ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1531/08.0TTLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PEREIRA RODRIGUES

DESCRITORES RETRIBUIÇÃO
PROIBIÇÃO DA DIMINUIÇÃO
RESOLUÇÃO
JUSTA CAUSA
ÁREA TEMÁTICA DIREITO DO TRABALHO - DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS - CONTRATO DE TRABALHO - CESSAÇÃO DO CONTRATO
LEGISLAÇÃO NACIONAL
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 405.º, 737.º, N.º 1, AL. E), 806.º .
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 824.º, N.º 1, AL. A).
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003 (LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO): - ARTIGOS 8.º, N.º1, 122.º, AL. D), 249.º, 252.º N.º4, 441.º NºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º
ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE UNIVERSITÁRIA (APROVADA PELO DL 448/79 DE 13.11 E ALTERADO PELA LEI N.º 19/80, DE 16.7 E PELO DL. 381/85, DE 27.9): - ARTIGOS 71.º.
LEI DOS DESPEDIMENTOS, DL 64-A/89, DE 27/2 (LD): - ARTIGO 35.º, N.º 1, AL. A).
LEI N.º 17/86, DE 14/6: - ARTIGOS 3.º, N.º1, 12.º.
REGIME DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (LCT), APROVADO PELO DL 49.408, DE 24/11/1969: - ARTIGOS 1.º, 19.º, AL. B), 21.º, N.º 1, AL. C), 82.º, 93.º, 97.º

SUMÁRIO I. Ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato, sendo que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, por facto ilícito e culposo do empregador, entre outras, "a) falta culposa do pagamento pontual da retribuição; b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador."

II. As leis laborais consagram o princípio da irredutibilidade da retribuição, ou seja, a proibição do empregador diminuir, unilateralmente, o seu montante e de piorar o equilíbrio que deve existir entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação de entidade empregadora.

III. Provando-se que a trabalhadora, no âmbito do seu contrato de docência, auferia uma retribuição fixa e uma retribuição variável, dependendo esta da carga horária que lhe fosse atribuída, e não tendo ficado provado que as partes se tivessem vinculado a um número mínimo de horas lectivas nem, tão pouco, que esse número mínimo tivesse constituído elemento essencial para a vinculação contratual da trabalhadora, e tendo ficado demonstrado que a diminuição da retribuição decorreu da respectiva diminuição da carga horária (e não da redução da parte fixa remuneratória) há que concluir que não ocorreu violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e, consequentemente, que a trabalhadora não possuía justa causa para a resolução do contrato.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA intentou contra FUNDAÇÃO BB a presente acção, na forma de processo comum, alegando para tanto, em síntese, que:

- Foi admitida ao serviço da CC, em 3 Novembro de 1986;

- Desde essa data leccionou nas Universidades CC de Lisboa e do Porto, sob a direcção e autoridade da CC e mediante remuneração mensal;

- A aqui R. sucedeu nos direitos e obrigações da CC;    

- A partir do ano lectivo de 2002/2003, a CC/BB reduziu o número de aulas semanais leccionado pela A., o que se traduziu na redução da sua carga horária e, consequentemente, da sua retribuição mensal;

- O que voltou a suceder nos anos lectivos seguintes (2003/2004; 2004/2005; 2005/2006; 2006/2007 e 2007/2008);

- Tal redução foi de tal modo acentuada que no ano lectivo de 2007/2008 a sua remuneração mensal se cifrava em cerca de 1⁄4 da remuneração mensal que auferia no ano lectivo de 2001/2002;        

- A A. sempre manifestou oposição a tais reduções de serviço lectivo, nomeadamente através de diversas cartas que remeteu à Ré;

- Não tendo a Ré atendido a tais protestos, a A. resolveu o seu contrato de trabalho com justa causa, por carta enviada à Ré, em 25.02.2008, com fundamento na referida diminuição do serviço docente e consequente diminuição da sua remuneração.

Com base nestes factos formulou o seguinte pedido:

1- que se reconheça que a resolução do contrato de trabalho, que mantinha com a Ré, e que operou por carta enviada à mesma Ré, e por esta recebida em 26.02.2008, foi efectuada com justa causa,

2- que se condene a Ré a  pagar-lhe as seguintes quantias:

a) € 209.313,44, a título de diferenças de retribuição, relativas ao período compreendido entre o início do ano lectivo de 2002/2003 e a resolução do contrato; ou, caso assim se não entenda, no pagamento da quantia que se vier a liquidar, correspondente ao trabalho suplementar que decorre da prestação de trabalho na parte que excede a leccionação de mais de 9 horas de aulas semanais;

b) € 221.168,43, a título de indemnização nos termos do art. 443º do Código do Trabalho;

c) Juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do vencimento até efectivo e integral pagamento.

Citada a Ré, realizou-se a audiência de partes, na qual, não foi possível a sua conciliação, pelo que a Ré apresentou contestação, sustentando, em síntese, o seguinte:

- A Ré nunca celebrou com a Autora qualquer contrato de trabalho, antes outorgou com a mesma vários contratos de docência;

- Contratos esses que foram objecto de alterações, em função da variabilidade da carga horária que foi sendo atribuída à A.;

- O contrato de docência é um contrato atípico de prestação de serviços, pelo que o Tribunal do Trabalho carece de competência material para apreciar a presente causa;         

- Nos termos acordados entre A. e Ré, a carga horária que lhe era atribuída podia variar de ano para ano e/ou de semestre para semestre;

- Nunca as partes convencionaram uma remuneração mínima, nem uma carga horária mínima;

- Pelo que a A. não tem direito às diferenças de remuneração que peticiona, nem a variação da sua carga horária e remuneração constitui fundamento para resolução do contrato com justa causa.

A Autora apresentou articulado de resposta, pugnando pela qualificação do contrato dos autos como contrato de trabalho e sustentando a improcedência da excepção de incompetência material.

Mais sustentou que a Ré litiga de má fé porquanto “omite uma série de factos e narra outros de forma a adulterar a realidade que bem conhece”.

 Concluiu pela improcedência das excepções, pugnando pela condenação da Ré como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de incompetência material, tendo sido dispensada a selecção da facticidade assente e controvertida.

Realizou-se a audiência de julgamento, na qual foi fixada a matéria de facto assente e após foi prolatada sentença na qual foi exarada a seguinte decisão:

 «Por todo o exposto, vistos os factos provados à luz das disposições invocadas, decide este Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente, nos termos expostos e, em consequência:

A- Considerar verificada a justa causa invocada pela A. e, consequentemente, válida e eficaz a resolução do contrato de trabalho que vigorava entre si e a Ré;

 B- Condenar a Ré a pagar à A.:

1- A quantia que se apurar em incidente de liquidação, a título de diferenças de retribuição ao período compreendido entre 01/10/2007 e 26/02/2008, correspondentes ao valor/hora multiplicado por quatro e por [5+(26:28)].

2- A quantia que se apurar em incidente de liquidação, a título de indemnização decorrente da resolução do contrato com justa causa, correspondente a 1 mês de retribuição por cada ano completo desde 03/11/1986 até 26/02/2008, sendo a fracção excedente calculada proporcionalmente. O valor da retribuição mensal a ter em conta será o correspondente à soma da quantia que a A. auferia no ano lectivo de 2007/2008 a título de “grau académico” com o valor/hora em vigor nesse mesmo ano lectivo multiplicado por 36 (9 horas semanais x 4 semanas).

3- Juros de mora sobre as quantias peticionadas, contados à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, até integral pagamento, sendo que:

a) Os incidentes sobre cada uma das quantias que integra o montante global das diferenças de retribuição referidas em 1- se contam desde as datas em que deveriam ter sido pagas;

b) Os incidentes sobre a indemnização mencionada em 2- se contam desde 02/05/2008.

C- Absolver a R. do demais peticionado.»

Inconformada, a Ré recorreu da sentença, e, tendo os autos prosseguido seus termos, veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se acordou em julgar procedente a apelação da Ré, pelo que se revogou a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré dos pedidos.

Inconformada agora a Autora, interpôs recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes

CONCLUSÕES:
«1 - Entre Recorrente e Recorrida vigorou desde 09/12/1986 até 25/02/2008, um contrato de trabalho de prestação de funções docentes de várias disciplinas.
2 - Desde a data da sua admissão em 1986 e até ao ano lectivo de 2001/2002 o número de horas leccionado pela recorrente foi sempre aumentando e nesse ano de 2001/2002, o número de horas por semana prestado pela recorrente era de 29,5 horas.
3 - A recorrente dedicou a sua vida académica à recorrida como prova o número de horas de leccionação que prestava com a inerente preparação das aulas que ministrava e foi ao serviço da recorrida que a recorrente concluiu e obteve o grau de mestrado bem como o grau de doutora e que fez ainda vários cursos, seminários e conferências de formação, com especial incidência sobre o sistema monetário e financeiro, tendo posto esses conhecimentos ao serviço da recorrida.
4 - Foi no âmbito dos princípios da boa fé e mútua cooperação previstos no art. 119º do Código de Trabalho que a recorrente e recorrida incrementaram as suas relações laborais que se reflectiam no número de horas semanais de leccionação, e no grau de produtividade que era conseguido.
5 - Da leitura dos acordos escritos e outorgados entre as partes nos anos de 1986, 1987, 1989,1992,1993,1994,1995 e 2001 resulta expressamente que o número de disciplinas e horas de leccionação atribuídas à recorrente em cada ano resultava do acordo das partes.
6 - A remuneração mensal auferida pela recorrente era integrada por uma quantia a título de grau académico, de montante fixo, e por uma quantia a título de vencimento correspondente ao número de horas semanais que leccionava multiplicado por quatro e pelo "valor/hora" definido pela recorrida para cada ano lectivo.
7 - Dependendo o montante da retribuição do número de horas de trabalho a prestar pela recorrente e tendo o número de horas de docência que a recorrente prestava sido obtido por acordo das partes, a alteração do período normal de trabalho só pode ocorrer por acordo entre o trabalhador e o empregador como prescreve o n.º 1 do art. 173º do Código do Trabalho de 2003, pois de outra forma seria não haver quaisquer barreiras à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e mesmo ao princípio da proibição dos despedimentos, pois seria então possível reduzir o período normal de trabalho para níveis insignificantes ou até mesmo para zero.
8 - Todavia, o horário de 29,5 horas de leccionação semanal que foi observado, no ano de 2001/2002, foi sendo sucessiva e unilateralmente reduzido pela recorrida, a partir do ano de leccionação de 2002/2003, passou para 26 horas semanais; 21,5 horas em 2003/2004; 16,5 em 2005/2006; 10 horas semanais em 2006/2007 e, para 8 horas em 2007/2008, o que se traduziu na consequente redução da retribuição mensal da recorrente.
9 - A redução do horário de trabalho semanal a que se reporta a conclusão anterior teve a oposição da recorrente, sendo que não resultou provado que a recorrida podia unilateralmente determinar o número de horas que a recorrente leccionava em cada ano lectivo.
10 - A redução dos horários que, ano após ano, a partir de 2002/2003, inclusive, passaram a ser atribuídos à recorrente deveram-se, nomeadamente, à circunstância da recorrida e/ou Universidade CC terem decidido atribuir disciplinas leccionadas pela recorrente a outros docentes e com menos habilitações.
11 - A primeira diminuição dos cursos de licenciatura nas Universidades CC ocorreu a partir do ano lectivo de 1999/2000, altura em que os cursos de 5 anos passaram a 4 anos (Cfr. facto constante do nº 60), mas apesar disso a carga horária da recorrente continuou a aumentar, nesse ano e nos anos subsequentes, o que prova que a redução dos cursos não teve reflexo na carga horária fixada à recorrente.
12 - Assistia, por isso, razão a recorrente por ter resolvido com justa causa o contrato de trabalho como o fez na sua carta de 25 de Fevereiro de 2008, constante de fls. 77 a 81 dos autos, pelo que, tendo a recorrida reduzido sucessiva e unilateralmente o horário de trabalho de 29,5 semanais para 8.00 horas semanais com a consequente diminuição de retribuição, o salário da recorrente passou a ter "uma expressão ridícula e miserabilista que não fez o menor sentido para quem dedicou uma vida à Universidade CC."
13 - A resolução contratual operada pela recorrente enquadra-se nos n.ºs 1 e 2 do art. 441º do Código do Trabalho.
14 - Tendo em conta a carga horária semanal atribuída à recorrente desde os anos de 1986 ao ano lectivo 2001/2002 com a consequente retribuição, a recorrida não podia, só por sua iniciativa e sem o acordo da recorrente, reduzir, como fez, o seu horário de trabalho, e a actuação arbitrária da recorrente, (depois de tão longo período a reduzir a carga horária, por exemplo com a atribuição a novos professores de cadeiras leccionadas pela recorrente), configura até uma situação de abuso de direito a que obsta o disposto no art. 334º do Código Civil.
15 - Deve-se, por isso, considerar-se ilícita a redução unilateral que a recorrida fez da carga horária atribuída a partir do ano de 2002/2003, pelo que, tem a recorrente direito às indemnizações que reclamou na sua petição inicial.
16 - Caso assim não se entenda, deve, no mínimo e em conformidade com o já decidido no acórdão de 13/10/2004 (processo 03S2169), reconhecer-se que em caso algum poderia a recorrida reduzir a carga horária abaixo do limite máximo de 9 horas semanais fixado no art. 71º do ECDU, pelo que também nesse caso se verifica existência de justa causa para a rescisão operada.
17- O douto acórdão recorrido violou o disposto no nº 1 e 2 do art. 119º e alínea d) do art. 122º, o nº 1 do art. 173º, os nºs 1 e 2 do art. 441º, todos do Código do Trabalho e o art. 334º do Código Civil».

A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo:
«I. Vem a RECORRENTE apresentar o presente recurso por não se conformar com o mui douto Acórdão recorrido, na parte em que absolveu a RECORRIDA do pagamento das diferenças de retribuição.
II. Entende a RECORRENTE, em síntese, que, o Acórdão recorrido não decidiu o mérito da referida questão da forma juridicamente devida violando, respectivamente, artigos 199, n.ºs 1 e 2, 122, alínea d), 173º, n.º 1, 441, n.ºs. 1 e 2 todos do Código do Trabalho, artigo 334º do CC, e art. 71º do ECDU.
III. Contudo, a verdade é que no que se refere às aludidas questões de direito, o douto Acórdão recorrido não é merecedor de nenhuma das críticas que lhe são feitas pela RECORRENTE.
IV. Da matéria de facto dada por assente resulta claramente que o Tribunal da Relação jamais poderia ter deixado de considerar que a RECORRIDA não reduziu ilicitamente a retribuição da RECORRENTE.
V. Da matéria de facto dada por assente resulta, sem margem para dúvidas, que o Tribunal da Relação não errou quando considerou que a RECORRIDA não estava obrigada a pagar à RECORRENTE as diferenças de retribuição.
VI. Nenhuma razão assiste à RECORRENTE quando alega que o Acórdão recorrido não fez correcta aplicação do direito, ao aceitar como lícita uma retribuição variável a pagar pela R. à A. em razão das horas de leccionação distribuídas caso a caso em cada semestre ou ano lectivo, situação que entendia pois como "normal" no contrato de trabalho subordinado, pois, o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre essa matéria nos termos do disposto no artigo 713º n.º 5 do CPC.
VII Em face da matéria de facto dada por assente, resulta claramente que o Tribunal da Relação jamais poderia ter concluído que a RECORRIDA reduziu ilicitamente a retribuição da RECORRENTE.
VIII. Da referida matéria de facto resulta sem margem para dúvidas que o Tribunal da Relação não errou quando considerou que a RECORRIDA não estava obrigada a pagar à RECORRENTE as diferenças salariais em razão da diminuição da retribuição.
IX. Cabia à RECORRENTE demonstrar que a RECORRIDA diminuiu ilicitamente a sua retribuição. Mas, a RECORRENTE não fez prova de tal factualidade.
X. Ora, ficou demonstrado que as partes convencionaram que a remuneração mensal da RECORRENTE resultaria da multiplicação do número de horas de docência, de acordo com os horários que lhe fossem atribuídos em cada lectivo, por um valor horário que seria igualmente acordado.
XI. Ficou demonstrado que as partes acordaram que a atribuição da carga horária à RECORRENTE resultaria directamente do número de discentes que, em cada ano, ou em cada semestre, se inscrevessem nas disciplinas do curso por si leccionadas.
XII. Ficou demonstrado que todos os docentes da Universidade CC tinham conhecimento de que o número de alunos em cada disciplina variava conforme os anos e semestres.
XIII. Ficou demonstrado que todos os docentes da Universidade CC, incluindo a RECORRENTE, sabiam que o montante da sua remuneração variava em função da carga horária que lhes fosse atribuída em cada ano lectivo, e sabiam-no porque é isso que resulta dos termos dos acordos que celebraram com a CC Cooperativa de Ensino Universidade CC, CRL.
XIV. Como ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28 de Maio de 2008, proferido no âmbito do processo nº. 3898/07-4 "como se vê, a retribuição da Autora variava consoante a carga horária que lhe fosse atribuída, sendo que esta, por seu turno, dependia directa e intrinsecamente, do número de alunos que pontualmente se inscreviam na respectiva disciplina. Não havendo notícia nos autos de que as partes se tivessem vinculado a um número mínimo de horas lectivas nem, tão-pouco, que esse número mínimo tivesse constituído elemento essencial para a vinculação contratual da Autora, está bom de ver que o referido sistema retributivo consentia, no limite que pudesse inexistir sequer carga horária, desde que motivada pela ausência de inscrições e que, por via disso, não houvesse, tão-pouco, lugar a retribuição."
XV. Assim, a diminuição da retribuição da RECORRENTE é legítima porque resulta do estipulado no contrato a que as partes se vincularam de mútuo acordo, ou seja, resulta apenas da diminuição do número de horas de docência, não havendo qualquer violação ao princípio da irredutibilidade da remuneração.
XVI. A irredutibilidade da retribuição não é impeditiva da supressão de atribuições patrimoniais, assim como não obsta a que, perante a redução da actividade, haja uma inerente diminuição salarial.
XVII. O que a proibição da regressão salarial visa consagrar é a impossibilidade de piorar o equilíbrio entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação patronal.
XVIII. No caso em apreço, a RECORRENTE não leccionou e por isso não auferiu retribuição.
XIX. Não houve violação da garantia da irredutibilidade da retribuição, pois, a diminuição da remuneração da RECORRENTE decorre da verificação da diminuição da sua prestação, não pondo em causa o equilíbrio das prestações de ambas as partes.
XX. A RECORRIDA, jamais violou as legítimas expectativas da RECORRENTE, pois esta, sempre soube que a sua retribuição podia variar, para mais ou para menos, em função do número de horas de leccionação que lhe fosse atribuído em cada ano lectivo.
XXI. Acresce ainda que, a RECORRIDA jamais violou o disposto no art. 71 do ECDU, pois durante todo o período em que a RECORRENTE prestou actividade de docente à RECORRIDA, nunca foi atribuído à RECORRENTE um número de aulas inferior a 6 horas semanais, sendo que no ano lectivo em que teve lugar a rescisão do contrato, o serviço lectivo que lhe estava distribuído era de 8 horas semanais».

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista, ao que a Recorrente apresentou resposta manifestando a sua discordância.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar as questões essenciais que se colocam à apreciação, que são as de saber se a Autora, ora Recorrente, resolveu o contrato com justa causa e se lhe assiste direito às diferenças salariais e indemnização que reclama.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1- A R. foi constituída sob a designação "CC - Cooperativa de Ensino Universidade CC, C.R.L." e é a entidade instituidora da Universidade CC de Lisboa e da Universidade CC do Porto.

2 - Em 2003, a R. transformou-se em fundação, passando a denominar-se BB - Cultura - Ensino - Investigação Científica, e a reger-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 117/2003, de 14/06.

3 -  Em 09/12/1986, a A. AA celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "CONTRATO DE DOCÊNCIA", cuja cópia se acha a fls. 140, bem como os "Anexos" cujas cópias se acham a fls. 141-142.

4 - Em 01/10/1987, a A. celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "CONTRATO DE DOCÊNCIA-ASSISTENTES DISCIPLINAS ANUAIS", cuja cópia se acha a fls. 143, bem como os "Anexos" cujas cópias se acham a fls. 144-145.

5 - Em 01/09/1989, a A. celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "CONTRATO DE DOCÊNCIA (Professores)", cuja cópia se acha a fls. 146 a 148, bem como os "Anexos" cujas cópias se acham a fls. 149 a 151.

6 - Em 01/10/1992, a A. celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "CONTRATO DE DOCÊNCIA (Assistentes)", cuja cópia se acha a fls. 25 a 27, bem como os "Anexos" cujas cópias se acham a fls. 28 a 30.

7 - Em 01/03/1993, a A. celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "ANEXO AO CONTRATO DE DOCÊNCIA ASSISTENTES DISCIPLINAS SEMESTRAIS SEGUNDO SEMESTRE", cuja cópia se acha a fls. 158.

8 - Em 01/10/1993, a A. celebrou com a R. os acordos escritos intitulados "ANEXO AO CONTRATO DE DOCÊNCIA ASSISTENTES DISCIPLINAS SEMESTRAIS PRIMEIRO SEMESTRE" e “DISCIPLINAS ANUAIS", cujas cópias se acham a fls. 159 a 162.

9 - Em 01/03/1994, a A. celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "ANEXO AO CONTRATO DE DOCÊNCIA ASSISTENTES DISCIPLINAS SEMESTRAIS SEGUNDO SEMESTRE", cuja cópia se acha a fls. 163.

10 - Em 01/10/1995, a A. celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "CONTRATO DE DOCÊNCIA (Professores)", cuja cópia se acha a fls. 32-33.

11 - Em 01/10/2001, a A. celebrou com a R. o acordo escrito intitulado "CONTRATO DE DOCÊNCIA (Professores)", cuja cópia se acha a fls. 32-35.

12 - Na sequência da celebração dos acordos referidos em 3 a 11, a A. leccionou na Universidade CC de Lisboa e bem assim na Universidade CC do Porto, primeiro como "Assistente", depois como "Professora Auxiliar", e mais tarde como "Professora Associada", desde 03/11/1986 até 26/02/2008.

13 - No período temporal referido em 12, o número de horas semanais de aulas leccionadas pela A. em cada ano lectivo foi o seguinte: 6 em 1986/1987; 6 em 1987/1988; 12 em 1988/1989; 13 em 1989/1990; 15,5 em 1990/1991; 15,5 em 1991/1992; 15,5 em 1992/1993; 15,5 em 1993/1994; 17 em 1994/1995; 15 em 1995/1996; 17,5 em 1996/1997; 9,5 em 1997/1998; 12,5 em 1998/1999; 24 em 1999/2000; 25 em 2000/2001; 29 em 2001/2002 (sendo 14 em Lisboa e 15 no Porto); 26 em 2002/2003 (sendo 15,5 em Lisboa e 10,5 no Porto); 21,5 em 2003/2004 (sendo 15,5 em Lisboa e 6 no Porto); 19,5 em 2004/2005 (sendo 13,5 em Lisboa e 6 no Porto); 16,5 em 2005/2006 (sendo 10,5 em Lisboa e 6 no Porto); 10 em 2006/2007 (sendo 6,5 em Lisboa e 3,5 no Porto) e 8 em 2007/2008 (sendo 4 em Lisboa e 4 no Porto).

14 – A A. auferia mensalmente:

a) Uma quantia a título de "grau académico", de montante fixo, de acordo com o grau académico que possuía;

b) Uma quantia a título de "vencimento", correspondente ao número de horas de aulas semanais multiplicado por quatro e pelo "valor hora" definido pela R. para cada ano lectivo;

15 - O "vencimento" referido em 14- b) sempre foi calculado tendo em conta o número de horas de aulas mensais correspondentes ao serviço lectivo que era atribuído à A. em cada ano e/ou semestre.

16 - ... contudo, tal "vencimento" mantinha-se constante ao longo de cada ano ou semestre lectivo.

17- Os componentes remuneratórios referidos em 14 eram pagos inclusivamente no mês de férias da A., e nos meses em que não havia aulas.

18 - A A. sempre teve conhecimento das regras referidas em 15 a 17.

19 - A remuneração auferida pela A. não diminuía nos meses em que havia feriados em dias da semana em que a A. habitualmente dava aulas.

20 - A A. auferia subsídios de férias e de Natal.

21 - E a R. efectuava mensalmente descontos na remuneração da A., para a Segurança Social - Caixa Geral de Aposentações.

22 - A R. emitia e entregava mensalmente à A. "recibos de vencimento", v.g. aqueles cujas cópias se acham a fls. 53 a 56, 352 a 354, 368 a 377, e 381 a 383.

23 - Para efeitos fiscais, a R. emitia e entregava à A. anualmente declarações escritas, nas quais qualificava as remunerações entregues à A. como "remunerações de trabalho dependente".

24 - No início de cada ano lectivo a R., através dos serviços administrativos das Universidades CC, organizava as turmas e atribuía à A. um determinado horário.

25 - Por vezes a A. e demais docentes das Universidades CC sugeriam alterações e trocas, as quais eram aceites sempre que os serviços administrativos das Universidades CC conseguiam compatibilizar as disponibilidades dos docentes com os períodos de aulas previstos,

26 - ... porém, quando a R., através dos serviços administrativos das Universidades CC não conseguia tal compatibilização, estabelecia unilateralmente os horários dos docentes.

27 - A marcação de exames escritos nas Universidades CC processava-se em moldes semelhantes aos descritos em 24 a 26.

28 - A A. tinha que elaborar sumários das aulas que leccionava, os quais ficavam registados em livros existentes em cada sala.

29 - A R., através de funcionários administrativos da Universidade CC, verificava se a A. leccionava ou não as aulas correspondentes às disciplinas que lhe tinham sido atribuídas, e se cumpria ou não o serviço de exames que lhe era atribuído.

30- Quando obteve o grau de doutora, a A. passou a integrar os Conselhos Escolares dos cursos que leccionava (que mais tarde foram reestruturados, passando a haver um Conselho Escolar de Faculdade que passou a agrupar todos os cursos de cada faculdade) e tinha também que assistir às reuniões dos referidos órgãos.

31 – A R. intervinha nas reuniões dos conselhos escolares referidos em 30, através do presidente do seu Conselho de Administração, na sua qualidade de Chanceler das Universidades CC.

32 - Os funcionários referidos em 29 registavam as faltas do A. ao serviço docente mencionado em 30 e 31.

33 - Se o A. faltasse às aulas e demais serviço docente referido em 30 e 31 tinha que justificar as faltas junto da R., nos termos previstos nos acordos escritos referidos em 3 a 11, e mais tarde de acordo com o regime de Faltas nas Universidades CC" cuja cópia se acha a fls. 30 a 41, que veio a ser substituído, em Outubro de 2003, pelo Regime de Faltas dos Docentes da Universidade, o qual veio a ser revisto em Fevereiro de 2004 nos termos constantes de fls. 42.

34 - Quando os docentes faltavam e apresentavam as razões das faltas era a R. quem decidia julgá-las justificadas ou injustificadas.

35 - Sempre que considerava injustificadas as faltas da A., a R. descontava do "vencimento" da mesma o valor correspondente às aulas e/ou demais serviço em falta.

36 - No decurso do período temporal referido em 12, a R. e as Universidades CC comunicaram por diversas vezes a todos os seus docentes, nomeadamente à A., que consideravam ser seu dever comparecer às cerimónias académicas das Universidades CC ...

37 -... o que, relativamente à A. sucedeu, nomeadamente, através das cartas de fls. 342 datada de 22/02/2007, das cartas de fls. 344 e 346, datadas de 22/02/2006, e da carta de fls. 348, datada de 13/03/2006, e da carta de fls. 351, datada de 26/04/2007.

38 - Em consequência da diminuição do serviço lectivo da A., a partir do ano lectivo de 2002/2003, o montante da sua remuneração mensal diminuiu também.

39- Assim:

a)   ... no ano lectivo de 2002/2003, a A. auferiu remuneração mensal inferior à que auferira no ano de 2001/2002;

b)   ... no ano lectivo de 2003/2004, a A. auferiu remuneração mensal inferior à que auferira no ano de 2002/2003;

c)   ... no ano lectivo de 2004/2005, a A. auferiu remuneração mensal inferior à que auferira no ano de 2003/2004;

d)   ... no ano lectivo de 2005/2006, a A. auferiu remuneração mensal inferior à que auferira no ano de 2004/2005;

e)   ... no ano lectivo de 2006/2007, a A. auferiu remuneração mensal inferior à que auferira no ano de 2005/2006;

f)    ... no ano lectivo de 2007/2008, a A. auferiu remuneração mensal inferior à que auferira no ano de 2006/2007;

40 - A diminuição do serviço lectivo da A. a partir do ano lectivo de 2002/2003 foi decidida pela R. e/ou pelas Universidades CC com a aprovação da R.;

41 - A A. opôs-se à diminuição de serviço lectivo referida em 40 tendo manifestado tal entendimento v.g. através das cartas cujas cópias se acham a fls. 61 a 76, e 384 a 394, dirigidas à R., e que esta recebeu.

42 - Em 25/02/2008, a A. enviou à R. a carta cuja cópia se acha a fls. 77 a 81, na qual lhe comunica "resolver, com justa causa e com efeitos imediatos, o meu contrato de trabalho", alegando para tanto, nomeadamente que "desde o ano lectivo de 2001/2002 que, por vossa exclusiva iniciativa, me tem sido reduzida a carga horária e o respectivo vencimento, assumindo hoje uma expressão ridícula e miserabilista que não faz o menor sentido para quem dedicou uma vida à Universidade CC".

43 - A R. recebeu a carta referida em 42 no dia 26/02/2008.

44 - A R. não respondeu à carta referida em 42.

45 - A A. ministrava as aulas que leccionava em instalações pertencentes à R., sitas em Lisboa e no Potro, onde funcionam, respectivamente, a Universidade CC de Lisboa e a Universidade CC do Porto...

46 - ... utilizando as salas de aulas destes estabelecimentos e as cadeiras, mesas, quadros, computadores, livros da biblioteca, e demais material didáctico pertencentes à R..

47 - ... bem como um gabinete nas instalações da Universidade CC de Lisboa, que lhe foi atribuído pela R. e/ou por esta Universidade.

48 - No âmbito das suas funções de docente, era a A. que elaborava o programa das cadeiras que leccionava (embora tivesse que submeter tal programa a homologação do coordenador do departamento em que se integravam os cursos em que leccionava, a fim de se evitarem sobreposições entre os programas de diversas cadeiras), decidia o que ensinar em cada aula, redigia os enunciados dos exames escritos, corrigia os mesmos como entendia mais adequado, definia as perguntas a efectuar aos examinandos nos exames orais, e avaliava tais exames, de acordo com os seus critérios.

49 - Nos termos das regras internas da Universidade CC, a selecção e escolha dos docentes da Universidade CC, bem como a atribuição aos mesmos do respectivo serviço docente deve ser objecto de votação e eventual aprovação pelo Conselho Escolar (inicialmente do departamento referente a cada curso e mais recentemente de cada Faculdade).

50 - O plano de estudos de cada curso (incluindo a carga horária das cadeiras que o integram) é aprovado pelo Ministério que tutela o ensino superior, mediante proposta da instituição de ensino superior que se propõe instituí-lo.

51- A A. licenciou-se em Economia na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa em Junho de 1985; concluiu o mestrado e obteve o grau de Mestre em Economia na mesma faculdade em 1994, e concluiu o doutoramento e obteve o grau de Doutora em Gestão pela City University Business School, de Londres, em Outubro de 2001 (estando tal grau académico registado na Universidade Técnica de Lisboa).

52 - Desde a sua licenciatura a A. fez diversos seminários e conferências, com especial incidência sobre o sistema financeiro e monetário.

53 - As diminuições do serviço docente da A. referidas em 38 e 39 deveram-se, nomeadamente, à circunstância de a R. e/ou as Universidades CC terem decidido atribuir cadeiras leccionadas pela A. a outros docentes (como sucedeu no ano lectivo de 2005/2006, em que cadeiras que a A. leccionava foram atribuídas ao Prof. DD e ao Dr. EE) e à diminuição do número de alunos dos cursos em que a A. leccionava.

54 - O Prof. Doutor DD e o Dr. EE começaram a leccionar nas Universidades CC no ano lectivo mencionado em 53.

55 - O Dr. EE tem como habilitações académicas a licenciatura.

56 - No período temporal referido em 12, a A. acumulou as funções de docente das Universidades CC com outras actividades profissionais remuneradas de duração não concretamente apurada...

57 - ... nomeadamente as de docente da Universidade Independente, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, do Instituto Politécnico de Portalegre, da Universidade Lusófona do Porto, do Instituto Politécnico Internacional, do Instituto Superior de Gestão ...

58 - ... bem como as de funcionária do Banco ... (até 1995).

59 – A A. informou a R. da situação descrita em 56 a 58, e esta nunca se opôs à mesma.

60 - A partir do ano lectivo de 1999/2000, a duração dos cursos de licenciatura das Universidades CC em que a A. leccionava passou de 5 anos para 4 anos.

61 - A partir do ano lectivo de 2006/2007, com a implementação do chamado "Processo de Bolonha" nas Universidades CC, a duração dos cursos de licenciatura em que a A. leccionava passou de 4 para 3 anos.

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Para responder à questão que se deixa enunciada de saber se a Ré procedeu à diminuição da retribuição da Autora, ora Recorrente, importa ter presente que nos termos do art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, «ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor [01.12.2003], salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

Em face do estatuído neste normativo, a qualificação do vínculo contratual da Recorrente com a Recorrida e os efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento [01.12.2003] terá de ser feita à luz do direito anterior, ou seja, do Regime do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo DL 49.408, de 24/11/1969 [LCT], enquanto o eventual incumprimento contratual da segunda, porque ocorrido na vigência de ambas as leis, deve ser apreciado de acordo com o regime por estas estabelecido.

Assim, no que concerne à alegada justa causa para resolução do contrato por parte da trabalhadora, aplica-se no caso o CT de 2003, que estabelece, no artigo 441.º n.º 1, que "ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato".

E o n.º 2 diz que, no que ao caso interessa, que constituem justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador, por facto ilícito culposo do empregador: "a) falta culposa do pagamento pontual da retribuição; b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador."

Já no que respeita à eventual diminuição da retribuição da Autora a partir do ano lectivo de 2002/2002, como pretensa justa causa para a resolução do contrato há que tomar em consideração também o regime anterior ao CT de 2003.

No âmbito do anterior regime, resulta do estatuído nos art.ºs 1.º, 19.º, al. b), e 93.º da Lei do Contrato de Trabalho, aprovada  pelo DL 49408, de 24.11.69 (por diante, LCT), que é obrigação  da entidade empregadora  pagar, pontualmente  e na forma  devida, a retribuição do trabalhador ao seu serviço.

A retribuição concretiza, assim, a obrigação essencial que recai sobre a entidade patronal, como contrapartida dos serviços prestados pelo trabalhador ou da disponibilidade da sua força de trabalho. Mas, para além da sua natureza de contraprestação, e até de instrumento de política económica, a retribuição está funcionalmente constituída também como meio de satisfação de necessidades pessoais e familiares do trabalhador, o que postula uma especial tutela jurídica.

E essa tutela jurídica está desde logo acautelada na Constituição da República - art. 59.º - onde se garante ao trabalhador direito "à retribuição do trabalho  segundo a qualidade, natureza e qualidade, observando-se o principio  de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna" e vinculando-se o Estado a assegurar-lhe  a retribuição a que tem direito e nomeadamente "o estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em  conta, entre outros factores, as necessidades do trabalhador, o aumento do custo de vida, etc.".

 Essa mesma tutela jurídica é aflorada, além disso, em vários outros segmentos do ordenamento jurídico, nos quais se estatui designadamente que a retribuição do trabalho é parcialmente (2/3) impenhorável — art. 824.º, n.º 1, al. a) do C.P.C. — na mesma medida insusceptível de cessão — art. 97.º da LCT — e que o crédito decorrente do seu não pagamento beneficie dos privilégios creditórios previstos nos artigos 737.º, n.º 1, al. e), do Código Civil e 12.º da Lei n.º 17/86, de 14/6.

Além disso, previne o legislador que o não pagamento pontual da retribuição na forma devida, para além de fazer constituir em mora a entidade empregadora, o que a obriga a indemnizar (art. 806.º do CC), consubstancia justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, desde que aquele incumprimento resulte da falta culposa da entidade patronal — art. 35.º, n.º 1, al. a), da Lei dos Despedimentos, aprovada pelo DL 64-A/89, de 27/2 (LD) e, independentemente da verificação de culpa por parte da entidade empregadora, desde que se verifique o condicionalismo previsto no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 17/86, de 14/6.

Mas acima de tudo, o que aqui mais nos imposta considerar, o legislador veda à entidade patronal diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos na lei, nas portarias de regulamentação colectiva ou quando, precedendo autorização do Ministério para a Qualificação e Emprego, haja acordo do trabalhador (art. 21.º, n.º 1, al. c),  da LCT).

Por sua vez, dispõe o art. 122.º, al. d), do CT de 2003 que é proibido ao empregador "diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste código e nos instrumentos de regulamentação colectiva".

As citadas disposições legais consagram o princípio da irredutibilidade da retribuição, ou seja, a proibição do empregador diminuir, unilateralmente, o seu montante.

Mas, pergunta-se, o legislador proíbe diminuir apenas a retribuição de base (ou fixa) ou todo e qualquer componente da retribuição?

Para se ensaiar uma resposta, cumpre abordar a noção da retribuição, que, em termos abrangentes, é dada no art. 82.º da LCT. Nele se adverte, antes de mais, que: «só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), aditando-se que deve «até prova em contrário... constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador» (n.º 3). Esclarecendo-se ainda que «a retribuição compreende a remuneração de base e as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2).

Estatuição idêntica se consagra nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 249.º do CT de 2003.

A retribuição tem, pois, como componentes determinada remuneração de base e certas prestações complementares ou acessórias. Essas prestações complementares, algumas delas, estão ligadas a particularidades da prestação do trabalho, tais como a penosidade, o perigo, o isolamento, a produtividade, o mérito,  etc.

As prestações complementares de tal natureza, por regra, apenas são devidas na medida em que o trabalho seja prestado em condicionalismo que justificou o seu estabelecimento. Na verdade, a retribuição é a contrapartida da prestação de trabalho, definida de harmonia com um certo equilíbrio, fixado no contrato ou noutra fonte jus-‑laboral: lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

O princípio da irredutibilidade da retribuição tem por finalidade proibir uma alteração desse equilíbrio em sentido considerado menos favorável para o trabalhador.

Como dizem Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho «podemos descortinar, para além de uma correspondência global, determinados nexos específicos entre certas atribuições patrimoniais e particulares modos de ser do trabalho prestado. Se, duma parte, temos um núcleo central da retribuição que corresponde ao exercício das funções correspondentes a uma certa actividade, durante o número de horas estipulado como período normal de trabalho, discernimos, doutra parte, outros nexos de correspondência entre específicas atribuições patrimoniais e certos modos de ser da prestação (subsídio de turno/adstrição ao regime de trabalho por rumos, subsídio de isolamento/colocação do trabalhador numa zona despovoada, subsídio de risco/exercício do trabalho em condições de perigo).

(…)

A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (e de injustificada disparidade retributiva entre trabalhadores que desempenham funções semelhantes), ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações. A proibição da regressão salarial designa, sob esta perspectiva, a impossibilidade de piorar o equilíbrio que existe entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação patronal» (in Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, pg. 100).

Também Monteiro Fernandes, a propósito dos acréscimos ou aditivos salariais determinados pela penosidade, pelo risco e pelo isolamento (…) colocado perante a questão de saber se face ao princípio da irredutibilidade da retribuição, eles deverão ser mantidos, mesmo quando cessem as condições externas justificativas da sua atribuição, é peremptório: «a nosso ver, a resposta afirmativa conduziria a tão patente absurdo que é forçoso admitir, nestes casos, um desvio ao mencionado princípio; desvio esse, aliás, bastante relativo, dado que a retribuição base, correspondente à natureza intrínseca do trabalho prestado, está obviamente fora de questão» (in Direito do Trabalho 1, 4ª ed., pg. 268-269).

No caso vertente a Autora resolveu o contrato de trabalho que a ligava à Ré, mediante comunicação escrita, na qual invoca, como fundamento que “desde o ano lectivo de 2001/2002 que, por vossa exclusiva iniciativa, me tem sido reduzida a carga horária e o respectivo vencimento, assumindo hoje uma expressão ridícula e miserabilista que não faz o menor sentido para quem dedicou uma vida inteira à Universidade CC.”

E dos factos 39 e 40 resulta efectivamente provado que, em consequência da diminuição do serviço lectivo da Autora a partir do ano lectivo de 2002/2003, decidida pela Ré e/ou pelas Universidades CC com a aprovação da Ré, o montante da sua retribuição mensal diminuiu também.

Será que perante os factos considerados assentes a Recorrente teve justa causa para a resolução do contrato que mantinha com a Recorrida, com o alegado fundamento de diminuição da retribuição?

A Relação entendeu que não, aduzindo a seguinte apreciação:
«A retribuição pode ser certa, variável ou mista, isto é, constituída por uma parte certa e outra variável (art. 83.º da LCT e 251.º do CT de 2003).
Remetendo ao caso concreto, provou-se que:
A A. auferia mensalmente:
. uma quantia a título de “grau académico”, de montante fixo, de acordo com o grau académico que possuía.
. uma quantia a título de “vencimento”, correspondente ao número de aulas semanais, multiplicado por quatro e pelo “valor hora” definido pela Ré para cada ano lectivo (facto 14).
Em consequência da diminuição do serviço lectivo da Autora, a partir do ano lectivo de 2002/2003, o montante da sua retribuição mensal diminuiu também (facto n.º 38).
A diminuição do serviço lectivo da Autora a partir do ano lectivo de 2002/2003 foi decidido pela Ré e/ou pelas Universidades CC com a aprovação da Ré (facto n.º 40)
A A. opôs-se à diminuição do serviço lectivo (facto n.º 41)
A diminuição do serviço docente da Autora deveu-se, nomeadamente, à circunstância de a Ré e/ou as Universidades CCs terem atribuído cadeiras leccionadas pela A. a outras docentes e à diminuição do número de alunos dos cursos em que a A. leccionava (facto n.º 53)
Como se vê, a retribuição variável da Autora dependia da carga horária que lhe fosse atribuída, sendo que não ficou provado que as partes se tivessem vinculado a um número mínimo de horas lectivas nem, tão pouco, que esse número mínimo tivesse constituído elemento essencial para a vinculação contratual da Autora.
O pagamento da parte variável da retribuição em função do número de aulas leccionadas foi convencionado pelas partes, como decorre de vários acordos escritos juntos aos autos, segundo o princípio da liberdade contratual previsto no art.º 405.º do CC.
Tendo ficado demonstrado que a diminuição da retribuição decorreu da respectiva diminuição da carga horária (e não da redução da parte fixa remuneratória) há que concluir que não ocorreu violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Este pressupõe a prova de que a Ré diminuíra a retribuição da A. sem que tal correspondesse a uma diminuição paralela da carga horária que lhe estava distribuída, o que não ficou demonstrado.
Mas será que a Ré podia diminuir, unilateralmente, a carga horária da A. e, reflexamente, da retribuição?
Perfilhamos o entendimento desenvolvido na 1.ª instância, no sentido de que o regime geral da duração do trabalho, nomeadamente do limite de 40 horas semanais previsto no art.º 5.º da LDT e no art. 163º do C.T. de 2003 não se adequa à prestação laboral dos docentes universitários.
Como se lê na douta decisão recorrida:
“E (...) não se adequa, porque por um lado a distribuição de serviço docentes varia de ano lectivo para ano lectivo, em função do número de alunos e de turmas, e porque a prestação profissional do professor não se esgota nas aulas, antes pressupõe a preparação destas, o estudo e a actualização científica permanentes, a disponibilidade para receber alunos e esclarecer dúvidas, a participação em reunião de escolas, etc. (...)
Assim, descortina-se neste regime legal uma verdadeira lacuna oculta, ou seja, uma lacuna que resulta da interpretação restritiva, ou mesmo do regime geral da duração do trabalho (...)
(...) Tendo permanentemente o paralelismo que a própria lei estabelece entre o ensino público e o ensino particular, os limites de duração do trabalho dos docentes deste último deverão buscar-se na aplicação analógica das normas do Estatuto da Carreira Docente Universitária (aprovada pelo D.L. 448/79 de 13.11 e alterado pela Lei n.º 19/80, de 16.7 e pelo DL. 381/85, de 27.9”.
Ora, sob a epígrafe “Serviço Docente” estabelece o artigo 71º deste diploma:
Cada docente em regime de tempo integral é obrigado à prestação de um número de horas semanais de serviço de aulas ou seminários que lhe for fixado pelo conselho científico, um mínimo de seis, e um máximo de nove”.
Nesta conformidade, estando a Ré obrigada a atribuir à autora um período de horas semanais de aulas mínimo de seis horas, a que acrescerá o demais trabalho docente, a redução do serviço lectivo daquela, por decisão unilateral da primeira só poderá ser considerado ilícito (e nisso discordamos do que foi decidido na sentença recorrida) se for inferior a esse período.
 E sendo lícito à entidade empregadora retirar ao docente a leccionação de aulas superior àquele limite mínimo, é-lhe igualmente lícito deixar de pagar a retribuição correspondente ao número de aulas que deixaram de lhe ser atribuídas.
Ora, como decorre do ponto 13 da matéria assente, durante todo o período em que prestou a sua actividade à Ré, nunca foi atribuído à Autora um número de aulas inferior a 6 horas semanais, sendo que no ano lectivo em que tem lugar a rescisão do contrato, o serviço lectivo que lhe estava distribuído era de 8 horas semanais.
Por outro lado, ainda que a retribuição possa ser certa, variável ou mista, a verdade é que o trabalhador não pode, em cada mês de trabalho, receber montante inferior ao da retribuição mínima garantida aplicável (art. 252.º n.º4 do CT de 2003)
Ora a Autora não alegou, nem se encontra provado, que o salário auferido durante a vigência da relação de trabalho tenha violado aquela garantia mínima do trabalhador.
Concluindo: não se vislumbra actuação culposa da Ré consubstanciada na falta de pagamento pontual da retribuição devida à Autora ou na violação das garantias legais ou convencionais que a esta assistem, inexistindo fundamento legal para a resolução do contrato por justa causa».

Ora, sufraga-se inteiramente a apreciação aduzida no Acórdão Recorrido e pela qual se oferece adequada resposta a todas as questões suscitadas pela Recorrente na presente Revista.

Com efeito, analisada a decisão recorrida, constata-se que a questão primordial que se colocava na apelação, em face da matéria de facto considerada por assente, foi dada resposta de forma acertada e categórica nesta decisão, que na análise da questão em apreço invocou com rigor a lei aplicável, interpretando-a de acordo com o melhor entendimento da doutrina e da jurisprudência, para se concluir, convincentemente, pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato por parte da Autora, ora Recorrente.

Mostrando-se a decisão sindicada correctamente estruturada e ampla e devidamente fundamentada, este Tribunal considera dever seguir a fundamentação doutamente deduzida neste aresto, sem necessidade de explanar outros raciocínios ou mais convincentes argumentos.

Aliás, a Recorrente vem produzir uma persistente alegação, a apresentar o seu dissentimento em relação à decisão recorrida, pugnando por uma solução contrária da seguida na Relação, mas sem atacar convincentemente a bem gizada fundamentação da decisão recorrida.

Mas para o recurso poder ter algum êxito, carecia a Recorrente de demonstrar que os fundamentos aduzidos na decisão recorrida, de facto e de direito, não eram acertados ou convincentes.

Não procedendo dessa forma a Recorrente, não comprovando, assim, que a decisão, de direito, deva ser alterada, sendo que não é pelo facto de se insistir na versão apresentada que se tem razão e, no caso, entende-se que a razão não está pelo lado da Recorrente nas fundamentais proposições conclusivas tiradas no presente recurso.

O Acórdão Recorrido vale por si, pois que, repete-se, a questão capital que se colocava por via da apelação foi nela ponderada e resolvida da forma que este tribunal de recurso considera correcta, e aliás bem delineada, tornando-se desnecessário repetir o que na decisão recorrida se encontra exarado e que acima ficou reproduzido.

Adite-se, no entanto, que o Ministério Público junto deste tribunal, emitiu proficiente parecer, a secundar a tese da Relação, de que se extracta o seguinte:
«Como já foi referido, no "contrato de docência" celebrado entre a Atora e a Ré foi acordado que a remuneração devida àquela teria na sua composição, para além de uma parte fixa atribuída pelo grau académico, uma parte variável, resultante da carga horária.
A Autora, enquanto prestou a sua actividade para a Ré, nunca teve leccionação de aulas inferior a seis horas.
Cumpre ter em conta este facto, atento o disposto no art. 71.° do Dec.-Lei n.°448/79, de 13 de Novembro.
Este diploma — alterado pela Lei n.°19/80, de 16 de Julho e pelo Dec.-Lei n.°381/85, de 27 de Setembro — fixou o Estatuto da Carreira Docente Universitária.
Considerando o paralelismo que se regista entre o ensino público e o ensino particular e a especificidade do trabalho de docentes universitários, há que aplicar aos docentes daquele último, os limites de duração do trabalho previstos para o primeiro.
Ora, o art. 71.° do Dec.-Lei n.° 448/79, de 13 de Novembro, no seu n.° l determina que "cada docente, em regime de tempo integral, é obrigado a prestação de um número de horas semanais de serviço de aulas ou seminários que lhe for fixado pelo conselho científico, num mínimo de seis horas e num máximo de nove”.
In casu, à Autora foi sempre atribuída uma carga horária superior àquele mínimo, sendo que no ano lectivo em que teve lugar a rescisão do contrato, o serviço lectivo que lhe estava distribuído era de 8 horas semanais, tendo sido, pois, observado o constante daquele preceito legal.
Encontrando-se demonstrado que a Autora e a Ré firmaram um contrato, no qual, além do mais acordaram que a remuneração da primeira ficaria sujeita a variação consoante a carga horária que lhe fosse atribuída, só se verificaria, a nosso ver, a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, caso tivesse sido provado, o que não se verificou, que a Ré diminuiu a retribuição da Autora sem que se verificasse uma correspondência na respectiva carga horária.
Bem ao contrário, ficou provado que no ano lectivo em que a Autora procedeu à resolução, auferia uma remuneração mista, que vinha sendo paga atempadamente, tendo-se mantido inalterado o componente fixo da mesma, apenas se tendo registado alteração no elemento variável, face à diminuição de horas de leccionação.
Não se verificando, na nossa óptica, qualquer comportamento ilícito por parte da Ré que tenha tornado imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, não deveria ser tida a resolução do contrato, por parte da Autora, com fundamento em justa causa».

Concorda-se inteiramente com a posição assumida pelo Ministério Público, que, de resto, está em consonância com solução adoptada pela Relação.

Por isso, não se subscreve o entendimento pelo qual se bate Recorrente, na parte que mais releva, quando alega o seguinte:
«Dependendo o montante da retribuição do número de horas de trabalho a prestar pela recorrente e tendo o número de horas de docência que a recorrente prestava sido obtido por acordo das partes, a alteração do período normal de trabalho só pode ocorrer por acordo entre o trabalhador e o empregador como prescreve o n.º 1 do art. 173º do Código do Trabalho de 2003, pois de outra forma seria não haver quaisquer barreiras à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e mesmo ao princípio da proibição dos despedimentos, pois seria então possível reduzir o período normal de trabalho para níveis insignificantes ou até mesmo para zero».

Como decorre cabalmente da matéria de facto e se salienta na decisão recorrida, a retribuição variável da Recorrente dependia da carga horária que lhe fosse atribuída, sendo que não ficou provado que as partes se tivessem vinculado a um número mínimo de horas lectivas nem, tão pouco, que esse número mínimo tivesse constituído elemento essencial para a vinculação contratual da Autora.

Donde se conclui que não estava vetado à Recorrida diminuir a carga horária da Recorrente com a consequente diminuição da retribuição no condicionalismo em que se verificou, pelo que não assistia à Recorrente fundamento legal para resolver o contrato com invocação de justa causa e, deste modo, também direito lhe não assiste às diferenças salariais e indemnização que reclama.

Firmada esta conclusão, afastada resta qualquer actuação com abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do CC, por parte da Recorrida, abuso que a Recorrente invoca na sua alegação em complemento da argumentação que expende no sentido de convencer de que não poderia a Recorrida reduzir a carga horária abaixo do limite máximo de 9 horas semanais fixado no art. 71.º do ECDU.

A Recorrida agiu de acordo com o estipulado no contrato firmado com a Recorrente, não tendo procedido a qualquer ilícita diminuição da retribuição ao reduzir a carga horária variável, nem, ao fazê-lo, agiu com abuso de direito.  

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a Revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

[Anexa-se o sumário elaborado nos termos do artigo 713º, n.º 6, do CPC]

Lisboa, 20 de Outubro de 2011. 

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva