ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
23/08.1PECTB-A.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/09/2011
SECÇÃO 3.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO DE REVISÃO
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SANTOS CABRAL

DESCRITORES RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
NOVOS FACTOS
FACTOS SUPERVENIENTES

SUMÁRIO

I - A necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma leva o legislador à consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto, uma severa limitação ao princípio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado.
II - No caso vertente, não estão em causa factos novos, e não apreciados em sede de audiência de julgamento, mas sim circunstâncias da vida do arguido reveladoras da oportunidade de uma pena suspensa na sua execução que, tendo sido decidida em 1.ª instância, foi revogada no Tribunal da Relação, com posterior confirmação pelo STJ.
III - A superveniência objectiva dos novos factos revela uma sentença ab initio justa e correcta, mas que, devido às novas circunstâncias, se tornou injusta. O juiz não errou, tinha todos os elementos imprescindíveis à decisão da causa e tomou-a no quadro do direito processual e material vigente. A quebra do caso julgado denuncia aqui a precariedade da justiça, só pode ser ditada por razões políticas (art. 29.º, n.º 4, da CRP) e deve ser encarada com muita cautela. O seu reconhecimento generalizado significa a submissão do caso julgado à cláusula rebus sic standibus e, em consequência, o indesejável enfraquecimento da certeza e da segurança jurídica do justo.
IV - Uma coisa é a obrigação constitucional de corrigir o erro judiciário pretérito (art. 29.º, n.º 6, da CRP), outra bem diferente é a possibilidade de adequar uma sentença ao sentimento de justiça coevo.
V - No caso em apreço, não estão em causa factos que devendo ser apurados efectivamente não o foram. O que o recorrente pretende com os denominados novos factos que apresenta é corroborar, com acontecimentos posteriores à audiência de julgamento, aquela que foi a decisão de 1.ª instância. Não está em causa a justiça da decisão proferida, mas sim uma discordância em relação às decisões de recurso, corroborada por factos que são posteriores à decisão revidenda.
VI - Entende-se, assim, que não estamos perante novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                                  Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, arguido a cumprir pena de prisão à ordem dos presentes autos, à margem indicado, nele melhor identificado, vem interpor recurso extraordinário de revisão, do acórdão proferido nos presentes autos, onde foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21° n° 1 do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, sob o regime da prova, por 5 anos, sendo a mesma alterada em sede de recurso, no Tribunal da Relação de Coimbra, numa pena de 5 anos de prisão efectiva, a qual, também foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, também em sede de recurso. São as seguintes as razões que o requerente invoca em abono do seu pedido:

1.         O arguido, no processo (Comum Colectivo) n° 23/08.1PECTB, 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco,

2.         foi aí condenado por Acórdão aí proferido, a 15/07/2009, pelo crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21° n° 1 do Decreto-Lei n° 15/93, 22 de Janeiro, numa pena de 5 anos de prisão, suspensa a sua execução, sob o regime da prova, por 5 anos.

3.         Inconformado, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público recorreu parcialmente do Acórdão proferido a 15/07/2009, para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, na parte em que o Tribunal de Ia instância (Castelo Branco) decidiu suspender a execução da pena de prisão, por 5 anos, sujeita ao regime da prova,

4.         Propugnando pois o Digníssimo Magistrado do Ministério Público que o arguido devia cumprir a efectivação da pena de 5 anos de prisão.

5.         O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, como Tribunal de Recurso (2a Instância), processo este que correu os seus termos como processo n° 23/08.1PECTB.C1, 4a Secção (Recurso Penal), apreciou o recurso interposto pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público,

6.         e decidiu dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte atinente à suspensão da pena decretada, ordenando-se o seu cumprimento efectivo.

7.         O arguido ora recorrente, inconformado, com a decisão (Acórdão) proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, interpôs por sua vez recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.

8.         O Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de recurso (3a instância), apreciou e julgou o recurso do arguido, correndo os seus trâmites como processo n° 23/08.1PECTB.C1.S1, 5a Secção (Recurso Penal) e decidiu,

9.         Não dar provimento, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, confirmando a decisão recorrida (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra).

10.       A decisão (Acórdão) do Supremo Tribunal de Justiça em apreço, já transitou em julgado.

11.       Neste presente momento, em consequência de tal decisão, o arguido encontra-se a cumprir a pena efectiva de prisão de 5 anos, no Estabelecimento Prisional de Lisboa.

12.       Entretanto, surgiram novos factos, que por si ou combinados com os que foram apreciados, julgados, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação (alterada pelos Tribunais Superiores nos termos sobreditos),

13.       Factos esses novos, no que diz respeito à aplicação dos pressupostos do artigo 50° do Código Penal,

14.       Nomeadamente o pressuposto da conduta do arguido posterior ao crime e o pressuposto de a simples censura do facto e a ameaça de prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;

15.       Com efeito, o tempo veio dar razão ao Acórdão proferido a 15/07/2009, pelo Colectivo do Tribunal de Ia instância, i.e., na redacção original, ou seja,

16.       Existe em relação ao arguido um juízo de prognose favorável e no seu comportamento futuro, sendo tal circunstância confirmada com os novos meios de prova (documental e testemunhal) que entretanto surgiram.

17.       Os novos meios de prova (Does. 7 a 19 e prova testemunhal), conjugados com factos anteriormente apresentados (Does. 1 a 6), confirmam que o arguido se encontra completamente inserido, integrado na sociedade (meio familiar, profissional, e social - meio/local onde vive).

18.       Estes factos são posteriores ao Acórdão já transitado em julgado, supra.

19.       Estes novos meios de prova, suscitam graves dúvidas, sérias suspeitas sobre a justiça da condenação do ora recorrente na parte em que foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão por 5 anos, relativamente à pena de prisão de 5 anos pelo crime de tráfico de estupefacientes (cfr. artigo 449° n° 1 a 1- d) do CPP).

20.       Pelo que o arguido, tendo em conta estes novos meios de prova/novos factos, vem requerer ao Supremo Tribunal de Justiça a revisão do Acórdão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão por 5 anos,

21.       Repondo a decisão proferida pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, proferida a 15/07/2009, tudo com as legais consequências.

Termina pedindo ao Supremo Tribunal de Justiça a (re)valoração dos fins das penas previstas na lei, tendo em conta as novas circunstâncias e novos meios de prova, novos factos que não foram então apreciados pelo mesmo Supremo Tribunal. Mais solicita a consequente revogação do acórdão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão e substituindo-o por outro que determine a reposição do Acórdão proferido na 1ª instância.

Indica prova documental bem como requer a inquirição de testemunhas

Respondeu o Ministério Publico advogando a improcedência do presente recurso e formulando as seguintes conclusões:

1ª - Vem o presente recurso interposto por AA do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2011» de fls. 104 a 117, que o condenou, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de trafico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.°, do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena efectiva de 5 (cinco) anos de prisão, Acórdão esse, que confirmou, na sua Integra a pena aplicada ao arguido, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Julho de 2010, junto aos autos a fls. 89 a 103.

2" - O recorrente pretende apenas e tão só, que ao Invés de continuar a cumprir a pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada pelo douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra referido, a mesma venha a ser suspensa na sua execução, na esteira da decisão proferida pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Castelo Branco em 15 de Julho do 2009.

3ª - Deve pois, o presente recurso extraordinário de revisão ser considerado improcedente, nos termos do disposto no artigo 449.°, n.° 3, do Código de Processo Penal

4ª - Ao terem-se admitido testemunhas quo não haviam sido anteriormente ouvidas no âmbito do presente processo, sem que o recorrente nada dissesse quer quanto ao (acto de eventualmente ignorar a existência dessas testemunhas agora por si Indicadas, ao tempo da decisão, ou antes, que as mesmas estivessem Impossibilitadas de depor, violou o meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que admitiu o presente recurso, o disposto no artigo 453.° n,° 2, do Código de Processo Penal.

5* - O presente recurso não devia ter sido admitido peio Tribunal a quo, porque o mesmo devia ter sido apresentado directamente no Supremo Tribunal do Justiça, porque é o douto Acórdão proferido por esse Tribunal que o recorrente pretende que soja revisto, nos termos do disposto no artigo 451º n.° 1, do Código de Processo Penal.

6" - Por tudo quanto se encontra exposto, deve ser considerado manifestamente improcedente o presente recurso extraordinário de revisão, uma vez quo o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2011, de fls, 104 a 117, procedeu ao correcto e criterioso enquadramento Jurídico-legal da matéria de facto ali dada como provada e, consequentemente, não violou, interpretou ou aplicou qualquer norma legal em desconformidade com o Ordenamento Jurídico-legal, devendo ser Integralmente mantido» sendo o mesmo insusceptível de ser revisto nos moldes pretendidos pelo recorrente.

Neste Supremo tribunal o Exº Mº Sr.Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                Os autos tiveram os vistos legais.

                                             Cumpre decidir

I

-Conforme já tivemos ocasião de referir (vide, por todos decisão proferida no recurso 543/08) dispõe o nº 6 do artigo 29.° da Constituição, os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

Uma decomposição do normativo revela o facto de o mesmo pretender atingir o equilíbrio entre dois conceitos caros ao processo penal: -por um lado o direito a uma decisão justa, que faz parte do património de qualquer cidadão, e, por outro, a necessidade de revestir a mesma decisão judicial da estabilidade que conforta a certeza e segurança da definição jurídica e social.

Por alguma forma Figueiredo Dias nos dá noticia da necessidade de superação desta antinomia referindo que a justiça é, por certo, fim do processo penal, no sentido de que este não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça. Isto não obsta, porém, a que institutos como o do «caso julgado», ou mesmo princípios como “o in dubio pro reo”, indiscutivel­mente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações e absolvições materialmente injustas. Continuar a afirmar, perante hipóteses destas, que a justiça foi, em absoluto, fim do processo penal respectivo, pode ser, ainda, ideal e teoreticamente justificável- v. g. porque se argumente que as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo», quando este se lança no contexto amplo de todos os interesses sociais conflituantes -, mas é também, segura­mente, renunciar à obtenção de um critério prático adequado de valoração das normas e problemas processuais.

Mais adianta o mesmo mestre que também a segurança é fim do processo penal O que não impede que institutos como o do «recurso de revisão» contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania aos puros valores da «justiça» e da «segurança», não cedendo à tentação fácil de os absolutizar: é um facto compro­vado nada haver de mais perigoso que a absolutização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a ten­dência irresistível para uma santificação dos meios pelos fins.

Importa sim reconhecer que se está aqui, como em toda a autêntica «questão-de-direito», mesmo no cerne de uma ponderação de valores conflituantes, cujo resultado há-de corresponder ao ordenamento axiológico do Direito, há-de constituir a síntese das antinomias entre justiça e segurança encontrada no degrau mais elevado da ordem jurídica. De novo, porém, surge a pergunta: como tirar desta verificação um critério prático prestável para a valoração das singulares normas e problemas processuais?

Se persistirmos em traduzir numa fórmula o resultado da ponderação de valores que no processo penal conflituam, cremos que, com razoável exactidão, poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessaria­mente existe «antes» e «fora» daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável.

Esta necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma que leva o legislador á consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto uma severa limitação ao principio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, como se referiu só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado por forma a que este recurso extraordinário não se revele numa apelação “disfarçada”

Como refere o acórdão 376/2000 do Tribunal Constitucional trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito, consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior, e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado, e servido, as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é; os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (cf. artigo 460º do CPP), tal como, nos casos em que for admitida a revisão de despacho que tiver posto ao processo, o Supremo Tribunal de Justiça declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga, obviamente que no tribunal a quo (artigo 465º).

Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva ao ponto de banalizar e, consequentemente, desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endo-processual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação.

II

É, assim, dentro deste enquadramento, que, no caso vertente, se devem perspectivar os fundamentos do recurso de revisão, ou seja, a circunstância de os mesmos configurarem uma ultrapassagem da certeza e segurança inscritas no princípio do caso julgado a qual só admissível em função da comprovação uma situação prevista no normativo citado.A revisão visa, não uma reapreciação do anterior julgado, mas sim uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, com base em novos dados de facto. Versa sobre a questão de facto.

Os fundamentos taxativos deste recurso extraordinário vêm enunciados no artigo 449º do Código de Processo Penal e são apenas estes:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126°;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça

No caso concreto refere-se, no essencial, que «Os factos e circunstâncias à conduta do arguido após a prática do crime, através da prova documental (19 documentos) e prova testemunhal ( 18 testemunhas), pelo qual foi condenado, são circunstâncias e factos posteriores à Sentença (Acórdão em 1 a instância), relativamente à conduta do arguido após o dia 15/07/2009, os quais conjugados com os que foram produzidos em sede de audiência de julgamento, confirmam que a decisão proferida pelo Colectivo do tribunal Judicial de Castelo Branco, produziu os efeitos pretendidos, i. e., reintegrar e ressocializar o arguido na sociedade, afastando-o da marginalidade, ou seja, a conduta posterior ao crime é de concluir que a simples censura do facto e a ameaçada prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora estas novas provas (documental e testemunhal), levarão a que ao ora recorrente não tivesse sido revogada a suspensão de 5 anos da execução da pena de prisão, pelo que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação ... ».

A descrição de tal factualidade, na sua relevância para a procedência do recurso de revisão, implica a consideração de que não estão em causa factos novos, e não apreciados em sede de audiência de julgamento, mas sim circunstâncias da vida do arguido reveladoras da oportunidade de uma pena suspensa na sua execução que, tendo sido decidida em primeira instância, foi revogada no Tribunal da Relação com posterior confirmação pelo Supremo Tribuna de Justiça.

Assim sendo a questão que se coloca é a de  determinar se os factos ora suscitados  se podem enquadrar no conceito de novidade.No que respeita e, e como refere João Conde Correia (O Mito do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova pag 603), o mesmo conceito não deve confundir-se com o conceito de superveniência objectiva. Na verdade, o primeiro abrange factos, ou meios de prova, existentes à data do julgamento mas, por um qualquer motivo, desconhecidos pelo juiz, enquanto que o segundo reporta-se a factos posteriores, causadores de uma injustiça superveniente do veredicto. Com a novidade revela-se um erro congénito à sentença, resultante do desconhecimento de tudo aquilo que seria necessário para julgar bem: é um erro judiciário, um vício na formação da decisão judicial, decorrente da falta de informação. Exprime o contraste entre o conhecimento então obtido e o conhecimento depois logrado. A verdade consagrada no caso julgado não coincide com a agora emergente do novum e, por isso, aquele tem de ser revogado. 'Insistir na sua preservação intransigente significaria a manutenção e a tutela do injusto.

Por seu turno, a superveniência objectiva revela uma sentença “ab initio” justa e correcta, mas que, devido às novas circunstâncias, se tornou injusta. O juiz não errou, tinha todos os elementos imprescindíveis à decisão e tomou-a no quadro do direito processual e material vigente. A quebra do caso julgado denuncia aqui a precariedade da justiça, só pode ser ditada por razões políticas (art. 29.°, nº 4, da CRP) e deve ser encarada com muita cautela. O seu reconhecimento generalizado significa a submissão do caso julgado à cláusula rebus sic stantibus e, em consequência, o indesejável enfraquecimento da certeza e da segurança jurídica do justo..

Um coisa  é a obrigação constitucional de corrigir o erro judiciário pretérito (artigo 29 nº6 da CRP) outra bem diferente é a possibilidade de adequar uma sentença ao sentimento de justiça coevo.

No caso vertente não estão em causa factos que devendo ser apurados efectivamente não o foram.

Na verdade,

 O recorrente não coloca em causa a justiça da decisão, mas diverge do facto de os tribunais superiores não terem mantido a suspensão da execução da pena, ou seja, o que está em causa é uma divergência jurídica sobre os critérios utilizados em termos de decisão por uma pena de substituição. Em ultima análise o que o recorrente pretende com os denominados novos factos que apresenta é corroborar, com acontecimentos posteriores á audiência de julgamento,  aquela que foi a decisão de primeira instância.

Não está em causa a justiça da decisão proferida, mas sim a discordância em relação as decisões de recurso, corroborada por factos que são posteriores á decisão revidenda.

   Entende-se, assim, que não estamos perante novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Termos em que se julga improcedente presente recurso de revisão interposto por AA.

Custas pelo recorrente.

  Taxa de justiça 3 UC

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Novembro de 2011

Santos Cabral (Relator)

Oliveira Mendes

Pereira Madeira