ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
130/10.0GCVIS.C1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/21/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO REJEITADO O RECURSO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR HENRIQUES GASPAR

DESCRITORES ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
DIREITO AO RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
ÁREA TEMÁTICA DIREITO PENAL
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS ...
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 1 DE JULHO DE 9999 - PROCESSO N.º


SUMÁRIO

I - A referência essencial para a leitura integrada do regime decorrente das als. a), b), c) e d) do n.º 1 do art. 432.º do CPP e do n.º 1 do art. 400.º do CPP – porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
II - Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a 5 anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do art. 427.º do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao Tribunal da Relação.
III - A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada.
IV - A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos.
V - A perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do art. 432.º, e especialmente do seu n.º 1, al. c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do art. 400.º, n.º 1, al. e) do CPP, de acordo com o princípio base do art. 432.º, n.º 1, al. c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior do regime dos recursos para o STJ.
VI - O art. 32.º, n.º 1, da CRP prevê o direito ao recurso como garantia de defesa: mas a garantia constitucional, como é assente, fica assegurada na substância com a previsão e o direito ao recurso em um grau, não exigindo um segundo grau de recurso ou terceiro de jurisdição.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                        Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

            1. AA, foi condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22, de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 4 anos e 6 meses, acompanhada de submissão a regime de prova, mediante piano individual de readaptação social.

            Na sequência do parcial provimento do recurso do Ministério Público, o tribunal da Relação alterou a decisão recorrida, revogando a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA.

            2. O arguido recorreu para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes da motivação que apresentou, limitando o objecto do recurso à questão da suspensão da execução da pena, pedindo a manutenção da decisão da 1ª instância.

            Por decisão sumária, proferida nos termos do artigo 417º, nº 6, alínea b) do CPP, o recurso foi rejeitado.

            O recorrente reclama para a conferência, como permite o artigo 417º, nº 8 do CPP, invocando, em síntese, os fundamentos seguintes:

            A decisão sumária reclamada,

«a) Admite uma significativa prevalência da alínea c) face à alínea b), ambas do art. 432.° do Código de Penal, cuja distinção de importância não resulta, de forma alguma, da norma globalmente considerada;

b) Recorre a um critério de interpretação restritiva do artigo 400.° do Código de Processo Penal manifestamente contrária ao propósito ampliativo do legislador parlamentar, quando confrontadas a actual Lei em vigor com a anterior, a saber, definida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto;

c) Em consequência, o critério de interpretação utilizado pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro, é violador do princípio do direito ao recurso (artigo 32°, n.° 1, da C.R.P.), do principio da legalidade (artigo 29.°, n.° 1, da C.R.P.), e, outrossim, do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20°, n.° 1, da C.R.P.), por compressão dos direitos do Arguido;

d) Mais ainda, a interpretação em xeque é igualmente violadora do principio de reserva de lei (artigo, 165°, n.° 1, alínea c), da C.R.P.) e do principio da subordinação dos tribunais à lei (artigo 203.° da C.R.P), quando subscreve a Proposta Governamental 109/X na alínea o). n.° 1 do artigo 400.°, a qual, como se sabe, não foi aprovada».

                        3. Colhidos os vistos, cumpre decidir:

            Os argumentos invocados pela recorrente não estiveram afastados da metodologia de decisão que fundamenta a decisão de rejeição do recurso, e revela apenas a discordância em relação ao decidido.

                Come se refere, a reformulação das condições de admissibilidade dos recursos para o STJ, decorrente da conjugação dos artigos 432º e 400º, nº 1 e respectivas alíneas, do CPP após a revisão da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, tem suscitado dificuldades de leitura e compreensão, com a consequente projecção em divergências na solução do problema.

Acresce que novas possibilidades abertas por novas soluções para questões específicas – como, por exemplo, o exercício da faculdade prevista pelo artigo 371º-A do CPP – acrescentam complexidade, não apenas pelo âmbito dos meios processuais criados, como pelas consequências da coordenação com o regime dos recursos.

 O caso sob apreciação constitui uma das (várias) espécies problemáticas na coordenação no âmbito do regime de recursos saído da revisão de 2007 do processo penal.

A coerência do anterior modelo no que respeita aos critérios de admissibilidade de recurso para o STJ, que se baseava em três módulos essenciais (natureza do tribunal a quo; natureza e gravidade do crime, avaliadas pelo critério da pena aplicável; “dupla conforme”, isto é, a confirmação da decisão pelo tribunal da relação), foi substituída por um sistema em que, aparentemente, desaparece o critério da natureza do tribunal a quo, e o critério da natureza do crime foi substituído pela medida concreta da pena efectivamente aplicada.

Esta diferente perspectiva introduziu factores acrescidos de dificuldades na interpretação, porque leituras imediatas, chegadas ao pé da letra, transportam desvios e incoerências sistémicas.

Divergências jurisprudenciais a propósito constituem o reflexo, inevitável, de aporias que resultam da não compatibilidade entre formulações e a imediata coerência interna do sistema e do modelo de recursos.

A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432º do CPP. De uma forma directa, nas alíneas a), c) e d) do nº 1; e de um modo indirecto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do artigo 400º, nº 1 e respectivas alíneas, do CPP.

Há, neste regime definido pelo conjunto das referidas normas, elementos que, aparentemente descoordenados, não podem deixar de ser harmonizados, salvo risco e efeito de uma séria contradição intra-sistemática.

A referência essencial para a leitura integrada do regime – porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a alínea c) do nº 1 o artigo 432º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a cinco anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do artigo 427º do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao tribunal da relação.

A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada.

A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a cinco anos.

Como a propósito se refere em acórdão do STJ (de 25 de Junho de 2008, proc. 1879/2008), «desde que não haja condenação em pena não superior a cinco anos de prisão, não incumbe ao STJ, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de decisão final do tribunal colectivo o do júri, que condene em pena não superior a cinco anos de prisão»; «o legislador, ao arredar da competência do Supremo o julgamento do recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o artigo 9º do Código Civil, na teleologia e unidade do sistema quanto a penas privativas de liberdade, que […] apenas é admissível recurso de acórdão da relação para o Supremo quando a relação julgar recurso de decisão do tribunal colectivo ou do júri, em que estes tivessem aplicado pena superior a cinco anos de prisão».

É, pois, neste círculo hermenêutico que têm de ser interpretadas as normas do artigo 400º, nº 1 do CPP, quando determinam a irrecorribilidade (e, por antonímia, a recorribilidade) das decisões proferidas, em recurso, pelo tribunal da relação.

Desde logo a norma da alínea e) do nº 1 do artigo 400º, que prevê a irrecorribilidade das decisões proferidas em recurso pela relação, que apliquem pena não privativa de liberdade.

A formulação da norma constava da Proposta de Lei nº 109/X (DAR, II série, nº 31, de 23/Dez/06) em termos diversos («são irrecorríveis» os acórdãos proferidos, em recurso, pela relação, «que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos»), adaptando, por comparação com a anterior formulação e para os casos aí previstos, o critério da “pena aplicada” em lugar da “pena aplicável ao crime” (Os Projectos de Lei nº 237/X, DAR, II série, nº 100, de 6/Abril/06; 368/X, 369/X e 370/X, DAR, II série, nº 52, de 9/Março/07 não previam qualquer alteração para a alínea e) do nº 1 do artigo 400º).

 A redacção final foi votada, após proposta oral do PS (com a abstenção dos restantes Partidos), em última leitura no Grupo de Trabalho da Comissão Parlamentar, ficando a expressão constante da redacção fixada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto - «que apliquem pena não privativa de liberdade».

O Relatório dos trabalhos preparatórios, de 18 de Julho de 2007, fixando a alteração na sequência da «proposta oral», não deixa qualquer traço de fundamentação que justifique o desvio em relação ao primeiro texto proposto e a consequente «descontinuidade metodológica».

E, assim, também não deixa massa crítica nos procedimentos que permita obter deduções, com o peso de probabilidade necessário, sobre a vontade ou a intenção de legislador.

Isto é, não parece possível determinar se a formulação final e votada da norma constitui um «acidente» na metodologia da formação normativa, ou uma expressão concreta, firme e pensada da vontade do legislador.

A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo, tal como deixou traço, será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável. É que, no essencial, esta modelação mantém-se no artigo 432º do CPP, e se modificação existe, vai ainda no sentido da restrição: o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ.

Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objectivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do CPP disse mais do que quereria, não parece metodologicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma.

Porém, a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é directamente afastada pelo artigo 432º, nº 1, alínea c), produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar.

Basta pensar que, na leitura isolada, estreitamente literal, um acórdão proferido em recurso pela relação, que aplicasse uma pena de trinta dias de prisão, não confirmando a decisão de um tribunal de Pequena Instância, seria recorrível para o STJ, contrariando de modo insuportável os princípios, a filosofia e a teleologia que estão pressupostos na repartição da competência em razão da hierarquia definida na regra-base sobre a recorribilidade para o STJ do artigo 432º, nº 1, alínea c) do CPP.

A contradição e a assimetria normativa e a consequente aporia intra-sistemática seriam, assim, tão patentes e tão intensas, que tornariam insuportável tal sentido.

Impõe-se, por isso, um acrescido esforço de interpretação.

Uma norma legal, contra o seu sentido literal mas de acordo com a teleologia imanente à lei, pode exigir uma limitação que não está contida no texto, acrescentando-se uma restrição que é requerida em conformidade com o sentido da norma.

Pode suceder, com efeito, que uma norma, lida «demasiado amplamente segundo o seu sentido literal», tenha de ser reconduzida e deva ser «reduzida ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão do sentido da lei», procedendo às «diferenciações requeridas pela valoração» e «exigidas pelo sentido e finalidade da própria norma» e pela finalidade ou sentido «sempre que seja prevalecente» de outra norma, que de outro modo seria seriamente afectada, seja pela “natureza das coisas” ou «por um princípio imanente à lei prevalecente num certo grupo de casos» (cfr., KARL LARENZ, “Metodologia da Ciência do Direito”, 2ª ed., p. 473-474).

Nestes casos, deverá o intérprete operar a “redução teleológica” da norma.

A redução ou correcção respeitará também o princípio da proporcionalidade e serve o interesse preponderante da segurança jurídica.

 A perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432º, e especialmente do seu nº 1, alínea c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400º, nº 1, alínea e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432º, nº 1, alínea c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior da regime dos recursos para o STJ.

                O recurso não é, assim, admissível - 432º, nº 1, alíneas b) e c) e 400º, nº 1, alínea e) do CPP (cf, v. g., acórdãos do STJ, de 7.04.08, proc. n.° 903/08; de 24.04.09, proc. n.° 329/05.1PTLRS.S1; de 13.10.2010, proc. nº 1252/07.0TABCL.G1.S1; de 16.12.2010, proc. n.° 152/06.6GAPNC.C2.S1; e de 18.05.2011, proc. nº 37/09.4 PBVCD).

                Não há, assim, motivos para alterar a posição defendida neste Supremo Tribunal sobre a não admissibilidade do recurso em casos como o presente.

         4. O recorrente suscita também a inconstitucionalidade do critério de interpretação utilizado na decisão sumária – refere-se necessariamente à conjugação normativa dos artigos 432º, nº 1, alínea c) e 400º, nº 1, alínea f) do CPP – que considera violador do princípio do direito ao recurso (artigo 32°, n° 1, da C.R.P.), do principio da legalidade (artigo 29.°, n.° 1, da C.R.P.), e, outrossim, do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20°, n.° 1, da C.R.P.), por compressão dos direitos do arguido.

Considera ainda que a interpretação das referidas normas é igualmente violadora do principio de reserva de lei (artigo, 165°, n.° 1, alínea c), da C.R.P.) e do principio da subordinação dos tribunais à lei (artigo 203.° da C.R.P), «quando subscreve a Proposta Governamental 109/X na alínea o), n° 1 do artigo 400.°, a qual, como se sabe, não foi aprovada».

O artigo 20º, nº 1 da CRP – acesso ao direito e aos tribunais – garante que a todos é assegurado o direito a que a sua causa seja submetida a um juiz, para a declaração e o exercício de direitos, e é constitucionalmente assegurado com a disponibilidade processual adequada, que pode limitar-se a um único grau de jurisdição; a norma constitucional e a substância do direito não exigem, apenas por si, a organização de competências e do processo em vários graus de jurisdição. O aceso aos tribunais para a defesa de interesses legalmente protegidos basta-se com a previsão dos adequados procedimentos e meios de exercício, estando fora da garantia a previsão de tipos, modos, e sobretudo pluralidade de graus de recuso (cf., v. g., acórdão do Tribunal Constitucional nº 261/02, de 18 de Junho de 2002).

A recorrente teve acesso aos tribunais, e dispôs dos meios processuais adequados que a lei lhe confere, na liberdade de conformação do legislador quanto á organização das competências e das instâncias de recurso.

Não existe, pois, qualquer violação do artigo 20º, nº 1 da CRP.

Também não existe violação do artigo 29º, nº 1 da CRP.

A disposição constitucional garante o princípio da legalidade dos crimes e das penas, sendo uma norma essencial da constituição penal. Mas, nesse campo material de aplicação, é estranha a qualquer dimensão adjectiva de garantia de recuso e de organização infraconstitucional do regime de recursos em processo penal.

Também é manifestamente improcedente a invocada violação do artigo 32º, nº 1 da CRP.

O artigo 32º, nº 1 da CRP prevê o direito ao recurso como garantia de defesa; mas a garantia constitucional, com é assente, fica assegurada na substância com a previsão e o direito ao recurso em um grau, não exigindo um segundo grau de recurso ou terceiro de jurisdição; no caso, o objecto do processo já foi apreciado em recurso, estando, assim, satisfeita a exigência constitucional (cf, entre vários, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 175/10, de 4 de Maio de 2010).

A invocação do artigo 165º, nº 1, alínea c) da CRP, não tem aqui sentido, não sendo apreensível a formulação do recorrente.

A norma constitucional é uma norma de definição da competência e da reserva de competência legislativa da Assembleia da República; delimitando a competência legislativa entre os órgãos constitucionais com poderes legislativos.

A função de identificação de uma norma e do seu sentido pelos tribunais, com o apelo a regras e princípios metodológicos, ou seja, a apreensão e identificação da dimensão normativa relevante para um caso concreto, especialmente quando a regra concreta de aplicação tem de ser encontrada num conjunto normativo mais ou menos complexo, constitui interpretação e aplicação, e não criação normativa primária; é por estarem sujeitos apenas à lei, que os tribunais têm por função interpretar a lei como pressuposto da aplicação e de julgamento.

Não tem, por isso, qualquer sentido a invocação da violação dos artigos 165º, nº 1, c) e 203º da CRP.

5. Nestes termos, julgando improcedente a reclamação, confirma-se a decisão sumária que rejeitou o recurso - -artigos 432º, nº 1, alíneas b) e c) e 400º, nº 1, alínea e), e 420º, nº 1, alínea b) do CPP.    

Henriques Gaspar (Relator)

Santos Monteiro