ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
277/07.0TCGMR.G1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/25/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MOREIRA ALVES

DESCRITORES SERVIDÃO DE PASSAGEM
USUCAPIÃO
EXTINÇÃO
ÓNUS DA PROVA

SUMÁRIO

I - Sendo a servidão predial o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente (art. 1543.º do CC), existe uma relação real entre dois prédios e não qualquer relação obrigacional entre os respectivos proprietários.
II - Daí que, quando se trate de extinguir a servidão, por desnecessidade, nos termos do art. 1569.º, n.º 2, do CC, não interesse uma desnecessidade subjectiva do proprietário do prédio dominante, antes deve exigir-se uma desnecessidade objectiva, ou seja, uma desnecessidade para o próprio prédio dominante.
III - Estando em causa uma servidão de passagem constituída por usucapião, não há óbice a que se extinga por desnecessidade, a requerimento do proprietário do prédio serviente, diferentemente do que acontece com as servidões constituídas por acordo das partes ou por destinação do pai de família.
IV - A desnecessidade da servidão para o prédio dominante não tem de ser superveniente em relação ao momento da constituição, isto é, não tem de resultar de uma alteração introduzida no prédio após a constituição da servidão.
V - É o proprietário do prédio serviente que deve alegar e provar a desnecessidade actual e objectiva.
VI - A extinção da servidão por desnecessidade é situação diferente da sua extinção pelo não uso, pelo que nada impede que se declare extinta por desnecessidade uma servidão que está a ser usada pelo titular do prédio dominante.




DECISÃO TEXTO INTEGRAL

      

Relatório


*

Nas Varas Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães,

AA e esposa

BB, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra,

CC e esposa,

DD*

Com interesse para a decisão da revista, alegaram em resumo:

— Os AA. são proprietários de um prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, inscrito na matriz urbana sob o artigo 404 e descrito na Conservatória do Reg. Predial sob o n.º 00173;

— Os RR. são proprietários de um prédio misto composto por casa de rés-do-chão e, em parte, 1º andar, dependências e logradouro, armazém destinado a actividade económica e logradouro e pelos campos denominados da Casa, da Poça, do Pinhal, Leira do Portal e da Pintura de Chã, inscrito na matriz urbana sob os artigos 182 e 280 e na matriz rústica sob o artigo 60 e descrito na Conservatória sob o n.º 00220;

— Ao longo de toda a extrema Poente do prédio dos AA., existe um caminho de terra batida, com cerca de 4 metros de largura, que faz parte integrante do mencionado prédio dos AA.;

— Por decisão judicial transitada, ficou estabelecido que o prédio dos AA. está onerado por uma servidão de passagem a pé, de tractor e de automóvel a favor do aludido prédio dos RR.;

— Essa servidão foi constituída para que os RR. fizessem o cultivo, as colheitas e o transporte das mesmas, de rendas e instrumentos agrícolas entre o seu prédio e a via pública (Estrada Municipal n.º 589);

— Tal servidão foi constituída por usucapião;

— O limite Norte do dito caminho de servidão coincide com o limite Norte do prédio dos A.A.;

— A 30,50m de distância do limite Norte do dito caminho de servidão, existia e existe uma abertura, com a largura de 3,85m, no muro que veda o prédio dos RR., por onde eles acediam ao seu prédio;

— Mas, em 2006, os RR. construíram uma nova abertura no muro que limita a extrema Nascente do seu prédio, com a largura de 5,65m, e que fica localizada antes do limite Norte do caminho de servidão que onera o prédio dos AA.;

— A partir daí, os RR. passaram a utilizar, permanentemente, essa abertura para comunicarem da Est. Municipal 582 para o seu prédio e deste para aquela via, por ela transitando a pé, de carro e de tractor, a fim de cultivarem a terra, colherem e transportarem rendas, frutos, vinho, cereais e instrumentos agrícolas de e para a via pública;

—Efectuam, assim, todo o trânsito de pessoas, coisas e veículos por essa nova entrada;

— Consequentemente, ao utilizarem essa entrada, não necessitam de passar pelo prédio dos AA., já que ela lhes assegura todas as utilidades da servidão de passagem, tornando, até, o acesso do seu prédio à via pública mais perto;

Pedem, com tal fundamentação (além do mais que aqui não interessa), que se declare extinta a dita servidão de passagem nos termos do disposto no Art. 1569º n.º 2 do C.C..

Contestaram os RR., e, no que aqui interessa, alegaram, essencialmente:

— Que são titulares da referida servidão de passagem, parcialmente implantada no prédio dos AA.;

— Que, no decurso do caminho de servidão existem 3 aberturas, tendo uma a largura de 7 m, outra 5m e a outra 2,5m;

— Que essas aberturas no muro sempre existiram há mais de 30 e 40 anos com as referidas dimensões, utilizando-as sempre os RR. para entrarem e saírem do seu prédio, sendo certo que tais aberturas dão acesso a partes distintas do prédio dos RR. que não são comunicantes entre si, pelo que, mesmo que os RR. deixassem de necessitar para o respectivo prédio de uma dessas entradas, necessariamente continuariam a precisar das outras.

....

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Realizado o julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto, proferiu-se sentença final, que, no que ora interessa, julgou procedente o pedido dos AA. e consequentemente, declarou extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem constituída por usucapião a favor do prédio dos RR..

Recorreram os RR., de facto e de direito.

A Relação, apesar de ter eliminado uma das respostas aos quesitos e ter alterado outra, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença de 1ª instância.

Novamente inconformados, voltam a recorrer os RR., agora de revista e para este S.T.J..




Conclusões da Revista

Seguem fotocópias das conclusões.

Em contra-alegações defendem os recorridos a confirmação do acórdão sob censura.

Os Factos provados

Seguem fotocópias dos factos provados.

Fundamentação

Como se vê das conclusões os recorrentes assentam, no essencial a sua argumentação na alegada divisibilidade do seu prédio, enquanto prédio misto, defendendo, ao que parece, a autonomia jurídica das partes urbanas e da parte rústica, procurando daí retirar a conclusão de que a extinção da servidão da passagem decretada pelas instâncias, implicaria a impossibilidade de acederem à parte urbana e a uma das partes rústicas do seu prédio. Daí que não se verificasse a desnecessidade da servidão, em que se fundamenta a acção.

Assim, segundo os recorrentes, a correcta decisão do pleito, passaria pela análise da questão da divisibilidade do seu prédio, questão que terão invocado, mas sobre a qual o Tribunal, nomeadamente, o acórdão recorrido, não se pronunciou, ficando a decisão sem fundamento.

Portanto, ao que parece, suscitam a questão da nulidade do acórdão, por falta de pronúncia.

Não têm razão.

Os RR não suscitaram a questão da divisibilidade ou indivisibilidade do seu prédio, pelo menos no sentido em que agora teorizam, como facilmente se vê da sua contestação.

Os RR. limitaram-se a alegar que sempre tiveram acesso ao seu prédio através de 3 aberturas e que cada uma delas dava acesso a partes distintas do prédio que não são comunicantes entre si, defendendo-se, pois, por excepção.

Ora essa matéria foi levada ao questionário (q.51) e, apesar de a resposta dada ao referido quesito ter sido alterada pela Relação em sede de apelação, o certo é que, ambas as respostas (a primitiva e a alterada) não dão como provada a alegada falta de comunicação entre as diversas partes do prédio, antes se provando que todos têm ligação entre si, pelo que, como conclui a Relação, o prédio tem agora acesso, a todas as suas partes, pela primeira abertura (ou seja pela abertura invocada pelos AA. e que se encontra situada fora do caminho de servidão que onera o seu prédio).

Portanto, a matéria de facto assim recolhida nos autos, foi tida em conta, quer pela sentença final quer pela Relação que a confirmou, que por isso não omitiram pronúncia sobre tal questão.

Quanto às considerações teóricas a respeito do conceito de prédio misto, estamos de acordo que apenas retrata uma realidade de facto, que não jurídica (excepto para fins fiscais), visto que, para a lei civil, os prédios ou são rústicos ou urbanos, sendo que a ideia essencial que preside à distinção, consiste em se tratar de solo (porção de solo delimitado) ou de construção nela implantada (Art.º 204º n.º 2 do C.C.).

Sobre o assunto remete-se para o acórdão de 15/1/2008 – proc. 4320/07- 1º –, citado nas alegações dos recorrentes, elaborado pelo aqui relator e subscrito pelo também aqui 1º adjunto.

Só que tais considerações são totalmente irrelevantes para a decisão da revista e, por outro lado, não permitem a conclusão que nos parece os RR procuram retiram, sobre a autonomia jurídica/civil das partes urbanas e rústicas, quando existe, uma unidade registral, como é o caso.

Civilmente não há prédios mistos, daí que, apesar da autonomia matricial, devam ser qualificados unilateralmente, como rústicos ou urbanos em função dos critérios referidos no mencionado acórdão.

Enquanto não forem destacados, formam uma unidade a classificar casuisticamente, em conformidade com os aludidos critérios de dependência funcional ou económica.

Aliás, não existe nos autos matéria de facto suficiente para, com segurança, se qualificar o prédio dos RR., como prédio urbano ou rústico, sendo certo que os poucos elementos fácticos disponíveis apontariam, ao menos indiciariamente, para esta última classificação.

A verdade, porém, é que o referido prédio misto, apesar de composto por artigos matriciais urbanos e rústicos, goza de unidade registral, não constando que qualquer das suas partes tenha sido destacada do conjunto, como foi reconhecido pelo acórdão recorrido.

Note-se, igualmente, que, como resulta da anterior decisão que reconheceu aos RR. o direito de passagem pelo terreno dos AA. para acederem ao seu prédio misto, essa servidão constituída por usucapião, serve o prédio dos RR., considerado este como uma unidade económica, visto que se destina a permitir a sua exploração agrícola.

Portanto, o que aqui verdadeiramente importa é averiguar se, perante a factualidade fixada pela Relação, que este S.T.J. não pode alterar, há ou não que concluir pela desnecessidade da servidão em causa, a qual, tendo sido constituída por usucapião, foi reconhecida, a favor do prédio dos RR., por decisão transitada.

A matéria de facto provada é a que se deixou acima descrita.

Dela, interessa aqui salientar a seguinte factualidade.

— Foi constituída por usucapião a favor do prédio dos RR. e onerando a dos AA., uma servidão de passagem, através de um caminho de terra batida, com 4m de largura, situado ao longo de toda a extrema Poente do prédio dos AA.;

— Trata-se de uma servidão de passagem a pé, de tractor e de automóvel, com vista a permitir aos RR. o cultivo do seu prédio, à colheita respectiva e ao transporte desta, das rendas e instrumentos agrícolas.

— A distância que se situara entre os 20m e os 50m de distância do limite Norte do dito caminho de servidão existia e existe uma abertura no muro que veda o prédio dos RR (e que lhe pertence), com a largura de 3,60m, por onde os RR. acediam ao seu prédio, cuja ombreira Sul dista cerca de 78m da Est. Municipal 582 (cof. q. 3, 4 e 5).

(Anote-se que esta abertura fica situada em pleno caminho da servidão que onerava o prédio dos AA.).;

— Há cerca de 3 ou 4 anos os RR. alargaram uma outra abertura que limita a extrema Nascente do seu prédio, para o que procederam à demolição de parte desse muro (que lhes pertence) (cof. q. 6 e 7);

— Essa abertura alargada tem agora 5m de largura e localiza-se a 1,70m do limite Norte do prédio dos AA. (ou seja, situa-se fora do troço do caminho de servidão que onera o prédio dos AA.) e dista cerca de 41m da Estrada Municipal n.º 582, pelo que o acesso à via pública fica mais perto (cof. q. 8, 9, 16 e 22);

— Desde há cerca de 3 ou 4 anos os RR passaram a utilizar esta abertura alargada para comunicarem da Est. Municipal 582 para o seu prédio e deste para aquela via pública, por ela transitando a pé, de carro e de tractor, a fim de cultivarem a terra, colherem e transportarem rendas, frutos, vinhos, cereais e instrumentos agrícolas de e para a via pública, efectuando todo o trânsito de coisas, de pessoas e de veículos motorizados por essa entrada (cof. q. 11, 12 e 13);

— Ao utilizarem esta entrada, os RR. não necessitam de passar pelo prédio dos AA. (q. 14);

— Resulta, ainda, da resposta ao q. 51, após a alteração efectuada pela Relação, que existe ainda uma terceira abertura, situada a Poente do prédio dos RR., à qual se acede continuando pelo caminho de servidão na direcção Norte/Sul, flectindo, depois, a Poente.

Esta terceira abertura, tal como as outras duas acima referidas, dão acesso a partes do prédio dos RR., distintas mas ligadas entre si.

Antes de se averiguar se, face a esta matéria de facto essencial, conjugada, aliás, com toda a demais que resulta dos autos, pode ter-se por provada a alegada desnecessidade da servidão aqui em causa, convém enquadrar juridicamente a questão.

Como se sabe, servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente (Art.º 1543º do C.C.).

Existe, portanto, uma relação real entre dois prédios e não qualquer relação obrigacional entre os respectivos donos. Daí que, quando se trate de extinguir a servidão, por desnecessidade, nos termos do Art.º 1569º n.º 2 do C.C., se venha entendendo que não interessa uma desnecessidade subjectiva do proprietário do prédio dominante, antes deve exigir-se uma desnecessidade objectiva, ou seja, uma desnecessidade para o próprio prédio dominante.

Por outro lado, estando em causa uma servidão de passagem constituída por usucapião, não há óbice a que se extinga por desnecessidade, a requerimento do proprietário do prédio serviente, diferentemente do que acontece com as servidões constituídas por acordo das partes ou por destinação de pai de família.

Tem-se discutido na doutrina e jurisprudência se a desnecessidade da servidão para o prédio dominante tem de ser superveniente em relação ao momento da constituição, isto é, se tem de resultar de uma alteração introduzida no prédio após a constituição da servidão, ou se não é de exigir tal superveniência.

Aceitamos esta última posição.

Na verdade, a interpretação da lei, desde logo, por via do elemento literal, aponta para esta orientação.

Como se observa no Ac. do S.T.J. de 27/5/99 – in Jurisp. Do S.T.J., o texto legal não exige que a servidão se mostre desnecessária, mas que se torne desnecessária, o que apela a um juízo de actualidade, no sentido de que a utilidade ou desnecessidade da servidão há-de ser apreciada pelo Tribunal atendendo à situação presente, ou seja, atendendo à data em que a acção è proposta, sem necessidade de se provar a superveniência da desnecessidade, após a constituição da servidão.

Por outro lado, constituindo a servidão um direito real que limita seriamente o direito de propriedade do dono do prédio onerado e, sendo tal limitação apenas justificada pela necessidade de obter para o prédio dominante determinadas utilidades que não estariam acessíveis sem a servidão, resulta manifesto que a encargo deve desaparecer logo que se torne desnecessário (desde que a extinção seja requerida), ou seja, quando o prédio dominante possa alcançar, sem a servidão, as mesmas utilidades que por meio dela conseguia.

Como é óbvio, é o proprietário do prédio serviente que deve alegar e provar a desnecessidade actual e objectiva.

Refira-se, também, que a extinção da servidão por desnecessidade é situação diferente da sua extinção pelo não uso, aliás, situações previstas autonomamente na lei.

Consequentemente, nada impede que se declare extinta por desnecessidade uma servidão, que todavia, está a ser usada pelo titular do prédio dominante.

Postas estas breves considerações é já possível responder às diversas questões colocadas pelos recorrentes.

Assim, e como logo inicialmente se notou, a servidão em causa foi constituída a favor do prédio misto dos RR., considerado este como uma unidade económica. Destinou-se a ligar o prédio misto dos RR. à Est. Municipal n.º 582. Pode ser percorrida a pé, de tractor e de automóvel, com vista a fazer o cultivo, as colheitas e o transporte destas, de rendas e instrumentos agrícolas.

São estas as utilidades que constituem o objecto da servidão de passagem reconhecida aos RR. por decisão anterior transitada em julgado.

É, pois, este, o conteúdo da servidão, não constando da sentença que a reconheceu, que o acesso ao prédio misto dos RR., para as referidas finalidades, se fizessem através de entradas ou aberturas distintas, para servir cada uma delas concretamente, como pretendem os recorrentes.

Portanto, ao que resulta da prova, os RR. dispunham, a favor do seu prédio, de uma servidão de passagem que onerava o prédio dos AA., com as características referidas.

Não dispunham de três servidões distintas, como alegaram.

Aliás, das três aberturas para acesso ao seu prédio, referidas pelos RR. (a que corresponderiam as tais “três servidões), apenas duas se situam no caminho de servidão que onera o prédio dos AA..

Ora, é exactamente na existência da abertura/acesso que fica situada fora do caminho de servidão em causa, que os AA. fazem assentos a alegada desnecessidade de os RR. passarem pelo seu terreno (caminho de servidão).

É precisamente em relação a esta abertura que surge a polémica questão de saber se se trata de uma nova abertura que os RR. criaram para aceder ao seu prédio, como alegam os AA., alterando assim, objectivamente, a situação do prédio, existente à data da constituição da servidão, ou se essa abertura de acesso ao prédio já existia quando se constituiu a servidão, que os RR. se limitaram a alargar, como defendem, para concluírem que não houve qualquer alteração supervenientes que justifique a desnecessidade da servidão.

A questão, porém, é irrelevante, pois, como se disse, não tinham os AA. de provar a superveniência da desnecessidade, ou melhor dizendo, da situação de facto que determina a alegada desnecessidade.

(irreleva, portanto, o que se diz nas conclusões 3, 17, 19 e 22).

O que os AA. tinham de provar era a desnecessidade objectiva da servidão (a desnecessidade actual como se referiu), o que passava por provar que, no caso concreto, dispondo o prédio dos RR. de acesso de e para a Est. Municipal n.º 582, através de uma abertura situada fora do caminho de servidão que onera o prédio dos AA., por ela, o prédio dominante obtinha as mesmas utilidades que conseguia através da servidão que querem ver extinta.

Este, pois, o ónus da prova que onerava os AA..

Ora, como resulta dos autos, está provado que, pela aludida abertura que os RR. alargaram há cerca de 3 ou 4 anos, que passou a ter a largura de 5 metros, os RR. acedem ao seu prédio da Est. Municipal n.º 582 e deste para aquela, por ela transitando a pé, de carro e de tractor, a fim de cultivarem a terra, colherem e transportarem rendas, frutos, vinho, cereais e instrumentos agrícolas de e para a via pública, efectuando todo o trânsito de coisas, de pessoas e de veículos motorizados por essa entrada, não necessitando, para esses efeitos, de passar pelo prédio dos AA..

Quer dizer que, as utilidades de que beneficiava o prédio dominante dos RR., através da servidão de passagem que onera o prédio dos AA., são conseguidas através do dito acesso alargado, que, como se provou, fica até mais perto da via pública do que os acessos situados no caminho de servidão.

(cof. pontos 8, 12, 13, 14, 15, 17, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41 e 45 da matéria de facto provada).

É certo que os AA., demonstrando embora que os RR. usam a dita entrada alargada exactamente com os mesmos fins para que usavam as entradas situadas no caminho de servidão, não provaram que os RR. nunca mais usaram o caminho de servidão, mas, como se viu, o uso que os RR. tenham continuado a fazer da servidão em causa, não impede a extinção desta por desnecessidade.

(irreleva, assim, a conclusão 23 da revista).

Por outro lado, esgrimem os RR. com a divisão do seu prédio em várias partes (rústicos e urbanos) sendo que, como dizem, a referida abertura alargada apenas dá acesso a uma das partes rústicas do seu prédio misto, necessitando das outras aberturas (essas situadas no caminho de servidão), para acederem à parte urbana do seu prédio e a outras partes rústicas, visto que não comunicam entre si.

A este respeito, para além do que já acima se disse, convém notar que os RR. se limitaram a alegar, na contestação, que as diversas aberturas a que se referem (3) dão acesso a partes distintas do seu prédio, que não são comunicantes entre si.

Trata-se de matéria excepcional que competia  aos RR. provar.

Porém, não o fizeram.

Assim, a alegada incomunicabilidade das diversas partes do prédio dos RR. não só não ficou provada, como, ao contrário, ficou demonstrada que há comunicabilidade entre todas as partes do prédio.

Todas as aberturas de acesso referidos pelos RR. sejam as 2 que se situam no caminho de servidão que onera o prédio dos AA., seja a que se localiza fora (antes do seu início) dele, dão acesso a partes ligadas entre si (cof. resposta ao quesito 51, correspondente ao ponto 54 da matéria de facto provada).

Assim sendo, o que se diz nas conclusões 8ª, 9ª, 10ª, 12ª, 13ª, 14ª, 15ª e 17ª, ou não está provado, ou está contrariado pela prova disponível, ou é irrelevante.

Diga-se, finalmente, que a insólita tese desenhada na conclusão 16ª e que os RR. desenvolvem no corpo da alegação não pode ser acolhida.

É que, ao que nos parece, as necessidades do prédio dominante, a satisfazer por via de determinada servidão já constituída, hão-de ser as que existam no momento da constituição e que a justificaram e não quaisquer outras que, por força de alterações no prédio dominante, levados a efeito pelo respectivo proprietário, venham, eventualmente, a surgir no futuro.

Pode, é certo, constituir-se servidões que tenham por objecto utilidades futuras ou eventuais (Art. 1544º), mas então, essas utilidades constituem, em si mesmos, o conteúdo da servidão. Não são supervenientes à sua constituição, antes foram pensadas originariamente e são a causa justificativa dela.

Seguramente, não é esta a situação da servidão aqui em causa, pelo que a desnecessidade actual e a objectiva não pode ser condicionada por eventuais ou hipotéticas necessidades futuras.

De contrário, pelo menos na prática, nenhuma servidão se extinguiria por desnecessidade, uma vez que sempre podia conceber-se qualquer evento futuro que viesse tornar necessária a servidão, caso se verificasse ...

Refira-se ainda, que não existe qualquer contradição entre a factualidade relatada no ponto 45 dos factos provados e a referida no ponto 33, como é por demais evidente.

A maior proximidade a que se refere o ponto 45 (resposta ao q. 22) relaciona-se com a outra abertura ou acesso existente no caminho de servidão que onera o prédio dos AA. e à qual se referem os pontos 30, 31 e 32 dos factos provados, sendo certo que a distância que medeia entre a Est. Municipal e a abertura ou acesso que os RR. alargaram (ponto 33) é menor do que a que separa aquela via pública da entrada ou acesso a que se alude nos pontos 30, 31 e 32.

Também não existe contradição alguma na matéria contida no ponto 41 dos factos provados, visto que não está provado que a abertura ou acesso que os RR. alargaram apenas de acesso a uma das partes rústicas do seu prédio, pois, o que se demonstrou, é que dá acesso a uma parte distinta do prédio, mas ligada a todos os demais.

Concluímos, pois, que os AA. provaram a desnecessidade actual e objectiva da servidão que onera o seu prédio em favor do prédio dos RR., razão pela qual a servidão deve extinguir-se como decidiram as instâncias.

Improcedem todas as conclusões da revista.




Decisão

Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 25/10/2011

Moreira Alves (Relator)

Alves Velho

Paulo de Sá