ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
994/2003.4TMBRG.S1.L1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL AGRAVO
DECISÃO PROVIDO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GABRIEL CATARINO

DESCRITORES CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
TRÂNSITO EM JULGADO
DECISÃO JUDICIAL
MODIFICAÇÃO
DIVÓRCIO LITIGIOSO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ALIMENTOS
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM

SUMÁRIO

I - O caso julgado constitui-se no dispositivo decisório. A reconstituição do iter decisório pode induzir a que tenha que se operar uma integração interpretativa do pensamento do julgador para o que se deverá reverter aos fundamentos ou à argumentação (decisiva) da decisão para daí dessumir ou completar o veredicto decisório.
II - Se o tribunal condenou além do pedido, tendo condenado de forma definitiva e não provisória, como lhe era pedido, o réu a pagar à autora/requerente (no âmbito de uma acção de divórcio litigioso) uma quantia a título de alimentos “definitivamente”, não tendo tal decisão sido impugnada, o réu tornou essa decisão definitiva e firme, apenas lhe sendo permitido, modificar ou alterar o decidido, por alteração superveniente de razões ou circunstâncias, dada a natureza do processo em que a decisão foi proferida.
III - Enquanto não for modificada aquela decisão mantém a virtualidade de decisão transitada em julgado.
IV- A decisão pode ser modificada, dado que, tendo sido proferida num procedimento cautelar, nada impedirá que, alteradas as circunstâncias, o requerente possa pedir a modificação do decidido, ainda que transitado em julgado.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

I. - Relatório.

Irresignada com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, na procedência do agravo interposto pelo Réu, AA, da decisão (despacho) que havia considerado definitivos os alimentos fixados na acção de divórcio litigioso n.º 994/003.4TMBRG, revogou “[a] decisão recorrida, tornando-se claro que a prestação de alimentos fixada na decisão proferida a fls. 130 a 136 dos autos, ocorreu ao abrigo do disposto no art. 1407º, nº7 do C. P. Civil, tratando-se, por isso, de prestação relativa a alimentos provisórios”, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça, ao amparo dos artigos 754.º e 755.º do Código Processo Civil (ofensa ou violação do caso julgado).

I.1. - Antecedentes processuais.

Para a apreciação do recurso recenseiam-se os sequentes elementos ou actos processuais.

- A Autora/recorrente instaurou, em 7 de Outubro de 2003, no Tribunal de Família e Menores de Braga, acção de divórcio litigioso contra AA, tendo pedido que fosse declarado o divórcio entre autora e réu e este declarado o único culpado, e consequentemente condenado a pagar á Autora uma indemnização de € 15.000,00, a título de danos morais;

- Concomitantemente requereu que fosse decretada a utilização da casa de morada de família “[sem] a obrigação de pagar renda ao requerido” e ainda que fosse fixada uma prestação a título de alimentos provisórios, no montante de € 350,00, nos termos do artigo 1407.º, n.º 7 do Código Processo Civil;

- Após produção de prova foi decidido, quanto aos alimentos provisórios peticionados, julgar “[parcialmente] procedente o pedido de atribuição de alimentos, condenando-se o requerido a pagar à requerente a esse título a quantia mensal de € 75,00, todos os meses, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, ao que deve acrescer as prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção” - cfr. fls. 136;

- A fls. 135, e antes da apreciação do pedido relativo à atribuição da casa de morada de família ficou escrito: “[Assim], ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de A. e R., decido fixar definitivamente,  título de alimentos devidos pelo R, à A. a quantia de € 75,00 mensais a pagar todos os meses, pelo. R. até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção”;   

- A final foi decidido julgar “[parcialmente] procedente a acção e, em consequência, decreto o divórcio entre AA e BB, com culpa principal do réu, declarando dissolvido o casamento celebrado entre ambos em 20 de Novembro de 1972.

No mais absolvo o réu do pedido.

Julgo improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo a autora dos pedidos.”       

- Da decisão referida no item anterior foi interposta apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que manteve a decisão, tendo a decisão transitado em julgado;

- O réu procedeu ao pagamento da prestação alimentar até ao momento do trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio, tendo deixado de pagar a partir desse momento;

- No processo n.º 994/03.4TMBRG-D foi ordenada a penhora da pensão a ser paga pela segurança Social ao réu até perfazer o montante de € 4.406,84;

- Em requerimento dirigido ao Tribunal De Família e Menores de Braga réu requereu informação sobre “[se] face à não pronúncia da sentença que decreta o divórcio, se consideram convertidos os alimentos fixados provisoriamente, ou se, à contrario os mesmo não eram devidos a devidos a partir da data em que a referida sentença foi decretada e transitada em julgado.”     

- Em despacho datado de 08-07-2010, o tribunal de família e Menores de Braga decidiu que “Se alguma dúvida poderia subsistir quanto à natureza provisória ou definitiva dos alimentos fixados à autora nos presentes autos, tal dúvida, desvanece-se com a clareza de redacção da parte final da fundamentação da fixação de tais alimentos (fls. 135, 1º parágrafo).

Essa sentença não foi objecto de recurso e foi tão claramente entendida pelas partes que nunca, desde 15-7-2004 até 10-5-2010, alguma suscitou qualquer dúvida de interpretação da mesma.

Assim, atenta a clareza da sentença extemporaneamente posta em crise, indefere-se o requerido”. 

- Foi deste despacho que o réu agravou para o Tribunal da Relação de Guimarães que por acórdão de 29 de março de 2011 decidiu “[dar] provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, tornando-se claro que a prestação de alimentos fixada na decisão proferida a fls. 130 a 136 dos autos, ocorreu ao abrigo do disposto no art. 1407º, nº7 do C. P. Civil, tratando-se, por isso, de prestação relativa a alimentos provisórios.

I.2. - Quadro conclusivo.

Para a alteração do julgado que impetra, dessumiu a recorrente o acervo conclusivo que a seguir se extracta:

1.ª Trata-se aqui de decidir se a parte da sentença onde se refere “Assim, ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de autora e réu, decido fixar definitivamente a titulo de alimentos devidos pelo réu à autora, a quantia de € 75,00 mensais, a pagar todos os meses, pelo réu, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços ao consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção” faz parte da fundamentação ou é já parte decisória.

 2.ª. Considera a recorrente que é decisória porque aí se inclui, já não os motivos, mas a conclusão onde expressamente se diz que se decide.

3.ª. E tal decisão foi querida pelo juiz que a pronunciou, pois que se assim não fosse nenhuma razão teria para dizer que os alimentos eram fixados como definitivos.

4.ª. Pelo que, com o devido respeito, é como definitivos que devem ter-se por fixados os alimentos, porque transitou em julgado a sentença, já que da mesma não foi interposto recurso.

5.ª. Pelo que o douto acórdão recorrido ao decidir assim, está claramente a cometer um · erro de julgamento.

6.ª. No entanto, mesmo que assim não entenda o douto tribunal ainda assim o douto acórdão recorrido ao considerar que são alimentos provisórios fixados em resultado de providência cautelar, e que esta morre com o trânsito em julgado da acção de divórcio, cessando o direito a alimentos, peca por estar em contradição com o que fez constar da fundamentação, isto é, ao considerar que o artigo 1407.º, n.º 7 do CPC consagra uma providência cautelar de carácter especialíssimo.

7ª. Na verdade, há diferenças significativas entre a providência cautelar de alimentos provisórios prevista no artigo 1407.º, n.º 7 e a regulada nos artigos 388 a 392, todos do Código de Processo Civil.

8.ª. Com efeito, a providência cautelar de alimentos provisórios estabelecida no artigo . 1407 n. 7 é julgada segundo critério de conveniência e, ao contrário do que sucede quanto às providências cautelares comuns (cf. artigos 384 e 382 n. 1 alínea a), do Código de Processo Civil) essa providência não requer a propositura de uma acção cujo objecto seja o próprio direito acautelado (cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de Iode Março de 1978, na Colectânea Jurisprudência, ano 1978, página 431).

9.ª E ainda com a nuance de, com o devido respeito, contrariamente ao julgado no acórdão recorrido, o facto de os alimentos perdurarem enquanto não forem fixados em acção de alimentos definitivos ou declarada a cessação da obrigação de alimentos por impossibilidade do obrigado ou desnecessidade da aqui recorrente.

10.ª. Sendo certo que a lei não fixa prazo para intentar a acção de alimentos definitivos.

11.ª E embora o dito acórdão o não refira expressamente na decisão, mas tão só na fundamentação, que os alimentos fixados tinham carácter provisório, e que se esgotaram ‘ os alimentos provisórios fixados com o trânsito em julgado da sentença do divórcio, face ao aduzido nas anteriores conclusões o douto acórdão viola o disposto no artigo 1407.º do CPC.”

Das contra-alegações produzidas pelo agravado extractam-se as sequentes conclusões:

A. A Agravante, requer que o Acórdão proferido seja substituído por outro em que seja declarado que os alimentos fixados na acção de divórcio são definitivos, porque transitou em julgado a decisão, sendo sempre devidos enquanto não for intentada e julgada a acção de alimentos definitivos, ou declarada cessada a obrigação por impossibilidade do recorrido ou por desnecessidade da Agravante.

B. No entanto carece de fundamento o alegado e pretendido por aquela,

C. Desde logo porque não faz qualquer sentido ‘que o ora Agravado esteja ad eternum a aguardar, após o trânsito em julgado da decisão do processo de divórcio e partindo do principio que as condições se manteriam, que a Agravante intentasse acção para fixação de alimentos definitivos,

D. Pois tal situação causaria uma brutal violação da segurança do ora Agravado, sendo de igual modo desproporcional e violadora dos princípios da boa fé, porquanto,

E. A ora Agravante, uma vez que já possuía fixada pensão de alimentos na acção de divórcio, a qual, segundo esta só perderia eficácia com o trânsito em julgado da acção principal para fixação de alimentos provisórios, então nenhum interesse teria em intentar a acção principal, pois o seu interesse se encontraria acautelado – direito a alimentos – e sempre correria o risco de na acção principal os mesmos não lhe serem atribuídos.

F. Assim não possui qualquer fundamento, salvo melhor opinião, e porque violadora dos mais elementares princípios da boa fé a i1tençâo e pretensão da ora Agravante.

G. O ora Agravado pugna pela manutenção do Acórdão recorrido,

H. O qual se encontra em consonância com inúmeros arestas em igual sentido,

I. E a qual o ora Agravado defende, uma vez que,

J. O artigo 1407° do CPC diz que u em qualquer altura do processo o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de algumas das partes, e se o considerar conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto á regulação do poder paternal dos filhos, quanto á utilização da casa de morada de família …. “ (negrito nosso)

K. Ou seja prevê a possibilidade de se enxertar, na acção de divorcio um pedido de alimentos, o qual se trata ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE de uma providência cautelar, apensa ao processo principal, ou seja, processo de divórcio.

L. “Morrendo” o processo de divórcio, sempre morrerá, por inerência a providência de alimentos, e como tal não faz sentido que os mesmos se mantenham a ser devidos.

M. É pacifico que o cônjuge carecido de alimentos possa, em qualquer altura do processo, pedir a atribuição de alimentos provisórios a cargo do outro cônjuge, no entanto não deixa de lançar mão de um meio cautelar. R

N. “Ainda que não sejam formalmente inseridos no catálogo dos procedimentos cautelares, existem na nossa ordem jurídica outros mecanismos processuais que prosseguem idêntico objectivo, qual seja o de assegurar, sem delongas, os meios necessários a enfrentar as necessidades vitais do interessado. O incidente regulado pelo artigo 1407.º, n.º 7 do Código Processo Civil é disso exemplo paradigmático, pois permite a fixação de um regime provisório de alimentos em beneficio do cônjuge ou dos filhos no âmbito da acção de divórcio litigioso, sob a iniciativa do interessado ou por intervenção oficiosa do Juiz, quando o circunstancialismo revelado aconselhar essa regulação interna de interesses conexos com as relações postas em crise”

O.- pelo exposto e salvo melhor opinião em contrário carece de fundamento a posição da ora agravante no sentido de que os alimentos fixados perduram porquanto os alimentos atribuídos ao abrigo do art. 1407.º do CPC caducam com o trânsito em julgado da acção de divórcio.

P.- Salvo melhor opinião, necessária e legitimamente, o agravado pugna pela manutenção do acórdão recorrido;

Q. - Ou seja, já se encontra caducado o direito a alimentos (PROVISÓRIOS) da agravante, pois, não podem ser considerados definitivamente fixados alimentos a favor da Agravante pois os mesmos esgotam-se com o trânsito em julgado da sentença que decreta o divórcio;

R. - Sendo que para fixação definitiva será necessário a Agravante interpor acção própria.

S. - Neste sentido os arestos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-10-2002, Col. Jur. 2001, 5.º, 90; Ac. Supremo Tribunal Justiça de 12-11-1991; BMJ; 411.º,569.

I.3. - Questões a ser objecto de apreciação.

Em face dos fundamentos do recurso têm-se por pertinente as sequentes questões:

- Caso Julgado. Limites Objectivos.

II. - FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – De Facto.

Para além do que supra ficou consignado para efeitos dos antecedentes a considerar, o tribunal da Relação de Guimarães deu como relevantes para a decisão que proferiu a sequente facticidade:

“1º - Na acção de divórcio litigioso que instaurou, requereu a autora BB, para além do mais, que, nos termos do disposto no art. 1407º, n.º7 do C. P. Civil, lhe fosse fixada uma prestação de alimentos provisórios, no montante de € 350,00 mensais a cargo do réu AA;

2º- Na sequência de requerimento apresentado pela autora, reiterando pelo carácter urgente da providência cautelar requerida (cfr. fls. 85), procedeu-se à inquirição de testemunhas (cfr. fls. 85 e 124 a 126 dos autos).

3º- Em 15.07.2004, foi proferida decisão, que, no que respeita aos alimentos, julgou “parcialmente procedente o pedido de atribuição de alimentos, condenando-se o requerido a pagar à requerente a esse título a quantia mensal de € 75,00, todos os meses, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, ao que deve acrescer as prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção” (cfr. fls. 136);

4º - Na fundamentação desta apelidada “sentença”, já transitada em julgado, escreveu-se, a fls. 135, o seguinte: “Assim, ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de autora e réu, decido fixar definitivamente a título de alimentos devidos pelo réu à autora a quantia de € 75,00 mensais, a pagar todos os meses, pelo réu, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção”.

II.B. – De direito.

II.B.1. – Caso Julgado. Limites Objectivos.

Os autores soem definir o caso julgado material como “[a] vinculação que produzem determinados resoluções judiciais firmes, normalmente as sentenças sobre o fundo, que se concretiza no dever que incumbe ao órgão jurisdicional que conhece de um novo processo de se abster de ditar uma nova resolução sobre o fundo da questão litigiosa, quando esta seja idêntica á que já foi decidida na resolução em que se produzia o caso julgado (efeito negativo ou excludente); ou, no dever de ater-se ao que resulte desta e tomá-la como pressuposto da sua decisão, quando se apresente como condicionante ou prejudicial da questão que constitui o objecto do novo processo (efeito positivo ou prejudicial)”. [[1]]      

Com ou através da constituição do caso julgado pretende-se prover à certeza e à paz jurídica. “Estas exigências necessitam de um vínculo que impeça: 1) que uma controvérsia se prolongue até ao infinito; 2) que se torne a instaurar uma segunda causa sobre uma matéria já decidida em via definitiva num órgão judicial; 3) que se produzam decisões e sentenças contraditórias ou se verifique uma injusta e irracional reiteração de sentença de conteúdo idêntico no confronto das mesmas partes” (tradução nossa). [[2]]

Apartando-nos do tratamento do caso julgado nos processos ordinários ou comuns, o caso que nos ocupa atinar com um processo de características sumárias ou de procedimento provisório, atiraremos a nossa atenção e análise para as situações em que sobre um pedido de feição provisória o tribunal emitiu uma resolução ou decisão. Vale por perguntar qual o valor vinculativo e respectivo âmbito processual, objectivo e subjectivo, de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional num processo de natureza provisória ou cujo fim se confina a acudir a uma situação de prevenção, preservação e/ou manutenção de uma direito que se prefigura, ao respectivo titular, como estando a ser objecto de ameaça ou de possibilidade de vir a perigar a sua integridade material.

Tratando, especificamente, desta temática, o processualista espanhol Andrés de la Oliva dos Santos estima não ser possível, ainda que refira existirem autores que sustentam tese contrária, formar-se caso julgado material (giudicato sostanziale) relativamente às decisões proferidas ou “emanate di misure cautelare”.   

Procurando justificar e sustentar a posição que defende, este Professor escreve “[em] nosso aviso, malgrado (per quanta) a importância prática que se reconheça e se atribua a tais medidas, a sua natureza essencialmente instrumental relativamente à efectividade da futura sentença sobre o mérito (ou decisão de conteúdo análogo) e, sobretudo, a sua consubstancial provisoriedade, conduzem a negar a eficácia de caso julgado material “giudicato sostanziale” (ou formal, com efeitos limitados ao procedimento, não apresenta inconvenientes) às decisões judiciais que disponham da adopção de um medida cautelar ou que rejeitem a instância relativa (o che rigettano la relativa instanza)” (tradução nossa).

“Não se trata só pelo facto de que tais medidas disponham (vengono disposte) sobre uma base de um fummus boni juris e, portanto, não contenham qualquer pronunciamento (accertamento), ainda que revogável, de direito e situação substancial. Nem se mostra decisivo que reentre na essência destas medidas a sua modificabilidade, de ordinário a instâncias das partes, desde que se alterem determinadas circunstâncias, concernentes ao periculum in mora e até o próprio fumus boni iuris”.     

“Ainda que tais características sejam provadas de importância, o factor determinante no sentido de negar eficácia de caso julgado material (giudicato sostanziale) ás decisões emanadas em matéria cautelar e se venham a tornar não impugnáveis reside na própria natureza da pretensão cautelar conjugada com a função da coisa julgada material “cosa giudicata sostanziale), seja a negativa ou excludente seja a positiva ou prejudicial. [[3]] “Por um lado a, a pretensão cautelar é essencialmente subordinada a uma principal. Pois que a medida cautelar deve ser alegada e proporcionada à pretensão principal, a qual, por sua vez determina o objecto do processo, objecto que influi sobre a medida cautelar; todavia, a medida cautelar não influiu sobre o objecto do processo, que não varia segundo o facto de uma instância cautelar seja ou não proposta, nem em razão do facto de que o juiz a acolha ou rejeite. Se bem que a coisa julgada não compreenda exactamente a mesma coisa que deve ser julgada (ou seja, se bem que a res judicata não possua o mesmo âmbito da res judicanda, pois que esta se determina sobre a base (scorta) do objecto efectivo do processo e aquela sobre a base do objecto virtual), não sobra dúvida da subsistência de uma relação muito estreita entre o âmbito do julgado e o do objecto do processo: A pretensão cautelar jamais foi considerada determinante ou influente relativamente à configuração do objecto do processo, no significado unanimemente atribuído a este conceito na doutrina (…). Tal pretensão representa tão só o objecto do procedimento destinado à adopção de uma medida cautelar (…)”.

Acresce, refere o mesmo autor, como aspecto de preeminente importância, que “se a autoridade do caso julgado consiste na eficácia vinculante, que opera quer como ne bis in idem, excluindo o desenvolvimento de uma segunda causa e, quanto menos, a emanação de uma segunda sentença sobre o mesmo objecto, quer no sentido positivo, a fim de que num processo posterior se tenha em conta o julgado e se respeite, não se logra compreender qual o papel possa desempenhar a coisa julgada em matéria cautelar”. [[4]]

No mesmo sentido colocar-se Sonia Calaza López quando afirma que “neste sentido, tanto a eficácia do caso julgado material (cosa juzgada material), reconhecida por certos autores, ás resoluções processuais interlocutórias - assim como, com maior razão, as que, a seu tempo sejam definitivas e firmes - ou, no seu caso, às medidas cautelares  - como a do caso julgado formal, predicável deste tipo de resoluções, advertida, sem embargo, por outro autores, entre os que me encontro - requer, com efeito uma estabilidade, se bem que esta estabilidade está chamada a operar tão só no marco do procedimento, não produzindo, desde logo, no âmbito dum posterior “enjuiciamiento” contrariedade, incoerência ou incompatibilidade substancial alguma, sempre que o objecto litigioso do processo posterior, por ser divergente, não já, como é lógico, da viabilidade ou admissibilidade do procedimento anterior, mas sim, em propriedade, do seu objecto - dado que se fosse idêntico, não poderia ventilar-se, devido à “poscripción” do ne bis in idem - não se verá, de forma nenhuma, afectado pela resolução processual ou cautelar anterior”. [[5]]       

Questão que igualmente poderia suscitar alguma controvérsia poder-se-ia colocar quanto ao valor do caso julgado material que se formaria nos casos em que o órgão jurisdicional, maxime o julgador, possa ter incorrido em erro de julgamento ou em erro ou desvio no conhecimento do âmbito do direito que constitui objecto da pretensão involucrada no procedimento cautelar.       

A autora citada em último lugar refere que ““[ante] a eventualidade de que o Juiz conhecera, num processo sumário, de maneira imprópria, da totalidade da relação jurídico-material e não da limitada cognitio sobre certos aspectos controvertidos daquela relação, que este tipo de processos estão destinados a solver, então, tal como advertiu a doutrina, com apoio na jurisprudência, parece evidente que existirá plena caso julgada e, portanto, não poderá estabelecer-se, posteriormente, processo declarativo algum, pese a origem da sentencia de um processo sumario. Isto é o que acontece, além do mais, nos casos de incongruência, nos quais o Juiz se pronuncia sobre algo não pretendido pelo solicitante da tutela no caso concreto. Resulta evidente, pese o erro cometido, que a resolução que se pronuncia sobre o não debatido, como consequência de sua ausência de solicitude nos casos de incongruência, assim como de limitação da cognição, nos processos sumários, por não se solver (solventarse) através dos recursos legalmente previstos, deva, pese isso, passar em autoridade de coisa julgada, pois a solução contraria comportaria, tal como se analisará mais adiante, um grave quebranto da segurança jurídica.” [[6]]

O caso julgado constitui-se no dispositivo decisório. A reconstituição do iter decisório pode induzir a que tenha que se operar uma integração interpretativa do pensamento do julgador para o que se deverá reverter aos fundamentos ou à argumentação (decisiva) da decisão para daí dessumir ou completar o veredicto decisório. [[7]] Vale por dizer que, quando o intérprete tenha que recorrer á parte motivadora da decisão, é porque a decisão não se constitui como conclusão lídima e escorreita da parte fundamentadora e esta deverá servir como meio ancilar e integrador do pensamento do decisor. A motivação constitui-se, assim, como meio determinante e validante da formação decisória, podendo ancorar de forma decisiva a reconstituição do veredicto do tribunal e o alcance objectivo do caso julgado.

Revertendo ao caso que nos ocupa.

Na apelidada “sentença” constante de fls. 130 a 136 anunciou-se a existência de duas questões, para além do pedido principal, a saber a atribuição da casa de morada de família e “a fixação de uma pensão de alimentos” (sic). Depois de ter descrito as diligências efectuadas no processo, forma fixados os factos provados, e não provados a fornecida a respectiva motivação – cfr. fls. 131 a 133.

Após tomou o tribunal conhecimento “Quanto aos alimentos”, tendo no final deste troço da decisão decidido - cfr. fls. 135 - que “assim ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de A. e R, decido fixar definitivamente a titulo de alimentos devidos pelo A. à R. a quantia de € 75,00 mensais a pagar todos os meses, pelo R. até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano, actualizado todos os anos, de acordo com o índice de preços ao consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção”.

Após conhecimento do pedido relativo à casa de morada de família – em que foi decidido não a atribuir – o tribunal fixou a “Decisão”, “[nos] termos expostos, julgo parcialmente procedente o pedido de atribuição de alimentos, condenando-se o requerido a pagar à requerente a esse titulo a quantia mensal de € 75,00, todos os meses até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de janeiro de cada ano, actualizado todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, ao que deve acrescer as prestações em divida desde a data da propositura da presente acção”.                     

Parece resultar inequívoco que o tribunal conheceu para além do pedido, pois que da reconstituição do conteúdo decisório, o tribunal condenou, de forma definitiva e não provisória, como lhe era pedido, o Réu a pagar à Autora/requerente uma quantia a titulo de alimentos “definitivamente”. A condenação proferida, ainda que desviada do pedido e da função do incidente enxertado na acção de divórcio, foi notificada aos intervenientes e não foi impugnada, pelo que se tornou invariável, irrevogável e firme, não só dentro do processo, como interpartes. Os sujeitos processuais destinatários da decisão, ao não terem reagido, tornaram a decisão formalmente firme e com carácter vinculativo, quanto aos termos exactos em que foi proferida e com o alcance que fixou.

Não tendo impugnado a decisão que, tendo conhecido para além do pedido, condenou o Réu definitivamente a pagar à Autora a quantia de € 75,00, o Réu tornou a decisão definitiva e firme, apenas lhe sendo permitido, neste momento, modificar ou alterar o decidido, por alteração superveniente de razões ou circunstâncias, dada a natureza do processo em que a decisão foi proferida. Enquanto não for modificada, a decisão proferida mantém a virtualidade de decisão transitada em julgado. Dizemos que a decisão poderá ser modificada, dado que tendo sido proferida num procedimento cautelar, nada impedirá, de acordo, com o ensinamento de Sónia Calaza López, nada impedirá que neste tipo de procedimentos, e alteradas as circunstâncias, o requerente possa pedir a modificação do decidido, ainda que tendo-se criado trânsito em julgado material.

III. - DECISÃO.

Na defluência do exposto acordam os Juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder provimento ao recurso, e consequentemente, revogar a decisão proferida no Tribunal da Relação de Guimarães, manter a decisão objecto do agravo, proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Braga.

- Condenar o recorrido nas custas respectivas.

                             

 Lisboa, 20 de Outubro de 2011

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Povoas

 Moreira Alves

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[1] Cfr. Grande Seara, Pablo, in “La Extensión Subjetiva de la cosa juzgada en Processo Civil”, Tirant lo Blach, Valência, 2008, pág. 47.  
[2] Cfr. De la Oliva dos Santos, Andrés, in “Oggetto del Processo Civile e Cosa Giudicata”, Giuffrè Editore, Milão, 2009, 116-118. 
[3] Sobre as funções ou efeito negativo ou excludente e positivo ou prejudicial do caso julgado material “la cosa juzgada material”, com mais profundidade, veja-se Grande Seara, Pablo, in op. loc. cit., págs. 81 a 103. 
[4] De la Oliva dos Santos, Andrés, in op. loc. cit., pág. 141-142. 
[5] Cfr. Sónia Calaza López, in “La cosa Juzgada”, La ley, Temas, Madrid, 2009, pág. 25. ““(…) resulta evidente, tal como teve ocasião de manifestar a doutrina, que todas as sentenças, incluídas as ditadas nos processos sumários, produzem efeitos prejudiciais, donde se infere que o efeito negativo do caso julgado material, das sentenças ditadas neste tipo de processos, queda limitada ao restringido âmbito da sua cognoscibilidade, no entanto o efeito positivo opera, sem embargo, dentro deste reduzido conhecimento, em toda a sua amplitude, como condicionante lógico e prejudicial do conteúdo de futuras resoluções sobre o objeto conexo entre as mesmas partes pelo fundamento do processo ulterior correspondente”. Op. loc. cit. pág 117. Mais adiante - cfr. pág. 154 - escreve lapidarmente esta Professora: “Las resoluciones judiciales que se pronuncian sobre las medidas cautelares no gozarán, por tanto, a nuestro juicio, sde los efectos de la cosa juzgada material, y ello muy a pesar de las consideraciones aludidas, que, sin embargo, abogarían por adoptar una solucíon contraria - como lo son, se recuerda, de um lado, la anticipación del resultado material del litigio, que comporta su adopción, y, especialmente, de outro, la abierta posibilidad, reconocida al juez, de alterar o modificar la medida previamente adoptada, como consecuencia del conocimientoo, em su caso, del surgimineto de ulteriores circunstancias que así lo aconsejen, posibilidad esta totalmente proscrita, em el marco de resolución judicial de questiones procesales, afectadas por la cosa juzgada formal, por cuanto supondría, para el juez, volver, en un estádio sucessivo del mismo proceso, “contra sus próprias decisiones”.        
[6] Calaza López, Sónia, in op. loc.cit. pág. 119.
[7] Cfr. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, com a colaboração de Antunes Varela, nova edição, revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1976, 317 e Remédio Marques, in “Acção de Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2007, 452