ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
156/1999.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL AGRAVO
DECISÃO NEGADO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR LOPES DO REGO

DESCRITORES PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
RECORRIBILIDADE
ADJUDICAÇÃO DA PARCELA EXPROPRIADA
AGRAVO COM SUBIDA DIFERIDA
EXPROPRIAÇÃO TOTAL
PRÉDIO AUTÓNOMO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO
VONTADE DO EXPROPRIADO
PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE EXPROPRIAÇÃO TOTAL

SUMÁRIO 1. Não é aplicável a norma limitativa da admissibilidade dos recursos em processo expropriativo às situações em que o que  está em litígio é – não o montante indemnizatório devido ao expropriado e o procedimento que conduziu ao seu cálculo, - mas a própria legitimidade do acto ablativo sofrido pelo expropriado no seu património, que – não podendo radicar na declaração de utilidade pública - só poderia fundar-se na vontade e no interesse do expropriado em ampliar o objecto da expropriação, estendendo-a a prédios que, embora formalmente distintos dos contemplados na declaração de utilidade pública, legitimadora da expropriação, constituam com aqueles uma unidade económica incindível.

 2. Interposto e admitido, no regime de subida diferida, recurso de agravo do despacho de adjudicação da parcela expropriada, com fundamento na inexistência da declaração de utilidade pública que legitimasse a expropriação, as questões ali suscitadas pelo agravante não ficam precludidas se este apelar ulteriormente da sentença, constituindo tal apelação recurso dominante relativamente ao agravo retido, não tendo o recorrente o ónus de impugnar especificamente o despacho, prévio à sentença e conexo com a sustentação daquele agravo, em que o juiz reitera a inexistência do vício invocado .

3. A norma constante do nº2 do art. 3º do CE é susceptível de aplicação analógica a situação não expressamente prevista na sua literalidade – ou seja, à ampliação, a requerimento e no interesse do expropriado, do objecto da expropriação a prédios não compreendidos no âmbito da declaração de utilidade pública em que se funda a expropriação, formalmente autónomos destes, mas a eles adjacentes e com eles materialmente conexionados, em termos de todos integrarem uma verdadeira e incindível unidade económica.

4. Tal extensão do regime constante do citado nº2 do art. 3º pressupõe, porém, como pressupostos cumulativos, que o expropriado haja manifestado uma vontade expressa, inequívoca e incondicional de ampliação, no seu interesse , do objecto da expropriação, tal como este resultava originariamente da DUP; e que esteja demonstrada uma concreta relação de unidade ou incindibilidade económica entre algum dos prédios incluídos na DUP e o prédio, formalmente autónomo, que o expropriado pretende ver também incluído na expropriação.

5. É inconciliável com a exigência fundamental de que a vontade do expropriado em ampliar o objecto da expropriação a parcelas ou prédios não abrangidos pela DUP seja inequívoca e incondicional a mera formulação de um pedido subsidiário e cautelar de eventual expropriação total de toda uma área pertencente ao expropriado, no quadro de um litígio global –e que nesse momento persiste por resolver  – acerca da legalidade da actuação dos poderes públicos e da própria entidade expropriante.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

   1. Em 06.7.1999 Lusoponte – Concessionária para a Travessia do Tejo, S.A., remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa relativo à parcela n° 114 com área de 101.966 m2 correspondente à totalidade do prédio denominado “AA”( descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a ficha n° 0000, antigo n° 2.130, a fls. 84 do Livro B-6 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art° nº 1839). alegando que, na qualidade de concessionária da obra pública “Nova Travessia Rodoviária sobre o Tejo em Lisboa” e ao abrigo do disposto na cláusula 73ª do Segundo Contrato de Concessão, foi investida na qualidade de entidade expropriante na posse de todos os imóveis integrados na área das S.....S.......

A parcela a expropriar nos presentes autos pertence à S.....P....S......Lda e faz parte integrante de um conjunto de prédios relativamente aos quais a expropriada formulou pedido de expropriação total, na sequência do despacho MOPTC 6-XII/95 que havia declarado a utilidade pública para expropriação das parcelas do troço do “Viaduto Sul” aí identificadas.

 O pedido de expropriação total foi aceite e o processo de expropriação da parcela nº 114 seguiu os termos legais até à realização de arbitragem, tendo sido -. por despacho SEOP nº 0000/00 - autorizada a posse administrativa da aludida parcela.

 A expropriante procedeu ao depósito do montante indemnizatório fixado no acórdão arbitral.

A requerente concluiu pedindo que fosse ordenada a adjudicação da propriedade da referida parcela, a fim de integrar o domínio público do Estado

Em 28.7.1999 foi proferido despacho que adjudicou a propriedade da aludida parcela ao Estado Português  e ordenou a notificação da decisão arbitral à expropriante e à expropriada.

A expropriada agravou do despacho de adjudicação, recurso esse que foi recebido com subida diferida e efeito devolutivo.

Tanto a expropriante como a expropriada recorreram da decisão arbitral.

Após produção de prova pericial, foi proferida sentença que fixou a indemnização devida à expropriada em € 421 437,23, actualizada a partir de 1997 de acordo com a evolução dos preços no consumidor.

 Desta sentença apelaram a expropriante e, subordinadamente, a expropriada, que manifestou interesse na apreciação da matéria que integrava o agravo retido.

    A Relação, no acórdão recorrido, começou por definir a seguinte matéria de facto relevante:

   1. Por despacho MOPTC 6-XII/95 publicado no D.R. II série, nº 68, de 21.3.1995, foi declarada a utilidade pública da expropriação das parcelas relativas à “nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa”, “viaduto sul”, identificadas pelos nºs 11.1, 11.2, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2.

2. Por carta remetida à Lusoponte em 20.7.1995, cuja fotocópia consta a fls 10 a 95 destes autos, a S.P.S - SS.....P....S......(S.P.S.), após arguir diversas nulidades e ressalvando que mantinha o intuito de impugnar judicialmente os actos “de posse e destruição da propriedade e meios produtivos” que estariam a ser cometidos pela Lusoponte e seus subempreiteiros à sombra do Despacho referido em 1, que também impugnara, requereu, subsidiariamente, que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas “S.....S......”.

3. Por carta datada de 29.9.1995, cuja fotocópia consta a fls 94, a Lusoponte declarou à S.P.S. aceitar tal pedido de expropriação total, pelo que se iriam “desencadear os mecanismos de expropriação da totalidade das mencionadas parcelas, dentro dos limites da planta anexa ao Segundo Contrato da Concessão, nos termos da citada Base LXVIII.”

4. Entre os prédios cuja expropriação foi requerida pela S.P.S. consta o que constitui o que a Lusoponte denominou de “Parcela nº 114”, com a área total de 101.966 m2, supra identificado no Relatório.

5. O prédio referido em 4 não faz parte das parcelas referidas em 1.

6. Em 14.5.1997 a Lusoponte requereu ao Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território autorização para tomar posse administrativa daquele (referido em 2 e 4) e de outros prédios (fls 110 a 112 dos autos).

7. Por Despacho SEOP nº 2928-A/97, de 27.6.1997, publicado no D.R., II série, nº 148, de 30.6.1997, a Lusoponte foi autorizada a tomar posse administrativa daquele e de outros prédios (fls 113 a 115 dos autos).

8. Em 10.10.1997 foi elaborado auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam da aludida parcela nº 114 (fls 103 a 109 do processo).

9. A S.P.S. fez-se representar na vistoria ad perpetuam rei memoriam, no âmbito da qual apresentou quesitos.

10. Em 14.10.1997 a Lusoponte tomou posse administrativa da aludida parcela nº 114 (fls 116 do processo).

11. Em 09.7.1998 foi lavrado o acórdão de arbitragem para fixação da indemnização devida à S.P.S. pela expropriação da aludida parcela (fls 117 a 126 dos autos).

12. Em 31.5.1999 a Lusoponte depositou na C.G.D., à ordem do Juiz de Direito da comarca do Montijo, a quantia de Esc. 39 728 800$00 (€ 198 166,41), correspondente à referida indemnização arbitrada a favor da S.P.S..

13. Em 06.7.1999 a Lusoponte remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa relativo à referida parcela n° 114.

14. Em 06.7.1999 o Mm.º juiz a quo determinou que a expropriante fosse notificada para juntar aos autos documentos comprovativos da nova enumeração de parcelas decorrente da expropriação total, da correspondência entre esses novos números de parcela e os prédios identificados no referido despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas que autorizou a posse administrativa de parcelas pertencentes à expropriada e da integração destas novas parcelas nos prédios referenciados no citado despacho do Ministro das Obras Públicas, que declarou a urgência e utilidade pública das parcelas 11.1 a 13.1, pertencentes à S.P.S.

15. Em 26.7.1999 a Lusoponte apresentou a resposta constante a fls 143 a 147 destes autos, acompanhada dos documentos constantes a fls 148 a 286 dos autos.

16. A S.P.S. não foi notificada da entrada do processo de expropriação no tribunal, nem do despacho, da resposta e dos documentos supra referidos em 14 e 15, antes de ser proferido o despacho que em 28.7.1999 adjudicou a propriedade da parcela nº 114 ao Estado Português.

17 – A expropriada foi notificada do citado despacho de adjudicação em 02.8.1999 e juntou aos autos a alegação do presente recurso em 30.5.2000.

   2. De seguida, passando a apreciar a questão fundamental que constituía objecto do agravo, decorrente da inexistência de declaração de utilidade pública, abrangendo a concreta parcela que era objecto do presente expropriação, proferiu a Relação a seguinte decisão:

 Dispõe o art.º 62.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.”

Também o Código Civil estabelece, no art.º 1308.º, sob a epígrafe “Expropriações” que “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei.”

Pressuposto da expropriação é a prossecução do interesse público, o que deve ser dado a conhecer através da declaração de utilidade pública (DUP), a emitir nos termos regulados nos artigos 10.º a 15.º do CE91. Independentemente da forma da declaração, esta deve ser concretizada mediante acto que individualize os bens a expropriar (n.º 2 do art.º 10.º do CE91).

Nos termos do DL 168/94 de 15/06 (e da resolução do Conselho de Ministros n.º 121-A/94 de 15/12) a Lusoponte foi investida na qualidade de entidade expropriante de todos os imóveis necessários à construção da Nova Travessia Rodoviária Sobre o Tejo em Lisboa (Base XXVI do anexo ao referido Decreto-Lei).

Por despacho do Sr. Ministro das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações, de 06.12.1995, foi declarada a utilidade pública da expropriação das parcelas relativas à “nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa”, “viaduto sul”, identificadas pelos nºs 11.1, 11.2, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2. (cfr. nº 1 da matéria de facto, supra).

O prédio a que se referem estes autos não faz parte das aludidas parcelas (conforme foi desde logo afirmado pela entidade expropriante no requerimento inicial e reiterado no esclarecimento prestado antes da prolação do despacho de adjudicação da propriedade da identificada parcela n.º 114).

Porém, por carta remetida à Lusoponte em 20.7.1995 a S.....P....S......requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas “S.....S......”.

A Lusoponte aceitou tal pedido de expropriação total, o que comunicou à S.P.S. através de carta datada de 29.9.1995. A Lusoponte não faz qualquer ressalva quanto aos prédios cuja expropriação aceitou, pelo que não há razões para duvidar de que pretendia expropriar também o prédio supra referido. Tanto assim é que em 14.5.1997 a Lusoponte requereu ao Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território autorização para tomar posse administrativa daquele e de outros prédios.

No despacho recorrido exarou-se que “A requerente foi investida na qualidade de entidade expropriante de todos os imóveis necessários à referida obra pública, nos termos do despacho n° 2928 -A/97 de 27/06 de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado na - 2° Série do D.R. n° 148/97 de 30/06, que declarou a expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, das parcelas pertencentes à "S.....P....S......Lda", necessárias à recuperação da área das S.....S.......”

Tal passagem da decisão recorrida enferma de manifesto lapso, pois o aludido despacho nº 2928-A/97 não declarou a utilidade pública de expropriação de quaisquer prédios, mas tão só autorizou a Lusoponte a tomar posse administrativa do prédio a que se reporta este processo, além de outros prédios (cfr. n.º 7 da matéria de facto supra).

Como não foi sequer declarada a utilidade pública da expropriação de parte do prédio objecto destes autos a agravante defende que não é aplicável o disposto nos artigos 3.º n.º 2 e 53.º do CE91 (normas que permitem que a requerimento do expropriado se proceda à expropriação total de prédio que só iria ser expropriado em parte). Assim, a agravante alega que não há título legal para a expropriação litigiosa dos aludidos prédios, o que constitui omissão de causa de pedir ou de elemento/pressuposto nuclear do processo judicial de expropriação, o que implica a extinção da instância por impossibilidade da lide ou absolvição da instância, nos termos dos artigos 287.º, alínea e) e/ou art.º 288.º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil.

Vejamos.

Conforme narrado no Relatório supra, no requerimento inicial a expropriante dá conta de que a parcela nº 114 faz parte de um conjunto de prédios relativamente aos quais a expropriada formulou pedido de expropriação total, na sequência do despacho MOPTC 6-XII/95 que declarou a utilidade pública de expropriação de determinadas parcelas de um troço do “viaduto Sul”.

Está em causa, assim, a aplicação do disposto nos artigos 3.º e 53.º do CE91, os quais têm a seguinte redacção:

Art.º 3.º n.º 2:

“Quando não seja necessário expropriar mais de uma parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total:

a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;

b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriante, determinado objectivamente”.

Art.º 53.º:

“1- Pode o expropriado, no prazo de sete dias (…) requerer a expropriação total, nos termos previstos no nº 2 do artigo 3º.

2 – Recebido o requerimento, a entidade expropriante, no caso de não concordar com o pedido, exara no processo informação sobre a sua tempestividade e a matéria alegada, devendo o processo ser remetido ao juiz de direito da comarca da situação dos bens ou da sua maior extensão no prazo de 14 dias a contar da apresentação do requerimento (…).

3- O requerimento será autuado por apenso devendo o juiz mandar proceder à arbitragem, com observância do disposto no nº 1 do artigo 55.º, designando dia e hora para a vistoria do prédio.

4 – (…)

5 – Finda a diligência, será proferida, no prazo de sete dias, decisão sobre o pedido de expropriação total, da qual cabe recurso para o tribunal da Relação, o qual subirá imediatamente no apenso do incidente e sem efeito suspensivo.

6 – (…).

A lei prevê a possibilidade de o proprietário alargar a expropriação a todo o prédio, ainda que não seja necessário para o fim de utilidade pública expropriar mais do que uma parte dele. Para tanto, basta que a restante parte não assegure, proporcionalmente, os mesmos “cómodos” que oferecia todo o prédio ou que os cómodos assegurados pela parte restante não tenham interesse económico para o expropriado.

Não há lugar à emissão de nova declaração de utilidade pública da expropriação, uma vez que o alargamento do âmbito da expropriação decorre de requerimento do próprio proprietário, em cujo interesse (e não no interesse público) aquele se funda.

A S.P.S. fundou o pedido de expropriação total das “S.....S......” em primeiro lugar no facto de só esta prosseguir o interesse público na vertente de minimização dos danos ambientais advenientes da construção da nova ponte e, caso assim não se entenda, no facto de a expropriação das parcelas 11.1, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2, alvo de DUP, afectar irremediavelmente a viabilidade económica de duas unidades e estabelecimentos comerciais, um de piscicultura e outro de produção de sal, instalados, aquele na marinha “Restinga”, com a área de 44,3760 hectares e este no conjunto de marinhas “Providência” e demais do quadro  constante a fls 76 destes autos (entre as quais figura a marinha “Pata”, a que se reportam os presentes autos).

Como se viu, a expropriante aceitou o requerido alargamento do âmbito da expropriação, não deduzindo qualquer reticência quanto à verificação das razões invocadas pela expropriada.

No acórdão desta Relação, de 15.5.2007 (internet, dgsi-itij, processo 5062/2005-7), envolvendo as mesmas partes, ponderou-se que “atendendo ao elemento lógico e à ratio legis (cfr. o art.9º, do C.Civil), é possível concluir que, em casos como o dos autos, em que a expropriação das parcelas afectou, economicamente, não só os prédios onde se inseriam, mas também os prédios vizinhos, pertencentes ao mesmo proprietário, já que, uns e outros constituíam, em conjunto, uma unidade económica interdependente, o proprietário tenha a faculdade de requerer a expropriação total desses prédios, mesmo em relação àqueles que não foram objecto de expropriação parcial. Na verdade, o art. 3º, nº2, pretende tutelar o interesse do proprietário, estabelecendo como que uma indivisibilidade económica do imóvel, que se traduz em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte expropriada, a pedido do expropriado. Ora, essa indivisibilidade económica pode ocorrer, também, relativamente a mais do que um prédio, e se a finalidade da lei é proteger o proprietário afectado pela diminuição dos cómodos da parte não expropriada, resultante do fraccionamento, dentro do seu destino económico efectivo, deve concluir-se, logicamente, que a lei permite a expropriação total quer do prédio já parcialmente expropriado, quer do prédio ou prédios que com aquele formem uma unidade económica interdependente, ainda que não tenham sido objecto de expropriação parcial. A tal conclusão também se poderá chegar, a nosso ver, através de uma interpretação extensiva do preceito, se se entender que o legislador, ao formular a norma, disse menos do que, efectivamente, pretendia dizer, havendo, por isso, necessidade de estender as palavras da lei (cfr. o art.11º, do C.Civil).”

Tal entendimento foi sufragado pelo S.T.J., em acórdão de 02.10.2007, processo nº 07A1709 (internet, dgsi-itij), aresto onde igualmente se exarou, em caso em que também litigam as partes deste processo, que “o facto de a recorrida colocar em causa a expropriação total, que ademais a expropriante concedeu, exprime conduta contraditória sem causa justificativa pelo que é abusiva do direito – art. 334º do Código Civil – não podendo ser atendida, em salvaguarda dos princípios da boa-fé, dos bons costumes e do fim económico e social do direito que pretendeu exercer”.

No já supra citado acórdão desta Relação de 15.5.2008 (processo n.º 2265/08-2), relatado pelo também aqui relator, atinente a situação idêntica à destes autos e respeitante às mesmas partes, propendeu-se para o entendimento supra exposto, receptivo à verificação no caso de fundamento legal para admitir a expropriação do imóvel em causa.

Porém, tal acórdão veio a ser revogado pelo STJ em aresto datado de 14.5.2009, o qual se encontra publicado na Internet, dgsi-itij, processo 08A4000.

Não vemos razões para dissentir da desenvolvida argumentação apresentada pelo STJ neste último acórdão, a qual, com a devida vénia, se passará a seguir de muito perto, transcrevendo-se os segmentos que nos parecem mais significativos e sem prejuízo de algumas modificações, nomeadamente as necessárias à adaptação ao caso concreto sub judice.

O DL n.º 168/94, de 15 de Julho, que aprovou as bases da concessão da concepção, do projecto, da construção, do financiamento, da exploração e da manutenção da nova travessia do rio Tejo, previa, na Base XXVI do Anexo I, que competiria à concessionária, como entidade expropriante actuando em nome do concedente, realizar as expropriações dos imóveis necessários à construção da nova travessia, estabelecendo, logo na Base XXVII, sob a epígrafe “Declaração de utilidade pública com carácter de urgência”, que compete ao MOPTC (Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações) a prática do acto que individualize os bens a expropriar nos termos do n.º 2, do art.º 10.º do C. Exp, “o qual deverá conter a declaração de utilidade pública com carácter de urgência no prazo de 45 dias a contar da apresentação pela concessionária da documentação exigida para o efeito nos termos do Código das Expropriações”. Para além disso, a Base LXVIII previa que a concessionária ficava obrigada “a cumprir o disposto na legislação nacional e comunitária relativa à matéria de protecção ambiental”, obrigando-se “a expropriar e a recuperar (...) a área designada «S.....S......», indicada em planta anexa ao segundo contrato de concessão”. Nos termos do art.º 73.º do segundo contrato da concessão, cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 121-A/94, de 02.12.1994, publicada no Diário da República I Série-B, de 15.12.1994, reitera-se esta obrigação por parte da concessionária, ao mesmo tempo que no art.º 30.º se repete o que já resultava das aludidas Bases XXVI e XXVII, com destaque para a atribuição de competência ao MOPTC para a prática do acto que individualize os bens a expropriar. Porém, não chegou a ser praticado pelo MOPTC o acto de declaração de utilidade pública da expropriação da parcela n.º 114 em causa nos autos ou do prédio que a integra, sendo certo que a atribuição da posse administrativa, através do aludido Despacho n.º 2928-A/97, não se pode confundir com a declaração de utilidade pública. Na verdade, a posse administrativa justifica-se sempre e apenas pela urgência na realização de trabalhos inerentes às obras projectadas e tem como pressuposto a declaração de utilidade pública da expropriação, pelo que nunca poderia ter o alcance de a substituir. A indispensabilidade da declaração de utilidade pública resulta do já citado art.º 62.º da CRP, reiterada no art.º 1308.º do Código Civil. Por sua vez, o n.º 2 do art. 10.º do C. Exp. estabelecia que “a declaração resultante genericamente da lei ou regulamento deve ser concretizada em acto administrativo que individualize os bens a expropriar, valendo este acto como declaração de utilidade pública para os efeitos do presente diploma”. Consequentemente, não pode a expropriação deixar de assentar numa prévia declaração de utilidade pública, que especifique o fim concreto da expropriação e individualize os bens a ela sujeitos. A declaração de utilidade pública constitui o facto constitutivo da relação jurídica de expropriação, integrante da causa de pedir do processo expropriativo. Trata-se, aliás, de verdadeiro acto administrativo impugnável contenciosamente, podendo o expropriado requerer o controlo judicial da própria legalidade da DUP, intentando no foro administrativo acção para impugnação do acto que declarou a utilidade pública da expropriação.

Do exposto, resulta que o tribunal não deve adjudicar a propriedade se não existir o acto de declaração de utilidade pública da expropriação.

Conforme já se ponderou supra, com o regime previsto no art.º 3.º do CE pretende-se evitar que para o expropriado advenha prejuízo acrescido pelo facto de a expropriação se dever limitar ao necessário para a realização do seu fim, já que, em certas situações, pode ser mais nefasta para aquele a expropriação de apenas parte do seu prédio. A fim de tutelar o interesse do proprietário, estabelece-se uma indivisibilidade económica do prédio em termos de a parte não expropriada deste seguir o destino da parte objecto de expropriação, a pedido do expropriante. Há que sublinhar que a possibilidade de o expropriado requerer a expropriação total do prédio quando apenas uma parte tenha sido expropriada reporta-se, por definição, não a qualquer outro prédio com maior ou menor grau de proximidade ou relação com o prédio objecto da DUP, mas necessariamente ao mesmo prédio. Por outras palavras, o citado preceito reporta-se, apenas e só, à parte restante do prédio a expropriar e não a prédio diferente, pertencente ao mesmo expropriado e próximo ou distante da obra pública a executar. Trata-se da possibilidade de o expropriado requerer a expropriação total do seu prédio quando apenas uma parte deste tenha sido objecto da DUP. Nesse caso, é desnecessária nova DUP da expropriação do prédio, pois já foi declarada a utilidade pública da expropriação do prédio, limitada, é certo, a uma parte do mesmo. No presente processo, a situação é diferente, porquanto o prédio em apreço é distinto dos que foram abrangidos pela DUP existente, como tal ficando excluído do seu âmbito, não se podendo aqui falar de uma “expropriação total”, mas sim de nova expropriação. Portanto, mesmo existindo requerimento da ora recorrente no sentido de lhe ser expropriado o prédio dos autos, nem assim a DUP o poderia abranger para efeitos de possibilitar uma “expropriação total”. Afigura-se-nos que a possibilidade de alargamento da expropriação, inicialmente parcial, à totalidade de um imóvel, tendo em vista o interesse particular do respectivo titular, apesar de essa apropriação não se revelar do interesse público, e sem necessidade de que quem de direito examine e declare o interesse público da expropriação, tem carácter excepcional, não admitindo, pois, aplicação por analogia (art.º 11.º do Código Civil). Mas, mesmo admitindo que fosse possível, por analogia, a expropriação total reportada a um conjunto de prédios, em nome da sua indivisibilidade económica, quando só relativamente a algum ou alguns tenha sido declarada a utilidade pública da expropriação, consideramos que tal solução seria inaplicável em casos como o dos autos, por várias razões. Em primeiro lugar, a possibilidade do art.º 3.º, n.º 2 do C. Exp. ser aplicado analogicamente por forma a abranger as situações de indivisibilidade económica relativamente a outro(s) prédio(s) distintos daqueles a que respeita a declaração de utilidade pública, assim dispensando uma nova DUP que individualizasse a parcela objecto do processo expropriativo, assentaria no pressuposto fáctico da indivisibilidade económica dos prédios em questão. Ora, os factos provados não evidenciam a existência duma unidade económica indivisível entre os prédios (da S.P.S.) a que se refere a DUP (de 21.03.1995) e o prédio em causa nestes autos. Necessitando a aplicação do dito n.º 2 do art.º 3.º (por analogia ou interpretação extensiva) a demonstração de que a expropriação das parcelas (abrangidas pela DUP) também afectou economicamente, nos termos previstos nesse normativo, o prédio em causa nos autos e faltando o necessário suporte fáctico, não pode deixar de se concluir pela sua inaplicabilidade ou, pelo menos, questionar, ante a insuficiência da matéria de facto provada, se deve lançar-se mão do disposto no art.º 712.º, n.º 4, do C.P.Civil. Crê-se, porém, que tanto não se justifica, pois a carta em apreço, independentemente do seu conteúdo e respectiva interpretação, não pode ter a relevância que a expropriante lhe atribuiu. É que tal carta, ainda que contenha um requerimento de “expropriação total”, não pode fundar um novo e autónomo processo expropriativo, desligado dos processos de expropriação relativos às parcelas identificadas no despacho MOPTC 6-XII/95 que declarou a utilidade pública da expropriação de outros prédios da S.P.S.. Ou seja, a aplicação analógica do preceito implicaria que, perante a declaração da utilidade pública da expropriação de parcelas propriedade desta Sociedade, fosse, no âmbito dos respectivos processos de expropriação, requerida a expropriação total, procedendo-se a uma avaliação global, atenta a invocada indivisibilidade económica entre os prédios abrangidos pela DUP e os que, não estando abrangidos pela mesma, também eram propriedade da expropriada. Sucede que o presente processo apenas visou a expropriação e avaliação do prédio identificado nos autos (parcela n.º 114) sem considerar a sua relevância no âmbito duma possível unidade económica interdependente, com os prédios que foram objecto da DUP, não permitindo que se procedesse a uma avaliação da globalidade dos prédios (aliás, nem sequer estava prevista a apensação de processos referentes aos diferentes imóveis). A expropriação total, reportada a um conjunto de prédios cujo aproveitamento económico assenta na sua indivisibilidade, implica uma avaliação global incluindo esse conjunto de prédios, o que não pode suceder no presente processo, precisamente porque os autos se encontram desligados da avaliação que foi efectuada no âmbito de outros processos de expropriação, relativos aos cinco prédios da S.P.S. identificados no Despacho MOPTC 6-XII/95.

Cumpre, por último, apreciar se a actuação da recorrente configura abuso do direito, excepção peremptória que é de conhecimento oficioso. Poderá dizer-se que o abuso de direito (art.º 334.º do Código Civil) abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou execução de modo a comprometer o gozo de direitos de terceiros, criando uma desproporção entre os respectivos exercícios, de forma ofensiva e clamorosa dos valores sociais que se têm como adquiridos. Como modalidade do abuso de direito a doutrina e a jurisprudência apontam o venire contra factum proprium, que ocorre quando “a pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando, por exemplo, determinada causa de nulidade, anulação, resolução ou denúncia de um contrato, depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dado causa ao facto invocado como fundamento da extinção da relação ou do contrato” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª edição pág. 555). Ora, volvendo ao caso dos autos, não nos parece que o comportamento da recorrente, em particular através da posição expressa na carta que enviou à Lusoponte, a tenha vinculado de tal forma e criado nesta última uma situação de confiança tal que imponha a sujeição daquela à expropriação do prédio em apreço, dispensando a DUP da respectiva expropriação. Pelo contrário, pensamos que a actuação da expropriada, mormente com o envio da carta de 29.09.1995, era consentânea com o enquadramento legal resultante do DL n.º 168/94 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 121-A/94. De facto, estava previsto que a Lusoponte se obrigava a expropriar e a recuperar a área designada “S.....S......”. Perante a previsão de que todos os prédios de que era proprietária na zona viessem a ser objecto de DUP da respectiva expropriação, é compreensível o seu interesse em negociar a expropriação dos mesmos, considerados na sua globalidade. Acontece que não veio a ser declarada a utilidade pública da expropriação de todos os prédios e a Lusoponte avançou com o presente processo expropriativo, o qual tem como objecto apenas o aludido prédio da expropriada, desligado dos outros a que a expropriada entendia estar umbilicalmente unido. Não é pelo facto de a S.P.S. ter manifestado, à cautela, interesse na expropriação total que se pode considerar ter criado na Lusoponte a convicção de que a expropriação decorreria de modo amigável, sem necessidade sequer de promover a declaração da utilidade pública. Pelo contrário, na carta de fls. 10 a 95 dos autos a S.P.S. afirmou que “não prescinde da impugnação judicial na via competente, dos actos de posse e destruição da propriedade e meios produtivos que, à sombra e falsa invocação do Despacho MOPTC 6/XII/95, estão a ser cometidos pela Lusoponte e seus subempreiteiros (…) De forma subsidiária e meramente cautelar àquelas referidas vias judiciais cíveis e criminais. É que, entende a expropriada que a expropriação em causa tem, legal e factualmente, de ser total i.é, de abranger: a) A totalidade das S.....S......”. Veja-se que mesmo perante um verdadeiro pedido de expropriação total, o expropriado não fica impedido de requerer a reversão da totalidade do prédio (art. 70º, n.º 3, do C. Exp), pelo que não faria sentido que ficasse impedido de reagir contra o despacho de adjudicação, caso se viesse a verificar, como sucedeu, a sua ilegalidade, por falta da indispensável DUP. Não consideramos, por isso, que o facto de ter acompanhado o presente processo expropriativo, mormente fazendo-se representar na vistoria ad perpetuam rei memoriam, no âmbito da qual apresentou quesitos, impeça a expropriada de reagir contra o despacho de adjudicação. Saliente-se que se tivesse sido declarada a utilidade pública da expropriação do prédio dos autos, a ora recorrente teria a possibilidade de impugnar judicialmente, no tribunal administrativo competente, o próprio acto de declaração da utilidade pública da expropriação. Mas, ao avançar com o processo expropriativo, nos moldes em que o fez, invocando uma expropriação total sem respeito pelas regras previstas no Código das Expropriações então em vigor, a Lusoponte, desde logo inviabilizou esse primeiro meio de defesa previsto na lei. Daí que seja legítima a oposição por parte da recorrente ao presente processo expropriativo, constituindo o despacho de adjudicação contra o qual se insurgiu uma violação do seu direito de propriedade.

A adjudicação ao Estado da propriedade do aludido imóvel pressupunha a declaração da utilidade pública da expropriação desse imóvel.

Tal pressuposto não existia, nem existe, pelo que se impunha a rejeição da pretensão de adjudicação.

Deverá, pois, revogar-se o aludido despacho.

Revogado o despacho de adjudicação, insubsistente fica a sentença, proferida em 28.6.2007, que fixou a indemnização pretensamente devida à expropriada.

Todo o supra expendido torna manifesta a improcedência da pretensão, aduzida pela expropriante nas contra-alegações do agravo, de que a expropriada seja qualificada como litigante de má fé e condenada em conformidade.

Face à procedência do agravo fica prejudicada a apreciação dos restantes recursos, assim como da questão da rectificação da aludida sentença.

         E, em consonância com esse entendimento, deu a Relação provimento ao agravo revogando, consequentemente, o despacho recorrido e, em sua substituição, rejeitou, por falta de declaração de utilidade pública, a adjudicação ao Estado da propriedade da parcela n° 114 com área de 101.966 m2 correspondente à totalidade do prédio denominado “AA”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a ficha n° 0000, antigo n° 2.130, a fls. 84 do Livro B-6 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art° nº 1839, anulando consequencialmente a sentença que fixara a indemnização que seria devida à sociedade expropriada.

   3. Inconformada com este sentido decisório, a entidade expropriante interpôs o presente recurso de agravo em 2ª instância, que encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe definem e delimitam o objecto:

   l.ª O Acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 668.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ao conhecer de questão — a inexistência de DUP — de que não podia tomar conhecimento.

2.ª Na verdade, a questão da inexistência de DUP foi decidida na 1* instância imediatamente antes da sentença recorrida e sobre ela não incidiu recurso autónomo, nem tão pouco a mesma foi objecto da apelação subordinada, tendo-se, consequentemente, formado caso julgado, matéria que é de conhecimento oficioso e determina a impossibilidade de o Tribunal recorrido se pronunciar sobre a mesma, sob pena de nulidade.

3.ª A decisão recorrida ao entender que inexiste no caso dos autos um pedido de expropriação total capaz de fazer dispensar uma DUP e, ao mesmo tempo, dar como provado que «Por carta datada de 29.9.1995, cuja fotocópia consta a fls. 94, a Lusoponte declarou à S.P.S. aceitar tal pedido de expropriação total» (cfr. ponto 3 da fundamentação de facto do Acórdão recorrido), enferma da nulidade prevista no artigo 668.°, n.° 1, alínea c) do CPC, uma vez que decisão se encontra assim em manifesta oposição com o facto provado atrás transcrito.

4.ª O que importa para efeitos de apreciação da legalidade do pedido de expropriação total formulado nos autos é, antes de mais, a verificação de que, no caso concreto, se está perante uma perda de benefícios do expropriado, em virtude de a expropriação da parte necessária ao fim da declaração de utilidade pública se tomar mais gravosa que a expropriação total — isto é, o que releva é que num determinado caso se verifiquem os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 3.°, aos quais está implícita a perda de benefícios do expropriado e não a circunstância de tais requisitos se verificarem na parte restante do prédio expropriado ou em prédios adjacentes.

5.ª É manifesto que no caso dos autos foi a perda do interesse económico relevante que motivou o pedido de expropriação total formulado pela expropriada e que por isso foi aceite pela expropriante, conforme se deixou demonstrado.

6.ª Até porque, a expropriação parcelar contida no Despacho MOPTC 6-XII/95, afectou a actividade económica que à data da expropriação era exercida em diversos terrenos da expropriada, a qual, como se referiu atrás tinha como requisito inerente à sua prossecução a sua indivisibilidade.

7.ª Daí a legalidade da presente expropriação total e sua conformidade com o disposto no artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do CE91, e consequente dispensa do acto declarativo de utilidade pública da expropriação.

8ª . Ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, o procedimento adoptado pela entidade  expropriante  na  sequência  da  aceitação  do  pedido  de  expropriação  total formulado pela expropriada cumpre rigorosamente o disposto na lei, não existindo no caso subjudice uma qualquer ofensa ao princípio da legalidade.

9.ª Com efeito, a expropriante ao individualizar o processo da presente parcela e das demais que foram abrangidas pelo pedido de expropriação total, mais não fez do que cumprir o disposto no artigo 38.° do CE91, que impõe, como é sabido, a abertura de um processo para a aquisição de cada uma das parcelas expropriadas.

10.ª Por outro lado, cumpre salientar que a avaliação e valorização da unidade económica, tal como a expropriada a pressupusera no seu pedido de expropriação total, foi devidamente efectuada pela expropriante, tendo culminado com a aceitação daquele pedido, não se devendo confundir esta apreciação com a avaliação da parcela para efeitos de determinação do valor indemnizatório.

11.ª Decorre igualmente de quanto acima se expôs que quanto à questão central objecto do presente recurso — a questão de saber se, em face do pedido de expropriação total formulado pela expropriada, se impunha a emissão de DUP autónoma referente à parcela dos autos - o Tribunal se pronuncia no sentido da dispensabilidade de nova DUP, condenando, tão só e apenas, o procedimento subsequente tendente à fixação do montante indemnizatório, procedimento, como vimos, manifestamente legal.

12.ª Conclui-se, pois, que, no essencial, a decisão recorrida valida a desnecessidade de nova DUP face à procedência do pedido de expropriação total formulado pela expropriada, sustentando a procedência do agravo em irregularidades de procedimento que, conforme demonstrado supra, não se verificam.

13ª . Tendo a recorrida formulado pedido de expropriação total, como ficou provado nos presentes autos, e adoptando agora conduta incompatível com o mesmo, resulta claro o seu carácter abusivo em manifesta violação do artigo 334.° do Código Civil.

14ª . Aliás, uma vez que a expropriação total tem a natureza de uma cessão amigável de bens, como sustenta a melhor doutrina, a conduta da expropriada é, por essa mesma razão, especialmente censurável, sendo certo que as considerações expendidas na decisão recorrida quanto à expropriada não estar obrigada a «manter-se impávida e serena» apenas teriam razão de ser se estivéssemos perante uma conduta unilateral da expropriante, mas não, como foi o caso, quando nos deparamos com uma conduta de base consensual.

15ª . A simples enunciação dos factos é demonstrativa do absurdo da conduta da expropriada que verdadeiramente consubstancia um venire contra factum proprium, traduzindo o exercício de uma posição jurídica em gritante contradição com a conduta anteriormente adoptada pela recorrente.

16ª . A norma do artigo 3.°, n.° 2, do CE91 interpretada e aplicada, tal como fez a decisão recorrida, no sentido de que se reporta apenas, e só, à parte restante do prédio a expropriar e não a prédios diferentes, sendo necessário em tal caso uma específica DUP da respectiva expropriação, independentemente de ter sido formulado e aceite um pedido de expropriação total da expropriada, e sem que a lei preveja um mecanismo de ressarcimento do expropriado pela cessação definitiva da sua actividade em virtude da expropriação, viola frontalmente o disposto nos artigos 13.° e 62.° da Constituição.

Nos termos vertidos nestas Alegações e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, revogado o Acórdão da Relação que é objecto do presente recurso, na parte em que aquele revoga o despacho de adjudicação de propriedade da Parcela 114 e anula a sentença, de modo a que o processo prossiga os seus termos legalmente previstos e possam ser conhecidas as Apelações.

   Por sua vez, a sociedade expropriada, como recorrida, apresentou contra-alegação, que encerra com as seguintes conclusões que – para melhor compreensão da complexa matéria litigiosa – se transcrevem:

   1ª - Como questão prévia, deve julgar-se o agravo como inadmissível, pois este recurso representa a 4ª vez que, em forma jurisdicional (decisão arbitral, despacho de adjudicação e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa), é apreciada a mesma questão - o que é contrariado pelo regra geral em matéria de recursos, bem como pelo próprio Acórdão Unificador de Jurisprudência n° 10/97.

2ª - Caso assim não se entenda, em primeiro lugar, este douto Tribunal tem de averiguar se foi formulado, nos termos do art. 3o, n° 2 do Código das Expropriações de 91 (CE/91) e posteriormente decidido um 'pedido de expropriação total'.

3ª - De facto, a recorrida, sujeitada à DUP constante no Despacho do MOPTC de 27.2.95, pediu à recorrente que lhe reconhecesse "o direito de expropriação total das duas unidades e estabelecimentos comerciais, um de piscicultura, outro de produção de sal, instalados, aquele na marinha "Restinga", com a área de 44.3760 hectares, e este no conjunto das marinhas "Providência" e demais do quadro doe. 20, com a área global de 158.0240 ha, conforme tudo é justamente de direito (...), caso improceda o requerido, deve dar-se cumprimento ao disposto no art. 42° n° 2 do Cód. Exp., remetendo-se de imediato o processo ao Tribunal competente".

4ª - A decisão deste pedido, por parte da recorrente mostra-se omissa a qualquer referência ao direito disposto no art. 3 o n° 2 do CE/91, referindo antes que o pedido "foi aceite [...] nos termos da citada Base LXVIIF do Contrato de Concessão entre ela e o Estado.

5ª - Ora, confrontando as causas daqueles pedidos da ora recorrida e a decisão da LUSOPONTE acima referida, resulta óbvio que, esta omitiu em absoluto qualquer apreciação quanto a verificarem-se ou não os requisitos do art. 3o n° 2 do Cód. das Exp., e, afinal, limita-se a reconhecer que iria cumprir as suas obrigações de expropriar, nos termos da Base LXVIII (aprovada pelo já citado DL 168/94) - cujo teor é o seguinte: "A concessionária obriga-se a expropriar e a recuperar (...) a área designada "S.....S......", indicada em planta anexa ao contrato de concessão.".

6ª- Resulta do que antecede uma imediata conclusão: a "parte restante" das parcelas individualizadas na DUP constante no Despacho do MOPTC, que a expropriante considera como todos os prédios que a recorrente indicou como fazendo parte das duas unidades económicas cuja expropriação peticionou, ao contrário do pressuposto material previsto no art. 3o n° 2 do CE, estava sujeito à obrigação legal/contratual de expropriação, e com um fim público radicalmente diferente da expropriação prosseguida pela DUP referida.

7ª - No entanto, na tese da recorrente para a expropriação do prédio dos autos seria desnecessária a existência de DUP: o pedido de expropriação das duas unidades económicas onde se integra este prédio fundamentaria por si só a expropriação.

8ª - No entanto, contrariamente ao defendido pela recorrente, esta expropriação não podia ter sido efectuada, litigiosamente, sem a DUP - uma vez que isso mesmo resulta, desde logo, na Base XXVII, onde se lê: «Compete ao MOPTC a prática do acto que individualize os bens a expropriar nos termos do n° 2 do artigo 10° do Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro (Código das Expropriações), o qual deverá conter a declaração de utilidade pública com carácter de urgência no prazo de 45 dias a contar da apresentação pela concessionária da documentação exigida para o efeito nos termos do Código das Expropriações. Competirá à concessionária apresentar atempadamente ao concedente todos os elementos e documentos necessários à prática do acto de declaração de utilidade pública, de acordo com a legislação em vigor».

9ª - Mesmo que assim não fosse, o disposto nos arts. 1º e 10° n°s 1 e 2 do Cód. das Exp., combinado com o disposto no art. 62° n° 2 e art. 1º do Protocolo n° 1 adicional à CEDH determinaria, sempre, que não pode existir expropriação litigiosa - como é o caso dos autos - sem o acto público administrativo da respectiva DUP.

10ª - Na verdade, na falta de DUP, verificada factualmente pelo acórdão recorrido, e sem o consentimento anterior, ou actual, da proprietária, não pode esta ser privada, à força, deste direito de propriedade - pois, a sua natureza de direito fundamental, face ao teor de arts. 62° e 17° da Constituição, e 1.308° do Cód. Civil determina que só nos casos tipificados na lei ele possa ser ofendido, como decorre de art. 18° daquela Lei Fundamental.

11ª - De resto, a interpretação por analogia, ou outra técnica, do art. 3° n° 2 do Cód. das Exp., invocada pela recorrente, não poderia ter sucesso, pois não tem a mínima correspondência com a lei e viola, também, frontalmente o art. 1° do Protocolo n° 1, adicional à CEDH, bem como aquelas disposições da Constituição - para além da própria Base XXVII, n°s 1 e 2 do regime jurídico da concessão, aprovado pelo DL 198/94.

12ª - Por outro lado, ainda que se viesse a admitir a possibilidade de, conforme defende a expropriante, interpretar extensiva ou analogicamente o disposto no art. 3o, n° 2 do CE/91, no sentido de o mesmo abranger as situações de indivisibilidade económica, relativamente a outros prédios distintos daqueles a que respeita a DUP, há ainda a considerar que o procedimento adoptado pela expropriante na sequência da aceitação do pedido de expropriação total formulado pela expropriada não cumpre o disposto na lei.

13ª - De facto, resulta do procedimento previsto no CE/91 que, no âmbito de um procedimento de expropriação total (que recorde-se a expropriada defende existir), a totalidade económica do prédio é simultaneamente, sempre avaliada, quer como causa da justificação do direito do expropriado, quer como avaliação da justa indemnização compensatória pela perda da globalidade patrimonial em causa. Por outro lado o procedimento é unitário, conjuntamente à parte restante do prédio tanto na fase administrativa como na judicial.

14ª - Ora, os presentes autos, como se verifica desde a sua fase administrativa até à sua introdução e juízo, desconheceram em absoluto (nomeadamente no que toca ao cálculo da indemnização) alguma e qualquer conexão ou relação significativa com o pedido de expropriação global de cada umas das unidades alegadas pela recorrida no seu "pedido de expropriação total".

15ª - Aliás, é a própria expropriante a admitir a avaliação autónoma das parcelas ao invocar o cumprimento do art. 38° do CE/91, que não tem aplicação ao caso: de facto, este artigo aplica-se a "cada uma das parcelas abrangidas pela declaração de utilidade pública" (que se recorde novamente não é o caso do prédio a expropriar nos presentes autos) e nunca aos procedimentos de expropriação total.

16ª-  Por outro lado, ao dar como demonstrado que aceitou e prosseguiu com estes autos uma expropriação nos termos do art. 3o n° 2 do Cód. das Exp, alegando até que o fez por ter ponderado os interesses económicos e os benefícios daí decorrentes para a expropriada, a LUSOPONTE expressa refinada litigância dolosa - pois altera a verdade e o teor expresso da sua carta de 29.9.95, a qual, ao dizer que vai expropriar, não passa de uma inócua e irrelevante declaração de que... irá cumprir o que a Base LXVIII já antes lhe impunha. Por isso, deve ser condenada em multa e indemnização equitativamente fixada.

TERMOS NOS QUAIS DEVE CONCLUIR-SE PELA IMPROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES DA RECORRENTE, CONDENANDO-SE A MESMA NAS CUSTAS, PROCURADORIA CONDIGNA, MULTA E INDEMNIZAÇÃO EQUITATIVA POR LITIGÂNCIA DOLOSA, ASSIM FAZENDO, COMO SE PEDE E CONFIA,

SÁBIA JUSTIÇA!

   A entidade recorrente respondeu à questão prévia suscitada, entendendo que nada obsta à recorribilidade da decisão impugnada, por estar em causa matéria que transcende em absoluto a questão do cômputo da indemnização, impugnando ainda a pretendida condenação por litigância de má fé.

   A Relação pronunciou-se – antes da subida do recurso ao STJ -  sobre as nulidades opostas pela agravante ao acórdão recorrido, considerando-as insubsistentes.

   4. Começando por abordar a questão prévia da irrecorribilidade, dir-se-á que a mesma improcede, por não estar em causa – na peculiar situação dos autos – recurso em que se questione o montante indemnizatório arbitrado ao expropriado, nem qualquer questão procedimental instrumental relativa à fixação da indemnização ( cfr AC. de 13/10/11, proferodo pelo STJ no P. 6496/08.5TBMAI.P1.S1).

   Na verdade, no caso dos autos, a matéria litigiosa prende-se com uma questão fundamental, anterior logicamente à problemática da fixação da indemnização, e que decorre da inexistência de declaração de utilidade pública referentemente à parcela 114 que constitui objecto do presente processo de expropriação – a qual naturalmente só poderia ser eventualmente suprida através de uma  manifestação da vontade do expropriado, no sentido de – no seu interesse - ampliar o efeito ablativo do acto expropriativo à propriedade de prédios que, não estando compreendidos na originária declaração de utilidade pública, se pretendia ver também expropriados, atenta a sua conexão e estreita dependência relativamente ao bem a que se reportava a DUP.

   Ou seja: o que verdadeiramente está em litígio é – não o montante indemnizatório devido ao expropriado e o procedimento que conduziu ao seu cálculo, - mas a própria legitimidade do acto ablativo sofrido pelo expropriado no seu património, que – não podendo radicar na declaração de utilidade pública ( que inquestionavelmente não abrangia a parcela objecto dos presentes autos) – só poderia fundar-se na vontade e no interesse do expropriado em ampliar o objecto da expropriação, estendendo-a a prédios que, embora formalmente distintos dos contemplados na declaração de utilidade pública, legitimadora da expropriação, constituissem com aqueles uma unidade económica incindível.

   Não é, este modo, aplicável a norma limitativa do direito ao recurso que consta do art. 66º, nº5, do CE- nem ocorre nos autos o exercício de um quarto grau de jurisdição sobre tal tema, obviamente excluído do elenco de competências atribuídas ao juízo arbitral que fixa a indemnização.

   5. Impõe-se, de seguida, abordar uma segunda questão procedimental - prévia relativamente à «violação de lei» que constitui objecto nuclear do agravo – suscitada pela entidade expropriante : na verdade, segundo esta, não tendo a expropriada impugnado especificamente o despacho - prévio à sentença proferida no processo expropriativo – que reiterou a inexistência da invocada nulidade proveniente de inexistência de DUP abrangendo a parcela em causa, tal questão  deveria considerar-se precludida, apesar de constituir objecto do agravo interposto do despacho que adjudicara a propriedade da parcela litigiosa ao Estado Português – recurso este que subiu a final à apreciação da Relação, conjuntamente com a apelação interposta da sentença proferida, após sustentação pelo juiz «a quo».

   A evolução dos presentes autos quanto a tal questão pode definir-se nos seguintes termos:

- foi proferido, a fls. 287, despacho de adjudicação da propriedade à entidade expropriante;

- a expropriada reagiu de imediato à prolação de tal decisão, interpondo o pertinente recurso de agravo ( fls. 289), o qual foi admitido no regime de subida diferida ( fls. 688) e apresentadas pela agravante as respectivas alegações ( fls. 705 e segs.);

- prosseguindo os autos de expropriação, foi proferido despacho de sustentação do agravo retido( fls. 1556) e, logo após,  sentença ( fls.1573 e segs. ), abordando o juiz – em despacho que precedeu imediatamente tal sentença ( fls. 1568) várias questões prévias, entre as quais a questão da alegada falta de DUP, tendo por improcedente a invocada nulidade( em consonância, aliás, com o despacho de sustentação que proferira imediatamente antes);

-após aclaração indeferida, foi interposta pela expropriada apelação subordinada ( fls. 1629), cuja alegação consta de fls. 1842 e segs.,e em cujas conclusões se não volta a abordar a matéria da invocada falta de DUP;

- por decisão do relator, determinou-se a notificação da recorrente para especificar se mantinha interesse na apreciação do agravo retido ( fls. 1893), respondendo esta afirmativamente (Fls. 1898);

- e foi, aliás, na sequência de tal processado que o acórdão recorrido apreciou a questão da invocada falta de DUP, revogando o despacho recorrido.

         Perante este quadro processual, temos por improcedente a questão suscitada pela Lusoponte, já que entendemos que não incidia sobre a então recorrente S.....P....S......o ónus de , sob pena de preclusão do agravo retido, impugnar novamente o segmento da decisão final que se voltara a pronunciar sobre as questões que constituíam objecto do agravo retido , reeditando obrigatoriamente a alegação que tempestivamente apresentara: o que o nº 2 do art. 735º do CPC estabelece é , na realidade, regime diverso, condicionando a apreciação dos agravos interlocutórios com subida diferida à interposição de recurso da decisão final, por essa forma obstando ao trânsito em julgado desta, sob pena de preclusão dos agravos retidos que devessem subir com esse recurso dominante.

   Ora, no caso dos autos, é duvidoso  que o despacho de fls. 1567 e segs, resolvendo algumas questões prévias ou prejudiciais relativamente à matéria da impugnação do juízo arbitral, constitua, em bom rigor, decisão autónoma e diferenciada relativamente à sentença conjuntamente proferida sobre aquela matéria; de qualquer modo, temos como seguro que não está a parte prejudicada pelo ali decidido obrigada, sob pena de preclusão, a impugnar o segmento de tal despacho, num caso em que foi pura e simplesmente reapreciada  questão que já havia sido decidida em momento anterior ( o da prolação do despacho de adjudicação da propriedade à expropriante) e do qual fora interposto e estava pendente o pertinente agravo: afigura-se, aliás, que as considerações tecidas no referido despacho, conexo com a sentença final, sobre a questão da invocada falta de DUP têm de ser interpretadas e enquadradas no despacho de sustentação do agravo constante da mesma decisão complexa (fls. 1566), em que se afirma que apesar de não ter sido proferida pelo signatário, entende-se que o despacho de fls. 287 não causou agravo à expropriada, pelo que se mantém o mesmo nos seus precisos termos.

   Terá sido precisamente esta ideia-base que se pretendeu reforçar com as considerações tecidas, logo a seguir, a fls. 1568, enunciando as razões substanciais pelas quais se  entendia que o despacho de adjudicação impugnado não padecia dos vícios invocados pelo agravante: ou seja: tal segmento decisório tem de ser interpretado como desenvolvimento do despacho de sustentação, simultaneamente proferido, e não como decisão nova e autónoma, susceptível de constituir caso julgado – e que, se não impugnada, consumiria o próprio recurso de agravo pendente , sustentado pelo juiz  na mesma peça processual.

    Ora, tendo sido efectivamente impugnada a sentença final, temos por evidente que não ocorre qualquer situação de caso julgado ou preclusão, arrastando a subida do recurso de apelação dominante a dos agravos retidos, cuja matéria será então – como efectivamente o foi – apreciada na 2ª instância.

   Nada obstava, pois, à apreciação como prejudicial da questão que constituía objecto do agravo retido, relativamente à abordagem das matérias a que se reportava o recurso dominante, pelo que se não verifica a nulidade proveniente de excesso de pronúncia.

  É , por outro lado, manifestamente improcedente a segunda nulidade imputada ao acórdão recorrido, decorrente de pretensacontradição entre os factos assentes e a solução dada ao litígio: na óptica da entidade recorrente, seria contraditório e incongruente consignar na matéria de facto provada que teria existido um pedido de expropriação total, aceite pela contraparte, para, de seguida, concluir que tal requerimento não podia legitimar a expropriação total dos prédios.

   Importa, na verdade, distinguir claramente os planos do facto e do direito: o que se deu como provado nos pontos 2 e 3 da matéria de facto é que foram emitidas pelos interessados as declarações de vontade retratadas pelas cartas juntas aos autos; ora, como é óbvio, tal constatação factual nada tem a ver com a resolução de um problema de índole estritamente normativa: a lei aplicável deve ser interpretada em termos de consentir o enquadramento de tal situação factual no âmbito do instituto da expropriação parcial, regido pelo art. 3º, nº2, do CE?

   Foi naturalmente esta segunda a «questão de direito»  dirimida no segmento decisório do acórdão recorrido, em termos negativos, sem que obviamente tal interpretação normativa se possa revelar colidente com a prévia definição da situação factual apurada: não se verifica, deste modo, a nulidade imputada ao acórdão recorrido.

   6. Os traços fundamentais da situação litigiosa podem condensar-se nos seguintes termos:

- na sequência de determinada expropriação por utilidade pública – abrangendo apenas determinados prédios pertencentes à expropriada – foi por esta emitida a declaração de vontade, corporizada na carta que consta de fls. 10/95, requerendo subsidiariamente que a expropriação abrangesse também um conjunto de  prédios de que era proprietária, , não abrangidos pela declaração de utilidade pública em que se baseava o acto expropriativo;

- a entidade expropriante declarou logo aceitar tal pretensão, nos termos que constam da carta de fls.94;

- de seguida, desencadeou a expropriante vários processos de expropriação autónomos, incidindo cada um deles sobre prédio que integrava cada uma das parcelas que, não tendo sido abrangidas pela declaração de utilidade pública, se consideravam compreendidas no âmbito do requerimento apresentado pela expropriada ( importando notar que esta estratégia processual conduziu efectivamente a uma situação procedimental invulgar, já   que na base de cada um destes processos não está qualquer declaração de utilidade pública do prédio expropriado, uma vez que as parcelas em causa são constituídas por prédios que, do ponto de vista jurídico-formal, são autónomos relativamente aos que integravam a referida e originária declaração de utilidade pública).

   Estes vários processos expropriativos paralelos têm vindo a ser, na jurisprudência, incluindo a do STJ, objecto de soluções divergentes, delineando-se correntes jurisprudenciais diferentes, conduzindo cada uma delas à abordagem da questão jurídica controvertida segundo uma diferenciada perspectiva; assim:

- uma delas, situa a problemática jurídica em questão no âmbito da figura do abuso de direito ( art. 334º do CC), considerando que o pedido de expropriação total - que, de forma implícita,  se considera válida e eficazmente formulado através da carta atrás referida , aceite pela expropriante - inviabiliza o comportamento posterior em que – vindo contra facto próprio – a expropriada  põe em causa a legitimidade do acto expropriativo, assente na sua própria vontade –vejam-se os Acs do STJ de 2/10/07( p. 1709/2007), de 27/5/08 (p. 1168/08), de 26/6/08 (p. 659/08) ;

- outra orientação traduz-se em perspectivar a questão jurídica controvertida a montante da problemática do abuso de direito, começando por analisar os pressupostos do instituto da expropriação total, regulados no art. 3º, nº2, do CE , que considera inverificados na concreta situação litigiosa, nomeadamente por não estar demonstrada qualquer relação de unidade e indivisibilidade económica entre a parcela dos autos e os prédios efectivamente expropriados, -  o que naturalmente preclude a aplicação do instituto do abuso de direito; e, assim sendo, é evidente que, em termos puramente consequenciais, se considera inverificada qualquer situação de abuso de direito, já que este sempre pressuporia a plena validade, eficácia e vinculatividade do requerimento ou pedido de expropriação total, concretamente apresentado pela expropriada – vejam-se os Acs. de 15/1/09 ( p. 2130/08) e de 14/5/09( p. 4000/08).

- finalmente – vejam-se os recentes Acs. de 5/5/11 (p. 150/99.L1.S1) e de 20/10/11 ( p. 121/1999.L1.S1)- admite-se que, em princípio, nada obsta a que o instituto da expropriação total possa ser aplicado quando se pretenda a ampliação do objecto da expropriação a outros prédios, adjacentes ao constante da DUP, desde que com eles constituam uma unidade económica: porém, se o expropriado tiver formulado um inequívoco pedido de expropriação total, como se considera ter ocorrido no caso em apreciação, já lhe será naturalmente vedado retratar-se e pretender retirar valor e vinculatividade à vontade que expressou validamente no requerimento de expropriação total.

Verifica-se, deste modo, que as soluções praticamente contraditórias a que tem chegado a jurisprudência não decorrem propriamente e em primeira linha de interpretações frontalmente contraditórias da mesma norma jurídica, mas da abordagem da questão controvertida  segundo visões ou perspectivas jurídicas  diferenciadas – uma, de natureza essencialmente civilística, fundada na figura do abuso de direito ( aceitando, nalguns casos de forma lateral ou meramente implícita, que teria ocorrido um pedido válido e eficaz de expropriação total, sem todavia analisar e discutir, em concreto,  a verificação dos seus pressupostos de admissibilidade, num caso peculiar em que a ampliação do objecto da expropriação a estendia a prédios diferentes dos que integravam a originária declaração de utilidade pública); a outra, baseada na análise e interpretação, em primeira linha, de regimes normativos típicos do instituto da expropriação por utilidade pública (considerando concretamente inaplicável a norma do referido art. 3º, nº2, e, portanto, prejudicada pela falta de vinculatividade do requerimento de expropriação total, a questão do possível  abuso de direito, que constituíra «ratio decindendi» dos acórdãos que integravam a primeira corrente jurisprudencial citada).

Acresce que a matéria factual subjacente aos arestos que se têm pronunciado diversamente sobre os vários litígios conexos não é necessariamente a mesma : embora, à primeira vista, se pudesse supor que estariam sempre em causa os mesmos factos    ( já que todos os processos têm na sua base o mesmo acto expropriativo, fundado na mesma declaração de utilidade pública e na manifestação da vontade das partes expressada nos mesmos documentos - as cartas juntas aos autos), importa, desde logo, realçar que podem, todavia, verificar-se relações de diversa intensidade e conexão entre cada uma das parcelas, não objecto da originária declaração de utilidade pública, e os diferentes prédios da expropriada nela integrados.

É que, como adiante melhor se demonstrará, a eventual aplicação do instituto da expropriação total a situações peculiares como a dos presentes autos, caracterizadas por se pretender a ampliação do objecto da expropriação , não a parcelas ou segmentos de um mesmo prédio, mas antes  a prédios jurídico-formalmente autónomos relativamente àquele sobre que incidiu a originária declaração de utilidade pública, não pode ser irrestrita, pressupondo a existência de uma relação de unidade ou incindibilidade económica e funcional entre todos os prédios em questão, naturalmente a avaliar e fixar em concreto. Dito por outras palavras, nada garante à partida que o nível de conexão e dependência económica existente entre cada prédio compreendido na declaração de utilidade pública e a parcela nº 114 ( em causa nos presentes autos) e, por exemplo, as parcelas 113 ou 122.1 ( objecto dos processos sobre que incidiram os acs. juntos a fls1984 e 1992) seja exactamente o mesmo, podendo níveis diferentes de conexão ou incindibilidade económica justificar, só por si, decisões diferenciadas.

Por outro lado, - e é o segundo aspecto relevante a realçar -  não é necessariamente idêntica a forma como as instâncias interpretaram a vontade manifestada pela entidade expropriada na carta que remeteu à entidade expropriante, dependendo a resposta a esta questão do modo como foi fixada a matéria factual, em termos de dela resultar ou não a existência de uma vontade real inequívoca em pretender obter a expropriação total da parcela em litígio. Quanto a este ponto, importa salientar que, no caso dos presentes autos, se consignou expressamente que tal vontade se assumiu como meramente subsidiária, ao contrário do acervo factual subjacente a alguns dos arestos atrás referidos – circunstância que levou, por exemplo, o STJ, no ac. de 27/5/08, a considerar que estava vedado à Relação concluir que a carta da agravante nunca poderia ser havida como um pedido de expropriação total que abrangesse a parcela litigiosa, já que isso envolveria alteração indevida da matéria factual dada como assente).

7. A metodologia que nos parece mais adequada à resolução desta polémica questão jurídica traduz-se em atribuir prioridade à interpretação da norma constante do nº2 do art. 3º do CE:

I- será tal norma aplicável analogicamente a situação não expressamente prevista na sua literalidade – ou seja, à ampliação, a requerimento e no interesse do expropriado, do objecto da expropriação a prédios não compreendidos no âmbito da DUP, mas com eles adjacentes e materialmente conexionados, em termos de todos eles integrarem uma verdadeira unidade económica?

II- sendo afirmativa a resposta a esta questão fundamental, quais os exactos pressupostos de tal extensão normativa, em termos da exigência, por um lado, da indispensável clareza e inequivocidade na manifestação da vontade do expropriado na ampliação do objecto da expropriação e, por outro,  da definição do nível de conexão e dependência que deverá necessariamente ocorrer entre os prédios em causa?

Adiantando, desde já, a solução que adiante melhor se justificará, entendemos que a extensão do regime constante do citado nº2 do art. 3º é possível, mas pressupõe cumulativamente:

- que o expropriado haja manifestado uma vontade expressa, inequívoca e incondicional de ampliação, no seu interesse , do objecto da expropriação, tal como este resultava originariamente da DUP;

- que esteja demonstrada uma concreta relação de unidade ou incindibilidade económica entre algum dos prédios incluídos na DUP e o prédio, formalmente autónomo, que o expropriado pretende ver também incluído na expropriação.

Inclinamo-nos, deste modo, para que deva ser positiva a resposta à primeira questão - da eventual aplicação analógica da norma -  por, numa interpretação funcionalmente adequada do instituto da expropriação total, não se vislumbrarem razões bastantes para postergar - liminarmente e em absoluto - a respectiva aplicabilidade, sob certas condições, a prédios que, de um ponto de vista jurídico-formal, sejam distintos dos abrangidos pela DUP, mas que com estes se encontrem numa estreita conexão material ou económica.

Na verdade, não nos parece que deva qualificar-se como excepcional a norma que, no interesse e vontade do expropriado, lhe permite requerer a ampliação do objecto da expropriação, de modo a serem por ela abrangidas parcelas prediais ( ou mesmo imóveis contíguos ou adjacentes ao prédio expropriado) cuja fruição ou exploração económica seja drástica e substancialmente atingida pelo acto ablativo em que se consubstanciou o originário acto expropriativo, legitimado pelo interesse público : estaremos antes confrontados com um regime especial, que procura realizar uma adequada ponderação ou balanceamento entre o interesse público que está na base da DUP e o interesse privado do expropriado, que poderá ter pleno sentido também quando são drasticamente atingidas potencialidade económicas de prédios que, sendo formalmente autónomos, sofrem uma acentuada e desproporcionada quebra com o originário acto ablativo da propriedade.

Não deve, na verdade, olvidar-se que a diferenciação formal dos prédios não tem , muitas vezes, na sua base critérios estruturais e materiais de unidade prática ou económica, dependendo antes de elementos perfeitamente aleatórios : o modo como os originários interessados procederam às declarações que estão na base da matriz predial e da descrição registral. Como se afirma, por exemplo, no recente Ac. de 5/5/11  , proferido pelo STJ no P. 150/1999.L1.S1:

Na verdade, a unidade económica que está subjacente à procedência do requerimento de expropriação total contende não, propriamente, com a unidade predial e matricial, mas antes com a unidade produtiva em que a parcela física se interliga com outras pertencentes ao mesmo proprietário, no âmbito da unidade produtiva em que todas se inserem, com vista à prossecução da finalidade económica que só o conjunto, muitas vezes, permite alcançar, sob pena de se dar guarida a um simples critério, de índole fiscal e matricial, em detrimento de um critério de racionalidade económica.

A circunstância de se admitir uma extensão do âmbito do regime normativo que decorre da estrita literalidade do nº2 do art.3º não implica, porém, que tal aplicação possa ou deva ser irrestrita, de modo a abranger, nomeadamente, quaisquer prédios do expropriado que se situem nas imediações ou vizinhança daquele que foi objecto da DUP: como é evidente, a analogia pressupõe uma identidade de configuração do caso omisso com a previsão normativa em causa – o que naturalmente implica que os vários prédios em questão, apesar de formalmente diferenciados, devem integrar uma unidade incindível de fruição ou exploração económica, semelhante à que intercorre entre a parcela expropriada e a não expropriada, na normal situação de expropriação parcial de um mesmo prédio.

Ora, no caso dos autos – e perante a matéria de facto fixada pelas instânciasnão está demonstrado tal requisito essencial, ignorando-se a exacta conexão ou dependência material que, porventura, exista entre a parcela 114 e algum ou alguns dos prédios que integravam a DUP: note-se que a estratégia processual seguida pela entidade expropriante, ao reportar o presente processo exclusivamente à referida parcela 114, destacando-o em absoluto e autonomizando-o totalmente do processo principal, instaurado com base na DUP, terá inviabilizado ou, pelo menos, dificultado o apuramento dessa hipotética conexão predial e do grau da sua intensidade ( nos casos comuns de expropriação parcial, o requerimento do expropriado é deduzido incidentalmente no único processo existente, sendo naturalmente nele que se irá apurar da verificação dos pressupostos tipificados no referido nº2 do art.3º).

A situação dos autos é, assim, inteiramente idêntica à relatada no Ac.de 14/5/09, proferido pelo STJ no P. 08A4000, onde se afirma:

Necessitando a aplicação do dito nº 2 do art. 3º (por analogia ou interpretação extensiva) a demonstração de que a expropriação das parcelas (abrangidas pela DUP) também afectou economicamente, nos termos previstos nesse normativo, os prédios em causa nos autos e faltando o necessário suporte fáctico, não pode deixar de se concluir pela sua inaplicabilidade ou, pelo menos, questionar, ante a insuficiência da matéria de facto provada, se deve lançar-se mão do disposto no art. 729º, nº 3, do C.P.Civil. Cremos, porém, que tanto não se justifica, pois a carta em apreço, independentemente do seu conteúdo e respectiva interpretação, não pode ter a relevância que a Relação lhe atribuiu. É que tal carta, ainda que contivesse um requerimento de “expropriação total”, não pode fundar um novo e autónomo processo expropriativo, desligado dos processos de expropriação relativos às parcelas identificadas no despacho MOPTC 6-XII/95 que declarou a utilidade pública da expropriação de outros prédios da BB. Ou seja, a aplicação analógica do preceito implicaria que, perante a declaração da utilidade pública da expropriação de parcelas propriedade desta Sociedade, fosse, no âmbito dos respectivos processos de expropriação, requerida a expropriação total, procedendo-se a uma avaliação global, atenta a invocada indivisibilidade económica entre os prédios abrangidos pela DUP e os que, não estando abrangidos pela mesma, também eram propriedade da expropriada.
Sucede que o presente processo apenas visou a expropriação e avaliação dos três prédios identificados nos autos (parcela nº 101) sem considerar a sua relevância no âmbito duma possível unidade económica interdependente, com os prédios que foram objecto da DUP, não permitindo que se procedesse a uma avaliação da globalidade dos prédios (aliás, nem sequer estava prevista a apensação de processos referentes aos diferentes imóveis (18).

A expropriação total, reportada a um conjunto de prédios cujo aproveitamento económico assenta na sua indivisibilidade, implica uma avaliação global incluindo esse conjunto de prédios, o que não pode suceder no presente processo, precisamente porque os autos se encontram desligados da avaliação que foi efectuada no âmbito de outros processos de expropriação, relativos aos cinco prédios da BB identificados no Despacho MOPTC 6-XII/95.

8. Deverá, perante a indefinição factual do nível de conexão ou incindibilidade  prático-económica porventura  existente entre os prédios objecto da DUP e a parcela 114, determinar-se que as instâncias ampliem a matéria de facto, baseando-se para tanto em factos que devessem considerar-se processualmente adquiridos no âmbito do processo de expropriação, em consequência, nomeadamente, dos juízos periciais ou arbitrais realizados?

Entendemos que não, por uma razão que se sobrepõe, aliás, à mera inidoneidade procedimental para realizar tal indagação factual num processo que a entidade expropriante tratou de destacar e autonomizar  totalmente relativamente  ao processo expropriativo-base, alicerçado na DUP: o não poder considerar-se que a vontade da entidade expropriada, expressada na carta constante dos autos, traduza, segundo os critérios interpretativos que devem ser seguidos – a impressão do destinatário - uma manifestação inequívoca e incondicional da vontade de obter a expropriação total abrangente do prédio que integra a parcela litigiosa dos presentes autos.

Importa realçar a importância decisiva que deve atribuir-se à abordagem desta questão, já que ela condiciona, em última análise, a legitimidade material do próprio acto expropriativo: na verdade, esta depende decisivamente, ou da existência de prévia declaração de utilidade pública que abarque a totalidade do objecto expropriado; ou, não existindo tal declaração de utilidade pública legitimadora da ablação dos direitos de propriedade do expropriado sobre todas as parcelas ou prédios conexos em causa, do exercício da autonomia da vontade do próprio expropriado, que, no seu interesse, peticiona a ampliação do objecto da expropriação, de modo a ficarem nela também  compreendidos prédios ou fracções prediais que a originária DUP não abrangia, mas cuja fruição ou exploração económica é praticamente aniquilada pelo acto expropriativo.

Como se afirma no Ac. de 19/3/09, proferido pelo STJ no P. 08B0413:

Ou seja e como refere Perestelo de Oliveira “in” Código das Expropriações Anotado, 2ª edição, páginas 33 e 34, “declarada a utilidade pública da expropriação de parte de um imóvel, por não ser necessário adquirir a sua totalidade para satisfazer o interesse público, pode acontecer que o proprietário fique gravemente afectado pela diminuição dos cómodos da parte expropriada, resultante do fraccionamento, considerado o seu destino económico efectivo à data da declaração.
Quando assim sucede, a lei, em dadas circunstâncias, tutela o interesse do proprietário, estabelecendo como uma “indivisibilidade económica” do imóvel, que se traduz em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte não expropriada, a pedido do expropriado.”
Em qualquer dos casos referidos no nº3 do artigo 3º acima transcrito, “não está em causa, apenas, o valor da parte não expropriada, mas uma perda grave dos cómodos ou utilidades prestadas por esta em consequência do fraccionamento em cuja determinação objectiva não poderá atender-se à mera eventualidade de um novo destino económico do bem (…)”

Esta determinação objectiva pressupõe que, em abstracto, de forma objectiva ante o caso concreto, se mostre que há razões sérias para concluir que o homem médio, colocado na real situação do expropriado, se encontra perante uma perda grave dos préstimos, comodidades e utilidades que, por via da expropriação, a parte residual deixou de prestar A lógica subjacente ao incidente de expropriação total traduz-se, pois, numa forma específica de
tutela do interesse do expropriado, a quem se reconhece o direito potestativo de desencadear uma ampliação do objecto da expropriação, de modo a nela ficarem compreendidas parcelas prediais ou ( na interpretação atrás sustentada) prédios adjacentes que a DUP não havia contemplado, mas cuja utilidade para o expropriado passa a ser inexistente ou puramente residual – sendo-lhe, deste modo, permitido sujeitar a entidade expropriante à aquisição de uma  verdadeira unidade económica, praticamente incindível com  o prédio incluído na DUP: se a entidade expropriante «comeu a carne», relativamente à parcela do bem que essencialmente integrava tal unidade económica e de fruição, terá também de «ficar com os ossos», adquirindo as parcelas ou segmentos prediais restantes, que nenhuma utilidade relevante apresentam  para o expropriado…

Note-se que a figura da expropriação total só tem sentido quando a causa de aquisição pela entidade expropriante dos segmentos ou parcelas prediais residuais assentar exclusivamente na vontade manifestada pelo expropriado – e não obviamente numa nova e ampliativa DUP, que supervenientemente viesse a abranger os bens não individualizados e contemplados pela DUP inicial: é que, como é evidente, neste caso a legitimidade do acto ablativo da propriedade fundar-se-á, não na vontade expressada pelo próprio expropriado, mas antes na estrita prossecução do interesse público, através do acto administrativo em que se corporizou o reconhecimento superveniente da utilidade pública do empreendimento que justifica a expropriação; a eventual reformulação da DUP, conduzindo a uma ampliação dos bens nela individualizados e incluídos, preclude, pois, irremediavelmente a figura da expropriação total, passando o acto ablativo a assumir a sua típica  natureza, integralmente unilateral e coerciva, fundando-se inteiramente a aquisição de todos os bens no reconhecimento da utilidade pública da obra ou empreendimento em causa ( e não na vontade e no interesse do expropriado).

Deve, por outro lado, realçar-se que – embora o instituto da expropriação total se funde na vontade e no interesse do expropriado, mostrando-se atenuado o princípio segundo o qual o que caracteriza essencialmente a figura da expropriação é a ablação unilateral e coerciva da propriedade privada – a aquisição que se venha a consumar em consequência de requerimento do expropriado e através do incidente regido pelo art. 53º do CE se situa no campo do direito público, e não no mero  exercício de uma autonomia negocial regida pelo direito privado: como é evidente, nada obsta a que entidade pública e particulares acordem na transmissão amigável da propriedade de quaisquer prédios adjacentes ou próximos ao bem expropriado, nos quadros de negócio jurídico regido pelo direito privado e com base exclusiva na exercício da respectiva autonomia da vontade; porém, esta situação negocial, preliminar ao processo de expropriação por utilidade pública,  nada tem a ver com o incidente de expropriação total, necessariamente enxertado num processo expropriativo já em curso e sujeitando-se  a cessão de bens ou parcelas residuais à entidade expropriante às regras procedimentais e materiais típicas do direito público que regem a figura da expropriação por utilidade pública.

9. Poderá considerar-se que a vontade manifestada na carta de 20/7/95, remetida pela expropriada à entidade expropriante e por esta aceite se consubstancia numa vontade inequívoca e incondicional de obter, em seu benefício, a expropriação total de todos os prédios integrantes das «S.....S......», não especificados ou individualizados na DUP?

Como resulta expressamente da matéria de facto fixada no presente processo, a sociedade expropriada requereu subsidiariamente que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nele referiu, sitos nas denominadas «S.....S......».

Fê-lo nos seguintes termos:

 A expropriada não prescinde da impugnação judicial na via competente, dos actos de posse e destruição da propriedade e meios produtivos que,  à  sombra  e falsa  invocação  do  Despacho MOPTC 6/XII/95,  então  a  ser  cometidos pela  LUSOPONTE  e  seus subempreiteiros.

23º

Com efeito, para além de já ter impugnado contenciosamente aquele acto administrativo, a recorrente, não prescinde de atacar no plano cível e criminal os autores morais e materiais dos actos de ocupação, posse, e destruição dos bens cuja expropriação total a seguir se peticionara. Assim,

24º

De forma subsidiária e meramente cautelar àquelas referidas vias judiciais cíveis e criminais.

25º

É que, entende a expropriada que a expropriação em causa, tem, legal e factualmente, de ser total i. é, de abranger :

a)         A totalidade das "S.....S......";

b)         Se assim não for julgado, tem a expropriação de abranger pelo menos a totalidade das áreas económico-produtivas às quais estão afectas as parcelas expropriadas à requerente.

26º

Em resumo:

a) A requerente entende que já está totalmente expropriada nas áreas económico-produtivas  nas  quais  se  integram  as parcelas objecto do acto administrativo expropriativo — e, por isso, tal "expropriação de facto", é ilícita, no plano cível e criminal e, da arguição destas ilicitudes a expropriada não prescinde;

b) A expropriada entende também que era legal e factualmente imposta à expropriante a expropriação legal (não de facto ou "selvagem" como está a efectuar) quer da totalidade das "S.....S......", quer, pelo menos dos prédios e  áreas económico-produtivas nas quais se  integram as da causa;

c) Ao deduzir o presente requerimento de expropriação total, a expropriante não admite, por isso, que se verifique a desnecessidade de expropriação da parte dos prédios (cfr n2 2 arts 32 cod. Exp.)

d) Pelo que tal pedido é formulado, de forma subsidiária, cautelar e, para o caso de improceder em, nas vias judiciais próprias — que não esta — os seus anteriores fundamentos, ou seja, para o caso de se vir a demonstrar e decidir judicialmente que, a expropriante, não necessitava de expropriar mais do que as parcelas em causa.

Qual o sentido  que, na declaração de vontade corporizada na dita carta, deve atribuir-se a essa  expressão subsidiariamente?

A leitura de tal documento revela, de forma imediata, a persistência de um litígio entre as partes acerca da legalidade do acto e procedimento expropriativo, bem patente na liminar invocação de plúrimas nulidades, das quais expressamente a expropriada não prescinde: e é na sequência da afirmação dessa persistência do litígio entre expropriada e expropriante que se enxerta a formulação do pedido de expropriação total em que se alicerça o presente processo, expressamente qualificado como meramente subsidiário e cautelar:

Ora, tal natureza subsidiária do pedido de expropriação total impediria, desde logo, que a entidade expropriante pudesse imediatamente aceitar, como o fez, o requerimento de expropriação total, antes de se mostrar dirimido o litígio primacial que opunha as partes; na verdade, é da essência de um pedido subsidiário que o mesmo é apresentado para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior – pelo que naturalmente só depois de dirimido o litígio que se começa por enunciar na referida carta, em termos desfavoráveis à entidade expropriada, poderia operar tal pedido subsidiário e cautelar.

Não é, deste modo, possível converter um pedido subsidiário em pedido principal, aceitando e tornando firme o objecto do pedido subsidiário, antes de se mostrar solucionado o litígio que subjaz ao pedido principal

 Por outro lado, tal pedido subsidiário de expropriação total é desdobrado em duas ordens de razões:

- a primeira delas, conexionada com a intenção - já afirmada pelos órgãos competentes - de virem expropriar, por motivos de protecção ambiental, todos os prédios que integravam as «S.....S......», como decorrência de o interesse público ambiental implicar a referida expropriação total, para constituição de uma reserva ecológica que minimizasse os impactos construtivos da nova ponte ; ou seja: na óptica da expropriada, existiria incumprimento de um dever legal e contratual de expropriação da totalidade das salinas, - invocando-se o direito de exigir que a concessionária da obra, a Lusoponte, e o Gattel cumpram as obrigações de expropriação total decorrentes das normas legais mencionadas, sendo certo que, de outra forma, se cometeriam infracções ambientais punidas ela lei de Bases do Ambiente ( cfr. art. 59º da referida carta)

- a segunda delas, fundada explicitamente  no regime constante do nº2 do art. 3º, implicando que se reconhecesse à requerente o direito de expropriação total de duas unidades e estabelecimentos comerciais, um de piscicultura , outro de produção de sal, instalados, aquele na marinha «Restinga», com a área de 44,376 hectares, e este no conjunto das marinhas «Providência» e demais do quadro do doc.20, com a área global de 158,024 ha.(unidades estas que nenhuma conexão apresentam com a parcela 114 a que se reportam os presentes autos).

Poderá entender-se que – segundo o critério fixado pelo art. 236º do CC ( já que da matéria de facto fixada nada resulta quanto à intenção ou vontade real dos representantes da sociedade expropriada que subscrevem a dita carta) - o respectivo conteúdo traduz objectivamente uma vontade inequívoca de obter, de forma imediata e incondicional,  a expropriação total dos prédios que integravam as S.....S......, incluindo a parcela 114 a que se referem os presentes autos, prescindindo da prévia declaração de utilidade pública?

A resposta a esta questão terá, a nosso ver, de ser negativa, não se vislumbrando minimamente que a sociedade expropriada visasse obter, incondicionalmente e de forma imediata, sem que ocorresse a prévia declaração de utilidade pública a que considerava vinculado o Estado Português, a expropriação, no seu interesse, de toda a área  das citadas salinas: na verdade, as considerações iniciais revelam a sua discordância e inconformismo com a legalidade de actuação global da entidade expropriante, traduzindo, como se referiu, a persistência de uma situação litigiosa dificilmente conciliável com a formulação de um  pedido típico e inequívoco de expropriação total – deduzido, aliás,  em termos que explicitamente se configuram como cautelares ou subsidiários, isto é, apenas para o caso de o litígio pendente e em curso vir a ser resolvido em termos desfavoráveis à entidade expropriada.

É que, se se pode ainda  alcançar uma vontade de obter a expropriação total das parcelas mencionadas na al. c) do teor final desse documento , com base numa alegada e concreta relação de incindibilidade com as parcelas que foram objecto de DUP, não vemos que possa, por correcta interpretação do teor objectivo da referida carta, afirmar-se a existência efectiva e actual de uma vontade e interesse na imediata e incondicional expropriação de todos os prédios integrados nas S.....S......: o que decorre da carta em análise, devidamente interpretada, é uma crítica à legalidade de actuação dos poderes públicos, que se considera estarem   vinculados a proceder à declaração de utilidade pública e consequente expropriação da área de todas as salinas ( não para assegurar a realização da obra rodoviária em curso, mas por motivos de natureza estritamente ambiental e ecológica), sustentando-se que – se e quando ocorrer tal DUP alargada – se entende que ela terá de abarcar toda a área predial das salinas, e não apenas alguns prédios.

Porém, tal manifestação condicional e subsidiária de vontade não equivale a um pedido imediato e inequívoco de expropriação de toda essa área geográfica, prescindindo em absoluto o expropriado da condição prévia essencial à legitimação material do acto ablativo da propriedade: a declaração de utilidade pública, envolvendo individualização e especificação dos imóveis nela compreendidos.

Ou seja: não pode inferir-se das considerações tecidas a propósito do primeiro fundamento para a expropriação total ( único que, como se viu, poderia abranger a parcela 114, em causa nos presentes autos) uma vontade actual, efectiva, inequívoca e incondicional de obter a imediata expropriação de todas as parcelas integradas nas salinas, passando liminarmente por cima da actuação correcta e adequada dos poderes públicos, consubstanciada em ampliar o âmbito da DUP ( já não para permitir a construção da ponte, mas para assegurar o equilíbrio ambiental e ecológico na área envolvente) – e devendo então, no interesse do expropriado, tal acto administrativo abranger a totalidade das referidas salinas.

Isto mesmo é confirmado pela análise das pretensões com que, em jeito de conclusões, a expropriada encerra a sua carta/requerimento, dirigida à expropriante, em que nenhuma referência é feita ao pedido de expropriação total de toda a área das salinas, sendo do seguinte teor:

Nestes termos, requer-se de Vãs. Exas. se dignem:

a) Julgar nulas de nenhum efeito as cartas does.  1  a 12 enviadas à requerente, quer por usurpação de funções  quer por ausência de poderes,  por um director técnico da Lusoponte,  e,  determinar  que,  o  GATTEL,   enquanto expropriante, proceda às legais notificações à requerente, ou, caso a Lusoponte seja a legal entidade expropriante deverá efectuar  tais notificações,  por pessoas  que legal/estatuariamente a representem;

b) A improceder esta matéria,  julgar nula ou irregular a arbitragem anunciada em does.  6 a 12 por preterição do prazo legal, e violação grave dos direitos da expropriada, conforme artss. 452, 532, 462, e 472 do Cod. Expropriações;

c) Reconhecer à requerente o direito de expropriação total das duas  unidades  e estabelecimentos  comerciais,  um  de piscicultura outro de produção  de sal, instalados,  aquele na marinha “Restinga”,  com a área de 44,3760 hectares e, e no conjunto de marinhas “Providencia” e demais de quadro dos. 20, com a área global 158,0240ha, conforme tudo é, justamente de direito;

d) Caso improceda o ora requerido, deve dar-se cumprimento ao disposto no artº. 42º n.º 2 do Cod. Exp. remetendo-se de imediato o processo ao Tribunal competente.

Em suma: é inconciliável com a exigência fundamental de que a vontade do expropriado em ampliar o objecto da expropriação a parcelas ou prédios não abrangidos pela DUP deve ser  inequívoca, clara e incondicional a mera formulação de um pedido subsidiário e cautelar de eventual expropriação total de toda uma área pertencente ao expropriado, no quadro de um litígio global –e que nesse momento persiste por resolver  – acerca da legalidade da actuação dos poderes públicos e da própria entidade expropriante.

E, deste modo, não se verificando um pressuposto fundamental de que depende a concreta aplicação do instituto da expropriação total, regulado no nº2 do art. 3º do CE, terá naturalmente de improceder a tese da entidade recorrente.

10. Daqui decorre, em termos puramente consequenciais, a improcedência da restante argumentação expendida no recurso da entidade recorrente. Assim:

- não se verifica, em concreto, qualquer situação de abuso de direito por parte da recorrida, já que tal pressuporia a plena validade e vinculatividade do requerimento de expropriação total apresentado – as quais se consideram prejudicadas pela circunstância de o pedido apresentado o ter sido em termos meramente subsidiários e cautelares;

- não se verifica qualquer inconstitucionalidade na interpretação normativa do nº2 do art. 3º que se aplicou efectivamente à dirimição do litígio, já que se admite perfeitamente, no plano normativo, que o regime legal aí previsto para a expropriação total possa ser aplicado extensivamente quando, tendo sido incluído na DUP apenas certo imóvel, o expropriado pretenda obter , no seu interesse, a ampliação do objecto da expropriação a outros imóveis adjacentes e que com o primeiro constituam uma incindível unidade económica : a ineficácia  do pedido de expropriação total radicou, deste modo, não na sua inadmissibilidade legal, mas na insuficiência da vontade efectivamente manifestada pelo expropriado no referido requerimento.

Entende-se, por outro lado que carece de fundamento o pedido de condenação da recorrente por litigância de má fé, cujos pressupostos não se verificam, desde logo, tendo em consideração as divergências já verificadas sobre o correcto enquadramento da matéria litigiosa.

11. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento ao agravo, confirmando a parte decisória do acórdão recorrido, considerando-se, em consequência, findo o presente processo expropriativo.

Custas pela entidade recorrente.

Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor