ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1653/05.9TJVNF.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR ALVES VELHO

DESCRITORES APÓLICE DE SEGURO
INTERPRETAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL

SUMÁRIO
No contrato de seguro, o declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, vale dizer ao “âmbito do contrato” nas suas vertentes da definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos, adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que claramente se apresentem com tal conteúdo.
A lei responsabiliza o declarante pelo sentido da sua declaração, fazendo-o responder pelo sentido que a outra parte teve de considerar querido ao captar as intenções daquele, ou seja, pela aparência da sua (do declarante) vontade.
Sendo as Condições Gerais dos contratos de seguro unilateralmente predispostas pela Seguradora, limitando-se o Segurado a aceitá-las, como em qualquer contrato de adesão, ficarão sujeitas ao regime interpretativo das Cláusulas Contratuais Gerais, embora tendo sempre presente o contexto do contrato singular em que se encontram incluídas.
A aplicabilidade da especialidade do regime das CCG à interpretação de Condições Particulares da Apólice também não estará excluída na medida em que as Partes não tenham adoptado uma definição sobre os conceitos em litígio ou haja de dar prevalência ao estabelecido nas Condições Gerais, por vedada pelas Condições Particulares a modificação dos riscos cobertos nos termos constantes daquelas.
Aceite, também pelas partes, ter a declaração um sentido objectivo diferente para cada uma delas, é o mesmo que ter duas significações distintas, com conteúdos igualmente possíveis e igualmente legítimos, o que, então, equivale a aceitar estar-se perante uma declaração ambígua


DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - “Construções ...., S.A.” intentou acção declarativa contra “Companhia de Seguros ...., S.A.” pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 255.782,42€, assim como eventuais prejuízos que venham a ser-lhe reclamados por outros intervenientes da mesma cadeia contratual, reportada à execução dos trabalhos para a empreitada de execução do parque eólico identificado na p.i. e, ainda, os juros à taxa legal, a contar da citação.
Para tanto alegou que, tendo sido contratada como subempreiteira para a execução de 12 fundações para aerogeradores eólicos, encomendou a uma empresa idónea o fornecimento de betão com determinadas características e, já depois de executadas sete das fundações, seis foram rejeitadas pela dona da obra, após se ter comprovado que as características exigidas para o betão não se verificavam. Por isso, a A. teve de fazer novas fundações, desfazendo as executadas, com os prejuízos inerentes que estão cobertos por um contrato de seguro, celebrado entre a Ré e o dono da obra, do qual a A. é beneficiária.

A Ré contestou, para declinar o dever de indemnizar a Autora, contrapondo-lhe que o seguro contratado não abrange a situação descrita.

Discutida e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Na procedência do recurso de apelação, a sentença foi revogada e a Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de 223.360,56€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação.


A Ré pede agora revista, visando a revogação do acórdão e a improcedência da acção, ou, assim não sendo entendido, o reconhecimento de que não estão cobertas pelo seguro as despesas indirectas, sempre com a dedução das franquias estipuladas.
Para o efeito, verteu nas conclusões da alegação:
1 - O contrato de seguro rege-se pelas cláusulas estabelecidas na apólice não proibidas por lei (arts. 426º e 427º do Cód. Com.);
2 - É típico de qualquer contrato de seguro um risco que se pretende transferir para a seguradora, quando decorrente de um sinistro tal como definido na apólice;
3 - Sinistro é, para o caso sub judice, qualquer evento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato (ut pgs. 8 e 5, infra, das Condições Particulares anexas à contestação); Ou, como diz o diploma citado, o evento aleatório previsto no contrato;
4 - Não se enquadra nesses conceitos a má qualidade das sapatas ou fundações, que tiveram de ser substituídas, pela utilização na sua construção de material com defeito (betão sem as características contratadas);
5 - A apólice não garante a qualidade dos materiais fornecidos para a obra e da conjugação do estipulado nos arts. 13º e 15º das Condições Gerais 02 (Seguro de Obras e/ou Montagens), anexas à contestação como Doc. n°. 3, resulta inequivocamente que
"A .... garante ao Segurado as indemnizações por quaisquer perdas ou danos materiais, súbitos e imprevistos, verificados nos bens objecto dos trabalhos (...) " (art. 13º),
mas exclui expressamente "Os custos com substituições, reparações ou rectificações devidas a defeitos dos próprios materiais, de fundição ou da mão-de-­obra" (art. 15º, n.º 4-a), exclusões essas limitadas às partes ou bens directamente afectados, não sendo extensivas às perdas ou danos em outros bens correctamente executados (mesmo artigo);
6 - Partes ou bens directamente afectados pela utilização (na sua execução) de material defeituoso - como é óbvio; no caso as sapatas ou fundações;
7 - Não é, assim, correcta a interpretação (mesmo gramatical, quanto mais lógica ou semântica) de que a exclusão diz apenas respeito ao material com defeito (no caso o betão), e não às partes ou bens em cuja execução ele foi utilizado;
8 - Quando seguros, a apólice cobre, em caso de sinistro, os danos à empreitada pelo custo real da reparação ou substituição dos bens ou trabalhos danificados ou destruídos (ut cláusula 9.1 das Condições Particulares, pgs. 5, infra), mas estando expressamente excluídas as despesas indirectas (art. 15º, nº 2 das Condições Gerais 02 – Doc. nº 3 anexo à contestação) como sejam as referidas no item 40, a fls. 502 infra, no valor de 63. 183,00€ (501 v., supra),
9 - Sem prejuízo da dedução das franquias estipuladas, como aliás se fez no douto acórdão recorrido.
10 - O douto acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação das cláusulas da apólice do seguro sub judice, assim como das citadas disposições legais (art.s 426° e 427° do Cod. Com.)”.

A Recorrida apresentou resposta defendendo a confirmação total do julgado.

2. - A questão a resolver, como objecto do recurso, é a de, mediante interpretação das Condições Gerais e Particulares da Apólice de Seguro – riscos cobertos e exclusões -, averiguar se do respectivo âmbito de cobertura se deve ter por excluído, e em que medida, o direito à indemnização reclamada pela Autora pelos custos da execução de obras de novas fundações, com destruição das anteriores, em virtude da aplicação de betão que lhe foi fornecido com defeito.


3. - É a seguinte a factualidade considerada no acórdão recorrido:

1) A Autora é uma sociedade comercial sob a forma anónima que desenvolve as actividades de construção civil e de obras públicas.
2) A sociedade “...., S.A.” adjudicou à “....- International ...”, a empreitada de execução de fornecimento e montagem do Parque Eólico do Pinheiro, na Serra de Montemuro, que envolvia um total de 12 aerogeradores E66-18.70 1800 KW, com uma torre metálica de 63 m de altura e um diâmetro do rotor de 70 m.
3) Por sua vez, a ... subempreitou à Autora a execução dos seguintes trabalhos de construção civil: - 12 fundações / sapatas para os 12 aerogeradores eólicos E66-18.70 1800 KW, com uma torre metálica de 63 m de altura e um diâmetro do rotor de 70 m que o Parque ia comportar; - Posto de seccionamento; - Edifício da subestação; - Via de acesso principal; - Ramificação de acesso e andaimes para todos os aerogeradores; - Abertura e fecho de valas para colocação de cabos eléctricos; - Nivelamento do terreno; - Instalações de estaleiro para Dono de Obra e fiscalização incluindo saneamento e electricidade.
4) Para a execução das obras referidas no artigo precedente, a Autora, necessitava do fornecimento de: - betão C20/25 para as fundações dos 12 aerogeradores; - betão de enchimento (D200) para a regularização das 12 fundações dos aerogeradores; - betão C16/20 para execução da estrutura do edifício da subestação.
5) A sociedade comercial “B...D... - B....P..., Lda.”, apresentou os respectivos preços.
6) Na reunião feita entre a Autora e aquela B...D...., para contratualizar o fornecimento daqueles betões, a Autora alertou a B...D.... para a essencialidade do fornecimento do betão, designadamente o betão C20/25, com as especificações técnicas que o caracterizam, nomeadamente com a Norma Portuguesa N.P. E.N.V. 206:1993.
7) A B...D.... afiançou que não tinha qualquer problema em fornecer o betão C20/25 que a Autora precisava, visto que era uma empresa idónea e com estudos dos betões, que fornecia, efectuados pela Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto.
8) Além disso, comprometeu-se a remeter o estudo/composição do betão C20/25 à Autora, o que fez.
9) O estudo/composição do betão C 20/25 mostrava-se normal, e feito pelo laboratório daquela associação, Laboratório este acreditado no âmbito do Instituto Português da Qualidade (IPQ).
10) Foi então acordado entre a Autora e aquela B...D.... o fornecimento de betão: - C20/25; - D200; - C16/20.
11) O betão C20/25 (resistência mínima à compressão de 25 Mpa), é um betão caracterizado pela sua resistência à compressão e normalizado, ou seja, tem que ter, de acordo com a referida norma, um valor característico mínimo de tensão de rotura por compressão aos 28 dias de 25 Mpa para provetes cúbicos ou 20 Mpa para provetes cilíndricos.
12) A Fiscalização da obra, que a Autora estava a executar, estava cometida à empresa “A..., Lda.”.
13) Em finais de Maio de 2002, foi efectuada uma reunião em obra em que estiveram presentes, o Sr. AA e o Sr. BB, em representação da “...., S.A.”; Engº CC em representação da “A..., Lda.”.; Engº A. Campos de Carvalho, em representação da fiscalização da electricidade; Engª DD e Engª EE, em representação da fiscalização do Ambiente e Segurança; Engº FF em representação da “B...D....”; Engº GG, Engª HH e Engº II em representação da “...”; e, Engº JJ e Engº LL, em representação da Autora, para apreciar, entre outras, a questão relativa às betonagens das fundações das sapatas.
14) E tal questão colocava-se porque tendo sido avaliados os resultados obtidos nos ensaios de betão C 20/25 através de provetes cúbicos quer no laboratório da Autora, quer no CICCOPN, verificou-se que os resultados ao 7.º dia podiam ser aceitáveis, mas que ao 28.º eram fracos, sendo o referente à sapata n.º 3, bastante fraco.
15) A Fiscalização decidiu: - Não autorizar a montagem de torres e equipamentos na sapata nº 3, sem dados mais concretos da qualidade do betão C 20/25 aplicado; - Demandar o CICCOPN, no sentido deste proceder à retirada de provetes para carotagem no interior da sapata, para avaliação do betão C20/25. - Que se procedesse de imediato à avaliação do betão C20/25 através do esclerómetro; - Intimar a B...D.... a fornecer de imediato à ... todos os elementos referentes ao fabrico de betão C20/25 (composição e qualidade dos inertes e cimento), a fim de o Gabinete, autor do projecto das fundações, se pronunciar.
16) A Autora mandou efectuar testes por carotes nas fundações 1, 2, 3, 4, 6, 5 e 12, no laboratório do CICCOPN-LGMC (Laboratório de Geotecnia e Materiais de Construção) – para verificar da conformidade do betão C20/25 aplicado nas sapatas.
17) Constatou-se que os resultados obtidos desses carotes demonstravam que o betão C20/25 das fundações não estava em conformidade com a norma, porque a sua resistência era muito inferior à estipulada para a classe de betão C20/ 25.
18) Verificava-se assim que o betão C20/25 fornecido pela B...D.... para a execução das sapatas, não possuía as características quanto à compressão, exigidas pela Autora e asseguradas pela referida fornecedora.
19) Por imposição do dono de obra e da Fiscalização, foram mandados retirar carotes das fundações 3, 4, 5, 6 e 12 para analisar a sua conformidade.
20) Entretanto, os representantes da ... e da Fiscalização efectuaram uma visita às instalações da B...D...., tendo imposto a sua suspensão como fornecedora da Autora até verificação das causas que conduziram ao fornecimento de betão C20/25, sem as características que devia ter.
21) Na reunião realizada nos inícios de Junho de 2002, e em que estiveram presentes o Sr. AA e Sr. BB em representação da ...., S.A., o Engº CC em representação da Fiscalização Geral (A..., LDA), o Engº GG em representação da ..., o Engº MM e Engº LL em representação da Autora e o Engº FF em representação da B...D...., este não dispunha ainda dos ensaios, que em razão do sucedido lhe tinham sido pedidos, com as características do betão empregue nas betonagens, os relatórios de controlo, bem como a indicação de qual o tipo de cimento empregue e o controlo do lote utilizado, nem fizera os esclarecimentos sobre a origem das britas, areias, suas características e granulometria.
22) Perante a passividade e inactividade da B...D...., em prestar aqueles esclarecimentos, ficou decidido de imediato suspender todas as betonagens com betão fornecido pela B...D.... e proceder a uma auditoria às fundações já executadas.
23) Os resultados dos ensaios levados a cabo pela .... através da NN, demonstraram, como se evidencia pelo mapa resumo que faz o documento nº 7, que o betão C20/25 das fundações 1 e 2 apresentava resultados no limite de conformidade, o betão C 20/25 das fundações 3, 4, 6 e 12 apresentava valores claramente abaixo dos mínimos e só betão C20/25 da fundação 5 é que apresentava valores acima dos mínimos.
24) O que levou a ..., apoiada no parecer da Fiscalização, a rejeitar totalmente as fundações 3, 4, 6 e 12,
25) E a declarar que só aceitava as fundações 1 e 2, depois de conhecer o resultado dos ensaios dos carotes dessas fundações que, para o efeito, foram retirados.
26) A ..., na posse do resultado dos carotes às fundações 1 e 2, ordenou também a sua substituição.
27) Foram, assim, rejeitadas seis das sete fundações executadas, com betão C20/25, fornecido pela B...D.....
28) E todas as fundações referidas foram rejeitadas, em resultado da não conformidade do betão fornecido pela B...D.... com as especificações técnicas que lhe são próprias, ou seja, pelo facto do betão C20/25 não apresentar as características de resistência à compressão que lhe eram exigidas à face da Norma N.P. E.N.V. 206:1993.
29) A substituição de fundações é totalmente imputável à B...D.... por ter fornecido o betão C20/25 para a sua execução sem as características e especificidades técnicas exigidas.
30) O dono de obra, a sociedade “...., S.A.”, contratou com a Ré um seguro do ramo/modalidade de obras e/ou montagens, titulado pela apólice n.º 8.001.950, em 26/06/2001, e com efeitos a partir de 01/07/2001 a 31/12/2004.
31) A Autora é segurada da Ré, por via do referido contrato de subempreitada ajustado com a ....
32) Dando exequibilidade ao acordado entre a Ré e a dita ...., S.A., ficou consagrado no articulado contrato de subempreitada que: «(…) A .... é responsável por todos os seguros (CAR – seguro de empreitada) relacionados com a construção civil, transportes (em Portugal), montagem, elevação e colocação em funcionamento e outros seguros necessários, para cobrir totalmente a responsabilidade da G...C..., no seu âmbito de fornecimento de serviços».
33 - O Contrato de Seguro prevê como “Trabalhos objecto dos riscos seguros - Empreitada de concepção, fornecimento, construção e montagem de dois parques eólicos - Parque Eólico do Pinheiro; Parque Eólico de Cabril - , compreendendo a concepção, a elaboração do projecto e a execução de todos os trabalhos preparatórios, complementares, temporários e definitivos de engenharia e de construção civil, e o fornecimento e armazenamento na obra, montagem e ensaios de todos os equipamentos a incorporar que integram ou venham a integrar a referida empreitada, tal como definido nos respectivos documentos contratuais” - Condições Particulares 3.
34) Das Condições Particulares, Condições Especiais e Condições Gerais da Apólice - fls. 135 a 162- releva:
- São Segurados: o Tomador do Seguro, no caso a ...., Dono da Obra; a ..., na qualidade de Empreiteiro Geral; e, todos os empreiteiros e/ou subempreiteiros, fornecedores ou montadores e/ou tarefeiros, ainda que não expressamente mencionados, ligados à execução dos trabalhos para a empreitada objecto do seguro, que estejam a exercer a sua actividade no local do risco, na medida dos respectivos interesses - Condições Particulares 2.
- Na Condição 6, estão quantificados os valores seguros para, entre outros, “trabalhos civis, permanentes e temporários e todos os materiais a neles serem definitivamente incorporados, o valor final da empreitada ….”.
- O contrato prevê “Franquias aplicáveis por sinistro ou séries de sinistros provenientes de uma mesma causa”, relativamente a “Perdas ou Danos Materiais” sendo “ 7.1 - Para os trabalhos civis, permanentes e temporários e todos os materiais a neles serem definitivamente incorporados: (…) 7.1.2 - Para a cobertura de risco de fabricante/garantia e transporte, 10% dos prejuízos indemnizáveis no mínimo de Esc. 5.000.000$00” – Condições Particulares 7.
- A Cláusula 8 das Condições Particulares estatui que “São aplicáveis ao contrato as Condições Gerais 02 do Seguro de Obras e/ou Montagens (“CAR/EAR All Risks”) anexas, ficando garantidas as perdas ou danos verificados nos trabalhos objecto dos riscos seguros, temporários e permanentes pelo seu valor total e à medida da execução da empreitada segura pela apólice”.
- No art. 13º das referidas Condições Gerais “Coberturas – Perdas ou Danos Materiais – Âmbito de Cobertura” prevê-se que a Seguradora “garante ao Segurado as indemnizações por quaisquer perdas ou danos materiais, súbitos e imprevistos, verificados nos bens objecto dos trabalhos descritos nas Condições Particulares, seja qual for a causa, com excepção das excluídas na apólice, ocorridos no período do seguro e desde que obriguem à substituição dos referidos bens”.
- Naquela Cláusula 8 pactuou-se ser ainda aplicável, entre outras, a Cobertura Especial “Cláusula de Risco de Fabricante”, tendo ficado “expressamente convencionado que nos termos, condições e exclusões da apólice e seus adicionais, a Seguradora indemnizará o Segurado dos danos materiais causados aos bens seguros, em consequência de erro ou omissões de concepção, de projecto, de desenho, de cálculo, de fabrico, defeito do material, de fundição ou da mão de obra fabril, ficando no entanto, excluídos os custos respeitantes à reparação e/ou substituição dos bens directamente afectados, bem como os outros custos em que o Segurado teria de incorrer para rectificar o erro existente, caso este tivesse sido detectado antes da ocorrência do sinistro.
Ficam excluídos do âmbito desta cobertura, as perdas ou danos resultantes da utilização de material ou de mão de obra inadequados ao fim em vista, sendo contudo esta exclusão limitada aos bens directamente afectados, não se excluindo as perdas ou danos sofridos pelos bens seguros correctamente instalados e que resultem de acidente devido a qualquer daquelas causas”.
- No artigo 15.º das Condições Gerais 02 consignam-se as Exclusões Especiais desta Subsecção I – Perdas ou Danos Materiais, nos seguintes termos: “Ficam excluídos do âmbito da presente Subsecção.
1. O valor da franquia expressa nas Condições Particulares para cada risco ou espécie de bens seguros, pelo qual, como parte primeira de qualquer reclamação, responde sempre o segurado;
2. Quaisquer perdas indirectas sejam de que natureza forem, incluindo multas, penalidades, prejuízos por demora ou não conclusão dos trabalhos, falta de rendimento das instalações ou defeitos estéticos, perdas de contratos.
(…)
4. Os custos com substituições, reparações ou rectificações devidas a:
a) defeitos dos próprios materiais, de fundição ou da mão-de-obra;
(…)
Contudo, as exclusões deste número são limitadas às partes ou bens directamente afectados, não sendo extensivas às perdas ou danos em outros bens correctamente executados, resultantes de acidentes devido a tais faltas ou defeitos”.
- A Cláusula 9.1 das Condições Particulares Bases de Indemnização prevê que “em caso de sinistro do qual resultem danos à empreitada objecto do seguro, a Seguradora obriga-se a indemnizar o Tomador do Seguro/Segurado pelo custo real da reparação ou substituição dos bens ou trabalhos danificados ou destruídos, tendo porém, como limite máximo (…)”.
- Na condição 11 das mesmas Condições Particulares define-se “Sinistro: Qualquer evento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato”.
35) A Autora consultou o mercado para o fornecimento de todo o tipo de betões que ia ser utilizado na referida obra do Pinheiro, ou seja, betões C20/25, D200 e C16/20.
36) Os ensaios de conformidade da resistência do betão à compressão que se fizessem ao betão fornecido pela B...D.... deveriam ser entregues à empresa “A..., Lda”.
37) A ... quando ordenou substituição das fundações fê-lo por entender que o resultado obtido não lhes inspirava confiança / segurança para instalar em cada uma a respectiva torre metálica de aerogerador eólico.
38) A Autora, por virtude da descrita situação, teve de proceder à substituição das seis fundações, correspondentes às fundações onde se localizariam os aerogeradores n.º 1, 2, 3, 4, 6 e 12, fazendo novas e desmantelando as executadas.
39) A Autora teve os custos directos de 186.421,22 €, decorrentes do “novo” trabalho de execução das seis fundações (1, 2, 3, 4, 6 e 12) por rejeição das anteriores, tendo, para o efeito, de efectuar novamente os trabalhos com as especificações, nas quantidades e aos custos referenciados no quadro que segue:
Custos Directos
Artigo Un. Qtds. P. U. Total
Fundações para Aerogeradores 1, 2, 3, 4, 6 e 12
Escavação Solo m3 225 6,48 € 1.458,98 €
Escavação Rocha m3 225 29,93 € 6.733,77 €
Betão
Regularização C12/15 –
BetãoLiz m3 39 54,46 € 2.123,94 €
Corte Anel Un 1 448,92 € 448,92 €
Bombagem
Betão – BetãoLiz m3 146 5,49 € 801,54 €
Armadura A500 Kg 13.453 0,45 € 6.107,66 €
Corte e
dobragem do aço Kg 13.453 0,05 € 671,04 €
Mão-de-obra em
aplicação de betão e aço Un 1€ 3.192,31 € 3.192,31 €
Gerador – Custo
Mensal (1semana/
fundação) Un 25% 913,00 € 228,25 €
Equip. auxílio –
escavadora
(1semana/fundação) H 50 40,00 € 2.000,00 €
Cofragem m2 42 16,16 € 678,76 €
Esferovite m2 30 3,19 € 95,70 €
Tubos 160mm Ml 72 1,91 € 137,52 €
Aterro Fundação m3 269 4,50 € 1.210,50 €
Visita Geólogo Un 1 200,00 € 200,00 €
Plataforma Un 1 4.987,98 € 4.987,98 €
Total 31.076,87€
Nº Fundações 6 un.
Total 186.461,22 €
40) A Autora teve custos indirectos decorrentes da necessidade de permanecer em obra por mais três meses.
41) O cômputo desses custos indirectos, quer de mão-de-obra, quer de instalações de estaleiro, quer de equipamento de estaleiro e viaturas, cifra-se em 63.183,00 €, conforme especificações, quantidades e custos referenciados no quadro, como segue:
Custos Indirectos Mensais
Mão-de-Obra
Indirecta Un. Valor Total
Director de Produção 0,2 7.500,00 € 1.500,00 €
Director de Obra 1 3.750,00 € 3.750,00 €
Encarregado 1 2.500,00 € 2.500,00 €
Apontador 1 1.250,00 € 1.250,00 €
11.800,00 €
Instalações de Estaleiro
Contentores 6 96,00 € 576,00 €
Dormidas 440 7,50 € 3.300,00 €
3.876,00 €
Equip. de Estal. e Viaturas
Gerador 1 913,00 € 913,00 €
Viaturas 4 1.118,00 € 4.472,00 €
5.385,00 €
Custo mensal 21.061,00 €
Nº meses 3
Total 63.183,00 €
42) Teve ainda a Autora que suportar os custos dos ensaios, custos esses que importaram na quantia de 5.138,20 €.
43) Foi necessário efectuar o transporte de uma escavadora para execução de trabalhos, que importou em 1.000,00 €.
- A obra contratada à A., que materializa uma fundação, como é visível no projecto junto a fls. 371 a 376 e nas fotografias de fls. 380/381, revela-se complexa, composta por diversos bens nas suas fases construtivas (fls. 511 do acórdão).


4. - Mérito do recurso.

4. 1. - O contrato de seguro é um negócio jurídico que, por imposição da lei, está sujeito à forma escrita, regulando-se, em primeiro lugar, pelas disposições da respectiva apólice, instrumento que o formaliza – arts. 426º e 427º C. Comercial.
Situando-se fora do âmbito dos seguros obrigatórios e reduzido a escrito, o contrato ora em causa, não se coloca qualquer dúvida quanto à validade e eficácia do respectivo clausulado, enquanto regido pela liberdade de fixação dos riscos cobertos e do âmbito das respectivas coberturas pelas partes, dentro dos limites permitidos pela lei (art. 405º C. Civil)

Consequentemente, o problema é, tal como qualificado, de interpretação e integração da declaração negocial e a questão a decidir é a de saber se o resultado interpretativo a que chegou a Relação, no sentido de que o evento causador do prejuízo correspondente à indemnização peticionada constitui sinistro com responsabilidade transferida para a Ré, nos termos em que o define e delimita o objecto do contrato de seguro, e que não está excluído pelo clausulado nas Condições Gerais e Particulares da Apólice, é conforme às regras previstas para o efeito nos arts. 236.º a 238.º do Código Civil.

Pacífico o entendimento segundo o qual é matéria de direito a interpretação do negócio jurídico quando se não dirija ao apuramento da vontade real das Partes, mas, desconhecida esta, se devam seguir os critérios previstos nos citados arts. 236º-1 e 238º-1, compete a este Tribunal, no quadro legal enunciado, determinar o sentido com que deve ser fixado o objecto contratual.

O n.º 1 do art. 236.º acolhe a denominada "teoria da impressão do destinatário", de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia, respondendo o declarante “pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela” (FERRER CORREIA, “Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico”, 201.
Entre as circunstâncias atendíveis, apontam-se os termos do negócio, os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, os usos e os hábitos do declarante, a conduta das partes após a conclusão do negócio, os usos da prática em matéria terminológica, além de outras (MOTA PINTO, "Teoria Geral do Direito Civil", 3.ª ed., 450/1; ac. STJ, 15/5/001, CJ/STJ, IX-II-85).

Estando em causa negócios formais, o objectivismo exigido ao intérprete impõe que o sentido correspondente à impressão do destinatário não possa valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento – art. 238º-1 C. Civil.
Só assim não será, como especialmente previsto no n.º 2 do mesmo art. 238.º, quando, não se encontrando, embora, na declaração uma expressão minimamente adequada, esse sentido não traduzido corresponda à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham «à validade de um sentido que, no ponto considerado, exorbite da declaração».


Vem-se entendendo que, no contrato de seguro, o declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, vale dizer ao “âmbito do contrato” nas suas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos”, adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que ”claramente” se apresentem com tal conteúdo (cfr. ac. STJ, de 19/10/2010 – proc. 13/07.1TBCHV.G1; J. C. MOITINHO DE ALMEIDA, “Contrato de Seguro, Estudos”, pg. 124; JOSÉ VASQUES, “Contrato de Seguro”, pg. 350 e 355).

Por outro lado, como se ponderou no ac. deste Supremo de 28/3/95 (BMJ 445 – 519), no tocante à tutela da vontade do segurado, haverá que ter também em conta o critério interpretativo fixado no art. 237º C. Civil, que vai “no sentido de que as condições gerais devem interpretar-se restritivamente: impõe-se, como regra, o princípio in dubio contra stipulatorem, na medida em que a aplicação do mesmo conduzirá a um maior equilíbrio das prestações”. Assim, “se em caso de litígio se pretender extrair das cláusulas uma significação que o aderente não surpreendeu, não poderá tal significação prevalecer”.

Efectivamente, no seguimento da convocação e aplicação dos princípios da boa fé (arts. 227º-1 e 762º-2 C. C.) e da confiança, a lei responsabiliza o declarante pelo sentido da sua declaração, fazendo-o responder pelo sentido que a outra parte teve de considerar querido ao captar as intenções daquele, ou seja, pela aparência da sua (do declarante) vontade.
É a consequência da violação da obrigação do dever de o declarante se exprimir da forma mais clara e correcta possível e do direito do declaratário a “fundar a sua confiança na aparência objectiva (para si) da vontade do autor da declaração”, desde que aquele pudesse contar com esse sentido (cfr. FERRER CORREIA, “ob. cit.”, pg. 194).


Dada a natureza das cláusulas interpretandas são de convocar, quanto ao sentido com que deve valer o vertido nas Condições Gerais e Especiais, ainda, em especial, as normas constantes dos arts. 10º e 11º do DL n.º 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 220/95, de 31/8 e 249/99, de 7/7.
Com efeito, a divergência das Partes incide, no essencial, sobre a significação da expressão “bens directamente afectados”, contida no n.º 4 do artigo 15º da Condições Gerais, e repetida, sem qualquer definição conceptual, na Cláusula 8ª das Condições Particulares (Cláusula de Risco de Fabricante).
Consequentemente, sabido que condições gerais dos contratos de seguro são unilateralmente predispostas pela Seguradora, limitando-se o Segurado a aceitá-las, como em qualquer contrato de adesão, ficarão sujeitas ao regime interpretativo das cláusulas contratuais gerais, embora tendo sempre presente o contexto do contrato singular em que se encontram incluídas (art. 10º-1 cit.).
No mais, apesar de o acordo celebrado entre a Tomadora do Seguro e a Seguradora, enquanto empresas que negociaram as Condições Particulares do Contrato, podendo, cada uma delas, em todas as cláusulas, discutir o respectivo conteúdo, não ser de tratar como contrato de adesão - apesar de a Autora nele não ter participado, limitando-se, como Beneficiária, à respectiva aceitação -, a aplicabilidade da especialidade do regime das CCG não estará excluída na medida em que as Partes não tenham adoptado uma definição sobre os conceitos em litígio ou haja de dar prevalência ao estabelecido nas Condições Gerais, por vedada pelas Condições Particulares a modificação dos riscos cobertos nos termos constantes daquelas (art. 9º do RJCS – DL n.º 176/95, de 26/7).

Estabelecendo-se, embora, no RJCCG, metodologia não discrepante da constante na lei geral civil, para cujas regras o dito art. 10º expressamente remete, o art. 11º acaba por admitir algum desvio relativamente às cláusulas que se apresentem como ambíguas, ou seja, obscuras, de sentido duvidoso, por não unívoco ou vago.
Assim, “as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contraente indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real” (n.º 1), sendo que, na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente” (n.º 2) - opção que bem se compreende tendo presente a situação de vantagem em que se encontra o predisponente, que planeia e elabora um conjunto uniforme de regras a que o aderente vai anuir. Por isso, se delas se prevalece, é justo, como o exige a própria boa fé, que suporte as consequências da violação dos deveres de clareza e rigor dos quadros reguladores que coloca aos aderentes -, sem perder de vista que as Seguradoras estão obrigadas a redigir “de modo claro e perfeitamente inteligível” as cláusulas gerais e especiais das apólices que emitem, das quais devem constar, entre outros, elementos como a “definição dos conceitos necessários ao conveniente esclarecimento das condições contratuais” e o “âmbito do contrato” (arts. 8º e 13º do referido DL n.º 176/95 - RJCS).

Aceitar, como acabam por defender as Partes neste processo, ter a declaração um sentido objectivo diferente para cada uma delas, é o mesmo que ter duas significações distintas, com conteúdos igualmente possíveis e igualmente legítimos, o que, então, equivale a aceitar estar-se perante uma declaração ambígua.



4. 2. - Divergindo da posição da 1ª Instância - em que se entendeu que os prejuízos reclamados não estão abrangidos pelo contrato de seguro celebrado entre a Ré e a dona da obra, desde logo porque não se teria verificado um evento que se possa considerar um sinistro, na definição dada no contrato, enquanto evento de carácter súbito, imprevisto e fortuito, uma vez que, a falência das fundações construídas pela Autora, resultou da má qualidade do cimento fornecido pela Betão D`Aire a esta, o que, decidiu, não cabe naquela definição, sendo que, além disso, embora a apólice de seguro em causa cubra danos materiais causados aos bens seguros em consequência de defeito do material, na cláusula de risco de fabricante, acontece que estão contratualmente excluídos “os custos de reparação ou substituição dos bens directamente afectados, bem como as perdas ou danos resultantes da utilização de material ou mão-de-obra inadequados ao fim em vista relativamente aos bens directamente afectados”, no que se incluem as fundações a substituir -, a Relação considerou que os danos foram manifestamente imprevistos e ocorreram de forma súbita e fortuita, configurando uma situação de sinistro no âmbito da apólice de seguro em causa, para, de seguida, no entendimento de que foi a colocação do betão que danificou a obra já executada de construção de cada uma das fundações, concluir que o bem ou parte do bem directamente afectado do defeito na fundação, é tão só o betão, pelo que só o custo deste está excluído da garantia.


Relativamente à questão de a situação danosa verificada, emergente da aplicação de betão defeituoso, integrar o sinistro previsto contrato, argumentou-se no acórdão impugnado, sem que venha posto em causa, que, como previsto na cláusula 8 das Condições Particulares, são aplicáveis ao contrato as Condições Gerais 02 do Seguro de Obras e/ou Montagens (“CAR/EAR All Risks”), ficando garantidas as perdas ou danos verificados nos trabalhos objecto dos riscos seguros, temporários e permanentes pelo seu valor total e à medida da execução da empreitada segura pela apólice, siglas que significam que todos os Riscos da Construção (Constructor All Risks – CAR) e todos os Riscos de Elevação (Erection All Risks – EAR) – estão cobertos pelo contrato, sejam eles dos empreiteiros, subempreiteiros, fornecedores ou do dono da obra.

Lembra-se que nas Condições Especiais, sobre a “Cláusula de Risco do Fabricante”, se estipulou que “…a Seguradora indemnizará o Segurado dos danos materiais causados aos bens seguros, em consequência de erro ou omissões de concepção, de projecto, de desenho, de cálculo, de fabrico, defeito do material, de fundição ou da mão de obra fabril, ficando no entanto, excluídos os custos respeitantes à reparação e/ou substituição dos bens directamente afectados, bem como os outros custos em que o Segurado teria de incorrer para rectificar o erro existente, caso este tivesse sido detectado antes da ocorrência do sinistro.
Ficam excluídos do âmbito desta cobertura, as perdas ou danos resultantes da utilização de material ou de mão de obra inadequados ao fim em vista, sendo contudo esta exclusão limitada aos bens directamente afectados, não se excluindo as perdas ou danos sofridos pelos bens seguros correctamente instalados e que resultem de acidente devido a qualquer daquelas causas”.


Ora, fazendo aqui apelo aos enunciado critérios de interpretação e definição do âmbito do contrato, nomeadamente, como aludido, à definição dos (amplíssimos) riscos cobertos, das garantias e dos riscos excluídos, não pode deixar de acompanhar-se a Relação quando afirma ser da amplitude desse clausulado em confronto com a situação ocorrida que, se há-de concluir ou não, pela existência de sinistro em razão da sua aptidão e adequação para accionar as garantias do contrato.

Em conformidade, a definição contida na Condição 11 das Condições Particulares fica-se pela afirmação, vaga e aberta, e, por isso, a preencher por referência às garantias e riscos cobertos, que «Sinistro» é “qualquer evento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato”.

Por isso, tem-se por incontornável a conclusão, que o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário extrairia de todo o clausulado da apólice é que, como consta das Condições Gerais, a Recorrente assumiu a transferência para si do risco da eventual verificação de um dano “nos bens objecto dos trabalhos descritos nas Condições Particulares, nomeadamente os danos causados no objecto dos trabalhos (bens seguros) em consequência de defeitos do material, de fundição ou de mão de obra fabril (Cláusula 8).
Como se escreveu na decisão impugnada, a ora Recorrente aceitou “a transferência do risco pelos danos que cada um dos envolvidos nas diversas operações técnicas em que a empreitada se traduzia, sofresse no seu património, por via da acção ou omissão de outro agente nela envolvida”.


Também se não diverge do entendimento da Relação quanto ao concurso dos requisitos fortuito, súbito e imprevisto, a qualificar o sinistro.
Com efeito, como bem reflecte a matéria de facto, a empresa fornecedora (“B...D....”) do betão defeituoso foi alertada para a essencialidade do fornecimento desse material com as especificações técnicas que o caracterizam, o que até foi assegurado pela “B...D....”, que remeteu à A. um estudo/composição do betão C20/25, feito por laboratório acreditado no âmbito do Instituto Português da Qualidade, que o avaliava como normal.
Porém, e apesar disso, feita a aplicação, por acção da Fiscalização da obra constatou-se que o betão C 20/25 das fundações não estava em conformidade com a norma, verificando-se que o betão fornecido para a execução das sapatas, não possuía as características quanto à compressão, exigidas pela Autora e asseguradas pela referida fornecedora, o que levou a ..., a rejeitar totalmente as fundações 3, 4, 6 e 12, e, mais tarde, as fundações 1 e 2, que foram substituídas pela Recorrida.

Sem dúvida, pois, que as fundações rejeitadas, foram-no em resultado da não conformidade do betão fornecido pela B...D.... com as especificações técnicas que lhe são próprias, especificações cujo concurso a Autora procurou acautelar e em cuja presença nada indicava não dever confiar.


Assim, perante um tal circunstancialismo, os factos que conduziram ao dano apresentam-se como “imprevistos”, porque inesperados e extraordinários, face às cautelas tomadas pela Autora para assegurar a qualidade do produto; “súbitos”, porque também de aparecimento ou verificação não prevista (não necessariamente instantânea), não expectável, fora de previsão e a surpreender perante o iter dos cuidados na conclusão do contrato de fornecimento do material que veio a revelar-se defeituoso; e, “fortuitos”, porque acidentais ou casuais, ou seja, mais uma vez, inesperados.
Está-se, em suma, perante um evento imprevisível, em manifesto desvio do curso normal e dos resultados a que a actuação da beneficiária do seguro deveria conduzir, em função e como consequência da sua actuação, provocado por circunstâncias que lhe são estranhas, para as quais não contribuiu e com as quais não se mostra que devesse ou pudesse contar.

Subscreve-se, portanto, o que vem decidido quanto à configuração de uma situação de sinistro no âmbito da apólice de seguro em litígio, a abranger os danos que, de forma imprevista, ocorram nos trabalhos que cada interveniente executou no âmbito da concepção, fornecimento, construção e montagem, danos que como decorre do clausulado convocado, podem consistir em trabalhos e/ou em materiais neles incorporados, sob pena de se esvaziar completamente de conteúdo ou, pelo menos, tornar intoleravelmente aleatório o sentido dos ditos art. 13º das CG e Cláusula 8ª, seja na remissão para as Condições Gerais 02 seja na inclusão da “Cláusula de Risco de Fabricante”.


4. 3. - A Recorrente defende que os prejuízos reclamados pela Recorrida estão excluídos da garantia da Apólice, a qual não garante a qualidade dos materiais fornecidos para a obra, antes excluindo expressamente “Os custos com substituições, reparações ou rectificações devidas a defeitos dos próprios materiais, de fundição ou da mão-de-­obra" (art. 15º, n.º 4-a), exclusões essas limitadas às partes ou bens directamente afectados, não sendo extensivas às perdas ou danos em outros bens correctamente executados, sendo que, sustenta, partes ou bens directamente afectados pela utilização (na sua execução) de material defeituoso são, no caso, as sapatas ou fundações.

A Relação, depois de fazer notar, em sede factual, que a obra contratada à Recorrente e que materializa uma fundação, como é visível do projecto junto a fls. 371 a 376 dos autos e das fotografias juntas a fls.380/381, revela-se complexa, composta por diversos bens nas suas diferentes fases construtivas, que foi a colocação do betão que danificou a obra já executada para o efeito, concluiu que o bem ou parte do bem directamente afectado do defeito na fundação, é tão só o betão C20/25, pelo que só o custo deste está excluído da garantia.


Concorda-se com a posição da Recorrente quando afirma que a apólice não garante a qualidade dos materiais fornecidos para a obra.
De resto, crê-se que a existência de tal cobertura nunca foi defendida no processo.

A questão reconduz-se, pois, a saber se o risco garantido de indemnização pelo custo de substituição das fundações está excluído com fundamento no vertido no citado artigo 15.º das Condições Gerais 02 (Exclusões Especiais) em que, no que aqui releva, consta:
“Ficam excluídos do âmbito da presente Subsecção.
1. (…).
2. Quaisquer perdas indirectas sejam de que natureza forem, incluindo multas, penalidades, prejuízos por demora ou não conclusão dos trabalhos, falta de rendimento das instalações ou defeitos estéticos, perdas de contratos.
(…)
4. Os custos com substituições, reparações ou rectificações devidas a:
a) defeitos dos próprios materiais, de fundição ou da mão-de-obra;
(…)
Contudo, as exclusões deste número são limitadas às partes ou bens directamente afectados, não sendo extensivas às perdas ou danos em outros bens correctamente executados, resultantes de acidentes devido a tais faltas ou defeitos”.
Redacção idêntica, contém a mencionada “Cláusula de Risco de Fabricante” das Condições Particulares, sem qualquer declaração dos Outorgantes relativa à significação ou concretização do que deva entender-se por “partes ou bens directamente afectados”, designadamente na sua relação com “bens correctamente executados (CG)” ou “instalados CP)”.

Como dito supra, no campo interpretativo estamos, agora, perante Cláusulas Contratuais Gerais, sendo aplicável o respectivo regime – art. 10º e 11º da LCCG.

Com maior reserva se adere à solução encontrada pelo acórdão impugnado, que se subscreve, enquanto assente no entendimento, que não temos como líquido, que se deva ter por adquirido que o bem “directamente afectado” a que se refere a exclusão é apenas o próprio bem afectado pelo defeito, ou seja, o betão aplicado ou que o conceito não pretenda valer com um maior alcance, abarcando o bem ou trabalho que, de forma não naturalisticamente destacável, resulte efectivamente afectado pelo uso do material com defeito.

É bem certo que, como elemento verdadeiramente perturbador, que agora se convoca em abono da interpretação seguida, é a não abrangência pela exclusão dos danos sofridos pelos bens correctamente executados ou instalados. Com efeito, se os bens correctamente instalados, ainda que directamente afectados, não são abrangidos pela exclusão, parece que para esta sobrarão apenas os próprios bens afectados.

Depois, perante uma tal ausência de clareza e inteligibilidade postas na redacção do clausulado em análise, em violação da norma do art. 8º do GJCS, bem poderá dizer-se que, por aplicação dos princípios atrás expostos, se estará perante um caso em que se impõe uma interpretação contra proferentem, responsabilizando pelo sentido com que a declaração deve valer para o tomador/declaratário o autor da estipulação, pois que sempre seria um dos sentidos com que este poderia contar.


De qualquer modo, não afastada, de todo, a perplexidade, seguro é que, ambas as Partes sustentam ter a declaração um sentido objectivo diferente, com duas significações distintas e antagónicas, mas com conteúdos igualmente possíveis e igualmente legítimos.
Não se afasta a equivocidade dos escritos, o equivale à não exclusão de se estar perante uma declaração ambígua.

Quanto tal suceda, como também se deixou já afirmado, na dúvida, há-de dar-se prevalência ao sentido mais favorável ao aderente, fazendo recair o risco da ambiguidade sobre o respectivo predisponente que tinha o ónus de a redigir e apresentar com clareza, solução que é, coincidentemente, correspondente ao resultado a que chegara na decisão recorrida (n.º 2 do art. 11º do RJCCJ; cfr. ANA PRATA, “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 304 )


4. 4. - Finalmente, a Recorrente suscita a questão da exclusão das “despesas indirectas” (art. 15º, n.º2 2 das CG 02, transcrito), para ver indeferida a pretensão da Autora quanto à indemnização de 63.183,00€, correspondente aos factos 40) e 41), que a Demandante qualificou de “custos indirectos”.

Entende-se que, mais uma vez, aplicando os princípios e regras enunciados, o tomador médio no contrato de seguro, com as características assinaladas, não entenderia a expressão “perdas indirectas, seja de que natureza forem, incluindo multas, penalidades, prejuízos pela demora ou não conclusão dos trabalhos, falta de rendimento das instalações ou defeitos estéticos, perdas de contratos” como abrangente dos custos de “ permanecer em obra mais três meses” com estaleiros e equipamentos para proceder à substituição das fundações.

Uma coisa serão privações ou prejuízos resultantes, designadamente, das situações enunciadas na cláusula de exclusão, outra, diferente, serão os preços ou encargos suportados, directa ou indirectamente, na produção de certos bens ou serviços.


Não colhe, assim, fundamento, a pretendida alteração da decisão recorrida, também quanto a este ponto.



5. - Decisão.

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em:

- Negar a revista;

- Manter a decisão impugnada; e,

- Condenar a Recorrente nas custas.



Lisboa, 20 Outubro 2011

Alves Velho (relator)
Paulo Sá
Garcia Calejo