ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
978/99.5TBPTM-A.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/21/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO DE REVISÃO
DECISÃO NEGADA A REVISÃO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR OLIVEIRA MENDES

DESCRITORES RECURSO DE REVISÃO
SENTENÇA
DECISÃO QUE PÕE TERMO AO PROCESSO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
REABERTURA DA AUDIÊNCIA

SUMÁRIO



I - A lei admite, em situações expressamente previstas (art. 449.º, n.º 1, als. a) a g), do CPP), a revisão de sentença transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (art. 460.º), equiparando à sentença, no n.º 2 do art. 449.º, despacho que tiver posto fim ao processo, o que equivale por dizer que, para além da sentença, só o despacho judicial que tiver posto fim ao processo é susceptível de revisão.
II - Segundo a jurisprudência pacífica e constante do STJ, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo.
III - O despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão não põe fim ao processo, limitando-se a dar sequência à condenação antes proferida.
IV - O meio processual adequado para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável não é o recurso de revisão, antes a reabertura da audiência nos termos do art. 371.º-A do CPP.





DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                                      

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, devidamente identificado, interpôs recurso extraordinário de revisão do despacho proferido no âmbito do processo comum supra referenciado, do 1º Juízo Criminal de Portimão, que revogou a suspensão da execução da pena de 26 meses de prisão que lhe foi imposta pela prática de dois crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 203º e 204º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.

No requerimento apresentado formulou as seguintes conclusões[1]:

1. O arguido foi, em 2001, condenado numa pena de prisão de 26 meses, suspensa na sua execução.

2. Hoje, o período de suspensão da execução da pena, tem que coincidir com a medida da pena, nos termos do disposto no artigo 50º, n.º 5, do Código Penal.

3. O douto despacho de 2005, que determinou a revogação da suspensão da execução da pena, não transitou, antes da detenção do arguido, em 2011, porquanto, até então, era desconhecido do arguido.

4. À data da notificação do douto despacho, 2011, já era vigente a lei que alterou o Código Penal, em 2007, alterando o período de suspensão da execução das penas.

5. Nos 26 meses a seguir ao trânsito da condenação na pena de 26 meses, o arguido não cometeu qualquer crime.

6. Nos termos do disposto no artigo 29º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, é aplicável a lei mais favorável ao arguido.

7. É ilegal, e inconstitucional a imposição do cumprimento da pena de prisão, ao recorrente, em 2011, e em 2011 notificado do douto despacho, por revogação, em 2005, na sequência de prática de crime depois dos 26 meses aplicados em 2001, data em que se iniciou o período de suspensão de 26 meses, esgotado antes da prática do crime julgado em 2005.

8. A imposição do cumprimento, em 2011, da pena aplicada em 2001, por factos de 1995, cuja suspensão foi revogada em 2005, o que, hoje, seria impossível determinar, é manifestamente inconstitucional, por ser menos favorável ao arguido, atento todo o referido supra.

O Ministério Público, na circunstanciada resposta apresentada, formulou as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto pelo arguido, ora recorrente, da decisão de fls.227, transitada em julgado, de revogação da suspensão da pena de 26 meses de prisão aplicada ao mesmo.

2. Como questão prévia, face aos fundamentos taxativos consignados no artigo 449º, do CPP, o recurso de revisão não é admissível, porquanto a decisão revivenda limitou-se a dar sequência a anterior decisão condenatória, transitada em julgado, não pondo termo ao processo.

3. Aliás é jurisprudência pacífica deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça que o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão é insusceptível de revisão.

4. Ainda que o fosse, a decisão revivenda não se subsume a nenhuma das alíneas, cujos fundamentos taxativamente se enumeram no artigo 449º, do CPP.

5. Ainda que Vossas Excelências Colendos Juízes Conselheiros venham a tomar conhecimento do mérito do recurso, sempre se dirá que o despacho revivendo transitou em julgado e os consequentes mandados de detenção só foram cumpridos em 27.06.2011, por culpa exclusiva do recorrente que se furtou à acção da justiça, mais sabendo que tinha de cumprir 26 meses de prisão.

6. Em todos esses anos o recorrente nunca requereu a reabertura da audiência para aplicação da lei mais favorável (Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro), que alterou a redacção do artigo 50º, a fim de reduzir o período de vigência da suspensão.

7. Não o tendo feito, a lei aplicável é a antiga, pelo que deve ser mantida inalterável a revogação que lhe foi imposta, na medida em que no espaço de 4 anos o recorrente praticou um crime pelo qual foi condenado.

8. De salientar, ainda, que face ao exposto a imposição ao arguido, ora recorrente, do cumprimento da pena de prisão que o mesmo sabia tinha que cumprir, não viola nenhuma disposição da Constituição, até porque foi dado a este, em tempo, possibilidade de exercer o contraditório, bem como de requerer, se assim o entendesse, a reabertura da audiência, para efeitos do artigo 371º-A, do CPP, o que em todos estes anos não fez.

9. Também por este motivo, deve ser negada autorização para a revisão do douto despacho revivendo, fazendo, assim, Justiça.

O Exmo. Juiz prestou informação sobre o recurso, tendo expressado o entendimento de que o recurso não deve ser admitido, atento o fundamento invocado e os fundamentos legais da revisão de sentença.

Igual posição assumiu nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, mais alegando que o trânsito em julgado do despacho revogatório da suspensão da execução da pena não constitui impedimento à aplicação do regime mais favorável nos termos do artigo 371º-A, do Código de Processo Penal, por ainda não haver cessado a execução da pena de prisão imposta ao recorrente.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

                                        *

O instituto da revisão de sentença, de matriz constitucional[2], enquanto mecanismo processual conflituante com o do caso julgado material, também constitucionalmente consagrado através do princípio non bis in idem[3], consubstancia um incidente excepcional, sendo que só perante situações especiais, rigorosamente previstas na lei, decorrentes de uma decisão injusta, é admissível a sua utilização, tendo em vista a reposição da verdade e a realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal.

Como refere o saudoso Conselheiro Maia Gonçalves[4], o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer e não quer a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos.

Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (artigo 449º, n.º 1, alíneas a) a g), do Código de Processo Penal)[5], a revisão de sentença transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (artigo 460º), equiparando à sentença, no n.º 2 do artigo 449º, despacho que tiver posto fim ao processo, o que equivale por dizer que, para além da sentença, só o despacho judicial que tiver posto fim ao processo é susceptível de revisão.

Consabido que no caso que ora nos ocupa estamos perante um despacho, concretamente perante despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente AA foi condenado, vejamos se o mesmo pôs ou não fim ao processo.

Segundo a jurisprudência pacífica e constante deste Supremo Tribunal, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo[6].

Tenha-se em vista o que a lei adjectiva penal estabelece em matéria de actos decisórios, ao estatuir nas alíneas a) e b) do n.º do artigo 97º:

«Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:

a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;

b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem fim ao processo fora do caso previsto na alínea anterior».

É inquestionável, pois, que o despacho que o recorrente AA pretende seja revisto é insusceptível de revisão, posto que prolatado depois da sentença.

Tem sido este, aliás, o entendimento quase unanime deste Supremo Tribunal, ao considerar que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão não põe fim ao processo, limitando-se a dar sequência à condenação antes proferida[7].

Em todo o caso se dirá que o recorrente AA sustenta o pedido de revisão formulado em circunstancialismo não enquadrável em qualquer um dos fundamentos previstos nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, o que é patente, razão pela qual sempre seria de negar a revisão pretendida.

O meio processual adequado para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável, como se extrai da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, a qual está na base da introdução na lei adjectiva penal do artigo 371º-A, não é o recurso de revisão, antes a reabertura da audiência nos termos daquele referido artigo. Com efeito, ali se deixou consignado:

«Por fim prescreve-se a reabertura da audiência para aplicar novo regime mais favorável ao condenado sempre que a lei penal mais favorável não tenha determinado a cessação da execução da pena. Esta solução é preferível à utilização espúria do recurso extraordinário de revisão ou à subversão dos critérios de competência funcional (que resultaria da atribuição de competência para julgar segundo a nova lei ao tribunal de execução das penas)».

Sendo certo que a pena imposta ao recorrente AA ainda se encontra em execução, nada impede que o mesmo, como refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, lance mão do instituto de abertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável.

É evidente que face a tudo o exposto se haverá de concluir nenhuma inconstitucionalidade ou ilegalidade haver sido cometida, tanto mais que, como este Supremo Tribunal decidiu no acórdão de fixação de jurisprudência publicado no DR, I Série, de 23 de Novembro de 2009, a aplicação retroactiva de lei penal mais favorável a arguido condenado, por sentença transitada em julgado, opera-se através de reabertura da audiência, a requerimento do condenado, nos termos do artigo 371º-A, do Código de Processo Penal.

                                          *

Termos em que se acorda negar a revisão.

Custas pelo recorrente, fixando em 2 UC a taxa de justiça.

                                   *

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Dezembro de 2011


Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
Pereira Madeira

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[1] - O texto que a seguir se transcreve corresponde integralmente ao da motivação de recurso.
[2] - De acordo com o n.º 6 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa:
«Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

[3] - O caso julgado material constitui a dimensão objectiva do princípio non bis in idem, através da qual se protege a certeza e a firmeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal, tutela indispensável à credibilidade e imagem dos tribunais e ao interesse legítimo dos sujeitos processuais e da comunidade.

[4] - Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º.
[5] - Tais situações são:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados outra sentença e a da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º;
f) Seja declarada pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça».

[6] - Entre muitos outros, os acórdãos de 07.04.11, 07.10.07 e 09.02.18, proferidos nos Processos n.ºs 618/07, 3289/07 e 109/09.
[7] - Entre outros, os acórdãos de 06.06.14, 07.11.21, 08.02.27, 09.01.27, 09.02.18, 09.03.12 e 10.09.29, proferidos nos Processos n.ºs 764/06, 3754/07, 4823/07, 105/09, 109,09, 396/09 e 520/00.7TBABT-A.S1.
Em sentido contrário apenas temos conhecimento do acórdão de 09.05.07, proferido no Processo n.º 73/04.7PTBRG-D.S1.