, 2005, 1, 697). O conceito de meros “interesses de particular relevância social” que foi consagrado na lei triunfou sobre o projectado pela Comissão presidida pelo Dr. Miguel Galvão Telles (acolhido na Proposta de Lei n.° 124/2006) que se referia a questão que versasse sobre “interesses imateriais de particular relevância social”. O Prof. Lebre de Freitas e o Dr. A. Ribeiro Mendes admitem poder ser ponderada a “importância mediática” (in “Código de Processo Civil Anotado”, 2. ed., 3.° Tomo 1, 155) o que, só por si, é inaceitável sob pena de deixar ao critério dos “media”, ou ao seu mais fácil acesso pelas partes, a natureza de socialmente relevante de uma questão. Continuamos, pois, e como acima deixámos dito, a aceitar um enquadramento conceptual exemplificativo de situações geradoras de atendível relevância social, para aferir da sua verificação no caso concreto. 1.4 Aqui chegados, lógico é, e como se disse, concluir pela sem razão do recorrente. Muito embora se possa perfilar uma situação subjectivamente delicada por ser posta em causa a ocupação de uma fracção destinada à habitação, tal não basta para conferir relevância social alargada a este caso. A assim não se entender, passaria a ser regra que todas as acções em que fosse decretado um despejo, ou determinada a restituição de um prédio reivindicado, estarem a ser apreciadas questões em que estivesse em causa um interesse de particular relevância social. Ademais, o legislador já acautelou, genericamente, algumas dessas situações (n.° 3, alínea a) do artigo 678.° do Código de Processo Civil), garantindo-lhes sempre um duplo grau de jurisdição. Mas as mesmas, só por si, não justificam a revista excepcional por não serem, sem mais, inseríveis na situação da alínea b) do n.° 1 do artigo 721-A. 2 - Conclusões Pode agora concluir-se que: a) O requisito da alínea b) do n.° 1 do artigo 721-A do Código de Processo Civil — estar em causa interesse de particular relevância social — tem de ser alegado e motivado pelo recorrente que procurará convencer o Tribunal da sua indiciação. b) Tratando-se de conceito muito indeterminado a sua densificação será feita casuisticamente, na ponderação de um enquadramento conceptual exemplificativo para o qual, além do mais, releva a repercussão (em situação limite, o alarme) a larga controvérsia, por conexão com inquietantes valores sócio culturais, perturbadoras implicações politicas ou outras situações que questionem a eficácia ou credibilidade do direito. c) Na verificação do requisito há que ter em conta o pedido, a causa de pedir da lide e a matéria de facto assente pelas instâncias. d) Tratando-se de acção de reivindicação em que o Réu é condenado a entregar a fracção de habitação que ocupa, o facto de alegar ter muita idade, ser doente, que ali reside há anos e tem precária situação económica, não basta para que se considere estar em causa questão de particular relevância social pois, ainda que a provar-se a factualidade descrita, trata-se de caso que ocorre com alguma frequência e onde apenas está em causa uma situação subjectiva do recorrente, sem impacto social ou mesmo comunitário. Do exposto, resulta que acordem não admitir a revista excepcional. Custas pelo recorrente, com 3 UC de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Supremo Tribunal de Justiça, Sebastião Póvoas (Relator) Pires da Rosa Silva Salazar |