ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
665/08.5JAPRT.E.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO DE REVISAO
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR OLIVEIRA MENDES

DESCRITORES RECURSO DE REVISÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
TESTEMUNHA
PROIBIÇÃO DE PROVA
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CASO JULGADO
NON BIS IN IDEM

SUMÁRIO I -O instituto de revisão de sentença penal constitui um meio de impugnação extraordinário das decisões judiciais penais, que visa a realização de um novo julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, com o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal. Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas – art. 449.º, n.º 1, als. a) a g), do CPP –, a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento – art. 460.º.
II - Não tendo a sentença invocada pelos recorrentes, como um dos fundamentos do recurso de revisão, qualquer conexão com a sentença revidenda, nomeadamente com os meios de prova e as provas que a fundamentam, não se verifica o fundamento de revisão constante da al. a) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
III - De acordo com a jurisprudência mais recente e maioritária do STJ, são novos apenas os factos e os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes, consabido que o n.º 2 do art. 453.º do CPP impede o requerente da revisão de indicar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitadas de depor.
IV - Não sendo a testemunha desconhecida dos recorrentes, aquando do contraditório realizado na audiência de julgamento, não pode a mesma ser utilizada para fundamentar a revisão de sentença.
V - Acresce que, como se refere no Acórdão do STJ de 01-07-2004, não será uma indiferenciada nova prova que, por si só, terá a virtualidade para abalar a estabilidade resultante de uma decisão judicial transitada em julgado. A nova prova deverá revelar-se tão segura e (ou) relevante – seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade –, que o juízo rescindente que nela se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.
VI - A al. e) do n.º 1 do art. 449.º, que contém fundamento de revisão introduzido pela Lei 48/07, de 29-08 – provas proibidas –, não estabelece como seu requisito integrante a mera ocorrência de condenação baseada em provas proibidas. Com efeito, ao dispor que a revisão de sentença é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, a lei estabelece como requisito, a par da condenação baseada em provas proibidas, a circunstância de esse vício só vir a ser conhecido posteriormente. Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a ocorrência de condenação em provas proibidas tout court.
VII - A imposição de que o uso ou utilização e a valoração de provas proibidas só releva em matéria de revisão de sentença quando descobertos posteriormente, tem a sua justificação na excepcionalidade da revisão, na restrição grave que a mesma admite e estabelece ao princípio nom bis in idem na sua dimensão objectiva, ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal.
VIII - Se à data da condenação já era conhecida, maxime pelo condenado, a existência de prova ou provas proibidas e, apesar disso, se formulou juízo condenatório com base nelas, em defesa do caso julgado material, da estabilidade da decisão, valor essencial do Estado de direito enquanto garante da segurança jurídica, não é admissível a revisão da respectiva sentença. De outro modo, estar-se-ia a transformar o instituto de revisão de sentença em outro grau de recurso, postergando totalmente, em clara e frontal violação da CRP, o princípio nom bis in idem na sua dimensão objectiva.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA e BB, com os sinais dos autos, interpuseram recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido no processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 665/08.5JAPRT, do 1º Juízo Criminal de Matosinhos, que condenou cada um deles na pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão pela co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado[1].

Na motivação de recurso, que sustentam na falsidade de meios de prova fundamentadores da decisão, na existência de novos factos e novas provas e na circunstância de à decisão revivenda se encontrarem subjacentes provas proibidas e de valoração proibida, alegam, em síntese, o seguinte:

- A prova que suporta a decisão condenatória assenta exclusivamente nas declarações do co-arguido CC, o qual prestou declarações para surgir aos olhos do tribunal como arrependido e cidadão a ajudar a justiça, no entanto, a verdade é que só ele cometeu o crime de tráfico pelo qual todos foram condenados;

- Os recorrentes só agora sabem que o co-arguido CC, também conhecido por “G…”, no dia 15 de Outubro de 2008, véspera da chegada da cocaína a Portugal, foi a Valença buscar duas pessoas de nacionalidade estrangeira, concretamente, DD e EE, a quem quis alienar a droga rapidamente, propondo-lhes, para tanto, um preço especial;

- Sucede que aqueles rejeitaram a proposta apresentada, visto que o tráfico não era a sua área de negócio, nem tinham dinheiro suficiente para adquirir a cocaína;

- Tendo sido aqueles dois cidadãos de nacionalidade estrangeira detidos no dia 17 de Outubro de 2008, na sequência do que foram condenados no processo n.º 671/08.0JAPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto, pela prática dos crimes de contrafacção e de passagem de moeda falsa, e ficando o CC a saber que a Polícia Judiciária tinha descoberto o transporte da cocaína, congeminou plano para se ilibar, incriminando os recorrentes, que a tudo foram alheios;

- Tanto assim é que os telemóveis que na decisão revivenda se afirma os recorrentes adquiriram em Portugal (com os cartões telefónicos 9XXXXXX e 9XXXXXXX), mais precisamente no Centro C… A…, em Vila Nova de Gaia, antes da chegada da cocaína a Portugal, no dia 1 de Outubro de 2008, com os quais se diz mantiveram imediatamente contactos com o CC, foram comprados pelo CC naquele referido dia, como ele próprio assume e consta da factura junta a fls.174, a qual não foi devidamente analisada pelo tribunal e, por isso, terá de ser considerada “prova nova”;

- Ademais o telemóvel com o cartão 9XXXXXXX que, de acordo com a decisão revivenda, serviu para marcar encontros, não foi apreendido aos recorrentes, sendo certo que o telemóvel cujo cartão tem por algarismos finais 331 e que naquela decisão se diz ser o telemóvel para onde o CC ligou a contactar os recorrentes para virem a Portugal, não é dos recorrentes nem estava na sua posse;

- Por outro lado, do vídeo constante dos autos, que reporta imagens dos arguidos colhidas na loja “E…..”, não se vê que ali tenham adquirido qualquer telemóvel;

- Por outro lado, ainda, certo é que, conquanto a decisão revivenda tenha rejeitado facto invocado pelos recorrentes, segundo o qual se deslocaram a Portugal para participarem numa festa trazendo, para tanto, no interior do automóvel que lhes foi apreendido vários CDs de música, a verdade é que ao ser entregue ao respectivo proprietário aquela viatura, o que se verificou em 4 de Janeiro de 2011, constatou-se que, debaixo do banco do “pendura”, se encontravam cerca de 30 CDs de música, facto ocorrido na presença de testemunha;

- Acresce que a decisão revivenda evidencia erro de julgamento por insuficiência de prova e incorrecta valoração desta por as declarações do co-arguido CC estarem eivadas de contradições, para além de que a valoração daquelas declarações, bem como de outras provas, como é o caso da resultante de fotografias e outros elementos constantes de telemóveis e iphone apreendidos, inquina a decisão de nulidade, posto que se fundamenta em meios de prova e provas proibidas.

Com a motivação de recurso foram arroladas quatro testemunhas e juntos diversos documentos.

Na resposta apresentada o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso, tendo formulado a seguinte conclusão:

O pedido de revisão de sentença, assenta numa versão não demonstrada factualmente pelos recorrentes, pelo que não se trouxeram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Inquiridas três das quatro testemunhas arroladas pelos recorrentes, por estes de uma haverem prescindido, foi prestada informação pela Exma. Juíza sobre o mérito do recurso, na qual explanou a razão pela qual entende aquele não merecer provimento, concretamente a circunstância de a prova testemunhal e documental apresentada pelos recorrentes não colocar em causa a prova produzida e considerada no julgamento que conduziu à condenação dos recorrentes.

Neste Supremo Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

Vêm os arguidos AA e BB interpor recurso extraordinário de revisão da condenação de que foram alvo no processo à margem supra identificado no Acórdão prolatado em 08/04/10, transitado em julgado, onde cada um deles foi condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 24º, al. c) do D.L. nº 15/93.

Fundamentam o seu recurso nas alíneas d) e e) do nº 1 do art. 449º do CPP, assim como na falta de credibilidade e inveracidade das declarações do co-arguido “CC”, melhor identificado nos autos, as quais o tribunal da condenação teria indevidamente valorado, apresentando ainda quatro testemunhas e documentos com vista a justificar o bem fundado da interposição do presente recurso.

Cumpre emitir “parecer”, nos termos do art. 455º, nº 1 do CPP.

A este propósito convém lembrar, desde logo, que os fundamentos para a admissibilidade deste tipo de recursos estão taxativamente indicados no art. 449º do CPP, devendo, pois, tais recursos ter lugar apenas e quando cumprirem os pressupostos aí indicados, e tão só.

Por outro lado, tais pressupostos encontram o seu fundamento essencial na necessidade imperiosa de reparação de erros judiciários, fazendo prevalecer a justiça sobre a segurança jurídica inerente ao valor de caso julgado das decisões judiciais,

Sendo que,

- Só circunstâncias substantivas imperiosas deverão permitir a quebra do caso julgado de modo a que este tipo de recursos se não transforme numa apelação disfarçada, isto é, num recurso “ordinário” proposto intempestivamente e sem motivo verdadeiramente “extraordinário” – cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário Actualizado CPP, fls. 1205-1206.

Do que atrás se disse logo resulta que um dos motivos apontados para a pedida revisão não se enquadra, de todo, em nenhum dos pressupostos taxativamente indicados no artigo supra mencionado, a saber, a valoração que na opinião dos recorrentes o tribunal da condenação teria “indevidamente” atribuído às declarações do co-arguido “CC”.

Assim sendo, nada haverá a referir sobre este fundamento uma vez que, qualquer referência a este propósito será perfeitamente irrelevante e despecienda pelo que por aqui nos quedamos, sem prejuízo, naturalmente, do que mais adiante se referirá sobre o fundamento que a seguir se analisará.

Assim,

- Quanto ao fundamento que se prende com o constante da alínea d), do art. 449º aqui em causa, invocam os recorrentes o que apelidam de “factos novos” e “novos meios de prova” indicando prova testemunhal – 4 testemunhas (tendo sido prescindida uma delas) e prova documental.

Ora,

- Um dos referidos “factos novos” está relacionado com um dos mencionados “novos meios de prova” e consubstancia-se na alegada abordagem de que o amigo de uma das testemunhas indicadas e ouvida nos autos, EE, teria sido alvo, por banda do co-arguido CC no sentido deste lhe comprar a droga do contentor aqui em causa e de que o CC se teria intitulado proprietário (sendo que, o amigo a quem o CC teria proposto a compra da droga é a testemunha que, indicada, acabou por não ser ouvida, por ter sido prescindida).

A este propósito,

- Cumpre referir que este depoimento, sem mais, não permite considerar que a sentença que se pretende rever contenha uma condenação injusta e muito menos que a respectiva justiça suscite graves dúvidas.

Na verdade,

- As afirmações nele contidas nem sequer são confirmadas pelo visado pelo negócio (a testemunha prescindida), sendo que, além do mais, mal se compreende que, tendo todos (as duas testemunhas e os ora recorrentes), travado conhecimento no E.P. onde os últimos se encontravam ao tempo do respectivo julgamento (Abril de 2010), não tivessem oportunamente sido apresentadas para depôr nos termos em que ora o foram,

Razão porque,

- Não estaremos perante um “facto novo” ou “um meio de prova novo”, pressuposto da admissibilidade do recurso extraordinário de revisão, devendo pois improceder esta vertente do recurso, desde logo, por este motivo (neste sentido: Ac. lavrado no Proc. 330-04.2JAPTM-B.S1-5ª secção do S.T.J.).

Quanto ao segundo “facto novo” e aos dois “meios de prova novos” com ele relacionados (as indicadas testemunhas, FF e GG):

Está este facto relacionado com a alegada “existência” de CDs no carro de marca Citroen apreendido ao recorrente BB, no momento em que teria ocorrido a sua entrega.

Tais CDs teriam sido encontrados por baixo do banco “do pendura” pela testemunha FF, segundo o seu depoimento, sendo que, segundo o depoimento da testemunha GG, teria sido ela que os teria lá colocado para que os recorrentes os utilizassem numa festa em Vigo (facto que não tinha oportunamente convencido o tribunal).

Ora, efectivamente,

- Dos autos, no momento da apreensão do referido veículo, não consta que tais CDs aí se encontrassem, razão porque, se os recorrentes pretendiam cabalmente refutar tal facto, deveriam ter tido o elementar cuidado de, aquando da entrega do veículo ou mesmo antes (o que mais se justificaria e útil, para a sua defesa, se tornaria), fazer verificar pela autoridade policial a sua existência no respectivo interior.

Assim sendo e mais uma vez,

- Estamos em crer que não estaremos, perante um “facto novo” ou um “meio de prova novo” nos termos e para os fins pretendidos pelos recorrentes, dado que um e outro se não enquadram no pressuposto da alínea d) do nº 1 do art. 449º do CPP,

Razão porque,

- Se não mostra preenchido, também, nesta parte, o requisito de admissibilidade do presente recurso, devendo este improceder igualmente, por este motivo.

Na verdade,

Concluindo esta parte deste nosso parecer cumpre lembrar aqui ainda as palavras de Pinto de Albuquerque (ob. citada, pág. 1208: “se o arguido … conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova (…). A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa”.

Quanto à prova documental apresentada:

Somos de parecer que a mesma é irrelevante para os fins recursórios aqui em causa.

Na verdade,

- Mal se compreende a relevância que o Acórdão condenatório das testemunhas EE e DD e as 46 páginas do processo em que o mesmo foi lavrado, incluindo as fotografias delas constantes, bem como o panfleto onde o CC teria aposto os nºs de telefone dele constantes, têm para o presente recurso e, consequentemente, o bem fundado da respectiva junção.

Efectivamente,

- O Acórdão nada tem a ver com a moldura penal em causa nos presentes autos sendo que a “interpretação” que os recorrentes fornecem sobre as fotografias e a aposição dos referidos nos de telefone no mencionado panfleto, não passam disso mesmo, qualquer outra “interpretação” se encaixando, perfeitamente, na documentação que juntaram,

Razão porque,

- Tal documentação não é manifestamente suficiente nem constitui qualquer novidade, em termos de facto ou de prova, para fundamentar a pedida revisão de sentença por não suscitar dúvidas (e muito menos graves), sobre a justiça da condenação aqui em causa,

Razão porque o recurso deveria improceder igualmente nesta parte.

Quanto ao fundamento relacionado com a al. e) do nº 1 do art. 449º do CPP, invocam os recorrentes que teriam sido tidos em conta na decisão condenatória (parte 3ª), factos obtidos mediante métodos proibídos de prova, “in casu”, alegadamente, com violação do art. 126º, nº 3, do CPP.

A propósito da oportunidade, tempestividade e admissibilidade do respectivo conhecimento, cfr. Pinto de Albuquerque, in obra citada, pág. 337, onde referido é que as proibições de prova se convalidam com o trânsito em julgado da sentença ressalvado o regime excepcional da revisão de sentença (anotação nº 6, in fine, ao art. 126º do CPP que por sua vez remete para a anotação do art. 449º nº 1, al. e), aqui em causa que visa precisamente este fundamento de revisão).

Na verdade,

- Entendem os recorrentes que a autorização constante de fls. 396 dos autos não abrangeria a possibilidade de serem imprimidas, visualizadas ou exibidas fotografias que constituem o conteúdo dos telemóveis apreendidos, bem como de um Iphone que foi igualmente apreendido – cfr. fls. 475 e sgs. dos autos.

Ora,

- A verdade é que, no que se refere aos telemóveis apreendidos foi autorizada a fls. 396 a pesquisa aí referida,

Sendo que,

- A fls. 476 e 477 dos autos consta também informação sobre a realização de exames periciais aos referidos telemóveis, incluindo o telemóvel Apple I-Phone supra mencionado e particularmente, no que se refere a este último, aí se menciona o respectivo resultado (“160 páginas constantes de um CD em anexo” – contendo multimédia, a que se referem os ficheiros identificados na 3ª parte da decisão condenatória aqui em causa – cfr. fls. 1920 dos autos in fine”) – tudo como consta do relatório de fls. 476 e 477 dos autos.

- Assim sendo,

- Verifica-se que, a serem proibídos, na percepção dos recorrentes, os métodos de prova utilizados, proibição essa que não cumpre aqui apreciar,[2] esta situação era necessariamente já, do seu conhecimento, ao tempo da sua condenação, ou, pelo menos, antes do respectivo trânsito em julgado.

Ora,

- Para que haja fundamento para que o recurso de revisão seja admissível, nos termos do art. 449º, nº 1, al. e) do CPP, impõe-se que a “descoberta” da utilização de eventuais métodos de prova proibídos, que serviram de fundamento à condenação, nos termos do art. 126º, nºs 1 a 3 do CPP, seja posterior a essa mesma condenação, tal resultando, claramente, do termo “descobrir” aí utilizado.

Na verdade,

- A não ser assim, os requerentes, tal como sucede nos presentes autos, poderiam utilizar a figura excepcional do recurso de revisão para em fase ulterior da sua condenação e tendo esta já transitado em julgado, vir sacar de “trunfos” relativos, “maxime”, a nulidades eventualmente cometidas durante o processo e de que tiveram oportunamente conhecimento (“in casu” os próprios recorrentes alertam para o facto de a sentença da 1ª instância, de que foram oportunamente notificados, fazer referência, na sua parte 3ª, aos métodos proibídos de prova que invocam), para destruírem todo o processado – cfr. Ac. do T.C. 429/95.

Efectivamente,

- Conforme se refere no Ac. T.C. nº 376/2000, “No novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias”,

Ou, diriámos nós,

- Se estas tivessem sido devida e oportunamente accionadas nos autos principais, não podendo vir agora, os recorrentes, utilizar o recurso de revisão como meio “alternativo” para colmatar as omissões que aí hajam levado a cabo,

Razão porque,

- Também nesta parte, e nos termos expostos, não se mostrando preenchido igualmente o pressuposto de admissibilidade do presente recurso nos termos da alínea e) do nº 1, do art. 449º do CPP, deveria o mesmo improceder.

Concluindo:   

- O recurso de revisão visa o justo equilíbrio entre a necessidade da segurança resultante da imutabilidade do caso julgado e a necessidade de assegurar a realização da justiça que a verdade material impõe.

- Não foi apresentado qualquer facto ou meio de prova novo que permita pôr em causa, de todo em todo, a vertente da justiça da condenação, nos termos do art. 449º, nº 1 al. d) do CPP.

- Não foi invocado qualquer método proibido de prova, nos termos dos nºs 1 a 3 do art. 126º do CPP, que tivesse servido de fundamento à condenação dos recorrentes e de que estes já não tivessem conhecimento ao tempo dessa condenação e do respectivo trânsito em julgado, nos termos do art. 449º, nº 1, al. e) do CPP,                     

      

   Pelo que, não deverá ser autorizada

    a requerida revisão de sentença.                    

                                         *

Na resposta os recorrentes repetem a argumentação produzida na motivação de recurso, reafirmando que só após o trânsito em julgado da decisão revivenda tiveram conhecimento dos novos factos e das novas provas com os quais fundamentam o pedido de revisão, concretamente a prova da falsidade das declarações prestadas pelo co-arguido CC, prova constante de sentença judicial transitada em julgado, no processo n.º 671/08.0JAPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto, bem como da prova resultante dos depoimentos das testemunhas ora apresentadas.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                          *

O instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional[3], constitui um meio de impugnação extraordinário das decisões judiciais penais, que visa a realização de um novo julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, com o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal.

Como refere Maia Gonçalves[4], o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer e não quer a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos[5].

Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (artigo 449º, n.º 1, alíneas a) a g), do Código de Processo Penal), a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (artigo 460º).

Tais situações são:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis como os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

                                          *

Os recorrentes fundamentam o seu pedido de revisão de sentença na circunstância de a prova que suporta a sua condenação assentar exclusivamente nas declarações do co-arguido CC, declarações cuja valoração a lei proíbe, nas quais aquele faltou à verdade imputando aos recorrentes factos que não praticaram, para surgir aos olhos do tribunal como arrependido e cidadão a ajudar a justiça, posto que só ele cometeu o crime de tráfico pelo qual todos foram condenados, como agora se constata pelo depoimento de duas testemunhas a quem o mesmo propôs a aquisição da droga antes da entrada em Portugal dos recorrentes, facto este novo que abala decisivamente a justiça da sua condenação.

Mais fundamentam o pedido de revisão no facto de a falsidade das declarações do co-arguido CC decorrer de sentença transitada em julgado proferida na 2ª Vara Criminal do Porto e na circunstância de só agora haverem tomado conhecimento da tentativa de alienação da droga por parte daquele, bem como das pessoas nisso envolvidas.

Paralelamente, em reforço da injustiça da decisão, para além de outros factos totalmente irrelevantes, alegam que, ao contrário do rejeitado pela decisão revivenda, no interior do veículo automóvel que lhes foi apreendido, tal como invocaram no contraditório, encontravam-se cerca de 30 CDs de música, facto comprovado por testemunha aquando da devolução daquele veículo ao seu proprietário e que confirma a versão por ambos apresentada na audiência, segundo a qual se deslocaram a Portugal tendo em vista a sua participação numa festa. Mais alegam que o telemóvel cujo cartão tem por algarismos finais 331 e que na decisão revivenda se diz ser o telemóvel para onde o co-arguido CC ligou a contactar os recorrentes para virem a Portugal, como se comprova, não é seu nem estava na sua posse.

Cotejando os factos alegados pelos recorrentes como fundamento do pedido de revisão com as diversas situações previstas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, verificamos que aqueles são, em abstracto, susceptíveis de subsunção nas alíneas a), d) e e) – falsidade dos meios de prova, novos factos ou meios de prova e provas proibidas.

                                          *

Começando por averiguar se no caso vertente se mostra verificado o fundamento de revisão resultante da consideração na decisão revivenda de falsos meios de prova, dir-se-á que os recorrentes ao alegarem este fundamento fizeram-no na pressuposição de que os factos dados como provados na sentença proferida no processo n.º 671/08.0JAPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto, segundo os quais as testemunhas DD e EE por si arroladas se encontravam em Portugal nos dias 16 e 17 de Outubro de 2008, tendo nesses dias estado na cidade do Porto, onde cometeram factos criminosos, comprova a versão que ambas terão transmitido e que uma delas deu a conhecer no depoimento que nos autos prestou, segundo a qual o co-arguido CC, num desses dias, lhes propôs a venda da droga objecto da decisão revivenda, a significar que as declarações prestadas por aquele, com base nas quais foram condenados, são falsas. É o que o texto da alínea a) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal impõe, ao estabelecer que a revisão de sentença (só) é admissível quando uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão.

Examinando a referida sentença constatamos, porém, que os factos nela considerados provados, factos delituosos cometidos por DD e EE, não têm a mínima relação ou afinidade com os factos dados por provados na sentença revivenda. Aliás, o co-arguido CC não figura naquela sentença a qualquer título, nem sequer o seu nome é ali referido.

Único ponto de contacto entre as duas sentenças reside na temporalidade dos factos nelas dados por provados, tendo os factos perpetrados por DD e EE ocorrido nos dias 16 e 17 de Outubro de 2008 e os factos objecto da sentença revivenda entre 14 e 23 de Outubro de 2008.

Deste modo, não tendo a sentença invocada pelos recorrentes qualquer conexão com a sentença revivenda, nomeadamente com os meios de prova  e as provas que a fundamentam, concretamente com as declarações prestadas pelo co-arguido CC, não se verifica o fundamento de revisão constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal.

                                          *

Passando ao fundamento de revisão previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449º, cuja verificação os recorrentes baseiam na descoberta de novos factos e de novos meios de prova, alicerçados nos depoimentos das testemunhas que arrolaram, dos quais, segundo alegam, só agora tomaram conhecimento, constata-se serem dois os factos novos que os recorrentes entendem suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, a proposta de venda da cocaína por parte do co-arguido CC às testemunhas DD e EE, proposta feita em 16 de Outubro de 2008, antes da entrada em Portugal dos recorrentes, o aparecimento no interior do automóvel em que se faziam transportar e que lhes foi apreendido de vários CDs de música aquando da sua restituição e entrega ao respectivo proprietário, facto percepcionado por testemunha.

De acordo com a jurisprudência mais recente e maioritária deste Supremo Tribunal[6], são novos apenas os factos e os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes, consabido que o n.º 2 do artigo 453º do Código de Processo Penal[7] impede o requerente da revisão de indicar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitadas de depor.

Uma das testemunhas arroladas pelos recorrentes, concretamente GG, era empregada doméstica do recorrente HH à data dos factos objecto da sentença revivenda, tendo declarado que, naquela qualidade, incumbiu-lhe fazer a mala daquele aquando da vinda do mesmo a Portugal em Outubro de 2008, tendo colocado na mala que foi posta no automóvel onde aquele e o co-arguido BB se fizeram transportar, cerca de 25/30 CDs.

Ora, não sendo desconhecida dos recorrentes, aquando do contraditório, aquela nova testemunha, certo é que o depoimento que prestou é legalmente inadmissível, não podendo ser agora utilizado para fundamentar o pedido de revisão de sentença.

Começando por apreciar o facto atinente à existência dos CDs no interior do veículo automóvel em que os recorrentes se faziam transportar aquando da sua deenção, dir-se-á tratar-se de facto meramente instrumental que nem sequer consta da decisão proferida sobre a matéria de facto da sentença revivenda, facto que naquela sentença é referido na respectiva motivação entre vários outros elementos auxiliares de prova, sendo o quinto e último indicado, tendo servido para pôr em causa a versão apresentada pelos recorrentes para justificarem a sua presença no Centro C… A… aquando da sua detenção, segundo a qual estavam a caminho de Vigo, na Galiza, onde iriam fazer uma festa numa discoteca, sendo um dos recorrentes o DJ da festa, para o que tinham consigo uma larga quantidade de CDs de música.

Para melhor compreensão passa-se a transcrever o respectivo segmento da sentença revivenda:

«Em 5º lugar, é de notar que o motivo indicado pelos arguidos AA e BB para se encontrarem no Centro C… A… aquando da sua detenção foi o de estarem a caminho de Vigo, na Galiza, onde iriam fazer uma festa numa discoteca. Para tanto, sendo o arguido AA o DJ da festa, declarou que traziam consigo uma larga quantidade de CDs de música, para o referido efeito.

Sucede que não foram encontrados CDs de música com os arguidos nem no veículo em que se faziam transportar, não tendo sido apreendidos nem dado entrada no Estabelecimento Prisional (cfr. os documentos de fls.1884, 1885 e 1893 a 1897 e os depoimentos prestados pelos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária que efectuaram as revistas aos arguidos e ao veículo».

Certo é que a circunstância de no acto de entrega do veículo automóvel apreendido aos recorrentes aquando da sua detenção haver sido encontrada pela testemunha FF uma bolsa com cerca de trinta CDs, não prova que esses CDs lá se encontrassem no momento da apreensão do veículo. Com efeito, tais CDs, atento o lapso de tempo decorrido entre a apreensão e a entrega (esta teve lugar em Janeiro de 2010), poderiam ter sido lá colocados posteriormente.

Por outro lado, a testemunha FF afirma que se encontrava presente no acto de entrega do veículo a pedido do recorrente BB, o qual também lhe pediu para ver se no interior do automóvel havia CDs, sendo certo que, como a própria testemunha também afirma, os CDs foram encontrados quando o veículo já estava fora das instalações onde se encontrava apreendido.

Por outro lado, ainda, como doutamente refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no douto parecer que emitiu, os recorrentes se pretendiam refutar os elementos probatórios constantes dos autos à data da audiência que apontavam no sentido da inexistência dos CDs no interior do veículo, deveriam ter tido o elementar cuidado de fazer verificar pela autoridade a sua existência no respectivo interior.

Por fim, observar-se-á que o depoimento da testemunha FF entra em contradição com o depoimento prestado pela testemunha GG. Com efeito, enquanto esta última testemunha referiu ter colocado os CDs no interior da mala que o recorrente HH trouxe para Portugal, mala na qual se encontravam as suas roupas e objectos de uso pessoal, a testemunha FF afirma que os CDs estavam numa bolsa que se encontrava por baixo do banco do pendura.

Seja como for, a verdade é que a existência dos CDs no interior do veículo automóvel constitui um facto meramente instrumental insusceptível de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação dos recorrentes.

Passando à apreciação do facto respeitante à proposta de venda da cocaína por parte do co-arguido CC às testemunhas DD e EE, proposta feita em 16 de Outubro de 2008, antes da entrada em Portugal dos recorrentes, verificamos que só a testemunha EE depôs sobre aquele facto, visto que a testemunha DD, tendo faltado ao respectivo acto processual, foi prescindida pelos recorrentes.

No depoimento prestado a testemunha EE, que diz ter vindo para Portugal a acompanhar o DD que vinha fazer uso de um cartão falso para obter bens, começa por declarar que o CC lhe foi apresentado e a DD na cidade de Valença em Agosto ou Setembro de 2008, tendo os três, em conjunto com o “II e o JJ”, nesse mesmo dia, seguido para o hotel T… no Porto, onde ele e o DD ficaram hospedados. Mais declarou que no dia seguinte o CC foi buscá-lo e ao DD para os levar ao hotel AC, sendo que no percurso aquele propôs ao DD a venda de 114/120 quilogramas de cocaína, pelo preço de 5.000/7.000 € o quilograma, negócio ao qual o DD e ele mostraram que não estavam interessados, nem para o mesmo tinham dinheiro. Declarou, ainda, que entre os dias 15/16/17 (sem indicação de mês) ele e o DD foram detidos, tendo ele e o DD conhecido no estabelecimento prisional os recorrentes, com os quais nunca conversaram sobre droga ou sobre o CC, pelo que imagina que os recorrentes tomaram conhecimento da conversa que ele e o DD mantiveram com o CC através do seu advogado que é também advogado daqueles.

Analisando este depoimento o que de imediato dele ressalta é a sua ambiguidade e duvidosa credibilidade.

Vejamos.

A testemunha começa por referir ter conhecido o CC em Valença no ano de 2008 (mês 8 ou 9), ocasião em que veio com ele, DD e outras duas pessoas para a cidade do Porto, cidade onde nesse dia ficou hospedado no hotel T…, sendo detido entre os dias 15, 16 ou 17, quando é certo constar do acórdão proferido no processo n.º 671/08.0JAPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto, que EE e DD se deslocaram a Portugal, concretamente ao Porto, no dia 16 de Outubro de 2008, de acordo com plano delineado por ambos, destinado a obter proventos a que sabiam não ter direito, obtidos à custa de terceiros, tendo sido detidos pela Polícia Judiciária no dia 17 de Outubro de 2008.

Por outro lado, conquanto a testemunha refira ter vindo para Portugal a acompanhar o DD que vinha fazer uso de um cartão falso para obter bens, sendo ambos trazidos para o Porto por duas pessoas conhecidas (II e JJ) e pelo CC, que ele e o DD conheceram nesse dia, afirma que no dia imediato ao da sua chegada o CC no percurso entre dois hotéis propôs ao DD a compra de 114/120 quilogramas de cocaína pelo preço de 5.000/7.000 € o quilograma.

Por outro lado, ainda, muito embora tenha conhecido os recorrentes no estabelecimento prisional, diz nunca ter conversado com eles sobre a droga ou sobre o CC, afirmando imaginar que o conhecimento que os recorrentes têm sobre a conversa mantida com o CC lhes adveio do facto de o seu advogado ser o mesmo.

Como se refere na informação prestada nos termos do artigo 454º do Código de Processo Penal, é pouco credível que o co-arguido CC tenha feito uma proposta de venda da droga nas condições em que a testemunha EE refere ter sido feita, ou seja, a pessoas praticamente desconhecidas, como se estivesse a fazer um negócio de rua, consabido que o negócio incidia sobre um contentor com 114/120 quilogramas de cocaína.

Aliás, as regras da experiência dizem-nos que um transporte internacional de 114/120 quilogramas de cocaína não se promove e efectua sem que previamente se tenha definido o destino do estupefaciente, designadamente sem que se tenha assegurado o seu escoamento ou venda. É improvável, para não dizer inverosímil, por colidir com o senso comum, que alguém promova e efectue um transporte daquela quantidade de cocaína, por conta própria, sem ter previamente assegurado o escoamento ou a venda da droga.

Tal como é improvável, por razões óbvias, que os recorrentes hajam tido conhecimento desta alegada proposta de venda da cocaína através do seu advogado.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Julho de 2004[8], não será uma indiferenciada nova prova que, por si só, terá a virtualidade para abalar a estabilidade resultante de uma decisão judicial transitada em julgado. A nova prova deverá revelar-se tão segura e (ou) relevante – seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade –, que o juízo rescindente que nela se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.

No caso vertente é evidente que a prova apresentada pelos recorrentes carece de verosimilhança e de credibilidade, pelo que é insusceptível de fundamentar o pedido de revisão formulado.

                                        *

Passando ao fundamento de revisão previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449º, fundamento introduzido pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto – provas proibidas –, observar-se-á que o texto legal não estabelece como seu requisito integrante a mera ocorrência de condenação baseada em provas proibidas. Com efeito, ao dispor que a revisão de sentença é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º, a lei estabelece como requisito, a par de condenação baseada em provas proibidas, a circunstância de esse vício só vir a ser conhecido posteriormente[9].

Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a ocorrência de condenação baseada em provas proibidas tout court.

A imposição de que o uso ou utilização e a valoração de provas proibidas só releva em matéria de revisão de sentença quando descobertos posteriormente, tem a sua justificação na excepcionalidade da revisão, na restrição grave que a mesma admite e estabelece ao princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva, ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal[10].

Na ponderação de interesses que sempre implica a resolução do conflito existente entre o valor do caso julgado e a admissibilidade de revisão de uma sentença, o legislador de 2007, possibilitando a quebra daquele perante um vício decisório resultante da utilização e valoração de provas proibidas, no entanto, entendeu limitá-la aos casos em que da ocorrência da anomia probatória só posteriormente se deu conta.

Assim, se à data da condenação já era conhecida, maxime pelo condenado, a existência de prova ou provas proibidas e, apesar disso, se formulou juízo condenatório com base nelas, em defesa do caso julgado material, da estabilidade da decisão, valor essencial do Estado de direito enquanto garante da segurança jurídica, não é admissível a revisão da respectiva sentença[11].

De outro modo estar-se-ia a transformar o instituto de revisão de sentença em outro grau de recurso, postergando totalmente, em clara e frontal violação da Constituição, o princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva.

No caso vertente certo é que todas as provas que os recorrentes consideram proibidas ou de valoração proibida, com destaque para as declarações do co-arguido CC, eram, à data do contraditório que subjaz à sentença revivenda, do seu total conhecimento, em toda a sua dimensão, natureza, forma e modo de produção e de valoração. Aliás, a questão da utilização e valoração de provas proibidas foi objecto de conhecimento pelas instâncias decisoras no decurso do processo a que se reporta a sentença revivenda, questão que ali foi colocada pelos ora recorrentes.

Destarte, também não se verifica o fundamento de revisão de sentença previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal.

                                         *

Termos em que se acorda indeferir o pedido de revisão de sentença.

Custas pelos recorrentes, fixando em 3 UC a taxa de justiça.

                                      

Lisboa, 20 de Outubro de 2011
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
Pereira Madeira



[1] - O acórdão foi objecto de impugnação para o Tribunal da Relação do Porto que, por decisão de 16 de Junho de 2010, rejeitou o recurso interposto. Como co-autor material do crime foi também condenado CC na pena de 4 anos de prisão.
[2] Posto que a causa prevista no nº 1 al. e) do art. 449 “não supõe qualquer julgamento prévio sobre a validade da prova” – Pinto de Albuquerque, obra citada, pág. 1212.
[3] - O artigo 29º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, estabelece: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
[4] - Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º.
[5] - No mesmo sentido textua a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ao estabelecer no artigo 4º do Protocolo n.º 7:
«1. Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.
2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento.
3. Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15º da Convenção» (bold nosso).
[6] - Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 07.01.10, 08.04.17, 08.11.20 e 11.03.10, proferidos nos Recursos n.ºs 4087/06, 4840/07, 1311/08 e 482/91.0GBVRM-A.S1.
[7] - É do seguinte teor o n.º 2 do artigo 453º do Código de Processo Penal:
«…
2. O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidos no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor».
[8] - Publicado na CJ (STJ), XII, II, 242.
[9] - Neste preciso sentido o acórdão deste Supremo Tribunal, relatado pelo ora relator, de 09.10.28, proferido no Processo n.º 109/94.8TBEPS-A.S1.
[10] - Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (2007), I, 497, o princípio non bis in idem, como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.
[11] - Como é evidente, nesta limitação não se pode considerar postergado qualquer direito do arguido/condenado. Aliás, noutros ordenamentos jurídicos europeus inexiste o fundamento de revisão ora previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449º do CPP, concretamente no Código de Processo Penal italiano (artigo 630º), no Código de Processo Penal francês (artigo 622º), na Legislação de Enjuiciamento Criminal espanhola (artigo 954º) e na StPÖ alemã (parágrafo 359).
Por outro lado, regra geral decorrente do instituto do caso julgado material é a de que o trânsito em julgado da decisão convalida todas as nulidades, incluindo pois a decorrente da utilização e valoração de prova proibida.