ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1356/09.5PAOLH.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/07/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MAIA COSTA

DESCRITORES ROUBO AGRAVADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ILICITUDE
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL

SUMÁRIO

I - A medida concreta da pena há-se ser encontrada através da aplicação do disposto no art. 71.º do CP, segundo o qual a pena é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender, nomeadamente, à ilicitude do facto, à intensidade do dolo, às motivações pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua falta de preparação para manter conduta lícita.
II - A análise dos factos revela uma ilicitude e uma culpa muito elevadas. O recorrente agiu em grupo, e com um grau de violência excessivo, desnecessário para a concretização da apropriação dos objectos que o ofendido trazia consigo, já que a superioridade numérica seria, desde logo, suficiente para efectivar tal intento. Porém, o recorrente e co-arguidos agrediram o ofendido a murro e pontapés, em diversas partes do corpo, provocando-lhe lesões que determinaram 25 dias de doença.
III - Agrava a conduta do recorrente o facto de ter desferido um pontapé completamente gratuito no ofendido, desnecessário para a concretização da apropriação, que o projectou para fora do comboio onde todos seguiam, ficando o ofendido prostrado na linha férrea, o que revela por parte do recorrente elevado desprezo pela pessoa humana. Note-se, ainda, que o crime foi cometido em pleno dia, revelando o recorrente e os co-arguidos uma audácia e um destemor que são preocupantes.
IV - No plano da personalidade do recorrente, há que assinalar, desde logo, uma condenação por um crime de roubo simples, condenação que é posterior aos factos destes autos, embora os factos correspondentes sejam anteriores. Essa condenação de alguma forma confirma o percurso desviante que o recorrente seguiu desde os 15 anos de idade, percurso marcado pela dependência de haxixe, que explicará em parte a incapacidade de inserção social e laboral que vem demonstrando persistentemente.
V - Em conclusão, se a ilicitude e a culpa são muito elevadas, também o são as necessidades preventivas, quer especiais, atendendo ao historial de vida do recorrente, quer gerais, tendo em conta que o crime se insere num tipo de criminalidade que gera (justamente) um forte sentimento de insegurança entre a população.
VI - Pelo que a medida da pena fixada (5 anos e 6 meses de prisão), numa moldura cujo limite mínimo é de 3 anos e o máximo de 15 anos de prisão, se mostra inteiramente ajustada, pois não ultrapassa a culpa e protege minimamente os interesses da prevenção.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. RELATÓRIO

            AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 9.5.2011 do tribunal colectivo do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Olhão da Restauração, como autor de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, nº 1, b), ambos do Código Penal (CP), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.[1]

            Dessa decisão recorreu o arguido, que apresentou as seguintes conclusões:

I - A condenação do arguido em 5 anos e 6 meses de prisão, face aos factos dados como provados, e tendo em atenção as condições pessoais do arguido e a sua personalidade, desde que objecto de uma correcta ponderação e avaliação, aconselhariam a aplicação de uma pena a um nível inferior, nomeadamente a aplicação de uma pena de 4 anos de prisão, com possibilidade de suspensão na sua execução.

II - Caso assim se não entenda, aplicar-se ao arguido o sistema de vigilância electrónica.

III - Deve revogar-se o douto acórdão, substituindo-se aquela pena por outra pena que não envolva a prisão efectiva.

IV - Ao decidir como decidiu na determinação da medida da pena, o Tribunal a quo não atendeu com bastante valoração a todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido e violou os dispositivos dos arts. 71.°, 72, n° 1 e 2, c), d) do Código Penal.

O Ministério Público respondeu defendendo a confirmação do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

I. Como decorre das respectivas conclusões, as questões que constituem o objecto do recurso são a medida da pena e a suspensão da sua execução.

Alega o recorrente que «face aos factos dados como provados, e tendo em atenção as condições pessoais do arguido e sua personalidade, desde que objecto de uma correcta ponderação e avaliação, aconselhariam a aplicação de uma pena a um nível inferior, nomeadamente a aplicação de uma pena de 4 anos de prisão, com possibilidade de suspensão da sua execução. II – Caso assim se não entenda, aplicar-se ao arguido o sistema de vigilância electrónica.»

II. Respondeu o Ministério Público, defendendo a improcedência do recurso, considerando que a «pena em que o arguido foi condenado mostra-se criteriosa e judiciosamente aplicada, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 71º, do Código Penal.».

III. 1. Medida da pena:

a) O arguido foi condenado por acórdão de 9 de Maio de 2011, pela prática de um crime de roubo agravado (art. 210.º, n.º s 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, al. b), todos do Cód. Penal) na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

Os factos integradores do roubo, praticados em 14 de Setembro de 2008, constam dos n.ºs 36 a 51 do acórdão; as condições pessoais, dos n.ºs 87 a 101; os seus antecedentes criminais do n.º 137.

Foi, pois, dado como provado que o arguido, em co-autoria com os arguidos BB, CC e DD, vencendo a resistência do ofendido EE, que se fazia transportar de comboio no percurso entre Faro e Olhão, com murros, empurrões e pontapés por diversas partes do corpo, acabando por o projectarem para o exterior do comboio, onde ficou prostrado sobre a linha, e produzindo-lhe ferimentos que foram causa de 25 dias de doença, apropriaram-se da pasta com computador, telemóvel, pulseira de ouro, pertença daquele, no valor total de € 1590,00.

O tribunal afastou a atenuação especial do regime de jovens adultos do Dec.-Lei n.º 401/82, considerando que «os factos provados são de molde a obstaculizar o funcionamento da mencionada atenuação especial …, uma vez que os factos praticados são de extrema gravidade, e o percurso de vida dos quatro arguidos (em maior ou menor grau) denota inconsistência e imaturidade na estruturação de um projecto de vida. (…) o seu percurso laboral é pautado pela instabilidade, na sequência da manutenção de uma atitude de irresponsabilidade e/ou dificuldades no cumprimento de regras. Do que resulta, de forma evidente personalidades mal estruturadas, sem estável integração, no meio social, revelando ainda dificuldades de relacionamento com os outros, bem como que estão pouco sedimentados os valores sociais…».

No que respeita à fixação da medida concreta da pena, após referência à elevada intensidade do dolo e o grau de ilicitude dos factos, especificando a gravidade das consequências pessoais e materiais (25 dias de doença e valor das coisas subtraídas - € 1590,00), destaca, «no caso do comboio a extrema violência usada que perpassa dos factos, sendo absolutamente gratuito o pontapé que o arguido AA desfere ao ofendido fazendo-o cair prostrado e de costas sobre a linha do comboio; releva ainda o envolvimento de, pelo menos, os quatro arguidos o que torna a vítima mais indefesa e gera uma quase impossibilidade de reacção, tendo os factos ocorrido numa carruagem do comboio onde não se encontrava outra pessoa a quem o ofendido pudesse pedir ajuda…».

Aditou que «foram recuperados … o computador e telemóvel de EE por o arguido CC se ter dirigido à Esquadra para os entregar, mas já depois de se encontrar em marcha as diligências com vista à localização dos arguidos e não foram recuperados … uma pulseira em ouro no valor de quinhentos euros.».

Finalmente, após referência às condições pessoais dos arguidos, refere que «já no caso do arguido AA a participação activa (e drástica) na execução dos factos … indica, como aliás resulta à saciedade do seu (curto) percurso de vida – rejeitando activamente a imposição de regras familiares, abandonando os cursos em que se encontrava inscrito, sem qualquer alternativa e sem justificações consistentes, organizando o seu quotidiano em moldes imediatistas, mas sempre com recurso ao apoio habitacional e económico da família, mesmo que tal implique transtornos por parte da mesma, sem demonstrar capacidade crítica sobre os factos e ainda o desenvolvimento de um processo de dependência aditiva de haxixe – que o mesmo prescindiu de procurar uma adequada inserção comunitária. Note-se que apesar dos factos terem ocorrido em 14 de Setembro de 2008 e volvidos que são mais de dois anos não resulta minimamente qualquer inflexão do percurso de vida do arguido.»

«-os antecedentes do arguido AA por crime da mesma natureza, se bem que o arguido já tivesse praticado os factos não havia ainda sido condenado (revelando como conduta anterior aos factos)».

b) Embora não tenha transposto para as conclusões da motivação a pretensão de benefício do regime de jovens adultos, o recorrente alega justificar-se que «dentro da atenuação especial da pena, se fixe a pena … a um nível significativamente inferior, ao da média entre os limites mínimos mínimo e máximo da pena abstracta», fundamentando tal pedido em maior valoração do «seu actual enquadramento familiar bem como o seu comportamento e actividades desenvolvidas, nomeadamente o facto de ter diligenciado para obter carta de condução, estando actualmente inscrito no curso de formação profissional de empregado comercial», no facto de ter «vindo a distanciar-se das situações de marginalização e exclusão ao qual esteve sujeito», encontrando-se «em tratamento médico, com o objectivo de ultrapassar o consumo de haxixe…».

Conclui que «O decurso de muito tempo sobre a prática do crime, faz presumir que o alarme social causado pelo crime se encontra esbatido, a boa conduta do arguido justifica a atenuação especial das penas e suspensão…», até por ter apenas 19 anos à data da infracção.

c) Acompanhamos a decisão, e correspondentes fundamentos, no que respeita afastamento do regime de jovens adultos.

Como o próprio arguido reconhece «os factos provados revelam uma personalidade agressiva», mas não só.

Ao que parece, apenas iniciou um propósito de inversão da sua “normal” conduta com a prisão, sendo que pelo menos desde a sua anterior condenação – de 13 de Novembro de 2009 – teve muito tempo para assumir uma outra postura, a começar pelo tratamento da toxicodependência.

E se é certo que tinha 19 anos aquando da prática do roubo em causa nos presentes autos, já em 31 de Dezembro de 2007 cometera crime de igual natureza por que veio a ser condenado, e terá sido, eventualmente (não encontramos nos autos qualquer referência ao facto), a extinção da pena nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, que impediu o cúmulo, que, de outra forma se imporia (a Lei 59/2007, alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de pena devidamente cumprida, mas não relativamente às penas prescritas ou extintas, por conduzirem uma injustificada agravação da pena única).

Tal vale por dizer que desde muito jovem, e apesar do apoio familiar de que beneficiou, e «sem demonstrar capacidade crítica sobre os factos», passou a revelar comportamentos anti-sociais violentos, em progressão crescente de gravidade, só interrompidos pela prisão.

Nestas circunstâncias nenhuma censura merece o afastamento do regime de jovens adultos.

d) No que respeita à medida concreta da pena (e considerando-se que o roubo foi qualificado pela circunstância da al. b) do n.º 1 do art. 204.º do Cód. Penal - praticado no comboio -, não podendo a mesma ser novamente ponderada para aferição da ilicitude do facto), tendo em vista a ilicitude do facto acima referida, com destaque (para além dos valores subtraídos) para a particular violência exercida pelos 4 co-arguidos contra a vítima, e as elevadíssimas exigências de prevenção geral, verifica-se que aquela, ao situar-se bem mais próxima do seu limite mínimo (no primeiro ¼ da moldura) atendeu à idade do arguido, pois de outra forma não deixaria de alcançar uma dimensão superior.

e) A manter-se a pena fixada fica inviabilizada a pretendida suspensão (art. 50.º, n.º 1 do Cód. Penal).

Porém, mesmo que fosse fixada em limite igual ou inferior a 5 anos, sempre seria de afastar tal pena de substituição, já que a personalidade do arguido (violento e com dificuldade de análise crítica), as condições da sua vida (sempre com recurso ao apoio habitacional e económico da família, o que não o inibiu de reiterar este segundo roubo), e o seu comportamento anterior, levam a concluir que a «a simples censura do facto e ameaça de prisão» não «realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

f) Por último, a pretensão de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação mostra-se irrealizável face à sua medida e disposto no art. 44.º do Cód. Penal.

Em suma: somos do parecer de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido respondeu como segue:

1º Reitera-se o já alegado em sede de interposição de recurso da douta sentença proferida no âmbito do processo nº 1356/09.5PAOLH do 3º juízo do Tribunal de Olhão.

2º A condenação do arguido a uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão, sem possibilidade de suspensão da sua execução é manifestamente exagerada no caso concreto.

3º O arguido não pode deixar de discordar da referência que o douto Ministério Público faz acerca das suas condições pessoais, nomeadamente de que rejeita activamente imposições de regras familiares, abandona os cursos em que está inscrito, desenvolvimento de processo de dependência aditiva de haxixe, que é violento e com dificuldade de análise crítica.

4º O arguido já frequentou um curso de formação profissional do centro de Formação Profissional de Faro, no período de 13/05/2011 e 06/07/2011, conforme declaração já junta aos autos com a interposição do recurso, encontra-se inscrito num curso nocturno de novas oportunidades com o objectivo de obter o 12° ano de escolaridade na Escola Secundária Dr. Francisco Fernandes Lopes em Olhão, estando a aguardar o seu início que se prevê ainda no presente ano.

5º O arguido encontra-se a ser seguido em consultas de psicologia na Equipa técnica Especializada de Tratamento do Sotavento /Olhão, conforme declaração junta aos autos com interposição do recurso.

6º O arguido encontra-se inscrito no Instituto do Emprego e Formação Profissional, e está a tentar obter um emprego diurno que lhe permita frequentar as aulas em período nocturno, até pelo menos obter o 12° ano de escolaridade.

7º Deve ser atendida também a idade jovem do arguido, de apenas 21 anos, de o crime já ter ocorrido há mais de dois anos, inexistindo outro tipo de crime posteriormente.

8º O arguido mantém o apoio familiar, nomeadamente da avó e mãe, que estão dispostas a ajudar o arguido na conclusão dos seus estudos e na obtenção de emprego.

Termos em que se conclui que deve ser aplicada ao arguido uma pena não privativa da liberdade, pelo que V. Exas decidindo nesta conformidade será feita a mais merecida e premente Justiça.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A única questão colocada pelo recorrente é a da medida da pena, que pretende que seja reduzida a 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, ou, caso assim não se entenda, que seja cumprida através da aplicação do sistema de vigilância electrónica.

É a seguinte a matéria de facto apurada, na parte relevante para a apreciação do recurso:

(…)

36. No dia 14 de Setembro de 2008, cerca das 9 horas e 30 minutos, EE e os arguidos BB, CC, DD, AA e FF, seguiam no comboio que, poucos minutos antes, tinha partido de Faro com destino a Vila Real de Santo António e paragem nesta cidade de Olhão da Restauração.

37. A determinada altura do percurso, quando se encontram próximo da cidade de Olhão, o arguido BB aproximou-se do EE e pediu que lhe desse um cigarro, o que EE negou, tendo-se o arguido BB aproximado de EE.

38. O EE, já assustado com a proximidade do arguido BB e a sua postura, empurrou e desferiu um soco no corpo do arguido BB, colocando-se de imediato em fuga daquela carruagem, que era de 1.ª Classe, tentando chegar à carruagem de 2.ª Classe, tendo para o efeito de passar por um compartimento existente entre as duas carruagens destinado à guarda de objectos e bicicletas.

39. Nesse momento, os arguidos CC, DD e AA que presenciavam os factos por se encontrarem na carruagem, dirigiram-se em direcção a EE, tendo o mesmo sido interceptado junto ao compartimento entre as carruagens de 1.ª Classe e da 2.ª Classe.

40. Aí, os arguidos CC, DD, AA e BB rodearam e seguraram o EE, desferiram-lhe murros, socos, empurrões e pontapés que o atingiram em diversas partes do corpo, ao mesmo tempo que algum ou alguns deles lhe tentavam retirar a mala que o mesmo segurava.

41. Quando o comboio parou na estação da cidade de Olhão, EE foi projectado para o exterior do comboio por força de um pontapé desferido pelo arguido AA, acabando por ficar prostrado no solo, na linha do comboio.

42. Nesse momento o arguido BB puxou uma mala contendo um computador portátil, de marca Toshiba A 110, respectivos cabos de ligação e rato, com o valor de mil euros e uma pulseira em ouro que EE trazia no braço, com o valor de quinhentos euros.

43. Os arguidos BB, CC, DD e AA apoderaram-se ainda de um telemóvel de marca Nokia, modelo N70, pertença de EE e com o valor de noventa euros.

44. O telemóvel foi retirado quando EE se encontrava ainda no interior do comboio.

45. Na sequência, e em consequência directa e necessária da agressão descrita, o EE sofreu dores, dificuldades na inspiração e expiração, mobilização do tórax por contusão, escoriações na região frontal e na região facial esquerda e múltiplas escoriações na fase esquerda do tórax, região dorsal e lombar.

46. Que lhe determinaram um período de doença fixado em 25 dias, sendo 7 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 7 dias com afectação para o trabalho profissional.

47. Os arguidos BB, CC, DD e AA, nos moldes descritos em 36 a 44 agiram de uma forma deliberada, livre e consciente, sabendo e querendo agir na forma descrita, em comunhão e conjugação de esforços e com o propósito de fazer seus o telemóvel, a pasta e computador, com os respectivos cabos de ligação e a pulseira em ouro de EE, apesar de saberem que os mesmos não lhes pertenciam e de que assim actuavam contra a vontade do respectivo dono.

48. Agiram os arguidos BB, CC, DD e AA livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal, tendo capacidade para se determinarem de acordo com esse conhecimento.

49. O telemóvel, a pasta e o computador foram recuperados, tendo sido entregues na Esquadra da Polícia de Segurança Pública de Olhão pelo arguido CC no dia 14 de Setembro de 2008, pelas 23 horas e 4 minutos.

50. A entrega ocorreu na sequência de diligências efectuadas pela Polícia de Segurança Pública de Olhão.

51. O sistema operativo do computador teve que ser reparado, tendo o EE dispendido a quantia de trezentos euros.

(…)

Das condições pessoais do arguido AA

87. O arguido é o único descendente de um agregado familiar com um estrato sócio-económico e cultural mediano, tendo o seu processo educativo sido assumido pela mãe aquando do divórcio das figuras parentais, quando ele tinha dois anos de idade.

88. A ruptura familiar e a reconstituição de novo agregado pela mãe, foram vivenciados de forma isenta de problemáticas relevantes, tendo o arguido estabelecido uma relação de proximidade com o padrasto, bem como usufruído de apoio psico-afectivo contínuo por parte do progenitor e avós paternos.

89. Ao nível escolar, e exceptuando alguns episódios de insucesso, aparentemente decorrentes de uma atitude de desmotivação face aos conteúdos leccionados, registou uma escolaridade normativa

90. Aos 15 anos de idade o seu comportamento/desempenho escolar inflectiram-se negativamente, passando a privilegiar o convívio com grupos de pares que não valorizavam a frequência escolar, nem o desenvolvimento de uma actividade ocupacional.

91. Face à imposição de regras familiares mais restritas - em termos de horários e do cumprimento de deveres escolares e/ou outros -, o arguido desenvolve, gradualmente, um processo de revolta e/ou rejeição relativamente ao sistema familiar, pretendendo organizar o seu quotidiano de forma autónoma sem, contudo, apresentar uma atitude pro-activa nesse sentido.

92. Deste modo, após a conclusão do 9.º ano de escolaridade, aos dezassete anos de idade - integrado num Curso de Educação e Formação na área de desenho mecânico -, viria a abandonar a frequência de um outro curso na área de turismo que lhe facultaria equivalência ao 12.º ano de escolaridade, sem deter uma alternativa ocupacional, sendo nesse contexto que opta por fixar residência em Olhão, desde Março de 2008, de forma a autonomizar-se do agregado de origem.

93. À data da prática dos factos o arguido residia num apartamento propriedade dos avós paternos apenas utilizado pela família durante as férias, situação que se mantém na actualidade.

94. A avó paterna tem registado longos períodos de permanência em Olhão, de modo a apoiá-lo, não obstante os transtornos que tal acarreta para o seu quotidiano familiar em Lisboa.

95. A mãe, que, por motivos profissionais, não pode ausentar-se da área de residência, mantém contacto regular com o arguido e envia-lhe uma mensalidade de cerca de 10 euros, apenas para as despesas pessoais do arguido, dado que as despesas com a manutenção da habitação e/ou alimentação são asseguradas pela família.

96. Numa fase inicial da sua permanência em Olhão, o arguido diligenciou pela inscrição no Centro de Emprego, através do qual integrou um Curso de Gestão a decorrer em Faro, beneficiando de bolsa de formação veio a desvincular-se passados 3 meses, situação que viria a repetir-se aquando da sua integração nos cursos profissionalizantes de informática e de electricista na Escola Secundária de Olhão, sem que o arguido apresente justificações consistentes.

97. Desde o início de 2009, e exceptuando o facto de ter-se empenhado para adquirir habilitação legal para conduzir veículos automóveis, o arguido não regista qualquer ocupação, privilegiando o convívio com grupos de referência que igualmente não apresentam um quotidiano estruturado, socialmente estigmatizados com o consumo de haxixe.

98. Apesar de ter efectuado inscrição no Centro de Emprego, não compareceu a uma convocatória daquele serviço, razão pela qual a sua inscrição foi suspensa durante 2 meses.

99. O arguido organiza o seu quotidiano em moldes imediatistas, mas recorrendo sistematicamente ao apoio económico da família, receando ainda o desenvolvimento de um processo de dependência aditiva, face ao consumo de haxixe assumido pelo próprio.

100. O arguido, enquadra os factos subjacentes ao presente processo num contexto de grupo, revelando dificuldades de análise crítica dos mesmos.

101. Denota imaturidade e/ou irresponsabilidade no que concerne à organização de um projecto de vida, afirmando pretender autonomia económica sem contudo efectuar diligências no sentido de integrar o mercado de trabalho, dada a sua desmotivação para optimizar as suas competências ou desenvolver actividades indiferenciadas.

(…)

Dos antecedentes criminais do arguido AA

137. Por sentença de 13 de Novembro de 2009, transitada em julgado em 3 de Dezembro de 2009, proferida no âmbito do Processo Comum Singular a correr termos sob o nº 899/97.0GCFAR, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro o arguido foi condenado pela prática em 31 de Dezembro de 2007 de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, nº 1, do Código Penal na pena de um ano e um mês de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeita a regime de prova.

(…)

Medida da pena

Pretende o recorrente que a pena seja reduzida para 4 anos de prisão, e suspensa na sua execução.

Não contesta a recusa de aplicação do regime especial para jovens, devidamente fundamentada no acórdão recorrido.

Contudo, indica como violadas as als. c) e d) do nº 2 do art. 72º do CP, o que parece mostrar que pretende a atenuação especial da pena com base no arrependimento ou na reparação do dano – al. c) - e no decurso de um período longo sobre a prática do crime, mantendo bom comportamento - al. d).

Sucede, porém, que não se provaram factos que possam integrar a citada al. c). Na verdade, nenhuma referência é feita na decisão recorrida ao arrependimento do recorrente, sendo inclusivamente afirmado que ele revela dificuldade de análise crítica dos factos imputados (nº 100). Por outro lado, os objectos apropriados foram, em parte, devolvidos ao ofendido, mas por iniciativa de um co-arguido (nº 49), não havendo, pois, qualquer mérito do recorrente nessa circunstância atenuante.

Por outro lado, também não se verifica a situação da al. d), pois os factos ocorreram em 14.9.2008, há pouco mais de três anos.

Consequentemente, nenhuma circunstância existe que permita a atenuação especial da pena, ao abrigo do art. 72º do CP.

A medida concreta da pena há-de, pois, ser encontrada através da aplicação do disposto no art. 71º do CP, segundo o qual a pena é fixada em função da culpa e das exigências da prevenção, devendo atender, nomeadamente, à ilicitude do facto, à intensidade do dolo, às motivações e às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua falta de preparação para manter conduta lícita.

Ora, a análise dos factos revela uma ilicitude e uma culpa muito elevadas. Na verdade, o recorrente agiu em grupo, e com um grau de violência excessivo, desnecessário para a concretização da apropriação dos objectos que o ofendido EE trazia consigo, já que a superioridade numérica seria, desde logo, suficiente para efectivar tal intento.

Porém, o recorrente e co-arguidos agrediram o ofendido a murro e pontapés, em diversas partes do corpo, provocando-lhe as lesões indicadas no nº 45, que determinaram 25 dias de doença, sendo 7 de incapacidade para o trabalho (nº 46).

Agrava a conduta do recorrente o facto de ter desferido um pontapé completamente gratuito no ofendido, desnecessário para a concretização da apropriação, que o projectou para fora do comboio onde todos seguiam, ficando o ofendido prostrado na linha férrea, o que revela por parte do recorrente elevado desprezo pela pessoa humana.

Note-se ainda que o crime foi cometido em pleno dia, revelando o recorrente e os co-arguidos uma audácia e um destemor que são preocupantes.

No plano da personalidade do recorrente, há que assinalar, desde logo, uma condenação por um crime de roubo simples, condenação que é posterior aos factos destes autos, embora os factos correspondentes sejam anteriores.

Essa condenação de alguma forma confirma o percurso desviante que o recorrente seguiu desde os 15 anos de idade, percurso marcado pela dependência de haxixe, que explicará em parte a incapacidade de inserção social e laboral que vem demonstrando persistentemente (nºs 90 a 101).

Em conclusão, se a ilicitude e a culpa são muito elevadas, também o são as necessidades preventivas, quer especiais, atendendo ao historial de vida do recorrente, quer gerais, tendo em conta que o crime dos autos se insere num tipo de criminalidade que gera (justamente) um forte sentimento de insegurança entre a população.

Pelo que a medida da pena fixada (5 anos e 6 meses de prisão), numa moldura cujo limite mínimo é de 3 anos e o máximo de 15 anos de prisão, se mostra inteiramente ajustada, pois não ultrapassa a culpa e protege minimamente os interesses da prevenção.

Sendo essa a medida da pena concreta, afastada fica automaticamente a possibilidade de suspensão da sua execução, por força do disposto no art. 50º, nº 1, do CP.

E o mesmo se diga do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, que só é aplicável a penas não superiores a 1 ano de prisão, por força do art. 44º, nº 1, a), do CP.

Em resumo, improcede na totalidade o recurso.

III. DECISÃO

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.

Vai o recorrente condenado em 5 (cinco) UC de taxa de justiça, nos termos do art. 8º do Regulamento das Custas Processuais.

                                      Lisboa, 7 de Dezembro de 2011

Maia Costa (relator) **
Pires da Graça

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[1] Como co-autores do mesmo crime foram ainda condenados os arguidos BB, CC e DD, o primeiro na pena de 6 anos de prisão, os outros dois na pena de 4 anos de prisão, suspensa com regime de prova, cada um.