ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
967/10.0PBAMD.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 3.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROVIDO EM PARTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SANTOS CABRAL

DESCRITORES VIOLAÇÃO
AGRAVANTE
VÍTIMA
IDADE
MENOR
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
CULPA
ILICITUDE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
EQUIDADE

SUMÁRIO I -O regime consagrado no DL 401/82, fundamentado na especial situação do jovem em termos de estruturação da personalidade, estrutura-se numa dupla perspectiva, procurando, por um lado, evitar a pena de prisão e impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem as condições prognósticas que prevê (art. 4.º), e por outro, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correcção (arts. 5.º e 6.º). Em última análise, o legislador concede o seu empenho a uma aposta decidida no processo de socialização, tornando este factor na ponderação da pena a aplicar.
II - O jovem, pelo simples facto de o ser, pode defender que o seu início de percurso de vida merece uma visão de esperança e de um juízo de prognose positiva, contudo isso poderá ser desmentido pelas suas concretas circunstâncias de condução de vida, bem como pelas exigências de prevenção geral evidenciadas pela prática do facto.
III - A avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção social do arguido tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso, e do percurso de vida do arguido, e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade. Tal juízo terá de arrancar de um pressupostos incontornável, do qual também arranca o legislador do DL 401/82, ou seja, o da existência de uma mais intensa capacidade de ressocialização, que é pressuposto incontornável, sobretudo quando o delinquente se encontra ainda no limiar da sua maturidade.
IV - Pressupondo no arguido essa aptidão natural, derivada da idade, no sentido de se reintegrar socialmente, a questão a formular será a de saber se existe motivo que reforce aquela presunção. No caso concreto, o alinhar da motivação que desenha a relevância de um juízo de prognose surge esbatido e consubstancia-se apenas em duas circunstâncias fundamentais que são o seu contributo para a descoberta da verdade material e o facto de o arguido ser delinquente primário. Tais elementos não são relevantes para concluir que a atenuação especial pode cumprir os objectivos da prevenção a nível especial e, simultaneamente, dar ao arguido (que foi condenado pela prática de um crime de violação agravada) o sinal da inadmissibilidade nesta, como em qualquer sociedade evoluída, de comportamentos que colocam em causa os bens jurídicos nucleares.
V -No caso em apreço, a gravidade da infracção praticada e a dimensão da culpa e da ilicitude, justificam a conclusão de que uma atenuação especial induzida pela idade não se compagina com as exigências da sociedade perante infracções que contendem com valores nucleares, pelo que se entende correcta a não aplicação ao arguido (com 20 anos à data da prática dos factos) da medida de atenuação especial contida no DL 401/82.
VI -Contudo, impõe-se realçar que estamos perante um jovem de 20 anos, a iniciar a sua vida adulta, o que tem algum efeito mitigador na pena a aplicar, não obstante o crime praticado encerrar um conteúdo denso de ilicitude e de culpa, com desprezo por valores básicos.
VII - Com efeito, o arguido, aproveitando-se da confiança em si depositada por quem o albergou no respeito das nobres regras da hospitalidade e amizade, violou uma criança de 11 anos de idade, roubando-lhe a inocência da infância e uma parte do futuro. Na vítima conjugam-se sequelas físicas que obrigaram ao internamento hospitalar, bem como consequências psíquicas com repercussão na própria alegria de viver.
VIII - É muito grande o grau de ilicitude revelado pela conduta do arguido, que não só atentou contra um bem nuclear como é a integridade física e psíquica, como necessariamente afectou o próprio desenvolvimento harmonioso da vítima. O seu direito a um desenvolvimento sexual normal, com preservação da sua sexualidade foi afectado. A menor não mais poderá recuperar aquilo que lhe foi retirado.
IX - A culpa exprime-se pela forma mais intensa, indicando a incapacidade do arguido se pautar pela observância de valores e normas que são imperativas na sociedade em que se insere, o que é bem expresso no facto praticado. O arguido, na satisfação dos seus instintos mais primários, foi indiferente a quaisquer outros valores.
X - Considerando tudo o exposto, entende-se adequada a condenação do arguido na pena de 8 anos de prisão (e não na de 10 anos de prisão que lhe foi aplicada na 1.ª instância).
XI - A indemnização por danos morais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida, que contrabalance o mal sofrido, pelo me não pode assumir feição meramente simbólica. A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e demais circunstâncias do caso.
XII - Porém, não é fácil avaliar, na prática, estes danos. Na maioria das vezes não existe uma evidência física dos prejuízos e, mesmo quando ela existe, torna-se difícil conhecer as suas consequências. A equidade surge aqui como uma concreta ponderação de razoabilidade, ao prudente arbítrio, ao senso comum dos homens e à justa medida das coisas.
XIII - No caso concreto, é evidente que sobre a vítima recaiu um abalo intenso em termos psicológicos, em que avulta a indignidade do tratamento a que foi sujeita e a violação de direitos que constituem o âmago da sua personalidade como a honra e a integridade física e psíquica. O arguido tirou parte do futuro à vítima. A inocência e a candura própria de cada criança foram-lhe retiradas para sempre e de uma forma vil. Não existe dinheiro que pague a nossa esperança e a confiança nos outros.
XIV - Motivo pelo qual, não existe qualquer reparo a fazer à indemnização de € 39 000 arbitrada na 1.ª instância.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL                             Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

             AA veio interpor recurso da decisão que o condenou na pena de 10 (dez) anos de prisão, pela prática do crime de violação agravada, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1, alínea a) e 177º, n.º 5, ambos do Código Pena. Mais se julgou totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado contra o arguido, condenando-o a pagar a quantia peticionada de € 39.000,00 (trinta e nove mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

1 - Por acórdão de 29-04-2011 foi o arguido condenado na pena de 10 (dez) anos de prisão efectiva, pela prática do crime de violação agravada.

2 - Assim como, também foi condenado a pagar a quantia peticionada de 39.000,00 (trinta e nove mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

3 - O arguido não se conforma com a pena que lhe foi aplicada bem como com a indemnização que lhe foi arbitrada no acórdão que ora se recorre.

4 - O tribunal a quo não teve em consideração, na determinação da pena a aplicar, o facto do arguido ser primário, ou pelo menos, não lhe serviu de atenuante, pois se não a pena não seria tão pesada.

5 - Também não tomou em devida consideração o facto do arguido, na data dos factos, ter 20 anos de idade, apesar de, nos termos do art° 4° do Decreto Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, quando se conclui pela aplicação de pena de prisão deve o juiz atenuar especialmente a pena quando houver razões sérias para concluir que de tal atenuação resultam vantagens para a reinserção do jovem.

6 - O arguido não só confessou os factos e demonstrou o arrependimento, como também, pediu desculpas a vítima e aos familiares desta.

7 - O arguido justificou a sua atitude por o facto de, no dia anterior ter ingerido bastante bebida lacónica pois, segundo o mesmo nunca lhe tinha acontecido algo semelhante.

8 - Não houve ejaculação da parte do arguido conforme as provas constantes dos autos. esse facto só por si devia servir de atenuante para o arguido.

9 - Mas o tribunal a quo, mais uma vez, não teve em consideração tal facto na ora da fixação da medida concreta.

10 - Não se fez prova dos laços familiares existentes, salvo melhor opinião, entre o arguido e a mãe da vítima nem que esta lhe tenha apoiado.

11 - Também foi objecto de provado a situação económica e social do arguido.

12 - Na verdade, o arguido, não se arredando da responsabilidade pelo acto que cometeu, demonstra de alguma forma encontrar-se familiar e socialmente inserido, com a intenção de se redimir para o futuro e contribuir para a sociedade.

13 - Ora. se por um lado, para a determinação da medida da pena aplicada ao crime pelo qual o arguido foi condenado, se deverá dar relevância à culpa do agente e a exigência da prevenção, nos termos do nº 1 do artigo 71 do C.P . bem como os elementos constantes do nº 2 do mesmo artigo;

14 - Por outro lado, no que diz respeito à determinação da pena, nos termos do nº 1 do artigo 71° do CP, tais factos deverão ser conjugados com uma apreciação global dos factos e da personalidade do agente que praticou os actos passíveis de responsabilidade criminal:

15 - Ora, ainda que toda a factualidade supra descrita tenha sido considerado no douto acórdão de que ora se recorre, e em consequência, sido tomada em conta na apreciação da medida da pena aplicada ao crime pelo qual o arguido foi condenado, que não se impugna considera o arguido que tal factualidade foi apreciada de forma inversa. sobretudo em contraste com a gravidade do próprio crime por que foi condenado.

16 - Assim, o arguido não poderá deixar de se inconformar com uma pena de 10 anos de prisão efectiva

17 - Retira-se do acórdão que a factualidade dada como provada favorável ao arguido, foi devidamente considerada, na apreciação da medida concreta da pena do crime pelo qual o arguido foi condenado.

18 - No entanto. na apreciação da medida em sede da condenação por tal crime não se considerarão os atenuantes específicos do arguido no que diz respeito aos factos e personalidade do arguido, com a mesma importância com que foram apreciadas em sede da condenação por referido crime.

19 - Quanto a condenação do arguido na quantia de 39.000.00 euros. da igual forma o mesmo não se conforma com douto acórdão, pois não nega ter causado na vítima os danos não patrimoniais passíveis de ressarcimento;

20 - Considera-se exagerada a quantia em que foi condenado.

Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, em consequência ser ordenado a rectificação do douto acórdão de que ora se recorre, sendo o mesmo substituído por outro, que fundamenta especificamente a condenação do arguido, no que diz respeito à globalidade dos factos e da personalidade do agente nos termos do n. o 1 do artigo 71 do CP e que, não aplicando ao arguido uma pena efectiva de 10 anos de prisão, aplique uma pena efectiva não superior a 5 anos e que reduzida a quantia indemnizatória na quantia não superior a 15.000,00 euros. 

    Foi produzida resposta defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o ExºMº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu proficiente parecer pela forma constante de fls defendendo o acerto da decisão recorrida.

                                      Os autos tiveram os vistos legais

                                                              *

                                                 Cumpre decidir

      Em sede de decisão recorrida estão provados os seguintes factos:

- BB nasceu a 11 de Setembro de 1998;

- No dia 28 de Junho de 2010 a convite de CC, irmão da ofendida BB, o arguido pernoitou na residência destes, sita no B.. C… de S… F…, Rua X, n.º XXX, na Amadora;

- Cerca das 05H50, a mãe da ofendida, DD e o filho desta, saíram da residência em causa para irem trabalhar, aí permanecendo o arguido, no quarto de CC e, num outro quarto, a ofendida;

- Com intenção de manter relações de sexo com a menor, então com 11 anos de idade, o arguido dirigiu-se ao quarto onde esta se encontrava ainda a dormir;

- Já acordada e apercebendo-se de algo estranho no comportamento do arguido, BB tentou abandonar a residência, tendo-se o arguido oposto a tal pretensão ordenando-lhe que ali permanecesse, retendo-a naquele espaço contra a sua vontade;

- Após, o arguido colocou-se em cima da menor e tentou tirar-lhe as calças do pijama e as calcinhas, acabando por lhas arrancar à força, apesar da resistência daquela que as agarrava;

- Já com a ofendida desnudada, o arguido tapou-lhe a boca com as mãos para a impedir de gritar;

- E, não obstante a menor se debater, o arguido abriu-lhe as pernas com as mãos e introduziu-lhe na vagina o seu pénis;

- Após, advertiu-a para que não contasse a ninguém o sucedido e decorrido algum tempo, ausentou-se da residência;

- No decurso dos factos a mãe da ofendida telefonou para o telemóvel da filha que esta não atendeu por o arguido a impedir de o fazer intimidando-a e dizendo-lhe que se o fizesse nunca mais sairia dali;

- A penetração à força provocou na vítima laceração do hímen e hemorragia vaginal, bem como dores;

- Em consequência da conduta do arguido, a mesma esteve internada no Hospital São Francisco Xavier durante uma semana;

- O arguido sabia que a menor tinha 10 ou 11 anos de idade e quis manter e manteve com esta relações de cópula completa;

- Sabia que toda a sua conduta era proibida e punida por lei;

- A menor era uma criança alegre, com vitalidade e que gostava de brincar com os seus colegas e amigos;

- Após os factos de que foi vítima tornou-se uma criança triste e reservada, tendo estado vários meses sem querer sair de casa;

- A mesma sente ainda profunda vergonha;

- Só com insistência da família é que voltou para a escola no ano escolar 2010/2011;

- No convívio com outras crianças a ofendida isola-se com frequência e manifesta sentimento de inferioridade;

- Passou a ser seguida no serviço de psiquiatria, continuando a ter consultas regulares.

                                                                    *

- O arguido não tem antecedentes criminais;

- Na data dos factos tinha 20 anos de idade;

- É solteiro;

- Tem um filho de 5 anos de idade que reside com a mãe em Cabo Verde;

- É de nacionalidade Caboverdiana encontrando-se em situação irregular em Portugal;

- Frequentou o 6º ano de escolaridade;

- Antes de preso trabalhava como servente de pedreiro auferindo cerca de €3,00 por hora.

                                                                  *

Da matéria de facto constante da acusação não se provou que, além domais, o arguido tenha desferido uma bofetada na cara menor, nem que tenha ejaculado na vagina desta.

                                                                  *

I             

                   Em matéria de determinação da pena refere a decisão recorrida:

Nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, concluindo-se pela aplicação de pena de prisão, como no caso dos autos, deve o Juiz atenuar especialmente a pena quando houver razões sérias para concluir que de tal atenuação resultam vantagens para a reinserção do jovem. A idade, porém, constitui apenas pressuposto base de aplicação do regime especial referido, não a determinando. No caso, pese embora a idade do arguido e a inexistência de antecedentes criminais, não se detectou da sua parte qualquer censura relativamente ao seu comportamento, não se vislumbrando vantagens na aplicação do regime em causa. Assim, entende o tribunal Colectivo de não lhe aplicar o regime especial para jovens.

O crime de violação agravado é, nos termos dos artigos 164º, n.º 1 e 177º, n.º 5 do Código Penal, punido com a pena abstracta de 4 anos a 13 anos e 4 meses, importando ponderar na escolha e medida da pena todas as circunstâncias dos factos, relevando também o modo, o local e o tempo em que estes ocorreram. Assim, tendo em conta o médio grau de ilicitude dos factos; a forte intensidade do dolo, na sua forma directa; a violação da confiança depositada no arguido pela família da vítima; a ausência de censura que apresenta perante os factos; as elevadas exigências de prevenção geral e o alarme e intranquilidade social associados a este tipo de ilícitos; as graves consequências pessoais e familiares que advieram para a vítima. Regista-se que, ao contrário do que ocorre com as vítimas de outros crimes, mormente contra o património, as vítimas de crimes sexuais, pela pesada carga negativa que lhes vem associada e pelo estigma social que lhes é inerente, envergonham-se para sempre deles.

Tudo, ponderado e sem esquecer a inexistência de antecedentes criminais, a idade e a condição social modesta do arguido, entendem os Juízes que integram o Colectivo de lhe aplicar uma pena de 10 anos de prisão

      Importa equacionar os factores de medida da pena que, necessariamente, vão determinar não só a pena em face dos fins a que a mesma se propõe como, também, a decisão sobre a aplicabilidade do regime de Jovens Delinquentes constantes do Decreto-Lei  401/82. No que ao primeiro item declinam-se os parâmetros que no nosso entender caracterizam factores de medida da pena a considerar e, nomeadamente, a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa).

      Estes dois elementos interagem pois que a culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa.

O caso vertente exprime-se com uma singular linearidade por detrás da qual se escondem as profundas consequências que resultaram do acto praticado. Na verdade, e em termo crus, o arguido, aproveitando-se da confiança em si depositada por quem o albergou no respeito das nobres regras da hospitalidade e amizade, violou uma criança de onze anos de idade, roubando-lhe a inocência da infância e uma parte do futuro.

     Na vítima conjugam-se sequelas físicas que obrigaram ao internamento hospitalar, bem como consequências psíquicas com repercussão na própria alegria de viver.

    É muito grande o grau de ilicitude revelado pela conduta do arguido que não só atentou contra um bem nuclear como é a integridade física e psíquica como, necessariamente afectou o próprio desenvolvimento harmonioso da vítima. O seu direito a um desenvolvimento sexual normal com preservação da sua sexualidade foi afectado. A menor não mais poderá recuperar aquilo que lhe foi retirado.

    Tudo isto aconteceu com uma olímpica indiferença pela pouca idade da menor

    A culpa exprime-se pela forma mais intensa, indicando a incapacidade do arguido se pautar pela observância de valores e normas que são imperativas na sociedade em que se insere, o que é bem expressa no facto praticado. O arguido, na satisfação dos seus instintos mais primários, foi indiferente a quaisquer outros valores.

 Pretexta o mesmo uma hipotética ingestão de álcool, que não se provou, bem como uma irrelevante ausência de ejaculação. Porém, e na realidade, o mesmo apenas pode invocar com factor atenuativo, além da primariedade, o facto de ser menor de vinte anos á data dos factos o que nos reconduz á questão da aplicabilidade do regime constante da Lei 401/82 .

    Face a esta explanação, que relevar como premissa na lógica que nos leva á individualização da pena no caso concreto, impõe-se, agora, a consideração das circunstâncias singulares que este revela face ao regime legal abstractamente cominado.

Tal consideração deve ser dirigida, em primeiro lugar, e como se referiu, para a verificação dos pressupostos de atenuação especial a que alude o artigo 4º do Decreto Lei 401/82 e, nomeadamente, da existência de razões sérias para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do arguido.

O regime consagrado neste diploma, fundamentado na especial situação do jovem em termos de estruturação da personalidade, estrutura-se numa dupla perspectiva procurando evitar a pena de prisão e impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem as condições prognósticas que prevê (artigo 4°), e por outro, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correcção (artigos 5° e 6°). Em última análise o legislador concede o seu empenho a uma aposta decidida no processo de socialização tornando este factor essencial na ponderação da pena a aplicar.

O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos consubstancia, assim, uma opção de politica criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento.

Como se refere em decisão deste Supremo Tribunal (Acórdão de 7 de Janeiro de 2004 ) nesta intencionalidade de política criminal quanto ao tratamento pelo direito penal deste fenómeno social, uma das ideias essenciais é a de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão aos jovens adultos. Na verdade, «comprovada a natureza criminógena da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos dessocializantes devastadores» constituindo um sério factor de exclusão.

Uma das traves mestras do regime de jovens delinquentes cruza-se com conceitos base do direito criminal como é o caso da intimidação e ressocialização, ou seja, a consideração do fim concreto que se pretende atingir na pessoa do arguido. Na verdade, por vezes é ténue a linha divisória que se pode traçar entre um efeito meramente intimidatório da pena como factor determinante de uma educação para o cumprimento da lei, o que conforma uma intervenção preventiva a nível do próprio arguido, da constatação da necessidade de recurso a um instrumento punitivo que coloque o jovem em contacto com a instituição de controle social reforçado que é a instituição prisional.

A delimitação entre intimidação e ressocialização depende do facto de o autor se encontrar na situação de realizar uma conduta socialmente conforme e que, consequentemente, só requeira uma chamada enérgica ao cumprimento das suas obrigações (função de advertência) ou que tal objectivo só possa ser atingido por meio de um processo especial dirigido com tal objectivo (ressocialização) ocorra ele através de uma forma ambulatória (suspensão condicional da pena) ou estacionária (execução da pena). No primeiro caso a pena é suficiente enquanto factor de oposição a um eventual impulso delictivo, não existindo o temor da comissão de novos factos puníveis; em tais casos o meio de reacção primário é a pena pecuniária. Porém, face ao agente que não se encontra socialmente reinserido requerer-se uma transformação de todas as suas capacidades de motivação no sentido da inibição perante o delito; neles existe a necessidade de um processo estacionário ou ambulatório de realização.

Situação distinta é aquela outra em que as exigências de protecção do bem jurídico e, consequentemente, as exigências de prevenção geral positiva exigem a privação de liberdade. Aqui, embora esteja presente o intuito de incutir no arguido a procura de uma atitude recta e conforme ao Direito, perfilando um realinhar com os valores comunitários e a assunção de um caminho de ressocialização, o certo é que exigências de uma outra raiz, que não de prevenção especial, exigem o cumprimento de pena privativa de liberdade.

 Neste caso existe uma dupla perspectiva balanceando entre o sopesar das necessidades de prevenção geral, que conjugam a gravidade do ilícito e a densidade da culpa na perspectiva de satisfação das expectativas da comunidade no cumprimento da lei e tutela dos bens jurídicos e,  por outro, o próprio percurso de vida do jovem e a crença de que o mesmo pode inflectir no seu rumo de vida pois que é ajustado um juízo positivo na sua regeneração. Neste juízo de prognose conta essencialmente a personalidade do jovem, e a sua circunstância, pois que o mesmo é produto de um determinado contexto social.

Pode-se objectar que, considerando-se por essa forma, o juízo negativo de prognose é informado por um parâmetro que o menor não domina, ou seja, as condições em que decorreu a sua socialização. Porém, tal argumento só será atendível se arrancarmos de uma noção de determinismo inultrapassável que não se aceita, sendo certo que, muitas vezes, aqueles que poderiam ser condicionados pelos valores mais negativos que os rodeiam não só os ultrapassam como, superando o contexto, constituem modelos em termos de afirmação social e profissional

Entendemos, assim, que o jovem, pelo simples facto de o ser, pode defender que o seu inicio de percurso de vida merece uma visão de esperança e um juízo de prognose positiva que poderá ser desmentido pelas suas concretas circunstâncias de condução de vida, bem como pelas exigências de prevenção geral evidenciadas pela prática do facto.

A questão fundamental será sempre a avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção social do jovem. Mas a avaliação de tal reinserção social tem de ser equacionada, como se referiu, perante as circunstâncias concretas do caso, e do percurso de vida do arguido, e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade. Tal juízo terá, a nosso ver, de arrancar de um pressuposto incontornável, do qual também arranca o legislador da Lei 401/82, ou seja o da existência de uma mais intensa capacidade de ressocialização, que é seu pressuposto incontornável, sobretudo quando o delinquente se encontra ainda no limiar da sua maturidade.

No caso concreto, e pressupondo no arguido essa aptidão natural derivada da idade no sentido de se reintegrar socialmente, a questão a formular será a de saber se existe motivo que reforce aquela presunção e que alimente a conclusão de que uma atenuação especial da pena poderá permitir a sua reinserção

 O alinhar da motivação que desenha a relevância de um juízo de prognose surge esbatido e consubstancia-se apenas em duas circunstâncias fundamentais que são o seu contributo para descoberta da verdade material e o facto de ser delinquente primário. Tais elementos não são, a nosso ver, relevantes para concluir que, no caso vertente, a atenuação especial pode cumprir os objectivos da prevenção a nível especial e, simultaneamente, dar ao arguido o sinal da inadmissibilidade nesta, como em qualquer sociedade evoluída, de comportamentos que colocam em causa os bens jurídicos nucleares

Porém, e naquela que é a tese mais coerente a nível dos requisitos de aplicabilidade, o regime contido no citado diploma legal contende, no caso concreto, com as necessidades de prevenção a nível geral. Na verdade, o peso das exigências de prevenção geral vai aumentar em paralelo com a gravidade dos factos imputados. As considerações sobre a função da pena na prevenção da prática do crime, inibindo futuros infractores, ou, numa linguagem mais gongórica, a manutenção da fidelidade ao direito por parte da população assumem um importância acrescida perante crimes que reflectem um patamar elevado de culpa e ilicitude.

Como diz Jeschek é uma questão de confiança da população na Administração da Justiça ou reprovação da comunidade perante a tolerância injustificada pelas circunstâncias do caso concreto..

A gravidade da infracção praticada e a dimensão da culpa e da ilicitude, evidenciadas no caso vertente, justificam a conclusão de que uma atenuação especial induzida pela idade não se compagina com as exigências da sociedade perante infracções que contendem com valores nucleares.

  Considerando por esta forma entende-se por correcta a não aplicação ao arguido da medida de atenuação especial contida no Decreto-lei 401/82.         

Concluindo pela inaplicabilidade daquele regime e, consequentemente, de qualquer atenuação especial importa, porém, realçar que estamos perante um jovem de vinte anos a iniciar, portanto, a sua vida adulta. Se é certo que o crime praticado encerra uma conteúdo denso de ilicitude e de culpa com desprezo por valores básicos igualmente é exacto que a consideração da idade do arguido pode, e deve, ter algum efeito mitigador na pena a aplicar.

    Nestes termos condena-se o arguido AA na pena de oito anos de prisão.

III

Relativamente aos danos não patrimoniais, aqueles que estão em causa no caso vertente, uma primeira observação que importa efectuar é a de que a termos dogmáticos a indemnização deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica.

A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso. O respectivo montante será fixado equitativamente pelo tribunal tendo-se em atenção a extensão e a gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. ( n.° 3 do art. 496 do Código Civil).

  Porém, importa salientar que não é fácil avaliar, na prática, estes danos. Na maioria das vezes não existe uma evidência física dos prejuízos e, mesmo quando ela existe, torna-se difícil conhecer as suas consequências. Como salienta Antunes Varela “o dano cálculo não tem qualquer cabimento, nesta área o juiz terá de atender, para além do mais, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. O bom senso, o equilíbrio, a objectividade e o sentido das proporções são particularmente, aqui, vectores essenciais”.

A equidade surge aqui como uma concreta ponderação de razoabilidade, ao prudente arbítrio, ao senso comum dos homens e à justa medida das coisas (cfr. acórdão deste Supremo, de 1/10/96, proc. 90/96). Porém, na determinação «equitativamente» quantificada, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado (cfr. acórdão deste Supremo de 29/4/98, proc. 55/98).

 No caso concreto, é evidente que sobre a vitima recaiu um abalo intenso em termos psicológicos em que avulta a indignidade do tratamento a que foi sujeita e a violação de direitos que constituem o âmago da sua personalidade como a honra e a integridade física e psíquica..

  O arguido tirou parte do futuro á vítima. A inocência e a candura própria de cada criança foram-lhe retiradas para sempre e de uma forma vil.

  Não existe dinheiro que pague a nossa esperança e a confiança nos outros. Mas para além de tal constatação que é resultado da mais elementar regra de vida acrescem, no caso vertente, os danos físicos e psicológicos produzidos na pessoa e na personalidade da menor.

Não existe qualquer reparo a fazer á indemnização arbitrada.

Termos em que se julga parcialmente procedente o recurso interposto no segmento penal e, consequentemente, se condena o arguido AA na pena de oito anos de prisão.

Julga-se improcedente o recurso interposto no que concerne á indemnização cível arbitrada.

Custas a cargo do arguido na proporção do respectivo decaimento no que concerne a este último recurso

Lisboa, 20 de Outubro de 2011

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes