ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1182/09.1TVLSB.S1.L1
DATA DO ACÓRDÃO 11/10/2011
SECÇÃO 1 .ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO MAIORIA COM * VOT VENC

RELATOR GABRIEL CATARINO

DESCRITORES CONTRATO DE DEPÓSITO
DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTA BANCÁRIA
OPERAÇÃO BANCÁRIA
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
ERRO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ÁREA TEMÁTICA DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL - DEPÓSITO BANCÁRIO
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1205.º, 1142.º, 1144.º
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 03-11-2009, IN WWW.STJ.PT .


SUMÁRIO I - Constituem elementos determinantes do contrato de depósito bancário: 1) a transferência/depósito pelo tradens de uma coisa fungível (determinada quantia em dinheiro); 2) a radicação/inclusão da quantia transferida/depositada na esfera de dominialidade (propriedade) do accipens; 3) a disponibilidade, uso e fruição da coisa entregue/depositada por parte do depositário; 4) o dever de restituir por parte do depositário, quando solicitado pelo depositante, a quantia correspondente ao saldo existente.

II - O contrato de depósito (irregular) constitui-se, nos termos da prática bancária, como um contrato de adesão, porquanto o depositante e o banco estipulam entre eles um conjunto de regras predefinidas a que o aderente dá o seu assentimento e mediante o qual o banco se compromete a oferecer determinados serviços, como sejam a transmissão regular dos movimentos bancários efectuados, de débito e crédito, com o respectivo saldo final.

III - Através do acto de depósito o tradens aceita transferir para a esfera de domínio (propriedade) do accipiens o risco sobre a gestão da quantia que transferiu, sendo que a partir desse momento se alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição, por transferência para a esfera de responsabilidade do depositário. Cabe ao depositário, enquanto proprietário da coisa transferida responder pelo risco de extravio ou dissipação da coisa até ao montante exigível no momento da solicitação da restituição.

IV - Tendo-se constatado um incremento de um depósito numa conta existente num banco, operado por um depósito, injustificado, efectuado pelo banco depositário, ocorreu, na esfera do depositante que recebeu o depósito, indevido e injustificado, um enriquecimento sem causa. Na verdade, sendo o banco proprietário da quantia, indevida e injustificadamente, deslocada para uma conta de depósito existente no mesmo banco, o banco ficou depauperado ou degradado no respectivo património em montante correspondente à quantia deslocada.

V - Provado que a titularidade da quantia transferida radicava no banco e tendo este provado que operou, sem justificação, uma deslocação monetária para uma conta de um outro depositante, que não tinha direito a receber a referida quantia, fica provado o enriquecimento deste último à custa do banco.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL Revista nº 1182/09.1TVLSB.L1.S1.

Recorrente: “Condomínio do Prédio sito na Rua ...AA...– Lisboa”.

Recorrido: “Banco ...BB...C... P...”.

I. - RELATÓRIO.

Irresignado com a decisão prolatada na apelação interposta pelo demandante, “Banco ...BB...C... P..., S.A.”, que, na respectiva procedência, revogou a decisão proferida na 1.ª instância, recorre, de revista, a demandada, “Condomínio do Prédio sito na Rua ...AA..., ..., Lisboa”, havendo a considerar para a decisão a proferir os sequentes,

I.1. - Antecedentes Processuais.

- O Banco ...BB...C... P..., S.A., intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra o Condomínio do Prédio sito na R. ...AA..., nº ..., em Lisboa, pedindo a sua condenação a restituir-lhe a importância de Euros 29.012,75 acrescida de juros de mora à taxa de 22,50%, vencidos e vincendos, contados desde 16 de Setembro de 2009 e até efectivo pagamento, ascendendo os vencidos até 18 de Maio de 2009 a € 4.460,79.

- Para a pretensão que formulou, aduzia a sequente factualidade:

- por lapso dos seus serviços, e a pedido do réu, procedeu à transferência, a pedido do Réu, da conta n.º ----------, pertencente ao “Condomínio da avenida dos Estados Unidos da América, ..., em Lisboa” para uma conta aberta em nome do Réu, com o n.º ------------, da quantia de € 16.000,00, em 12-12-2006, e da quantia de € 12.503,41, em 28-05-2008, no valor global de € 28.503,41;

- Na sequência de reclamação deste, o autor repôs na sua conta aquele referido valor, com acréscimo de juros no montante de Euros 509,24;

- apesar de instado para o efeito, o réu não restituiu ao autor as ditas quantias com as quais se locupletou.

Na sua contestação, o réu defendeu-se alegando que durante dois anos geriu a conta referenciada pelo demandante, tendo procedido à alteração das assinaturas dos administradores que seriam necessárias para a respectiva movimentação, sem que o autor opusesse ou tivesse suscitada qualquer entrave ou obstáculo ou sequer que a mesma lhe não pertencia   

Realizado o julgamento respondeu-se à matéria de facto oportunamente levada à base instrutória e, subsequentemente, foi proferida sentença que absolveu o réu do pedido.

Da decisão proferida apelou o Autor, tendo o Tribunal da Relação apreciado, na decisão que proferiu, as seguintes questões: modificabilidade da decisão de facto; caracterização do contrato de depósito; pressupostos do enriquecimento sem causa.

Em decisão proferida no Tribunal da Relação – cfr. fls. 325 a 334 – foi decido revogar a decisão da 1.ª instância, tendo condenado o réu a pagar ao autor a quantia de vinte e oito mil quinhentos e três euros e quarenta e um cêntimos (€ 28.503,41).  

I.2. - Quadro conclusivo.

Para o pedido que impetra – revogação da decisão do Tribunal da Relação com a reposição do julgado da 1.ª instância – dessumiu o Recorrente o acervo conclusivo que  a seguir queda extractado.

 “a) O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não é uma boa nem justa decisão, porquanto o Recorrente nada deve ao Recorrido;

b) O contrato de depósito bancário é um depósito irregular, estatuído no art. 1206.º, do Código Civil, ao qual é aplicado as disposições do mútuo na medida do possível;

c) Mediante a celebração de um contrato de depósito bancário, o banqueiro adquire a propriedade do dinheiro depositado e o depositante adquire um crédito sobre o banqueiro;

d) No contrato de depósito bancário à ordem há uma disponibilidade imediata do saldo;

e) O banqueiro pode dispor livremente dos depósitos, obrigando-se a restituir, mediante solicitação do depositante, uma soma equivalente ao depositado e não as próprias coisas recebidas;

f) O banqueiro tem o dever de manter em boa ordem o arrumo e a escrituração dos livros, que reflicta a realidade das operações a que se dedica;

g) O banqueiro que não garanta a organização da sua escrita é responsável pelo que pode suceder na conta do cliente;

h) O instituto do enriquecimento sem causa deve ser aplicado quando exista um enriquecimento, um empobrecimento, um nexo causal entre esse enriquecimento e esse empobrecimento, a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, a inexistência de outro mero processual que tutele o direito do pretenso empobrecido e o convencimento do Tribunal da falta de causa;

i) Incide sobre o pretenso empobrecido o ónus de alegação e prova do montante do enriquecimento e do empobrecimento e da falta de causa justificativa do enriquecimento;

j) Na dúvida sobre a deslocação patrimonial, deve considerar-se que a mesma teve justa causa, uma vez que a deslocação sem causa não é consentânea com a normalidade negocial;

k) Cabia, assim, ao Recorrido demonstrar todos os pressupostos do enriquecimento sem causa e convencer o Tribunal da falta de causa para as transferências;

l) O Recorrido demonstrou que a conta bancária à ordem com o número --------------, é titulada pelo Condomínio da Avenida dos Estados Unidos da América ..., sito em Lisboa;

m) No entanto, não demonstrou que os montantes registados naquela conta bancária à ordem provieram de depósitos efectuados pelo ou por conta do Condomínio da Avenida dos Estados Unidos da América ..., sito em Lisboa;

n) Sucede que, durante determinado lapso temporal, anterior a 2004, por erro dos serviços do Recorrido, o número de identificação de pessoa colectiva do Recorrente constou na conta bancária à ordem com o número ------------------, titulada pelo Condomínio da Avenida dos Estados Unidos da América..., sito em Lisboa;

o) Ademais, ambos os Condomínios, antes de 2005, foram geridos pela mesma pessoa;

p) Atendendo ao lapso dos serviços do Recorrido e a existência de um denominador comum das contas bancárias do Condomínio podem se ter verificado depósitos bancários mal efectuados;

q) Pelo que, cabia ao Recorrido demonstrar que as verbas registadas na conta bancária à ordem com o número--------------------, não provinham de depósitos bancários efectuados pelo ou por conta do Recorrente;

r) O Recorrido, enquanto banqueiro, conhece os depósitos efectuados em cada conta, por estar obrigado a manter em ordem os seus registos bancários;

s) Porém, o Recorrido nada demonstrou nem alegou nesse sentido, como lhe cabia nos termos do art. 342.º, do Código Civil;

t) Mais, o Recorrido não demonstrou que não existia qualquer relação entre os fundos transferidos para o Recorrente e o próprio Recorrente;

u) Com efeito, e atento o ónus da prova imposto ao Recorrido, o mesmo não demonstrou a inexistência da falta de causa, e, com isso, o seu empobrecimento e enriquecimento do Recorrente;

v) Aliás, de todo o processo resultam dúvidas de que os montantes depositados na conta bancária à ordem com o número-------------------- não tiveram origem em depósitos efectuados pelo Recorrente, dado o erro do Recorrido e o facto de existir um gestor comum;

w) Havendo dúvidas sobre o enriquecimento sem causa, deverá considerar-se que a deslocação patrimonial teve justa causa;

x) Assim, facilmente se concluirá pelo inexistente preenchimento de todos os requisitos para ser declarado o enriquecimento sem causa do Recorrente;

y)O Tribunal da Relação de Lisboa não pode decidir que houve deslocação patrimonial indevida, quando não foi demonstrado que os depósitos não tiveram origem no Recorrente;

z) Ao decidir neste sentido, o Tribunal da Relação de Lisboa fez uma errada interpretação e aplicação do instituto do enriquecimento sem causa e do regime de prova instituído ao Recorrido;

aa) Não se pode descurar que se está perante um banqueiro, o qual, para além de ter deveres de ter em ordem os seus livros, tem deveres de diligência e acompanhamento para assegurar que não ocorram lapsos nos depósitos efectuados;

bb) Ao contrário do Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal da 1.ª instância bem decidiu por o Recorrido não ter demonstrado, como lhe cabia, que as transferências efectuadas a favor do Recorrente provinham de depósitos de terceiro;

cc) O Acórdão da Relação de Lisboa violou o disposto nos arts. 473.º e seguintes do Código Civil, descurando que cabia ao Recorrido efectuar a prova do preenchimento de todos os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 342.º, do Código Civil;

dd) Atenta a prova carreada para os autos pelo Recorrido e o disposto no enriquecimento sem causa e o ónus da prova a este inerente, o Tribunal da Relação de Lisboa tinha que negar provimento à pretensão do Recorrido;

ee) Razão pela qual deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo o Acórdão do Tribunal da Relação ele Lisboa revogado, mantendo a decisão do Tribunal de 1.a instância, por justa e boa sentença.”

Em contra-alegação, sumariou o recorrido o acervo conclusivo que a seguir se deixa extractado.

A. Resultou provado na presente acção, em suma, por lapso do autor, o réu acedeu uma conta de que não era titular e procedeu à transferência para uma conta sua da quantia total de € 28.503,41;

B. Ao transferir para uma conta titulada pelo Réu, uma quantia depositada numa conta de um seu outro cliente, o Autor procedeu a uma deslocação patrimonial para a esfera jurídica do Réu sem qualquer justificação pois que este não era parte do contrato de depósito que o Autor havia celebrado com o Condomínio da Av. Dos Estados Unidos da América, ....

C. A única justificação para tal transferência de fundos, foi o erro, expressamente assumido pelo Autor, porquanto não existe qualquer outro negócio jurídico que o possa sustentar.

D. O Autor provou, assim, ter pago a quem não era credor, ou seja, ao Réu e recorrente que viu o seu património enriquecido à custa do Autor que empobreceu em igual medida.

E. Provados tais factos o Autor fez a prova que lhe competia nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1 do código Civil, relativa aos pressupostos de que dependia a procedência da presente acção, previstos no art. 473.º do mesmo Código.

F. Sem prescindir, sempre se dirá que se se entendia por essencial a alegação de tais factos, incumbia ao Meritíssimo Juiz, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 508.º do C.P. Civil, convidar o Autor a proceder ao aperfeiçoamento ou suprimento da referida hipotética carência de alegação.

G. Não o tendo feito nessa fase, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, ainda poderia, e deveria tê-lo feito ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 2 do art. 650.º do C.P. Civil nos termos do art. 264.º do mesmo código.

H. Tanto mais que, o Autor fez prova – apesar de entender que tal prova não lhe incumbiria – de que, efectivamente, o Réu não procedeu a quaisquer depósitos na conta de que era titular na Av. dos Estados Unidos da América durante todo o período em que teve acesso à mesma, ou seja, entre 10 de Outubro de 2006 até ao final de 2008.

I. Ora, caso se entendesse que não era a matéria de facto alegada suficiente para o sucesso da acção – salvaguardando que não é esse o entendimento do Autor – e não tendo o Tribunal da Relação tomado qualquer posição sobre esta questão, oportunamente suscitada, por estar a mesma prejudicada pela decisão proferida, poderá ainda a mesma ser apreciada por esse douto Supremo Tribunal, o que expressamente se requer, a título subsidiário, ao abrigo do disposto no art. 684.º A e n.º 3 do art. 729.º do C. P. Civil.”

I.3. - Questões convocadas pelas conclusões supra extractadas que merecerão apreciação na presente revista.

- Excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial; Despacho Saneador; Caso julgado formal.

II. - FUNTAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Após a apreciação da impugnação da decisão de facto suscitada pelo autor na apelação, ficou definitivamente adquirida a factualidade que a seguir queda extractada:

1. O réu tem o número de contribuinte fiscal ------------------- [alínea I dos factos assentes].

2. O autor exerce a actividade bancária [alínea A dos factos assentes].

3. No exercício dessa actividade, em 22 de Fevereiro de 1999, o mesmo aceitou a abertura, pelo réu, da conta bancária à ordem com o número -------------------, na sua agência da Quinta do Lambert, em Lisboa [alínea B dos factos assentes].

4. Desde 10 de Outubro de 2006 o autor passou a enviar os extractos bancários de uma outra conta bancária à ordem, com o número--------------------, aberta junto do mesmo, para a morada do réu com as seguintes referências:

“Condomínio Prédio R. ...AA... ...

R ...AA... ...

Administração Condomínio

1750-004 Lisboa” [alínea C dos factos assentes]

5. A conta referida em 4. foi aberta, no dia 14 de Maio de 2002, pelo “Condomínio da Avenida dos Estados Unidos da América ..., em Lisboa” [resposta ao art. 1º da base instrutória].

6. Por lapso dos serviços do autor, foi atribuído a essa conta o número de contribuinte fiscal do réu, referido em 1. [resposta ao art. 2º da base instrutória].

7. Esse lapso resultou do facto de o “Condomínio da Avenida dos Estados Unidos da América ..., em Lisboa” e do aqui réu pertencerem ambos à gestão de condomínios exercida pela sociedade CC-“O..., Lda” [resposta ao art. 3º da base instrutória].

8. Em 10 de Outubro de 2006, a pedido do réu, foi efectuada uma alteração das assinaturas para movimentação das contas identificadas em 3. e 4. [resposta aos artºs 4º e 5º da base instrutória].

9. Em 12 de Dezembro de 2006 o réu solicitou a transferência da quantia de Euros 16.000,00 da conta referida em 4. para a conta identificada em 3. [alínea D dos factos assentes].

10. Essa transferência foi efectuada e, em consequência, debitada a primeira conta, com data-valor de 12 de Dezembro de 2006, na quantia de Euros 16.000 e creditada, com data-valor de 13 de Dezembro de 2006, a mesma quantia, na segunda das mencionadas contas [alínea E dos factos assentes].

11. Em 28 de Maio de 2008 o réu solicitou a transferência da quantia de Euros 12.503,41 da conta referida em 4. para a conta identificada em 3. [alínea F dos factos assentes].

12. Essa transferência foi efectuada e, em consequência, debitada a primeira conta, com data-valor de 28 de Maio de 2008, na quantia de Euros 12.503,41 e creditada a mesma quantia na segunda das mencionadas contas [alínea G dos factos assentes].

13. A administração do “Condomínio do Prédio da Avenida Estados Unidos da América, ..., em Lisboa”, solicitou ao réu que fossem repostas na conta referida em 4. as quantias mencionadas em 9. e 11. [resposta ao art. 6º da base instrutória].

14. O autor, com data-valor de 16 de Setembro de 2008, colocou na conta referida em 4. a quantia de Euros 29.012,65 [resposta ao art. 7º da base instrutória].

15. O réu foi instado pelo autor para entregar a este a quantia de Euros 29.012,65, o que não fez [alínea H dos factos assentes].”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial; Despacho Saneador; Caso julgado formal.

O autor fundamenta a sua pretensão na existência de um lapso de atribuição do número de contribuinte a uma conta aberta por um condomínio diverso do Réu o que terá originado que os extractos daquele passassem a ser enviados para o condomínio/réu. Este lapso originou uma deslocação de quantias depositadas na conta de depósito do condomínio da avenida dos Estados Unidos da América para o condomínio/réu, a solicitação deste e posteriormente reposto, a pedido do condomínio desapossado, pelo autor na sua conta.

Na primeira instância considerou-se que era ao autor que incumbia provar que o condomínio/réu não tinha, durante o período que mediou até á ordem de transferência das quantias da conta de outro condomínio para a sua própria conta, provisionado a conta com quantias que lhe permitissem operar essa transferência.

Por seu turno na segunda instância estimou-se que, por a propriedade do dinheiro colocado em depósito (irregular) no banco autor se transferir para o depositário, a prova deveria ser encarada nesta perspectiva e como tal o banco tinha logrado provar que operara uma transferência de uma conta a outra e tal seria bastante para provar um enriquecimento ilícito do condomínio/réu à custa do banco.

Como procuraremos demonstrar, a razão está, em tese, do lado da decisão recorrido, quanto à propriedade da quantia depositada, já não quanto à prova que o autor teria que fazer para fazer emergir a obrigação de indemnizar com base no enriquecimento sem causa.

Em nosso juízo, o autor não alegou factos que permitam dessumir a existência de uma deslocação monetária de quantias suas de uma conta a outra. Vale por dizer que o autor, com a singela alegação da verificação de um lapso na atribuição de uma conta não logra demonstrar que o dinheiro depositado está na sua disponibilidade e que, por engano, por exemplo, procedeu à transferência de quantias de uma conta para outra e que com esse movimento ou deslocação o condomínio réu ficou enriquecido no equivalente ao montante transferido.      

Para explicitação do asserido, procederemos a um excurso pelas figuras jurídico-dogmáticas em causa – contrato de depósito irregular e enriquecimento sem causa – para concluirmos da falta de factos, no petitório, para escorar a pretensão do autor.                       

II.B.1. a). - Contrato de Depósito.

A definição e caracterização jurídico-doutrinal de um contrato mediante o qual o tradens aceita transferir a propriedade de um bem (fungível) para a esfera de domínio de outrem (accipiens) que dela pode dispor com a obrigação de a restituir sempre e quando lhe for exigida, como contrato de depósito irregular, tem suscitado larga controvérsia pela proximidade com outras figuras contratuais tipificadas na categoria das obrigações contratuais, como sejam, desde logo o depósito (regular), o mútuo, a permuta, o mandato ou a prestação de serviços. [[1]]

Numa definição singela, linear e lhana, Pothier, citado por Florêncio Ozcáriz Marco, define o depósito irregular como sendo “um contrato pelo qual uma pessoa que possui uma quantidade de dinheiro que crê pouco segura em seu poder, a confia a um amigo sob a obrigação de lha devolver não nas mesmas moedas, mas outrossim numa quantidade igual”. [[2]]     

Para o citado autor “[o] possuidor depositante perde efectivamente a propriedade da coisa, como ensinam os autores e a jurisprudência, em favor do depositário que a adquire, nascendo em trova um direito de crédito por outro tanto da mesma espécie e qualidade, mas não se deve olvidar que nessa substituição de direito de crédito contra direito real antigo que se opera para o depositante, este vai sair favorecido com o beneficio do credor de coisa genérica cuja perda - periculum rei - uma vez que é propriedade do depositário, se produzirá em prejuízo deste em virtude do principio genus nunquam perit.”  

O contrato de depósito irregular dá origem a uma obrigação de dar “precisamente o tantundem, não sendo a obrigação de restituição outra coisa senão o pagamento de uma divida em quantidade”. [[3]] Esta característica, como assinala Simonetto distingue o depósito regular do depósito irregular dado que no primeiro “existe uma coisa cuja custódia, cuidado, conservação, etc. interessa, enquanto que no depósito irregular as coisas se transferem em propriedade para o depositário e se diluem; o interesse do depositante limita-se à segurança de ter a pontual do tantundem. Esta restituição pontualidade não é outra coisa senão o pagamento de uma divida de quantidade”. [[4]]   

Na diferenciação das funções atribuídas ao depósito irregular e ao mútuo, o último dos citados autores refere que “no mútuo é ao mutuário que interessa não pagar um determinado débito e, nisso consiste essencialmente o serviço que ele solicita do mutuante, serviço pelo qual se acha disposto a pagar uma contraprestação, no depósito irregular, pelo contrário, interessa ao depositante, isto é, ao “tradente” o atraso no tempo de pagamento, sólo a petición ou só no termo preestabelecido, e nisso deve estimar-se o serviço que o induz na estipulação do contrato, serviço que ele pede ao depositário”.

Axial, no entanto, na distinção a procede na análise deste tipo de contrato e apartando a possibilidade de se estar perante um contrato misto de depósito e mútuo, este autor afirma que para que possamos qualificar um contrato como mútuo “[é] necessário o animus mutuandi e por conseguinte que o pactum de non petendo se posicione no centro lógico do negócio; é necessário que a entrega tenha lugar para satisfazer um interesse dominante do accipiens, isto é, para que este consuma as coisas ou realize a sua alienação; é necessário que a duração se entenda em relação com a satisfação duradoura de um interesse do devedor, no sentido de que o credor se adapte ao prazo sacrificando o interesse à imediata exacção para favorecer o obrigado. No depósito irregular, pelo contrário, este interesse à exacção imediata não existe pela função própria do negócio que tende a adiar, não a exacção, mas sim a libertação do devedor.

Finalmente, no depósito irregular aprecia-se: a) um depósito sui generis, cuja particularidade se refere ao mecanismo do qual as partes se valem para conseguir os fins do depósito; b) a atribuição de uma faculdade de uso das coisas e só, eventualmente, no caso de expressa estipulação, um termino dilatório a favor do devedor (pactum non petendo)”. [[5]/[6]

 Como características determinantes e diferenciadores, o depósito irregular assume-se: “a) por ter por objecto uma coisa fungível; b) interessar aos contraentes a saída da mesma do património do tradens com incorporação na do accipiens, ficando substituído o antigo ius in re do depositante ou de um terceiro por um ius ad rem garantido pelo total património do depositário. Ao incorporar-se o próprio bem fungível depositado, nasce a lógica faculdade para o proprietário – o depositário – de usar a dita coisa conforme os seus interesses, sempre que não postergue (conculque) as normas gerais sobre o exercício dos direitos”. [[7]]              

Finalizando a caracterização deste tipo de contrato de depósito (irregular) poder-se-á dizer que consiste na relação estabelecida entre um depositante (proprietário) de recursos monetários e (de ordinário) uma instituição bancária, mediante a qual o primeiro transfere para o segundo a propriedade dos valores depositados para que o segundo, podendo usá-los e dispor deles, lhos restitua quando para tal lhe for solicitado ou exigido. Ou no dizer de Menezes Cordeiro: “o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor. A pedra de toque está na disponibilidade permanente do saldo”. [[8]]

O legislador português define como depósito irregular aquele que tem por objecto coisas fungíveis – cfr. art. 1205.º do Código Civil - devendo ser-lhe aplicáveis, “na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo” - cfr. artigo 1142.º e 1144.º do mesmo diploma legal, na parte interessante para a caracterização do contrato de depósito irregular. Fixam-se, assim, como elementos determinantes do depósito bancário: 1) - a transferência/depósito pelo tradens de uma (coisa fungível), no caso de depósito efectuado numa instituição bancária uma determinada quantia em dinheiro; 2) - a radicação/inclusão da quantia transferida/depositada na esfera de dominialidade (propriedade) do accipiens; 3) - a disponibilidade, uso e fruição da coisa entregue/depositada por parte do depositário; 4) - o dever de restituir por parte do depositário, quando solicitado pelo depositante, a quantia que correspondente ao saldo existente. [[9]

À luz da qualificação que se procurou alinhar, não subsistirão dúvidas de que entre o depositante, “Condomínio do Prédio sito na Rua ...AA...– Lisboa” e o depositário “Banco ...BB...C... P...”, foi celebrado um contrato mediante o qual aquele depositou, neste, quantias em dinheiro, para que este, na disponibilidade conferida pela transferência da titularidade das mencionadas quantias, as movimentasse, importando a sua restituição quando tal lhe fosse exigido. Nos termos da escrituração interna e própria do banco à conta que titulava o depósito foi atribuído o n.º -------------------. 

O contrato de depósito (irregular) constitui-se, nos termos da prática bancária como um contrato de adesão, porquanto o depositante e o banco estipulam entre eles um conjunto de regras preformatadas ou predefinidas a que o aderente dá o seu assentimento e mediante o qual o banco se compromete a oferecer determinados serviços, como sejam a transmissão regular dos movimentos bancários efectuados, de débito e crédito, com o respectivo saldo final.

Da matéria de facto dessume-se que o depositário durante um determinado período de tempo, e por confusão com outro condomínio, passou a enviar para a recorrente o extracto de conta bancária respeitante a uma conta aberta no banco recorrido pelo “Condomínio do Prédio da Avenida Estados Unidos da América, ..., em Lisboa”, sem que o recorrente acusasse ou verificasse a discrepância ou dissensão dos extractos que lhe eram remetidos. Ao invés, sobre a referida conta, efectuou operações de transferências de quantias nela depositadas, cevando a sua própria conta dessas quantias e aumentando a disponibilidade do quantitativo existente na conta de que era titular.  

O depósito da recorrente, por operação das duas transferências verificadas, foi aumentado ou suprido à conta de um outro depósito existente na mesma entidade ou instituição bancária, que lhe era alheio e para o qual não dispunha, originariamente, de titulo para dispor e/ou movimentar.  

II.B.1.b). – Pressupostos do enriquecimento sem causa. Ónus da prova.

A questão que vem colocada prende-se, axialmente, com o ónus da prova de que o dinheiro transferido de uma conta – titulada pelo “Condomínio do Prédio da Avenida Estados Unidos da América, ..., em Lisboa” – para uma outra pertencente à Ré/recorrente – titulada em nome de “Condomínio do Prédio sito na Rua ...AA...– Lisboa” -, não pertencia a esta segunda e isto porque durante um lapso de tempo, desde 2006 até 2008, o Autor/recorrido enviou para a direcção desta os extractos correspondentes à conta titulada pela primeira. Para a recorrente tornava-se nuclear que a autora provasse que o dinheiro existente na conta pertencente ao “Condomínio do Prédio da Avenida Estados Unidos da América, ..., em Lisboa” não provinha de depósitos efectuados pela ré, dada a confusão estabelecida, tanto mais que a gestão dos dois condomínios era operada pela mesma empresa.

Enquanto que a 1.ª instância sufragou a tese da Ré/recorrente, qual fosse a de que o autor não havia logrado fazer a prova de que o montantes depositados não pertenciam, ou tinham sido depositados pela ré, na conta do outro condomínio, dado que o autor lhe enviava os extractos de conta referentes a essa conta, no tribunal da Relação se entendeu que tendo ficado provado o autor/recorrido, enquanto proprietário das quantias depositadas, transferiu de uma conta para outra determinados montantes, e que por causa dessas transferências teve que restituir os montantes correspondentes ao cliente donde haviam saído as verbas transferidas, ficou demonstrado o empobrecimento do banco (titular das quantias depositadas) e o correlato enriquecimento do Réu/recorrente á sua custa. [[10]]
A propósito do instituto do enriquecimento sem causa já escrevemos em outro aresto o que a seguir se deixa transcrito.

Requisito irrefragável e inarredável [do instituto de enriquecimento sem causa] é que aquele que se coloque na posição de obrigado a restituir tenha, com o acto ou o facto jurídico causante, obtido uma vantagem patrimonial que se traduza num aumento do património (activo) ou numa diminuição do património (passivo) ou ainda no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio ou por fim na poupança de despesas. [[11]/[12]]    

Na linha do ensinado pelo Professor Antunes Varela, para que ocorra a obrigação de restituir não se torna, inelutável, que ocorra uma correspectiva deslocação patrimonial (enriquecimento) do património do empobrecido para o património daquele que recebeu a vantagem (enriquecido). Tal ocorre, como refere o citado Professor, nas situações em que tendo existido uma violação de bens jurídicos alheios ou de direitos (absolutos) pela intromissão de terceiros na esfera de direitos ou de interesses protegidos pela lei de forma total e absoluta pode, e de ordinário sucede, não acarretar uma deslocação patrimonial correspondente do património do sujeito passivo (titular do interesse ou direito violado) para o autor da violação, originando, fazendo nascer uma obrigação de restituir. [[13]]

Tal como não se torna necessário que a vantagem patrimonial seja obtida (directamente) à custa de outrem. É o caso paradigmático do exemplo apontado por este Professor do padeiro que retira pequenas quantidades de massa que o dono lhe entregara para amassar. “A vantagem patrimonial diz-se em tais casos obtida à custa de outrem – por ser obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem. Mandando, em semelhantes hipóteses, reverter para o titular do direito ou o dono da coisa o lucro proveniente de actos que eles não realizariam, a lei comunga numa ideia muito divulgada na literatura jurídica alemã pelos autores que perfilham a doutrina da destinação ou da afectação (Zuweisungslehre) dos direitos absolutos.” [[14]]
Como se deixou dito supra, através do acto de depósito o tradens aceita transferir para a esfera de domínio (propriedade) do accipiens o risco sobre a gestão da quantia que transferiu, sendo que a partir desse momento se alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição, por transferência para a esfera de responsabilidade do depositário. Cabe ao depositário enquanto proprietário da coisa transferida responder pelo risco de extravio ou dissipação da coisa até ao montante exigível no momento da solicitação da restituição.
 Como bem se anotou no aresto revidendo, é ao depositário, enquanto proprietário da coisa (fungível) entregue que cabe responder pelos desvios que possam ocorrer na gestão do depósito, nomeadamente, no caso de depósito bancário, pela depreciação do quantitativo em depósito. Como refere António Menezes Cordeiro “O risco do que possa suceder na conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro (…)” [[15]]
Cabe ao depositário zelar pela gestão da coisa depositada e responder pela deterioração ou depreciação que ela venha a sofrer. Não se questionando, à luz dos ensinamentos supra alinhados, que com a transferência da coisa fungível para o depositário se transfere, ipso facto, a propriedade da coisa para o accipiens o que cabe perguntar é se a deslocação operada, por erro do depositário de quantias depositadas numa conta, pertencente a um depositante diverso daquele para que a deslocação é efectuada, dispensa a prova de que o dinheiro depositado na conta defraudada não pertencia ao sujeito activo do enriquecimento, dado que durante um lapso de tempo bastante o banco deu conta dos movimentos efectuados na conta do depositante sujeito passivo da deslocação. Em apertada síntese, tendo o banco laborado, durante cerca de dois anos, em erro quanto ao real destinatário da conta empobrecida e tendo efectuado s deslocações de dinheiro não lhe estava assacado o ónus de que efectivamente o dinheiro não pertencia ao enriquecido?
Resulta inquestionável, como vem, aliás, desenvolvido pela recorrente, nas conclusões que apresentou, que com a transferência, da coisa fungível, do depositante para o depositário se radica neste a propriedade da coisa depositada.
Sendo o banco/autor detentor dos montantes depositados em duas contas, que, segundo alega, por erro, manteve na titularidade do mesmo depositante, e tendo transferido de uma a outra determinadas quantias, competir-lhe-ia provar que as transferências operadas não provinham de conta cujo depósito era provido pelo mesmo depositante?      
Em nosso juízo a resposta deve ser negativa. Tendo-se constatado um incremento de um depósito numa conta existente num banco operado por um depósito, efectuado pelo banco depositário, ocorreu, na esfera do depositante que recebeu o depósito, um enriquecimento sem causa. Na verdade, sendo o banco proprietário da quantia, indevida e injustificadamente, deslocada para uma conta de depósito existente no mesmo banco, o banco ficou depauperado ou degradado no respectivo património em montante correspondente à quantia deslocada.
A questão que deveria ter sido colocada pelas instâncias, nomeadamente, na decisão recorrida era se a factualidade alegada pelo autor no seu petitório era suficiente para provar que as quantias depositadas estavam na sua disponibilidade e que, por erro da sua gestão elas haviam sido transferidas a outra conta, ficando o banco, na justa medida em que teve que repor uma quantia equivalente à transferida, numa outra conta sob sua gestão, empobrecido das referidas quantias.
Em nosso juízo não e isso deveria ter conduzido a uma de duas decisões: 1) ou o processo continha elementos de facto que permitissem a ampliação da base instrutória e o processo deveria ser reenviado para que a primeira instância aditasse os pertinentes enunciados fácticos que permitissem julgar de acordo com a tese advogada; ou 2) o processo não continha elementos de facto e ou outras elementos de prova consistentes que permitissem o uso da ampliação da base instrutória e deveria ter sido declarada inepta a petição inicial, por ausência de elementos de facto que a sustentem.   
Provado que a titularidade da quantia transferida radicava no banco e tendo este provado que operou, sem justificação, uma deslocação monetária para uma conta de um outro depositante que não tinha direito a receber a referida quantia, fica provado o enriquecimento deste último à custa do banco.
Estão, em nosso juízo, verificados os pressupostos ou requisitos do instituto do enriquecimento sem causa, que justificam a obrigação de restituir a cargo do enriquecido.
Improcede, pois, o recurso, devendo manter-se a decisão objecto de revisão.

III. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Negar a revista;
- Condenar o recorrente nas custas.
Lisboa, 25 de Outubro de 2011
   
          
     
Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves (com voto de vencido).

*
Fiquei vencido.
Teria dado provimento ao recurso, uma vez que o Banco -Autor não alegou qualquer matéria de facto que permita concluir qual dos condóminos procedeu ao depósito das quantias em causa.
Quero dizer, não existe factualidade que permita saber qual dos condóminos se enriqueceu sem motivo justificado.

*

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[1] Para uma completa resenha, cotejo e critica das diversas figuras contratuais conlevadas veja-se Simonetto, Ernesto, in “Los Contratos de Credito”, J. M. Bosch, Barcelona, 1958, págs. 355 a 382; No direito nacional veja-se Paula Camanho, “Do contrato de Depósito Bancário”, págs. 145-210.  
[2] Cfr. Ozcáriz Marco, Florêncio, in “El Contrato de Depósito. Estudio de la obligación de Guarda”, J.M. Bosch, Barcelona, 1997, pág. 35. 
[3] Cfr. Ozcáriz Marco, Florêncio, in op. loc. cit. pág. 37.
[4] Cfr. Simonetto, Ernesto, in op. loc. cit., pág. 363. 
[5] Cfr. Simonetto, Ernesto, op. loc. cit. pág. 367 e 368.
[6] Cfr. ainda para uma distinção entre depósito irregular, depósito regular e mútuo, Ozcáriz Marco, Florêncio, in op. loc. cit. págs. 42 a 50. Na doutrina portuguesa a propósito desta figura veja-se Menezes Cordeiro, António, in “Manual de Direito Bancário”, 2.ª edição, 2001, Almedina, págs. 518-520. 
[7] Ozcáriz Marco, Florêncio, in op. loc. cit. pág. 41.
[8] Cfr. Menezes Cordeiro, António, in op. loc. cit. pág. 525.
[9] Apesar de considerar que o depósito bancário se emparelha, dogmaticamente, com o depósito irregular Menezes Cordeiro prefere considerá-lo como “[figura] unitária, típica, autónoma e próxima, historicamente, do depósito irregular”. Isto porque, estima este insigne civilista, “[o] depósito bancário é um claro tipo contratual social, perfeitamente determinado por cláusulas contratuais gerais e pelos usos e que não corresponde, precisamente, a nenhuma figura pré-existente”. Cfr. Op. loc. cit, págs. 525-526.      

[10] Transcreve-se o troço do aresto adrede. “Deste modo, quando o autor, por erro dos seus serviços, do saldo depositado na conta bancária à ordem nº--------------------, de que era titular o condomínio da Av. Estados Unidos da América, ..., em Lisboa, seu credor na relação jurídica contratual de depósito bancário que lhe estava subjacente, transferiu, a pedido do réu, para conta bancária à ordem por este aberta, as quantias de € 16.000,00 e € 12.503,41, dispôs de dinheiro que era seu – e não de qualquer outra entidade –, visando satisfazer a obrigação de devolução de outro tanto depositado que para ele emergia daquele contrato de depósito, mas fê-lo em favor do réu que não era a entidade credora.

Pagou, pois, a quem não devia no âmbito do contrato que estava em causa.

E, nessa medida, houve uma deslocação patrimonial do acervo pertencente ao autor para a esfera jurídica do réu, sem qualquer justificação, posto que este era absolutamente alheio ao contrato de depósito a que respeitava a conta à ordem de onde saíram aqueles montantes, em que eram partes, de um lado o autor – como depositário – e de outro o condomínio da Av. Estados Unidos da América, ..., em Lisboa., enquanto depositante e credor.

Houve, assim, um enriquecimento do réu, injustificado, já que obteve do autor a satisfação de direito de crédito de que não era titular.

E, simultaneamente, verificou-se, em igual medida, o empobrecimento do autor por ter efectuado a prestação a que se obrigara, mas a favor de pessoa diversa do seu credor, o que naturalmente o não desobrigou da obrigação a que se manteve adstrito por força de contrato de depósito que celebrara com o Condomínio da Av. Estados Unidos da América, nº ..., em Lisboa.

Empobreceu na medida em que desembolsou o valor de prestações a quem nada devia, mantendo-se na obrigação de devolver outro tanto ao titular da conta, seu credor, na conta do qual voltou a disponibilizar para pagamento, as quantias em causa.

Não acompanhamos, pois, a ideia adoptada na sentença e que levou à improcedência da acção, segundo a qual a demonstração do enriquecimento do réu, pressuposto da existência da sua invocada obrigação de indemnizar com base no enriquecimento sem causa, dependeria da alegação e prova, não feitas pelo autor, de que as prestações por ele efectuadas ao réu tinham provindo de fundos depositados pelo terceiro, titular da conta. Isto porque, segundo o raciocínio exposto na sentença, se houvesse sido depositado pelo réu – hipótese que se figurou como plausível –, então o dinheiro seria dele, pelo que não representaria qualquer enriquecimento a transferência dos ditos montantes para conta sua.

Como se disse já, o dinheiro existente naquela conta pertencia, por via do contrato de depósito bancário celebrado com o condomínio da Av. dos Estados Unidos da América, ao Banco apelante, que era devedor em relação àquele do montante depositado, não fazendo sentido falar-se em propriedade do réu sobre tal dinheiro.

É de notar, de qualquer modo, que o réu não afirmou sequer que tivesse sido ele o depositante das quantias que fez movimentar para conta da sua titularidade.
A medida da obrigação de restituição, em caso de enriquecimento sem causa, não é apenas a do enriquecimento nem a do empobrecimento. Corresponde ao que tiver sido obtido pelo enriquecido à custa do empobrecido – cfr. art. 479º, nº 1 –, o que importa a determinação da vantagem indevidamente obtida e a sua comparação com a perda havida, para que esta não seja excedida pela restituição.
No caso, o enriquecimento do réu corresponde ao que indevidamente viu movimentado, a crédito, para a sua conta à ordem, ou seja, ao valor global de € 28.503,41 e o empobrecimento do autor tem medida que corresponde, pelo menos, a esse valor, visto ter depositado na conta de que é titular o condomínio da Av. Estados Unidos da América, na sequência de solicitação deste, a quantia de € 29.012,65.
Correspondendo, porém, àquilo que tiver sido obtido pelo enriquecido à custa do empobrecido, a indemnização devida pelo réu ao autor não pode ir além de € 28.503,41.”
[11] cfr. Antunes Varela, in op. loc. cit. pág. 449; e Ac. do STJ de 03-11-2009, in www.stj.pt (relatado pelo Conselheiro Moreira Alves).
[12] Para uma análise do instituto veja-se o Acórdão deste Supremo Tribunal relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas de que, data vénia, se deixa respigado o essencial. “O enriquecimento sem causa pressupõe que alguém se tenha locupletado injustificadamente à custa alheia.
Trata-se de uma fonte autónoma de obrigações prevista no n.º 1 do citado artigo 473.º
Pressupõe um enriquecimento obtido à custa de outrem sem que se perfile qualquer causa justificativa, sendo que, tratando-se de causa residual, só releva se a lei não “facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído” (artigo 474.º Código Civil) – cf., por todos, os Profs. Vaz Serra – “Enriquecimento sem causa” BMJ 81-5 e 82-5; Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 409, A. Varela, apud “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 470 e Galvão Telles – “Direito das Obrigações”, 5.ª ed., 161.
Há, assim, uma deslocação patrimonial, quer resultante de acto jurídico não negocial, quer de mero acto material, em consequência do qual o “accipiens” aumenta o seu património à custa de outrem (“a danno di un’ altra persona”) sem qualquer causa, obrigacional ou negocialmente clausulada, que a justifique.
À vantagem patrimonial do enriquecido contrapõe-se o empobrecimento do que foi privado do bem ou do património.
Analisando o requisito da ausência de causa, o Prof. Almeida Costa (ob. cit., 418, nota 1) acentua: “Por causa de uma prestação pode entender-se: ou o fim subjectivo pela qual se efectua a prestação (o cumprimento de uma obrigação, a entrega de um empréstimo, uma atribuição gratuita – ‘causa solvendi, credendi, donandi’ – na terminologia latina); ou a relação jurídica de que resulta caber a prestação a quem a recebe. Teremos numa hipótese ou na outra, respectivamente, causa de prestação em sentido subjectivo e em sentido objectivo. Esta segunda modalidade é a que interessa para efeito de enriquecimento sem causa.”
Nota de seguida o “distinguo” entre “causa de uma prestação” e “causa de uma obrigação”.
A causa da deslocação patrimonial só releva para os efeitos do artigo 473.º, n.º 1 do Código Civil na ausência de relação obrigacional, negocial ou legal e, designadamente, tratando-se de prestação sem qualquer finalidade típica tutelada.
Finalmente, a pretensão de enriquecimento é subsidiária (ou residual), isto é, só é possível se inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos (v.g., declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento) – cf., “inter alia”, o Prof. Leite de Campos, “A Subsidariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento”, 171 e 326.
Por isso é que quando a deslocação tem por base um negócio jurídico, embora nulo ou anulável, a própria declaração de nulidade ou de anulação faz reintegrar no património de cada uma das partes os bens ou valores com que a outra se poderia locupletar (artigo 289.º do Código Civil) tendo até maior eficácia, por retroactiva, do que a acção por enriquecimento, cujos efeitos não podem exceder o locupletamento, à data de verificação de algum dos factos das alíneas a) e b) do artigo 480.º do Código Civil.
Para terminar esta breve análise, deve ainda referir-se que a alegação e prova dos requisitos do enriquecimento cumpre ao empobrecido, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.
Mas como se julgou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2008 – 08 A2709 – desta conferência, “in dubio” deve entender-se que o eventual enriquecimento derivou de justa causa, já que a deslocação sem causa não é consentânea com a normalidade negocial (cf., neste sentido, Dr. Moitinho de Almeida, in “Enriquecimento sem causa”, 101, Profs. P. de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 4.ª ed., 456 e Conselheiro Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, II, 269, além e v.g., dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1970 – BMJ 199-190, de 15 de Dezembro de 1977 – BMJ 272-196, de 29 de Maio de 2007 – 07 A1302 e de 29 de Setembro de 2007 – 07B2156).”
[13] Antunes Varela, in op. loc. cit. pág. 454. “Há, porém, muitos casos em que a situação de enriquecimento não provém de uma prestação do empobrecido ou de terceiro, nem de uma obrigação assumida por um ou outro, mas de um acto de intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios ou de actos de outra natureza, inclusivamente de actos materiais, praticados pelo devedor ou por terceiro (gestão de negócios)”

[14] cfr. Antunes Varela, in op. loc. cit, pág. 460-462. Consagra esta doutrina – da destinação ou da afectação – a ideia de que “[os] direitos reais, bem como a propriedade intelectual (direitos de autor e propriedade industrial), não constituem simples direitas de exclusão, assentes sobre o dever geral de não ingerência (de terceiros) na ligação do titular com a res, a obra, patente, invento, etc. Mais do que isso, os direitos reais e direitos absolutos afins reservam para o respectivo titular o aproveitamento económico dos bens correspondentes, expresso nas vantagens provenientes do seu uso, fruição, consumo ou alienação. Tudo quanto estes bens sejam capazes de render ou produzir pertence, em princípio, de acordo com o conteúdo da destinação ou afectação (Zuweisungsgehalt) de tais direitos, ao respectivo titular. A pessoa que, intrometendo-se nos bens jurídicos alheios, consegue uma vantagem patrimonial, obtém-na a custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos donde a vantagem procede. A aquisição feita pelo intrometido carece de causa porque, segundo a tal correcta ordenação jurídica dos bens, a vantagem patrimonial alcançada pelo enriquecido pertence a outra pessoa – ao titular do direito. Trata-se de uma vantagem que estava reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito.” cfr. ainda, neste sentido, o já citado acórdão deste Tribunal de 03-11-2008.
[15] Cfr. Menezes Cordeiro, António, in op. loc. cit. pág. 525.