ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
32/05.2TAPCV.C2.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 3.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROVIDO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR ARMINDO MONTEIRO

DESCRITORES PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ACIDENTE DE AVIAÇÃO
SEGURADORA
SOCIEDADE COMERCIAL
FUSÃO DE EMPRESAS
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA
LEGITIMIDADE
INTERESSE EM AGIR
PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSUAL
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA LEALDADE PROCESSUAL

SUMÁRIO I -Nos presentes autos, a seguradora A, demandada em enxerto cível, foi condenada ao pagamento de indemnização em favor de vários lesados em acidente de viação, por acórdão do tribunal colectivo de 02-06-2010, mas desde 31-12-2009 que celebrara escritura pública de fusão com a seguradora B, só em 22-10-2010 tendo sido junto ao processo aquela escritura, por ordem do Tribunal da Relação.
II - O objecto do recurso para o STJ cinge-se ao decidido no acórdão emanado pela conferência no Tribunal da Relação, mercê da reclamação para ela, do despacho (decisão sumária, no âmbito do exame preliminar do recurso) do relator, ao abrigo do art. 417.º, n.º 8, do CPP, onde se decidiu que a seguradora B não dispunha de legitimidade para reclamar para a conferência, por não ser “o próprio sujeito processual afectado nos respectivos interesses jurídicos por qualquer despacho proferido pelo relator”, consequenciando, ainda, o efeito de se abster “do conhecimento do mérito da fundamentação material da respectiva reclamação”, nos termos dos arts. 4.º do CPP, 288.º, n.º 1, 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, al. e), do CPC.
III - Na mencionada escritura consta que a operação de fusão importa “a extinção” da A e que a B assume “a universalidade dos activos e passivos” da A, mas nada se refere quanto ao desfecho a conferir às acções judiciais pendentes.
IV - Operada a fusão de sociedades, nos termos do art. 276.º, n.º 2, do CPC, não é caso da habilitação prevista no art. 374.º, n.º 3, do CPC. Como resulta do mencionado art. 276.º, n.º 2, a fusão por incorporação de sociedade, parte no processo, não implica suspensão da instância para o efeito de habilitação, que não tem lugar, o que significa que, conhecida a mudança subjectiva operada ao nível dos sujeitos processuais, o juiz deve tomá-la em conta, e apenas, se for necessário, se devendo proceder à notificação dos seus representantes.
V - O próprio juiz providenciará, mesmo oficiosamente, e também na Relação, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, ou quando estiver em causa qualquer modificação subjectiva da instância, deve convidar as partes a praticar os actos indispensáveis, nos termos do art. 265.º, n.º 2, do CPC, enquanto postulado pelos princípios de direcção do processo, do inquisitório e até da lealdade processual a que todos os intervenientes no processo estão adstritos – art. 266.º do CPC.
VI -A fusão vem definida no art. 97.º, n.º 1, do CSC, e por via desse preceito, duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a reunião numa só, em que se transfere, em globo, o património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas, das partes, acções ou quotas desta – al. a), do n.º 4 –, tratando-se da chamada fusão por incorporação ou absorção; ou mediante a constituição de uma nova sociedade, com transferência de património na globalidade e atribuição de partes, acções ou quotas na nova sociedade – al. b) –, a chamada fusão por concentração ou constituição de uma nova sociedade.
VII - De acordo com a nossa lei, designadamente o art. 112.º do CSC, a fusão conduz à extinção da sociedade fusionada.
VIII - Devendo ter-se operado a substituição da seguradora A pela seguradora B, que passou a ser sujeito dos direitos e obrigações contraídas previamente pela seguradora A, transmitidos, depois, sem reserva, para a seguradora B, ela tem interesse em agir, é parte legítima, pois carece do meio processual de que lançou mão para discutir ante os demandantes o montante indemnizatório. Estando, após a junção da certidão, verificada a incorporação, e na causa, por intervenção espontânea, a entidade com a qual deve prosseguir a causa, importa extrair daí as consequências legais, revogando-se o acórdão recorrido.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL OTribunal da  Relação de Coimbra  não admitiu , por decisão sumária  do relator,   o recurso para ela interposto ,  por “ email “,  pela sociedade AA, S.A., do acórdão proferido em tribunal colectivo no P.º n.º 32/05 .2 TAPC2 , no Tribunal Judicial de Penacova , no âmbito do  enxerto cível em processo criminal , em que são demandantes   BB, CC e DD, sendo  demandada  aquela  entidade seguradora  , ali condenada ao pagamento de indemnização a favor daqueles ,   por virtude da responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo nela segurado de matrícula XX-XX–EJ , conduzido por EE , já condenado com trânsito em julgado , por homicídio cometido com negligência grosseira e por omissão de dever de auxílio, despacho que teve por fundamento   a falta de personalidade e capacidade judiciárias daquela sociedade, por  extinta por fusão e  incorporação na  FF ,  SA e a invalidade por via da nulidade , pelo uso de “ e mail “ , da sua vontade de recorrer .

Em sequência , surge a reclamar para a conferência , do despacho do relator,  a FF , SA , alegando que a fusão não operou , verdadeiramente , uma extinção propriamente dita da AA , continuando esta a existir integrada na sociedade nova , não alterando , por consequência  , o conjunto dos deveres e direitos que lhe correspondiam , sendo certo que a comunicação electrónica que fez em vista da interposição do recurso, nos termos definidos pela Portaria n.º 642/2004 , de 16/6 , em conjugação com o preceituado no art.º 2 .º , da Portaria n.º 114/2008 , de 6/2 , na redacção dada pela Portaria n.º 457/2008 , de 20/6  , é conforme à lei .

Remetidos os autos à conferência , decidiu esta  :

-reconhecer que a FF , SA , carecia de legitimidade para reclamar para a conferência, porque só carece de legitimidade para exercitar a reclamação , nos termos do art.º 417.º n.º 8 , do CPP , o sujeito processual directamente afectado nos respectivos interesses jurídicos por qualquer despacho proferido pelo relator ;

-abster-se de conhecer do mérito da fundamentação material da respectiva reclamação ;

-reconhecer o trânsito em julgado da questionada decisão sumária.

Inconformado com o teor do decidido , interpôs a FF recurso , mas não foi admitido , em razão do que reclamou  para o EXm.º Juiz Cons.º,  Presidente  do STJ , que , por estar em causa , uma questão de indemnização cível, proferiu despacho no sentido  contrário .   

 A FF, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.,motivou o seu recurso e apresentou as seguintes conclusões :

l.ª - Através de acórdão (de Tribunal Colectivo), documentado a fls, 1912/1922 -publicado e depositado em 02/06/2010 -, exarado nos autos na sequência da parcial repetição do julgamento (ordenado pelo STJ e por esta Relação) da acção cível/indemnizatória - enxertada no âmbito do presente processo criminal -oportunamente instaurada por BB, CC e DD, máxime, contra a aqui recorrente AA, S.A., foi esta condenada a pagar as quantias aí descritas;

2° - Da decisão assim prolatada recorreu a AA, S.A., oferecendo oportunamente as suas alegações de recurso .

3.a - Por despacho do Exmo. Sr. Desembargador Relator, foi a recorrente AA, S.A., e a Sociedade FF Seguros, S.A., notificadas para juntar aos autos certidão do título jurídico de fusão por fusão por incorporação da AA na FF Seguros, S.A.., bem como do respectivo registo, tendo essa determinação sido cumprida.

4.a - Foi proferida Decisão Sumária que rejeitou o recurso interposto quer por falta de personalidade jurídica e judiciária da extinta sociedade AA, S.A., quer por Invalidade (nulidade) da comunicação a juízo da sua hipotética vontade recursória e respectiva motivação.

5.a - Dessa decisão, a recorrente FF Seguros reclamou para a Conferencia, tendo sido proferido Acórdão que julgou o reconhecimento da excepção dilatória de ilegitimidade da sociedade FF, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., não recorrente, para reclamar da enunciada decisão-sumária do relator e a consequente abstenção do conhecimento do mérito da fundamentação material da respectiva reclamação, [cfr. arts. 4.° do C. P. Penal, assim reconhecendo e declarando o trânsito-em-julgado da questionada decisão-sumária.

6° - É desta decisão de que se recorre.

7.a - Ora, tendo-se já dado noticia nos presentes autos que A AA, S.A. foi incorporada, por fusão, na sociedade FF - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., e por esse efeito, a FF - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., na qualidade de sociedade incorporante, parece-nos inquestionável a legitimidade da ora recorrente.

8.a - E, neste particular, como bem refere Sobre esta questão diz o Prof. Ferrer Correia citado em Notas Práticas ao CSC de Abílio Neto, 1989, pág. 206: «Como diz o Prof. Ferrer Correia, Soe. Comerc, pág. 241, nesta «fusão por incorporação» só uma sociedade se extingue, reunindo-se na outra o património e os sócios, continuando a existir, como sociedade, a mais forte, alargando as suas fileiras.

9° - Ora a «fusão» entende-se como continuação da personalidade jurídica da sociedade fundida na sociedade nova se for por incorporação. Não há, assim, uma extinção propriamente dita, pois só se extingue nominalmente, continuando a sociedade anterior a existir integrada na sociedade nova, que continua a personalidade daquela integrada na sua. (Bol. 295, 338) e Pinto Coelho, pág. 100 -Soe. Comera).

10.a - Há, assim, apenas, uma modificação que, em regra, não altera o complexo de direitos e deveres jurídicos que lhe corresponderá. (Prof. A. Reis, Cod. P. Civil Explicado, pág. 233, e Boletim, 295,338). Não há, pois, uma extinção de personalidade da sociedade anterior; a qual se prolonga na sociedade que a absorve (do Ac RP de 2.12.1982, Col. Jur., 1982/5°-223)».

11.a - No caso "sub judice", fusão por incorporação, a partir do momento em que a fusão se torna efectiva, a AA e a FF passam a ser uma só pessoa jurídica.

12.a - Devem os autos seguir os seus termos contra a FF - Companhia de Seguros, S.A., assim se garantindo o pagamento indemnizatório aos lesados/recorridos, na qualidade de sociedade incorporante de todos os direitos e deveres da incorporada AA, S.A..

13.a - Mas mesmo que se entenda de forma diferente, deveria o Tribunal recorrido convidar a recorrente a suprir uma eventual legitimidade, através de um incidente próprio e adequado ou outra diligencia que entenda adequada. Só assim se faria quer justiça formal quer mesmo a justiça material, enfim, o desiderato da Administração da nossa justiça.

14.a - Deste modo, deve este Superior Tribunal reconhecer a legitimidade da sociedade FF, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.,para reclamar da enunciada decisão-sumária do relator, determinando-se o conhecimento do mérito da fundamentação material da respectiva reclamação.

15.a - Ao não decidir assim, o Acórdão recorrido violou, entre outras disposições legais, o disposto no art.° 417.° do Código de Processo Penal.

Colhidos os  legais vistos , cumpre decidir , pondo-se em destaque que a AA , SA , demandada em enxerto cível , foi condenada ao pagamento de indemnização em favor de vários lesados em acidente de viação por acórdão do tribunal colectivo de Penacova , publicado e depositado em 2.6.2010 , mas desde 31 .12 .2009  que celebrara escritura pública de fusão com a FF –Companhia de Seguros , S A ,  só em 22 .10.2010 sendo junta aquela escritura , por ordem do Tribunal da Relação .

Naquela escritura pública , a fls . 2013 , consta que operação de fusão importa “ a extinção “ da AA e mais que a FF –fls . 2011 –assume “ a universalidade dos activos e passivos “  da AA .

Reflectindo sobre o fenómeno da fusão das sociedades , é oportuno ter presente que , operada aquela , nos termos do art.º 276.º n.º 2 , do CPC , não é  caso da habilitação prevista no art.º 374 .º n.º 3 , do CPC . 

A fusão vem definida no art.º 97 .º , n.º 1 ,  do CSCOM  , e  por via desse preceito , duas ou mais sociedades , ainda que de tipo diverso , podem fundir-se mediante a reunião numa só ,  em que se transfere , em globo , o património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas,  das partes , acções ou quotas desta –al.a) , do n.º 4 –é a chamada fusão por incorporação ou absorção  - ; ou –al.b) , mediante  a constituição  de uma nova sociedade  , com transferência de patrimónios na globalidade e atribuição de partes , acções ou quotas na nova sociedade , é a chamada fusão por concentração ou constituição de uma nova sociedade .

Sobre o alcance da fusão , sendo de afastar a hipótese de dissolução com liquidação , alguns autores conotam-na com  um fenómeno antropomórfico  , equiparado à morte ; a sociedade  incorporada morre; a fusão é um fenómeno de “ docking “ , como  acoplamento de objectos em órbita ,  com semelhança ao que se afirma na natureza sempre que dois bens que se tornam compostos num só .

Mas a concepção que emana da lei , só riscando os termos desta , do art.º 112.º , do CSCOM , é a que conduz à  extinção da sociedade fusionada ; esta a concepção tradicional  inerradável  , bem claro sendo a esse respeito o Prof. Raul Ventura , in Fusão , Cisão e Transformação dfas Sociedaes Comerciais , pág. 228 e230   ,  ao comentar que “ é ela a mais claramente possível expressa na lei e com ela deve contar-se em qualquer construção jurídica da fusão “,  rejeitando abertamente  a construção de um “ quid medium “ entre a conservação e a extinção “ , mantendo uma individualidade , como anota Simonetto , in Transformazione e fusione , pág. 231 ,  ali citado . 

A intenção das partes no epifenómeno , relevante para equacionar a natureza da fusão ,  é a de unificação das sociedades , mas não para que a antiga sociedade viva dentro do universo da nova ; os sócios das duas sociedades chegaram à conclusão de que , no plano prático , dos seus interesses é vantajoso de todos existir uma nova sociedade onde , anteriormente , havia mais do que uma  .

E continua aquele insigne Mestre  , a fls . 233,  “ Por muito que , através de requintes literários , se procure descrever e explicar a fusão como simples modificação do acto constitutivo “ adequado à realização das realizações sociais no novo complexo nascido “ de que fala Serra , autor italiano ali citado , é algo incompreensível como lograr a unificação pela modificação do acto constitutivo de cada , donde a reafirmação,  que se subscreve , da extinção da sociedade fusionada .

  A fusão determina a extinção das sociedades , escreve Pupo Correia , in Direito Comercial , pág. 282 , desaparecendo a sua personalidade , ponderando , no entanto ,  J.G .Pinto Coelho , ali citado , mas sem aceitação , o entendimento de que as sociedades  “ não findam verdadeiramente e apenas continuam  a sua existência em condições diversas “ .

Menezes Cordeiro adere ao pensamento de que inexiste extinção , até porque não há liquidação , in Manual de Direito das Sociedades , I , 2004 , , 783 , III  .

Mas a “ fattispecie “   que deriva da lei  é a da extinção , como também sufraga Henrique Mesquita , in R L J , ano 154 , 160 .

Falar-se de uma coexistência de personalidades jurídicas , como defende a recorrente é algo que não cobra fundamento sólido , de acolher .         

A  personalidade jurídica de que usufruem ,no art.º 5.º do CSCOm ,  é uma forma de criar um novo sujeito de direitos e obrigações , distinto dos sócios e com património separado destes , entrou em crise , havendo como que uma desconsideração , verdadeiramente excepcional ,  com origem na teoria da “ disregard of legal entity “ , que lança sobre os seus sócios a responsabilidade  cabida àquela –cfr. A. Pereira de Almeida , Sociedades Comerciais ,  4.ª ed. , 2006 , págs . 21, 29 , 31 e 43 e Ac. deste STJ , de 26.6 .2007 , P.º n.º 07ª 1274 .

Por força da escritura pública de fusão a AA transferiu o seu património global para a incorporante ; esta assumiu   a “  universalidade dos activos e passivos “ , com a consequência da  sua extinção “ , como , com clareza da escritura junta , tardia porém evitadamente , ressalta a fls . 2011 e 2013 ,  omissa quanto ao desfecho a conferir às acções judiciais pendentes, regendo a lei geral e o que , para a sua  interpretação e aplicação, a doutrina e jurisprudência fornecem .

É a própria FF quem , de resto ,  reconhece que a partir da fusão a AA e a FF passam a ser uma só pessoa jurídica –fls . 2036 -, para depois , contraditoriamente , afirmar que “ não perderam as suas anteriores personalidades “ .

Como resulta do art.º 276.º n.º 2 , do CPC , a fusão por incorporação de sociedade , parte no processo ,  não implica suspensão da instância para o efeito de  habilitação , que não tem lugar ,  o que significa que , conhecida e comprovada  a mudança subjectiva operada ao nível dos sujeitos processuais  , o juiz deve tomá-la em conta, e  apenas , se for necessário , se devendo proceder à notificação dos seus  representantes.

O próprio juiz providenciará , mesmo oficiosamente , e também na Relação ,  pelo suprimento da falta de pressupostos processuais  , ou quando estiver em causa qualquer modificação subjectiva da instância  deve convidar as partes a praticar os actos indispensáveis , nos termos do art.º 265.º n.º 2 , do CPC , enquanto postulado pelos  princípios de direcção do processo , do inquisitório e  até da lealdade processual a que todos os intervenientes no processo estão adstritos –art.º 266.º , do CPC .

E nessa medida a observação nessa linha de princípios ,  oposta pela FF , como reacção à decisão sumária , rejeitando o recurso , no sentido de desencadear incidente próprio e adequado ou outra diligência –sem dizer qual - -cfr. 13.ª conclusão -, para contornar a mutação social havida , só assim se sobrepondo a justiça formal à material , não deixa de ser pertinente .

Mas volvendo ao caso concreto : a FF assume por incorporação os direitos e obrigações e  assim alarga , pelo património advindo , a sua acção , sem que a incorporação  lhe traga  um elemento pessoal em colisão  , mal se compreendendo que assim fosse , atém com graves implicações à certeza e segurança no comércio jurídico , sobretudo em área sensível , de marcado interesse público , como é a da actividade seguradora , onde o poder estatal intervém amiúde , quanto mais não seja por pressão da comunidade europeia .

Estaremos em caso de incorporação , de uma sucessão legal , consequência daquela expressa e querida extinção societária , conforme à lei , visto o art.º 112.º a l. a) , parte final , do CSCOm , como se ponderou no Ac. deste STJ  , de 6.12.2006 , in P.º n.º O6 B 3458.

O objecto do recurso , importa precisá-lo , cinge-se ao decidido no Ac. emanada pela conferência , mercê da reclamação para ela , do despacho ( decisão sumária , no âmbito do exame preliminar do recurso  )  do relator  , ao  abrigo do art.º 417.º n.º 8 , do CPP , onde se decidiu que a FF não dispunha de legitimidade para  reclamar para conferência, por não ser “ o próprio sujeito processual directamente afectado nos respectivos interesses jurídicos por qualquer despacho  proferido pelo  relator “ –fls . 2079 -, consequenciando , ainda , o efeito de se abster “ …do conhecimento do mérito da fundamentação material da respectiva reclamação “ , nos termos dos art.ºs 4.º , do CPP , 288 .º n.º 1 , 493 .º n.ºs 1 e 2 e 494.º e) , do CPC .

Mas devendo ter-se operado a substituição processual da AA pela FF , que passou a ser sujeito dos direitos e obrigações contraídas previamente ante a AA , transmitidas, depois ,  sem reserva , para a  seguradora FF , ela tem interesse em agir , é parte legítima ,  pois carece do meio processual   de que lançou mão para discutir  ante os demandantes  o montante indemnizatório , do valor global  já liquidado de 249.257, 15€ , juros acrescidos e despesas hospitalares,  assistindo , também ,  o direito de , para estabilização da posição processual , verem subjectivamente preenchida a causa   por quem o deva , não vá dar-se o caso de , em vencimento do julgado , e sua execução ,  até poder ser-lhe oposta  ilegitimidade, fundamento de dilatoriedade .

A legitimidade da seguradora FF é reclamada ,  e com acerto ,  a fls . 2101 , quando peticiona o seu direito a estar na causa ,  “ …devendo os  seguir seus termos (…) , assim se garantindo o pagamento indemnizatório aos lesados /recorridos , na qualidade de sociedade incorporante de todos direitos e deveres da incorporada AA ,  SA  “ .

Estando,  após a junção da certidão, verificada a incorporação, e  na causa, por intervenção espontânea, actualmente,  a entidade com a qual deve prosseguir a causa , importa extrair, oportunamente ,  as consequências legais .      

Nestes termos , tendo na devida atenção tudo o que antes se explicitou, não se subscreve o decidido pela Relação , revogando-se o acórdão recorrido , provendo-se ao recurso .

Sem tributação.  

Lisboa 20 de Outubro de 2011                      

Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral