ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
763/11.8YRLSB.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 5ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
DECISÃO PROVIDO EM PARTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SANTOS CARVALHO

DESCRITORES ACLARAÇÃO
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
ENTREGA DIFERIDA OU CONDICIONAL
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA

SUMÁRIO


I - De acordo com o disposto no art.º 380.º do CPP, o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando a mesma contiver, além de outras situações, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
II - A questão suscitada pelo recorrente tem razão de ser, pois, efectivamente, numa leitura menos atenta do dispositivo do anterior acórdão do STJ, pode gerar-se a seguinte dúvida: saber se a entrega do requerente à República da Bulgária [na sequência de um mandado de detenção europeu para cumprimento de uma pena] está dependente de algum acto que esta tenha previamente de executar (garantias ou condições prévias) e, no caso afirmativo, qual a entidade búlgara competente para o fazer.

III - Com efeito, a frase “ordenar a entrega do cidadão A à República da Bulgária (…), ficando a entrega sujeita às seguintes condições resolutivas” pode ter uma leitura equívoca.

IV - Contudo, como se pode notar, no dispositivo do acórdão não se pediu à República da Bulgária que prestasse “garantias”, caso em que as mesmas teriam de ser prestadas, logicamente, em acto prévio à entrega.

V - O que se disse foi que a entrega ficava sujeita às “condições resolutivas” que ali se mencionaram.

VI - Ora, nos termos do art.º 270.º do C. Civil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva. 

VII - Assim, quando há a imposição de uma ou mais condições resolutivas, os actos negociais começam logo a executar-se, pois não ficou acordada uma condição suspensiva, embora a produção dos efeitos do negócio possa ser “resolvida”, isto é, cessada unilateralmente, se o acontecimento anteriormente previsto como futuro e incerto afinal se produzir.
VIII - Isso esclarece-nos qual o sentido da decisão anterior do Supremo Tribunal de Justiça: ali se ordenou que o requerente fosse entregue imediatamente à República da Bulgária, mas se as autoridades judicias competentes não observarem as condições resolutivas impostas no acto da entrega, o Estado português, logo que for informado, poderá unilateralmente decidir que houve incumprimento do mandado e então tomar todas as providências legais – incluindo a devolução da pessoa condicionalmente entregue - tendo em vista o cumprimento escrupuloso da sua decisão. Nesse sentido se procede à aclaração do dito acórdão.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça

1. Por acórdão de 19 de Novembro de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça, no recurso que o cidadão búlgaro A moveu contra a decisão do Tribunal da Relação que determinou a sua entrega à República da Bulgária em execução do mandado de detenção europeu emitido pela Procuradoria Distrital de Burgas, decidiu o seguinte:

- Conceder provimento parcial ao recurso e em ordenar a entrega do cidadão A à República da Bulgária, para cumprimento do MDE emitido, com a correcção de que as sentenças condenatórias são as n.ºs 46 e 663, proferidas, respectivamente, pelo Tribunal da Relação de Burgas em 11.03.2007 e pelo Supremo Tribunal de Cassação da República da Bulgária em 11.10.2007, no âmbito do PPCC que no Tribunal Regional de Burgas tinha o  n.º 171/2003, ficando a entrega sujeita às seguintes condições resolutivas:

 1ª- As referidas decisões serão notificadas pessoalmente ao dito cidadão, sem demora na sequência da entrega e este será expressamente informado do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial;

2ª- A pena que nessa sequência eventualmente lhe venha a ser imposta não pode ser superior a “20 anos de privação da liberdade sob regime inicial estritamente rigoroso”.


2. Vem agora o requerido requerer a aclaração desse acórdão, com os seguintes fundamentos:
1. Muito embora se depreenda que não é a Procuradora de Burgas quem deve dar as garantias: "Para o caso em apreço, há que realçar que, no momento presente, o Estado Búlgaro ainda não deu garantias suficientes..."; "Por isso, teria sido preferível, face ao pedido das autoridades portuguesas, que o Estado Búlgaro - e não uma sua Procuradora - tivesse dado as garantias formais..."; «Todavia, apesar de tal ter sido pedido, o Estado Búlgaro ainda não forneceu tal garantia formal" (sublinhado nosso).
2.°: O certo é que na decisão não determina qual a Entidade Búlgara que deverá prestar tais garantias.
3.°: Para evitar uma eventual continuidade de ilegitimidade de quem prestará as garantias, solicita-­se que se aclare qual a entidade Búlgara que deverá prestar as garantias, agora decididas por força deste Douto Acórdão.


3. O M.º P.º respondeu a esse pedido do seguinte modo:

1 – Ao contrário do que parece estar subjacente ao pedido do requerente, a sua entrega às Autoridades Judiciárias Búlgaras não está dependente da formalização do que o requerente apelida de “garantias” determinadas no Acórdão aclarando, mas antes do efectivo cumprimento, por parte das Autoridades Judiciárias titulares do processo de que dimana o pedido de entrega, das condições a que ficou subordinada essa entrega.

2 – Com efeito, e como meridianamente decorre da simples leitura do dispositivo do Acórdão em causa [ponto 5], a entrega do requerido foi ordenada, não sob condição suspensiva da prestação das duas garantias ali indicadas[1], mas tão só sob condição resolutiva do respeito pela observância dessas garantias[2], o mesmo é dizer sob condição de, não sendo cumpridas tais garantias, poder vir a ser subsequentemente equacionada a possibilidade de resolução da decisão de entrega.

3 – Ademais, e uma vez que foi revogado o art. 5.º, n.º 1 da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, que efectivamente previa o estabelecimento de garantias para a entrega nos casos de julgamento na ausência, e foi introduzido em sua substituição, na referida Decisão Quadro[3], um novo art. 4.º-A, cujo texto se mostra transcrito no Acórdão aclarando [págs. 14/16] e que estabelece, em tais casos, uma causa facultativa de recusa de entrega de pessoa procurada, já não pode agora colocar-se a questão de saber qual é a entidade do Estado-Membro de emissão do MDE que é responsável pela prestação das referidas garantias, uma vez que estas desapareceram do ordenamento jurídico da União Europeia.

4 – Termos em que, e a ser acolhida a apontada interpretação do dispositivo do Acórdão dos autos, e bem assim a dimensão normativa decorrente da supra citada Decisão Quadro, se nos afigura ser de clarificar o sentido do decidido, esclarecendo que a entrega do requerido deve ser imediata, sem necessidade de, prévia, prestação de quaisquer garantias por parte das Autoridades Judiciárias do Estado Membro de emissão do MDE, ficando no entanto tal entrega sujeita às duas condições resolutivas indicadas do dispositivo do Aresto proferido.


4. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal.

Cumpre decidir.


De acordo com o disposto no art.º 380.º do CPP, o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando a mesma contiver, além de outras situações, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
A questão suscitada pelo recorrente tem razão de ser, pois, efectivamente, numa leitura menos atenta do dispositivo daquele acórdão, pode gerar-se a seguinte dúvida: saber se a entrega do requerente à República da Bulgária está dependente de algum acto que esta tenha previamente de executar (garantias ou condições prévias) e, no caso afirmativo, qual a entidade búlgara competente para o fazer.

Com efeito, a frase “ordenar a entrega do cidadão Plamen Nikolov Dishkov à República da Bulgária (…), ficando a entrega sujeita às seguintes condições resolutivas” pode ter uma leitura equívoca.

Contudo, como se pode notar, no dispositivo do acórdão não se pediu à República da Bulgária que prestasse “garantias”, caso em que as mesmas teriam de ser prestadas, logicamente, em acto prévio à entrega.

O que se disse foi que a entrega ficava sujeita às “condições resolutivas” que ali se mencionaram.

Ora, nos termos do art.º 270.º do C. Civil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva. 

Assim, quando há a imposição de uma ou mais condições resolutivas, os actos negociais começam logo a executar-se, pois não ficou acordada uma condição suspensiva, embora a produção dos efeitos do negócio possa ser “resolvida”, isto é, cessada unilateralmente, se o acontecimento anteriormente previsto como futuro e incerto afinal se produzir.

Isso esclarece-nos qual o sentido da decisão anterior do Supremo Tribunal de Justiça: ali se ordenou que o requerente fosse entregue imediatamente à República da Bulgária, mas se as autoridades judicias competentes não observarem as condições resolutivas impostas no acto da entrega, o Estado português, logo que for informado, poderá unilateralmente decidir que houve incumprimento do mandado e então tomar todas as providências legais – incluindo a devolução da pessoa condicionalmente entregue - tendo em vista o cumprimento escrupuloso da sua decisão.

Todavia, estamos certos que as condições resolutivas impostas irão ser cumpridas, pois, como se disse no acórdão a aclarar, o mandado de detenção europeu é uma forma de cooperação judiciária entre Estados membros da Comunidade Europeia, que se baseia nos princípios da lealdade, confiança e reciprocidade.

 5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em aclarar o dispositivo do acórdão de 19 de Novembro de 2011, no sentido de que o cidadão A será imediatamente entregue à República da Bulgária, para cumprimento do MDE, embora o Estado português possa vir a considerar resolvida tal decisão de entrega, determinando eventualmente a devolução do extraditado - caso as autoridades judiciárias búlgaras não cumpram as condições resolutivas ali impostas.


Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Novembro de 2011

Santos Carvalho (Relator)

Rodrigues da Costa

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[1] - Caso em que a sua efectivação ficaria, aqui sim, dependente da prestação/formalização de tais garantias, nesta hipótese seguramente a cargo da Autoridade Judiciária (Juiz) titular do respectivo processo.
[2] - Ou, melhor dizendo, das condições a que essa entrega ficou subordinada.
[3] - Através da Decisão Quadro n.º 2009/299/JAI.