ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
578/05.2PASCR.A.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/26/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO DE REVISÃO
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO MAIORIA COM * VOT VENC

RELATOR SOUSA FONTE

DESCRITORES RECURSO DE REVISÃO
PENA CUMPRIDA
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
CASO JULGADO
INIMPUTABILIDADE
ANOMALIA PSÍQUICA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
NON BIS IN IDEM

SUMÁRIO

I - O cumprimento da pena não constitui obstáculo à interposição do recurso extraordinário de revisão, como expressamente prevê o n.º 4 do art. 449.º do CPP.
II - O recurso extraordinário de revisão, com a dignidade constitucional que lhe é conferida pelo n.º 6 do art. 29.º da CRP, é o meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça.
III - Configurado como está como um recurso extraordinário, só as decisões estritamente previstas na lei, pelos fundamentos taxativamente nela elencados, podem ser objecto de recurso de revisão. De entre esses fundamentos, importa aqui destacar o da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP – quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
IV - O n.º 3 do art. 449.º afasta, porém, a possibilidade do recurso com este fundamento se tiver como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada, o que significa que a revisão não é admissível quando vise corrigir o quantum da sanção ou quando se almeje a aplicação de uma pena de substituição. A força do caso julgado só pode de facto ser questionada quando estiver em causa a justiça da própria condenação e não apenas a da pena.
V - Por outro lado, exige a lei que se descubram novos factos ou novos meios de prova e que estes sejam de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, devendo a dúvida ter tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável.
VI - Quanto à novidade dos factos e/ou meios de prova, hoje em dia a jurisprudência maioritária do STJ entende que novos são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.
VII - No caso sub judice, a recorrente alega que “à data dos factos pelos quais foi julgada (…) era portadora de anomalia psíquica grave”, em razão da qual não tinha consciência dos actos que praticava. Quer isto dizer que a alegada anomalia psíquica grave já a incomodava antes mesmo de ter sido julgada e condenada no processo aqui em causa. E, embora na motivação a arguida procure demonstrar que não tinha, nem ela nem os seus “descendentes”, consciência, isto é, conhecimento dessa anomalia, a verdade é que, embora o atestado médico que juntou tenha a data de 30-11-2009, isto é, 18 dias depois da prolação da sentença revidenda, e nele se ateste que a arguida foi observada “hoje”, o relatório do exame médico-legal a que foi sujeita declara, com base em informações de uma sua filha, que a arguida apresenta as “alterações” observadas – “fala sozinha (…), não dorme (…), não fala de outra coisa senão destes problemas [mas] sempre fez a sua vida” – “desde a morte do marido (há aproximadamente 30 anos)” e que iniciou consultas de psiquiatria em 2001, exactamente com o médico que assinou aquele atestado.
VIII - Por outro lado, o referido relatório concluiu que a arguida apresentou “um quadro clínico compatível com diagnóstico de Psicose Paranóide”, perturbação que, como também aí está consignado, “sem tratamento não permite o discernimento ou capacidade para avaliação do alcance dos seus actos”. Mas logo adianta, com base em informação “da mesma”, que a arguida parou a medicação “há meses”, naturalmente referidos à data do exame, coincidente, de resto, com a do próprio relatório – 04-04-2001.
IX - Aliás, o desenvolvimento do processo, designadamente da audiência de julgamento, evidencia com a necessária segurança que a inimputabilidade da recorrente, embora tivesse sido aí timidamente equacionada, sugerida ou insinuada, nunca foi encarada, a começar pela defesa, como hipótese minimamente consistente.
X - A “perturbação” agora invocada como fundamento do recurso não só não é facto novo, no sentido supra mencionado, como também não tem potencialidade para, por si só ou conjugado com os que foram apreciados no processo, suscitar grave dúvida sobre a justiça da condenação: o exame médico-legal não conclui pela inimputabilidade da arguida; pelo contrário, afirma que a “perturbação” diagnosticada só é susceptível de influir a capacidade de discernimento e de avaliação do alcance dos actos se não for seguido tratamento que, no caso e em face das circunstâncias referidas, não se pode dizer que não estivesse a ser seguido à data dos factos.
XI -Tratando-se de um recurso extraordinário com fundamentos taxativamente descritos na lei, o STJ não pode ir além do objecto do recurso, tal como emerge das conclusões da motivação, sem prejuízo naturalmente de, perante a concreta alegação do recorrente, julgar que os factos integram não o fundamento legal formalmente invocado mas qualquer um dos outros. De outro modo, atingiria a força do caso julgado para além das hipóteses extremas consentidas pelo ordenamento jurídico. Seja como for, nem a errada apreciação e valoração da prova, nem a violação do princípio nom bis in idem, a verificar-se, constituem fundamento do recurso extraordinário de revisão.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, viúva, agricultora, nascida em 4 de Novembro de 1935, na freguesia de..., onde reside no ..., ..., concelho de ..., filha de AA e de BB,

invocando os arts. 449º, nº 1-d), 450º, nº 1-c) e 451º, nºs 1, 2, e 3, do CPP, interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença de 12 de Novembro de 2009, proferida no processo em epígrafe, da comarca de Santa Cruz, que a condenou, além do mais, como autora material de um crime de dano, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 212º, nº 1 e 30º, nº 2, do CPenal, na pena de 140 dias de multa à taxa de €5,00/dia.

  Rematou a motivação com as seguintes conclusões:

«A Arguida à data dos factos pelos quais foi julgada no âmbito destes autos era portadora de anomalia psíquica grave um “transtorno depressivo grave com sintomas psicóticos» (Vid. Doc.       Nº 1).

Em consequência de tal enfermidade, a Arguida não tinha consciência dos actos que praticava, muito menos quanto à sua conformidade ao Direito, pura e simplesmente não tem controle sobre as suas acções.

Não foi do conhecimento do Tribunal sob recurso, o facto da Arguida padecer de tais problemas.

Não foi suscitada qualquer dúvida quanto à eventual existência de tais problemas de saúde, efectivamente a ponderação da condição de imputabilidade da Arguida foi apenas uma questão formal, ficou consignada em acta.

Se tivesse ponderado o facto da Arguida ser portadora de tal anomalia psíquica grave, o Tribunal teria sentenciado de modo diverso do decidido.

Efectivamente, só lhe restava uma decisão, absolver a Arguida no que à matéria penal diz respeito, pois conforme resulta evidente não se mostrava preenchido o pressuposto da imputabilidade.

Por tudo isto entendemos que a sentença recorrida merece ser revista em função do novo facto aqui trazido de modo a, conjugado com os demais apurados na audiência de julgamento, levar a uma justa e conforme ao Direito, apreciação das condutas da Arguida e sua criminalização.

Deve-se rever a douta decisão sob recurso, substituindo-a por outra que absolva a Arguida do crime pelo qual foi condenada fazendo-se assim a Costumada Justiça»

Requereu a inquirição do médico psiquiatra Senhor Dr. CC e juntou “atestado médico” passado pelo mesmo, com data de 30 de Novembro de 2009, indicado como “Doc.1”.

Foi passada e junta certidão da sentença revidenda com nota de que transitou em julgado em 07.12.2009.

Foi requisitada ao IML perícia médica «com vista a determinar se a [Arguida] padece de anomalia psíquica e se pode ser considerada inimputável e, na afirmativa, que se informe a data do início de tal anomalia, por referência à data da prática dos factos».

Cerca de um ano depois, foi realizada a referida perícia, cujo relatório encerra com as seguintes conclusões:

«1. Do ponto de vista psiquiátrico a examinanda apresenta um quadro clínico compatível com diagnóstico de Psicose Paranóide,

2. Pela história pregressa esta Perturbação parece ter tido início há data da morte do marido (30 anos),

3. Esta perturbação sem tratamento não permite o discernimento ou capacidade para avaliação do alcance dos seus actos.

4. Sugere-se acompanhamento em consulta de Psiquiatria».

A Senhora Procuradora-adjunta respondeu e conclui pelo não provimento do recurso, porquanto:

«1. A eventual inimputabilidade da arguida não configura um facto novo, atendendo a que a questão foi suscitada em audiência e podia ter sido alegada em sede normal de defesa, ou através do recurso ordinário»;

2. O teor do atestado médico não é suficiente para afirmar a inimputabilidade da arguida à data da prática dos factos;

3. Este documento apresentado não é suficiente para, por si só, suscitar graves dúvidas sobre a justiça da decisão».

O Senhor Juiz do processo exarou informação, nos termos do artº 454º do CPP, no sentido do não provimento do recurso, «pois que os factos alegados e a prova produzida não permitem concluir a existência de quaisquer fundamentos legais previstos no artigo 449º, do Código de Processo Penal, como bem explana o Ministério Público na sua resposta», e ordenou a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça.

2. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça e realizadas as diligências instrutórias complementares que se afiguraram indispensáveis (vd. fls. 81 e 83), a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que «a confirmação do atestado médico pelo relatório pericial ordenado pelo tribunal da 1ª instância poderá fazer considerar suscitadas graves dúvidas sobre a justiça da condenação da arguida…». E, embora admita que «o fundamento apresentado … poderia suscitar dúvidas sobre a “sua novidade” à data do julgamento …é certo que no caso concreto … esta [a Arguida] não podia conhecer da sua possibilidade de ser inimputável e por isso, embora sendo um elemento, um facto estritamente pessoal, a mesma não se poderia defender com ele.

E acrescenta, depois de percorrer as vicissitudes por que o processo passou:

– que o depoimento da testemunha DD invocado na sentença revidenda como fundamento da prova dos factos que ocorreram no dia 7 de Novembro de 2005 (nº 3 dos “Factos Provados”), «não pode servir de fundamento para a condenação»;

– que a Arguida foi neste processo condenada pelos referidos factos – os praticados em 7 de Novembro de 2005, repetimos – quando já tinha sido  condenada por esses mesmos factos no âmbito do Pº 679/05.7PASCR, aliás como consta do nº 17 do “Factos Provados” da sentença revidenda.  

Rematou, assim, com a conclusão de que «poderá/deverá ser autorizada a revisão para novo julgamento.

3. Tudo visto, cumpre decidir.

3.1. Vê-se de fls. 328 do processo principal que a Arguida, já depois de interposto o presente recurso, pagou a multa em que foi aí condenada, razão por que, pelo despacho de fls. 330, foi julgada extinta a pena, pelo seu cumprimento.

O cumprimento da pena, no entanto, não constitui obstáculo à interposição do recurso extraordinário de revisão, como expressamente prevê o nº 4 do artº 449º do CPP.

Prossigamos, pois.

3.2. O recurso extraordinário de revisão, com a dignidade constitucional que lhe é conferida pelo nº 6 do artº 29º da Lei Fundamental, é o meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça.

Se «se criou o consenso, praticamente unânime… de que o verdadeiro fim do processo penal só pode ser a descoberta da verdade e a realização da justiça (ou mesmo só desta última, já que também perante ela surge a descoberta da verdade como mero pressuposto»), tal não obsta a que «institutos como o do “caso julgado”, … indiscutivelmente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações… materialmente injustas», sem embargo de se poder continuar a argumentar que a justiça continua a ser fim do processo penal, porquanto as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo».

Mas a segurança, como fim do processo penal, também não pode excluir o reconhecimento e a adopção de um instituto como o do recurso de revisão que, em nome das exigências de justiça, contém, na sua própria razão de ser, um atentado frontal a esse valor. A estabilidade da decisão judicial transitada em julgado e a paz que isso possa trazer aos cidadãos, associadas à necessidade de evitar o perigo de decisões contraditórias, não podem, com efeito, colidir com a noção de justiça, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, sob pena de sermos postos face «a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos, têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania» (Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, 43 e 44).

Por isso é que, não se podendo cair «na tentação fácil» de absolutizar os «puros» valores da justiça e da segurança, a ponderação destes valores conflituantes levou a que, «modernamente nenhuma legislação [adoptasse] o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado. Antes foi adoptada, como acontece entre nós, uma solução de compromisso entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça – solução esta bem patente na consagração da possibilidade limitada de revisão das sentenças penais (Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal…”, 17ª edição, 1059; sublinhado nosso).  

Tal significa que, configurado como está como um recurso extraordinário, só as decisões estritamente previstas na lei, pelos fundamentos taxativamente nela elencados, podem ser objecto justificado do recurso de revisão.

De entre esses fundamentos, importa aqui destacar o da alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP, a norma expressamente invocada pelo Recorrente: «a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando …se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».

            O nº 3 do citado artº 449º afasta, porém, a possibilidade do recurso com este fundamento se tiver como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada, o que significa que a revisão não é admissível quando vise corrigir o quantum da sanção ou quando se almeje a aplicação de uma pena de substituição. A força do caso julgado só pode de facto ser questionada quando estiver em causa a justiça da própria condenação e não apenas a da pena.

            Por outro lado, exige a lei que se descubram novos factos ou novos meios de prova e que estes sejam de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.  

Quanto à novidade dos factos e/ou dos meios de prova, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu, durante anos e de forma pode dizer-se pacífica, que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado (entre outros, cfr. os Acórdãos de 11.03.93, Pº nº 43772 e de 03.07.97, Pº nº 485/97, de 15.03.2000, Pº 92/2000 e de 10.04.02, Pº 616/02-3ª. Como expressivamente se disse neste último, a revisão pressupõe que a decisão esteja eivada de um erro de facto, originado por motivos alheios ao processo).

Porém, nos últimos tempos essa jurisprudência foi sendo abandonada e hoje em dia pode considerar-se solidificada ou, pelo menos, maioritária, uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e, ao fim e ao cabo, à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais. Assim, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. Com efeito, como diz Paulo Pinto de Albuquerque no seu “Comentário do Código de Processo Penal…”, 1212, a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa.

Algumas decisões, porém, admitiram a revisão quando, sendo embora o facto e/ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pode, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, não dever apresentá-los. (cfr., entre outros, os Acórdãos de 17.04.2008; Pº nº 4840/07-3ª; de 07.10.09, Pº nº 8523/06.1TDLSB-E.S1-3ª; de 17.12.2009, Pº nº 330/04.2JAPTM-B.S1-5ª; de 25.02.2010, Pº nº 1766/06.0JAPRT-A.S1-5ª; de 17.03.2010, Pº 728/04.6ILSB-A.S1; de 21.04.2010, Pº nº 65/00.5GFLLE-A.S1-3ª; de 05.05.2010, Pº nº 407/99.4TBBGC-D.S1-3ª;de 09.06.2010, Pº 2681/97.1PULSB-A.S1-5ª e de 08.09.2010, Pº nº 378/06.2GAPVL-A.S1-3ª; de 23.11.2010, Pº nº 342/02.0JALRA.N.S1 e de 27.04.2011, Pº nº 323/06.5GAPFR.A.S1).

Não basta, no entanto, que se trate de factos ou meios de prova novos. O preceito exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só ou conjugados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Não releva, pois, o facto e/ou o meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável.

3.3. Desenhado, assim, o regime jurídico aplicável, é altura de lhe subsumirmos o caso sub judice.

3.3.1. Quanto à novidade dos factos:

A Recorrente alega, como vimos, que, «à data dos factos pelos quais foi julgada … era portadora de anomalia psíquica grave…», em razão da qual não tinha consciência dos actos que praticava.

Quer isto dizer, se as palavras têm algum significado, que a alegada anomalia psíquica grave já a incomodava antes mesmo de ter sido julgada e condenada no processo aqui em causa.

E, embora na motivação a Arguida procure demonstrar que não tinha, nem ela nem os seus “descendentes”, consciência, isto é, conhecimento, dessa anomalia – por isso afirma que «… padece de graves problemas psiquiátricos que não foram levados à consideração pelo Tribunal, nem em momento algum do processo foram suscitadas dúvidas sobre a possibilidade da sua existência, tendo os descendentes … logrado levá-la a especialista que … diagnosticou … “transtorno depressivo grave com sintomas psicóticos”» – a verdade é que, embora o atestado médico que juntou tenha a data de 30 de Novembro de 2009, isto é, 18 dias depois da prolação da sentença revidenda, e nele se ateste que a Arguida foi observada “hoje”, o relatório do exame médico-legal a que foi sujeita (fls. 55) declara, com base em informações de uma sua filha, que apresenta as “alterações” observadas – «fala sozinha … não dorme … não fala de outra coisa senão destes problemas [mas] “sempre fez a sua vida”» – «desde a morte do marido (há aproximadamente 30 anos)» e que iniciou consultas de psiquiatria em 2001, exactamente com o médico que assinou aquele atestado.

E não se diga, como a Senhora Procuradora-geral Adjunta, que a Recorrente «não podia conhecer da sua possibilidade de ser inimputável e por isso, embora sendo um elemento, um facto estritamente pessoal, a mesma não se poderia defender com ele». Tal raciocínio quando levado ao extremo, significaria, cremos, que nenhum inimputável se poderia defender com a sua própria inimputabilidade. Mas o artº 351º do CPP, mostra que processualmente não é assim.

Por outro lado, o referido relatório concluiu que a Arguida apresentou «um quadro clínico compatível com diagnóstico de Psicose Paranóide», perturbação que, como também aí está consignado, «sem tratamento não permite o discernimento ou capacidade para avaliação do alcance dos seus actos». Mas logo adianta, com base em informação «da mesma» (da examinanda? da filha? – o trecho é equivoco), que a Arguida parou a medicação «há meses», naturalmente referidos à data do exame, coincidente, de resto, com a do próprio relatório – 04.04.2011.

Aliás, o desenvolvimento do processo, designadamente da audiência de julgamento, evidencia com a necessária segurança que a inimputabilidade da Recorrente, embora tivesse sido aí timidamente equacionada, sugerida ou insinuada nunca foi encarada, a começar pela defesa, como hipótese minimamente consistente.

Veja-se que, apesar da má disposição que a Arguida sentiu na sessão de julgamento realizada em 01.02.2007 (fls. 151), do pedido de dispensa de comparecer às sessões seguintes formulado na sessão de 21.02.2007 (fls. 159), baseado na sua idade e na declaração de que era «muito nervosa e que lhe causa ataques de ansiedade, muitas vezes com necessidade de receber tratamento e assistência médica e hospitalar», conforme documento junto a fls. 157, do hipotético “estado de senilidade” aventado pelo Advogado da Assistente naquela mesma sessão, a verdade é que nenhum dos intervenientes processuais, em especial a defesa, nem o Tribunal, oficiosamente, avançaram para a questão da inimputabilidade. Certamente por entenderem que os seus padecimentos não eram de molde a justificar incapacidade para avaliar a ilicitude dos actos por que respondia ou para se determinar de acordo com essa avaliação, como exige o artº 20º, nº 1, do CPenal. E, também certamente por isso, é que, quando o processo prosseguiu depois de um hiato de alguns meses e a Arguida juntou nova contestação, voltou a não invocar insanidade mental (cfr. fls. 214 e 219). Certamente por se ter conformado com a circunstância de «… a ponderação da condição de inimputabilidade da Arguida [ter sido] apenas uma questão formal, [que] ficou consignada em acta», como agora acaba por reconhecer na conclusão 4ª da motivação, mas que não foi considerada pela própria defesa nem julgada pelo Tribunal como processualmente relevante.

Quer dizer, a «perturbação» agora invocada como fundamento do recurso não só não é facto novo, no sentido que acima perfilhamos, como também não tem potencialidade para, por si só ou conjugado com os que foram apreciados no processo, suscitar grave dúvida sobre a justiça da condenação: o exame médico-legal não conclui pela inimputabilidade da Arguida; pelo contrário, afirma que a «perturbação» diagnosticada só é susceptível de influir a capacidade de discernimento e de avaliação do alcance dos actos se não for seguido tratamento que, no caso e em face das circunstâncias referidas, não se pode dizer que não estivesse a ser seguido à data dos factos.

Não deixa ainda de ser estranho que, tendo a Arguida sofrido anteriormente duas condenações por factos idênticos, praticados contra os mesmos Ofendidos, nos mesmos terrenos, só da terceira tenha interposto recurso de revisão pelos fundamentos que agora invocou (cfr. as certidões solicitadas, juntas a 92 e segs.).

 3.3.2. Quanto aos restantes argumentos deduzidos pela Senhora Procuradora-geral Adjunta – inidoneidade do testemunho de DD e condenação da Recorrente pelos factos praticados em 7 de Novembro de 2005 na decisão revidenda e na proferida anteriormente no Pº 679/05.7PASCR – também eles não podem ser atendidos para os fins aqui em vista.

Em primeiro lugar porque, tratando-se de um recurso extraordinário com fundamentos taxativamente descritos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça não pode ir além do objecto do recurso, tal como emerge das conclusões da motivação, sem prejuízo naturalmente de, perante a concreta alegação do recorrente, julgar que os factos integram não o fundamento legal formalmente invocado mas qualquer um dos outros. De outro modo, atingiria a força do caso julgado para além das hipóteses extremas consentidas pelo ordenamento jurídico.

Seja como for, nem a errada apreciação e valoração da prova nem a violação do princípio non bis in idem, a verificar-se, constituem fundamento do recurso extraordinário de revisão.

4. Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão requerida pela arguida AA.  

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.

Lisboa, 26 de Outubro de 2011

Sousa Fonte (Relator)
Santos Cabral (vencido, pois que considero a existência do pressuposto de novidade do facto concreto da inimputabilidade)Pereira Madeira (com voto de desempate)

Processado e revisto pelo Relator