ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
799/10.6TTLRS.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/16/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PEREIRA RODRIGUES

DESCRITORES ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO

SUMÁRIO 1. Verificando-se o erro na forma de processo, o juiz deve, em princípio, convolar a forma de processo que foi adoptada para a que devia ter sido utilizada e só deve anular os actos que não puderem, ou não deverem, ser aproveitados ou se desse aproveitamento resultar uma diminuição das garantias do réu.

2. Tendo o trabalhador impugnado o seu despedimento, utilizando o processo declarativo comum, em vez do processo especial, previsto nos arts. 98°-C a 98°-P do CPT e a petição inicial por ele apresentada contiver todos os elementos que ao requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, previsto no art. 98°-C, n.º 1, do CPT, cabe apresentar, o tribunal deve aceitar a petição oferecida, na parte em que contenha aqueles elementos, convolar a forma de processo utilizada para a forma de processo estabelecida na lei e ordenar o seguimento dos autos.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL        

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Loures, AA, casado, delegado de informação médica, instaurou acção declarativa, com processo, comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, Lda, com sede na Estrada Nacional, n.° … - …, Amadora, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e que a R. seja condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o 30° dia anterior à propositura da acção até à data do trânsito em julgado da sentença, bem como a reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e de vir a optar pela indemnização de antiguidade.

Pediu ainda que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos.

Alegou para tanto, em síntese, que:

Trabalhou por conta, sob a direcção e fiscalização da Ré, desde 16 de Junho de 2006, com a categoria de Delegado de Informação Médica e auferindo a retribuição de base mensal de € 2.000, a que acrescia o subsídio de refeição de € 6,41, por cada dia de trabalho efectivamente prestado;

Em 11 de Fevereiro de 2010, foi notificado pessoalmente, de que a Ré tinha decidido instaurar um processo disciplinar com vista ao seu despedimento, com justa causa e que até à notificação da decisão final ficaria suspenso, preventivamente, sem perda de retribuição;

Elaborada a nota de culpa, em 15 de Março de 2010, o A. foi notificado da mesma, em 17 de Março de 2010, não tendo sido respeitado o prazo de 30 dias previsto no art. 354°, n.° 2 do Código do Trabalho;

Em 26 de Março de 2010, respondeu à nota de culpa;

Em 9 de Junho de 2010, foi notificado da decisão final do processo disciplinar, na qual a Ré lhe aplicou a sanção de despedimento.

Da análise da nota de culpa constata-se que a mesma não está devidamente circunstanciada, é vaga e imprecisa, nem contém factos concretos e, por esse motivo, não conseguiu organizar devidamente a sua defesa, pelo que o processo disciplinar deve ser considerado inválido.

No despacho liminar, a Sra. juíza a quo considerou que à presente acção de impugnação de despedimento se aplica a forma de processo especial, regulada, nos arts. 98°-B a 98-P do CPT, na redacção dada pelo DL n.° 295/2009, de 13/10, e não a tramitação prevista nos arts. 51° e segs. do CPT.

Concluiu, assim, que havia erro na forma de processo, que esse erro determina a anulação da petição inicial, único acto praticado no processo e que essa nulidade constitui  uma   excepção   dilatória   de   conhecimento   oficioso   que   conduz   ao indeferimento liminar, nos termos dos arts. 54°, n.° 1 do CPT, 494°, al. b), 495° e 234°-A, n.° do CPC, pelo que indeferiu liminarmente a referida petição.

Inconformado, o Autor recorreu do despacho, e tendo os autos prosseguido seus termos veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação, no qual se acordou, por unanimidade, conceder provimento ao recurso e, em consequência, decidiu-se: 1.      Revogar o despacho impugnado; 2. Aproveitar o acto praticado pelo apelante, nos termos atrás referidos, e convolar o processo declarativo comum utilizado pelo apelante para o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento; 3. Determinar o prosseguimento dos autos, designando-se data para a audiência de partes.

Inconformada agora a Ré, veio esta interpor recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

«A. O Recorrido intentou acção em processo comum, para impugnação do despedimento que lhe foi movido pela Recorrente, na sequência de procedimento disciplinar que teve início, com a suspensão preventiva do Recorrido, em 11.01.2010, tendo tido o seu termo com a notificação da decisão final ao Recorrido, no dia 09.06.2010.         

B. A acção foi intentada no dia 2 de Agosto de 2010, tendo o Recorrido apresentado petição inicial, em processo comum, finalizando com os pedidos de: (i) fosse declarada a ilicitude do despedimento que lhe foi movido pela Recorrente; (ii) fosse a Recorrente condenada a reconhecer a subsistência do vínculo laboral entre as partes; (iii) fosse a Recorrente condenada no pagamento ao Recorrido das retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores à data da propositura da acção, até ao trânsito em julgado da decisão final, no valor mensal de € 2000,00; (iv) fosse a Recorrente condenada no pagamento ao Recorrido, a título de indemnização por danos não patrimoniais causados, da quantia de € 5.000,00; (v) fosse a Recorrente condenada a reintegrar o Recorrido.

C. Ao pedido formulado pelo Recorrido aplica-se a acção [especial] de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

D. O Recorrido apresentou petição inicial de acção de processo comum, emergente de contrato de trabalho.

E. Havendo erro na forma do processo, deve ser determinada, nos termos do artigo 199.° do CPC, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados.

F. O único acto praticado nos autos traduziu-se na petição inicial apresentada pelo Recorrido, a qual, manifestamente não pode ser aproveitada, posto que tal traduziria uma subversão das regras aplicáveis ao processo especial de impugnação do despedimento.

G. Desde logo, porque a tramitação processual das formas do processo são díspares, designadamente devido ao facto de a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento: (i) ser um processo de natureza urgente; (ii) ser uma acção em que o primeiro articulado dos autos é do empregador e não do trabalhador; (iii) a prova, em audiência de julgamento, principia pelas testemunhas do empregador.

H. Ora, o processo comum: (i) não assume carácter urgente; (ii) o primeiro articulado consiste na petição inicial, in casu, apresentada pelo trabalhador e (iii) a prova, em julgamento, inicia-se com as testemunhas do trabalhador.

I. O eventual aproveitamento da petição inicial significaria uma violação do princípio da igualdade das partes do processo, posto que ao trabalhador seria permitida a manutenção, no processo, de dois articulados (petição inicial e Contestação).

J. O que, adentro da lógica do sistema processual instituído, não deverá ser aceite.

K. O artigo 98°-E do CPT só é aplicável às situações em que o trabalhador, que pretende impugnar o despedimento apresenta em papel e para autuação como processo urgente, requerimento de impugnação do despedimento.

L. O Recorrido apresentou petição inicial, via Citius, para autuação como processo comum.

M. A ratio subjacente à norma do artigo 98°-E do CPT legitima que possa existir um indeferimento liminar, pelo juiz, caso o requerimento não rejeitado pela secretaria não se apresente em formulário próprio.

N. Sendo o formulário próprio uma formalidade absolutamente essencial e insuprível.

O. O n.° 2 do artigo 98°-C do CPT, que dispensa a apresentação de formulário quando seja requerida a suspensão preventiva do despedimento não pode ser aplicado, analogicamente, à situação dos autos.

P. Posto que tal consiste numa norma excepcional, que não comporta aplicação analógica, atento o disposto no artigo 11º do Código Civil.

Q. Por outro lado, e independentemente da qualificação (ou não) como normal excepcional, a dispensa da apresentação de formulário, prevista n.° 2 do artigo 98°-C do CPT encontra a sua ratio no facto de, em bom rigor, estarem em causa dois processos urgentes (o procedimento cautelar e a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento).

R. Qualificação que não se verifica quanto à acção — declarativa com processo comum — que foi apresentada pelo Recorrido.

 S. Não sendo, pois, possível o aproveitamento da petição inicial apresentada pelo trabalhador, ora Recorrente.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se na íntegra o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu pela convolação do processo declarativo comum utilizado pelo Recorrido para processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, consequentemente, manter-se o despacho da l.ª Instância».

O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo:

«A - A ora Recorrente BB, Lda apresenta recurso com base nos seguintes argumentos:

B - Natureza urgente do processo especial de impugnação do despedimento;

-           Violação do princípio da igualdade das partes;

-           Preterição de formalidade insuprível.

C - Não assiste à BB qualquer razão como se demonstrará.

D - Recorrente alega que a petição inicial apresentada, manifestamente, não pode ser aproveitada, por traduzir uma subversão das regras aplicáveis ao processo especial de impugnação do despedimento desde logo porque é um processo urgente.

E - Argumenta ainda que nestes processos especiais o primeiro articulado é do empregador e não do trabalhador,

F - E que a prova, em audiência de julgamento principia pelas testemunhas do empregador.

G - Quanto ao carácter urgente os direitos do trabalhador estão acautelados.

H - De que o primeiro articulado tem de ser o do empregador, salientasse que o processo ainda se encontra na fase dos articulados, e o único acto praticado era do trabalhador.

I - A simplificação do procedimento adoptado para trabalhador que foi despedido, não visa premiar o empregador.

J - No que se refere à ordem de produção da prova, essa questão nem sequer se coloca dado que a excepção dilatória do erro na forma do processo foi conhecida numa fase embrionária, ou seja, dali em diante o processo seguiria o seu curso normal.

K - Não há violação do princípio da igualdade das partes porque no processo ficaria dois articulados do trabalhador (a petição inicial e a contestação) pois a ora Recorrente teria sempre a possibilidade dos articulados da resposta ou da reconvenção, de acordo com o art. 98.°-L do C.P.T., bem como,

L - De responder às excepções deduzidas no último articulado pela parte contrária, na audiência preliminar, ou não havendo lugar a esta, no início da audiência final, de acordo com o princípio do contraditório, que é um afloramento do princípio da igualdade das partes (art.° 3.°, n.°4 do C.P.C, que se aplica por força do art.°1.° n.°2, alínea a), do C.P.T.).

M - É absolutamente errado considerar o formulário previsto para o processo especial ser uma formalidade absolutamente essencial e suprível.

N - O legislador previu aquando da apresentação da providência cautelar de suspensão preventiva do despedimento, que tem em comum com este processo especial a natureza urgente, a dispensa pelo trabalhador da apresentação do formulário (art. 98.°-C, n.° 2, do C.P.T.),

O - O tribunal a quo, teria sempre a possibilidade de convidar, o trabalhador a apresentar aos autos formulário, devidamente, preenchido, ordenando posteriormente o desentranhamento do articulado da petição inicial, erradamente apresentado pelo trabalhador.

Assim solicito a Vossas Excelências que não seja dado provimento ao presente recurso, devendo o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ser confirmado».

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista, ao qual a Ré apresentou resposta mostrando a sua discordância e mantendo as suas alegações de recurso.

 Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar a questão que se coloca à apreciação, que é a de saber — como bem se entendeu na Relação — se o erro na forma de processo cometido pelo Autor determina a anulação do processo e o consequente indeferimento liminar da petição inicial ou se determina o aproveitamento daquele articulado e a convolação da forma de processo comum para a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

II.  FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos a tomar em consideração são os que resultam do relatório acima inscrito.

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

A questão que se coloca à consideração deste tribunal foi amplamente tratada na decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo          que, antes de mais, importa chamar à colação a fundamentação invocada naquele tribunal, a fim de se concluir se merece ser seguida ou, se, pelo contrário, deve ser rejeitada.

Foi a seguinte a fundamentação aduzida pelo Tribunal da Relação:

A questão que se suscita neste recurso consiste em saber se o erro na forma de processo cometido pelo apelante determina a anulação do processo e o consequente indeferimento liminar da petição inicial ou se determina o aproveitamento daquele articulado e a convolação da forma de processo comum para a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

O apelante reconhece que cometeu um erro na forma de processo que instaurou, ou seja, reconhece que em vez da acção declarativa que instaurou com a forma de processo comum, regulada nos arts. 51° e segs. do CTP, devia ter instaurado a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulada nos arts. 98°-B a 98°P do CPT. Não concorda, no entanto, com o despacho recorrido, na parte em que indeferiu liminarmente a petição inicial, sustentando, na sua alegação de recurso, que o tribunal a quo, em vez de indeferir liminarmente a petição inicial, deveria ter convolado a forma de processo comum que utilizou para a forma de processo adequada, deveria ter aproveitado o acto praticado no processo e ter determinado o prosseguimento dos autos, porquanto tal articulado contém todos os elementos que o requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel (aprovado pela Portaria n.° 1460-C/2009, de 31/12) contém, ou seja, a identificação das partes, a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, o relatório final do instrutor do processo disciplinar, a decisão de despedimento, a assinatura do mandatário do autor e foi apresentado dentro do prazo de 60 dias previsto no art. 387°, n.° 2 do Código do Trabalho.

Vejamos se lhe assiste razão.

Em relação à forma de processo, é indiscutível que o apelante errou ao instaurar uma acção declarativa, com processo comum, para requerer a declaração judicial de ilicitude do seu despedimento.

O art.º 387° do Código do Trabalho, actualmente em vigor, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12/02, estabelece nos seus n.°s 1 e 2 o seguinte:

1. A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.

2. O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte.

3. Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.

4. Em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-‑se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.

O art. 14°, n.° 1 da citada Lei n.° 7/2009 estabelece, por seu turno, que os n.°s 1, 3 e 4 do art. 356°, os artigos 358°, 382°, 387° (apreciação judicial do despedimento individual) e 388° (apreciação judicial do despedimento colectivo), o n.° 2 do art. 389° e o n.° 1 do art. 391° entram em vigor na data de início de vigência da legislação que proceda à revisão do Código de Processo de Trabalho.

O art. 7º, n.° 5, alíneas b) e c) da Lei n.° 7/2009 dispõe, por sua vez, que o regime estabelecido no Código do Trabalho, anexo à presente lei, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor relativas a prazos de prescrição e caducidade, procedimentos para aplicação de sanções, bem como para a cessação do contrato de trabalho. E o art. 12°, n.° 5 da mesma Lei estabelece que a revogação dos arts. 414°, 418°, 430° e 435° (impugnação judicial do despedimento), do n.° 2 do art. 436°, do n.° 1 do art. 438° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 99/2003, de 27/08, produz efeitos a partir da entrada em vigor da revisão do Código de Processo do Trabalho.

Finalmente, o DL 295/2009, de 13/10 - diploma legal que procedeu à revisão do CPT e que entrou em vigor no dia 1/01/2010 (art. 9o, n.° 1) - introduziu um conjunto de alterações na disciplina processual do direito do trabalho e criou novos processos especiais na jurisdição laboral, entre os quais figura o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulado nos arts. 98°-B a 98°-P do CPT, dispondo o art. 98°-C, n.° 1 que "Nos termos do art. 387° do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento, inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento (.. .)•"

Resulta claramente do quadro atrás descrito i) que o art. 387° do Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 e que até essa data esteve em vigor o disposto no art. 435° do Código do Trabalho de 2003; ii) que a acção de apreciação judicial do despedimento a que se refere o art. 387° do CT está regulada nos arts. 98°-B a 98°-P do CPT; iii) que a nova acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, regulada nos referidos arts. 98°-B e seguintes do CPT, é aplicável aos despedimentos, cujo procedimento seja desencadeado após a entrada em vigor da legislação que reviu o CPT, ou seja, a partir de 1/01/2010, e que essa acção se inicia com a entrega pelo trabalhador, junto do tribunal competente, do requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel (modelo foi aprovado pela Portaria n.° 1460-C/2009, de 31/12), com a identificação das partes, a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento e a junção de despedimento.

Assim, tendo o procedimento disciplinar que deu origem ao despedimento do recorrente sido instaurado em 15 de Março de 2010 e concluído em 9 de Junho de 2010, o processo adequado para impugnar esse despedimento é, sem dúvida alguma, o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulado nos arts. 98° -B a 98°-P do CPT, e não o processo declarativo comum, regulado nos arts. 51° e segs. daquele código, que o recorrente utilizou.

Nesta parte o despacho impugnado não merece qualquer reparo.

Já o mesmo não sucede, como veremos a seguir, em relação à 2.ª parte do despacho, ou seja à parte do despacho que anulou o único [acto] praticado no processo e indeferiu liminarmente a petição inicial.

Tendo havido erro manifesto na forma de processo utilizada pelo apelante, a questão que se coloca é a de saber se esse erro determina a anulação do processo e o consequente indeferimento liminar da petição inicial, tal como decidiu o tribunal recorrido, ou se tal articulado (único acto praticado no processo) pode ser aproveitado e convolar-se a forma de processo comum utilizada pelo Autor para a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.

Estabelece o art. 199° do CPC que:

"1.0 erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

2. Não devem, porém, aproveitar-se os actos praticados, se do facto resultar uma diminuição das garantias do réu."

Para quem como nós sempre defendeu que as normas processuais cumprem uma função meramente instrumental que não deve sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, tendo sempre em vista a justa composição do litígio, não pode concordar com o entendimento perfilhado no despacho impugnado.

Já vem de longe o regime respeitante ao erro da forma de processo, previsto no art. 199º do CPC. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis (Código do Processo Civil Anotado, I, 310), quando há erro na forma de processo, este não naufraga, antes "deve observar-se fielmente o princípio da boa economia processual", ou seja, devem aproveitar-se os actos que puderem ser aproveitados, praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, do forma estabelecida por lei, e só se anulam os actos que de todo em todo não puderem ser aproveitados.

Visando, no essencial, a eficiência e a celeridade, há muito reclamadas pela comunidade e só sofrivelmente conseguidas, o processo civil e o processo do trabalho, tem, entre nós, sofrido profundas e sucessivas alterações.

Do mesmo passo que se prosseguem tais objectivos, vêm-se sucedendo alterações das bases ideológicas do processo, com implementação dum regime "submetido ao activismo judiciário", cujas linhas essenciais Teixeira de Sousa enumera, incluindo nelas a possibilidade de afastamento ou adaptação das regras processuais "quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio" (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lex, 1997, pág. 59).

Da evolução dessas linhas ideológicas, o legislador delineou, no preâmbulo do DL 329-‑A/95, o que chama as "linhas mestras de um modelo de processo", entre as quais as que aqui nos importam:

"Distinção entre o conjunto de princípios e de regras, que axiologicamente relevantes, marcam a garantia do respeito pelos valores fundamentais típicos do processo civil e aquele outro conjunto de regras, de natureza mais instrumental, que definem o funcionamento do sistema processual.

Garantia da prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio da cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo deformação da decisão. "

Surgiram, assim, os princípios da adequação formal (art. 265°-A do CPC) — que o legislador refere, no preâmbulo do DL 180/96, de 25/11, ser a "expressão do carácter funcional e instrumental da tramitação relativamente à realização do fim essencial do processo" —, o princípio da cooperação (art. 266° do CPC) e a imposição ao juiz relativa ao suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação (art. 265°, n.° 2 do CPC).

Temos aqui todo um "pano de fundo", vindo de longe, mas particularmente intensificado com a reforma do CPC de 1995/1996, caracterizado pela elasticidade do regime processual em benefício da justa composição do litígio. A lei processual civil não constitui um fim em si mesma, devendo antes ser encarada, tendo precisamente em conta o seu papel adjectivo.

O fim disciplinador que ela também encerra deve ser confinado àquela finalidade.

Daí que o formalismo processual não tenha um carácter rígido ou absoluto, podendo as irregularidades cometidas ser objecto, em princípio, das necessárias correcções ou adaptações, salvo nos casos em que a lei determine o contrário (Acórdão do STJ, de 26/11/1996, BMJ 461°, 379).

Entendemos, por isso, que verificado o erro na forma de processo, o juiz deve convolar a forma de processo que foi utilizada para a que devia ter sido utilizada, devendo observar fielmente, nessa convolação, o "princípio de boa economia processual" subjacente ao art. 199° do CPC, ou seja, só deve anular os actos que de todo em todo não possam ser aproveitados. Como sustentam o Prof. Alberto dos Reis (Código do Processo Civil Anotado, pág. 310) e o Prof. Lebre de Freitas (Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, pág. 46), os actos praticados até ao momento em que o juiz conheça o erro na forma de processo só devem ser anulados se de todo em todo não puderem ser aproveitados para a forma adequada ou se desse aproveitamento resultar uma diminuição das garantias do réu.

Ora, se o acto praticado pelo Autor contém todos os elementos que a apresentação do requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel (aprovado pela Portaria n.° 1460-C/2009, de 31/12) deve conter, ou seja, a identificação das partes, a categoria profissional do trabalhador, a declaração de oposição ou de impugnação do despedimento (a do autor mostra-se até devidamente fundamentada, o que pode facilitar a realização da audiência de partes), vem acompanhado da junção do relatório final do instrutor do processo disciplinar e da decisão de despedimento, está assinado pelo seu mandatário e foi apresentado dentro do prazo de 60 dias previsto no art. 387°, n.° 2 do Código do Trabalho, o tribunal recorrido devia, em nossa opinião, aproveitar o acto praticado, nesta parte, e anular a parte restante (se pode anular todo o acto, pode obviamente anular parte do mesmo), convolar a forma de processo utilizada para a forma de processo adequada e designar data para a audiência de partes, pois se assim procedesse, não diminuía minimamente as garantias da Ré e cumpria fielmente o "princípio de boa economia processual", subjacente ao art. 199° do CPC.

Aliás, se nos termos do Acórdão (de Uniformização de Jurisprudência) do STJ n.° 2/2010, de 20/01/2010, publicado no DR, 1.ª série, n.° 36, de 22 de Fevereiro, o requerimento de interposição de recurso de revista de decisão (singular) do relator, deve ser sempre aproveitado e convolado por este como requerimento para a conferência prevista no art. 700°, n.° 3 do CPC, mesmo que desse requerimento não conste qualquer elemento que permita concluir nesse sentido, por maioria de razão se impõe, no caso em apreço, o aproveitamento da petição apresentada pelo apelante e a convolação da forma de processo por ele utilizada para a forma de processo de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, uma vez que a mesma contém todos os elementos que a apresentação do requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel (aprovado pela Portaria n.° 1460-C/2009, de 31/12) deve conter e dela resulta, de forma clara e inequívoca, que o apelante pretende impugnar judicialmente o seu despedimento.

Mais, se na situação prevista no art. 98°-B, n.° 2 do CPT, o legislador dispensa a apresentação do referido formulário electrónico ou em suporte de papel, seria incompreensível e seria sobrepor totalmente o formalismo à substância que a exigisse nesta situação em que existe um requerimento que contém todos os elementos que aquele formulário contém.

A apelada sustenta na sua contra-alegação que a tramitação processual das duas formas de processo são totalmente diferentes: a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento é de natureza urgente; o seu primeiro articulado é do empregador e não do trabalhador; a prova em audiência de julgamento inicia-se pelas testemunhas do empregador; o processo comum não tem carácter urgente, o primeiro articulado é a petição apresentada pelo trabalhador e a prova em julgamento inicia-se com as testemunhas arrolados pelo trabalhador. Além disso, alega a apelada, o eventual aproveitamento da petição inicial significaria uma violação do princípio da igualdade das partes no processo, uma vez que ao trabalhador seria permitida a manutenção, no processo, de dois articulados, enquanto à apelada seria permitida apenas um.

Mas esta argumentação não procede.

Em primeiro lugar, porque o facto de as duas formas de processo serem diferentes não impede o aproveitamento do acto praticado pelo apelante nos termos e pelas razões que atrás referimos.

Em segundo lugar, porque o aproveitamento do acto praticado pelo apelante, nos termos que atrás referimos e a convolação da forma de processo por ele utilizada para a forma de processo adequada além de estar de acordo com a letra e o espírito que está subjacente ao disposto no art. 199° do CPC, não viola o princípio da igualdade das partes, pois estas, não obstante tal convolação, mantêm o direito de apresentar os articulados previstos nos arts. 98°-I, n.° 4, al. a), 98°-J, 98°-L, não conferindo o aproveitamento do acto praticado nos termos que acima referimos e a convolação do processo para a forma adequada mais direitos ao apelante do que à apelada, nem põe em causa o princípio da igualdade de armas.»

Ora, a decisão recorrida mostra-se ampla e devidamente fundamentada, elegendo uma solução perante o direito constituído que não merece qualquer reparo, antes é digna de aplauso.

Contudo, a Recorrente manifesta o seu dissentimento, defendendo que a petição inicial apresentada pelo Recorrido não pode ser aproveitada, posto que tal traduziria uma subversão das regras aplicáveis ao processo especial de impugnação do despedimento, porque a tramitação processual das formas do processo são díspares, designadamente devido ao facto de a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento: (i) ser um processo de natureza urgente; (ii) ser uma acção em que o primeiro articulado dos autos é do empregador e não do trabalhador; (iii) a prova, em audiência de julgamento, principia pelas testemunhas do empregador. E o processo comum: (i) não assume carácter urgente; (ii) o primeiro articulado consiste na petição inicial, in casu, apresentada pelo trabalhador e (iii) a prova, em julgamento, inicia-se com as testemunhas do trabalhador.

Acrescenta que o eventual aproveitamento da petição inicial significaria uma violação do princípio da igualdade das partes do processo, posto que ao trabalhador seria permitida a manutenção, no processo, de dois articulados (petição inicial e Contestação), o que, adentro da lógica do sistema processual instituído, não deverá ser aceite.

Diz ainda que o artigo 98°-E do CPT só é aplicável às situações em que o trabalhador, que pretende impugnar o despedimento apresenta em papel e para autuação como processo urgente, requerimento de impugnação do despedimento, pelo que a ratio subjacente a esta norma legitima que possa existir um indeferimento liminar, pelo juiz, caso o requerimento não rejeitado pela secretaria não se apresente em formulário próprio, sendo o formulário próprio uma formalidade, absolutamente, essencial e insuprível.

Refere, por último, que o n.° 2 do artigo 98°-C do CPT, que dispensa a apresentação de formulário quando seja requerida a suspensão preventiva do despedimento não pode ser aplicado, analogicamente, à situação dos autos, posto que tal consiste numa norma excepcional, que não comporta aplicação analógica, atento o disposto no artigo 11º do Código Civil.

Porém, a Recorrente não tem razão, sendo que a toda a argumentação que aduz, em favor da sua tese, já o tribunal recorrido deu resposta acertada em nosso entender.

Com efeito, o aproveitamento da petição inicial, no caso, não deve ser feito de modo integral, mas apenas na parte em que a petição oferece os elementos que deveriam constar do requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, a que aludem os artigos 98.º-C, n.º 1, 98.º-D e 98.º-E do CPT.

Os restantes elementos constantes da petição têm de considerar-se como não escritos, não podendo ser aproveitados para qualquer efeito, pois que só desse forma se pode fazer operar a convolação da forma de processo utilizada para a forma de processo adequada.

Efectuada tal convolação, nos estritos limites em que deve ser realizada, o processo passa a reger-se pela nova forma, deixando a forma inicialmente utilizada de ter qualquer influência nos ulteriores termos do processo.

Por isso, não se verificará qualquer violação do princípio da igualdade das partes, porque o Autor não irá beneficiar de possuir no processo dois articulados e a Ré de apenas um, uma vez que a petição inicialmente apresentada valerá apenas na parte em que ofereça os elementos que devem constar do requerimento em formulário próprio a que se aludiu.

É verdade que quando este requerimento em formulário próprio não apresenta os elementos que a lei exige a secretaria do tribunal não deve receber a petição — o que bem se compreende pois que de contrário deixava de fazer sentido a exigência do formulário —, mas tal não invalida que tendo a parte apresentado, em vez do requerimento em formulário para início de uma forma de processo especial, uma petição em forma de processo comum, mas contendo os elementos exigidos para aquele requerimento, se não possa, ou não deva, aproveitar a petição na parte em que pode ser aproveitada e se mande seguir a forma de processo que a lei prevê para a espécie do litígio.

Acresce que no caso não se trata de dispensar o requerimento feito no formulário legal, que a lei dispensa para determinadas situações, não estando em causa qualquer aplicação analógica da lei quando dispensa aquele requerimento, mas antes o de fazer um aproveitamento do processo, desde que possível, a fim de que este possa seguir a forma estabelecida por lei.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de corrigir um erro na utilização do processo, aproveitando-se os actos praticados enquanto conformes com a nova forma do processo, sempre exceptuados aqueles que possam comportar a diminuição das garantias de defesa do réu [art. 199.º do CPC].

Nada de impedimento se encontra, pois, no presente caso que obste ao aproveitamento parcial da petição inicial apresentada pelo Autor, na escolha errada da forma de processo comum, e à convolação desta para a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

E a esta conclusão não obsta o estipulado no art.º 98.º-I, n.º 3, do C.P.T. em vigor, nos termos do qual “caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, o juiz abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador, e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção com processo comum”.

Efectivamente, esta disposição compreende-se dada a singeleza do modelo do formulário já acima referido (art.º 98.º-D). 

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a Revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

[Anexa-se o sumário elaborado nos termos do artigo 713, n.º 6, do CPC]

Lisboa, 16 de Novembro de 2011. 

      

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva