ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
4867/07.3TBSTS.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR LOPES DO REGO

DESCRITORES SEGURO MULTI-RISCOS
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO
EXCLUSÃO DE RISCO
CAUSALIDADE

SUMÁRIO
1. No âmbito da celebração de um contrato de seguro multi-riscos habitação, configurável como contrato de adesão e visando segurar os danos provenientes de intempéries e inundações em certo muro de divisão e contenção de terras, celebrado por o proprietário ter verificado que, afinal, o originário seguro do imóvel não abrangia tal risco, recai sobre a seguradora um particular dever de informação e esclarecimento do segurado quanto ao exacto âmbito dos riscos efectivamente cobertos, de modo a resultarem, no momento em que se procede à alteração contratual,  plenamente apreensíveis os limites, condições e exclusões da cobertura acordada.

2. Recai, porém, sobre o segurado o ónus de provar que os danos sofridos foram causalmente determinados pela intensidade e violência da intempérie – e não por deficiências construtivas do bem objecto de seguro, excluídas expressamente pela apólice do elenco dos riscos objecto de seguro.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros BB, S.A, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 20.570,00 €, acrescida de juros de mora a contar da citação, alegando ter celebrado com a Ré um contrato de seguro multi-riscos, no qual se incluía o risco de aluimento dos muros de vedação exteriores e do muro de suporte de terras interiores do prédio urbano de que era proprietário: ora, entre finais de Novembro e princípios de Dezembro de 2006, ocorreu no local uma grande intempérie, com enorme precipitação de chuvas, que causou o abalo da estrutura do muro de vedação exterior a sul, com inclinação do mesmo e rachadelas, importando a reparação dos danos sofridos o montante peticionado de  20.570,00 €.

A Ré contestou, impugnando, por desconhecimento, parte da matéria alegada, sustentando que a ruptura do muro resultou de deficiências construtivas – não dispunha de sistema de drenagem – e que, segundo as cláusulas do contrato, o sinistro estaria excluído da cobertura do seguro; invocou ainda subsidiariamente a previsão no contrato de uma franquia equivalente a 10%.

Na réplica, o Autor veio alegar que jamais lhe foram enviadas as “Condições Gerais e Especiais” juntas pela Ré, mais explicitando que a precipitação ocorrida foi superior aos 20 mm em dez minutos no pluviómetro e que os ventos atingiram intensidade superior aos 100 km/h, o que ocasionou uma enxurrada de terras, árvores, pedras e lixo projectada de encontro aos muros em causa.

Requereu ainda a intervenção principal provocada subsidiária do empreiteiro que havia realizado a construção – a sociedade CC, Lda. - a fim de a mesma ser condenada a indemnizar o Autor pelos danos sofridos, correspondentes ao valor peticionado, sendo essa intervenção admitida.

Citada, a interveniente não contestou.

Após saneamento e condensação, realizou-se o julgamento, no termo do qual se proferiu  sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a Ré e a interveniente do pedido formulado contra cada uma delas.

O Autor não se conformou e apelou, tendo, todavia, a Relação julgado improcedente o recurso, confirmando a sentença impugnada, ainda que com diversa fundamentação, afirmando, nomeadamente:

Do que parece não haver dúvidas é que a verdadeira e decisiva causa dos danos no muro foi a infiltração de águas pluviais no maciço terroso adjacente ao muro, por efeito de pluviosidade anormal, e o aumento do impulso hidrostático exercido sobre essa estrutura.

Se isto é assim em tese, não podemos abstrair daquilo que se nos afigura essencial: a cobertura do risco segundo o programa contratual.

A realização do risco previsto no contrato tem na sua base determinada causa, de cujo enquadramento nas cláusulas contratuais dependerá a actuação das garantias do seguro. Só a partir da sua verificação se poderá estabelecer o nexo de causalidade entre a causa e o sinistro.

 Já vimos que o contrato de seguro passou a abranger, no valor do edifício segurado, os muros de vedação exterior e muros de suporte de terras interiores, até ao montante de 50.000,00 €. O alargamento do âmbito do risco consta da acta adicional[1] de fls. 17/18.

            Na alínea a) do ponto 17. das Condições Especiais do Contrato de Seguro, sob o título “Inundações”, garantiram-se os danos causados em consequência directa “Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais — precipitação atmosférica superior a dez milímetros em 10 minutos, no pluviómetro”.

            A ultrapassagem dessa medida pluviométrica constitui, entre outros, facto constitutivo do direito do segurado à reparação dos prejuízos, cabendo a este a respectiva alegação e prova.

A alegação foi feita[2], mas a prova não[3]. Já veremos porquê.

A referida estipulação, por parte da seguradora, encontra justificação na circunstância de se quererem evitar discussões futuras sobre o assunto, acrescentando-se aos elementos que habitualmente definem aqueles fenómenos climatéricos (trombas de água e chuvas torrenciais) uma componente técnica, de quantificação e medida.

“Deve reconhecer-se que, desta maneira, a garantia perde, em alguma medida, eficácia, pois, às vezes, aqueles fenómenos são muito localizados, e, por isso, ficam à margem dos registos das estações oficiais, onde se efectuam as medições pluviométricas. Apesar de tudo, não se trata de factos de prova impossível, ou, sequer, de prova, normalmente, inacessível …”[4].

O Autor requereu que se obtivesse informação, junto do Serviço de Metereologia da Serra do Pilar, sobre a carga pluviométrica e a velocidade do vento no período de tempo compreendido entre fins de Novembro e princípio de Dezembro de 2006, no local do sinistro – cfr. requerimento de prova de fls. 141/142.

Tendo-se oficiado ao Serviço de Metereologia da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, foi respondido que era impossível satisfazer o pedido por não haver no momento nenhum técnico ao serviço – fls. 160. Insistiu-se na informação e a resposta foi a que se transcreve: “O Instituto Geofísico da Universidade do Porto está desactivado e é completamente imprevisível quando, se tal vier a acontecer, reiniciará a sua actividade”.

O Autor não impulsionou outras formas de provar o facto que tinha a seu encargo, sendo certo que nem sequer sugeriu a participação da autoridade que superintende na matéria: o Instituto de Meteorologia, IP[5].

Tendo falhado a prova desse facto, fica comprometido todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

E é neste exacto contexto que tem de negar-se a existência do nexo de causalidade indispensável à obrigação de indemnizar.

Por outro lado, relativamente ao pedido deduzido subsidiariamente contra o empreiteiro, considerou o acórdão recorrido – após ponderar que ao referido contrato se aplicam as normas constantes do DL 67/2003, de 8 de Abril - que:

Para se apreciar a eventual responsabilidade da interveniente na deficiente execução da obra, seria necessário conhecer os termos do contrato de empreitada, designadamente o seu concreto objecto. Só assim o tribunal poderia aferir se a obra foi executada de acordo com o convencionado e se existe uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada (artigo 1208º do CC). É que, embora o empreiteiro, em princípio, goze de liberdade técnica na execução da obra, nada impede que o clausulado contratual a reduza drasticamente, não só através da imposição prévia das opções técnicas a adoptar, como também pela possibilidade de consagrar uma direcção técnica da obra por parte do dono desta, ou de profissional por si contratado.

A esta luz, surge-nos como claramente insuficiente, por genérica e conclusiva em alguns segmentos, a alegação constante dos artigos 14º e 15º da réplica, ex vi da remissão operada pelo artigo 1º do requerimento de intervenção principal provocada de fls. 102 e seguintes.

            Ignorando-se o plano contratual estabelecido entre o Autor e a interveniente, não é possível formular qualquer juízo de imputação do defeito a esta, falhando, por conseguinte, um dos requisitos do direito à indemnização.

2. Novamente inconformado, interpôs o A. a presente revista , que encerra com as seguintes conclusões:

1.         Deve ser revogada a sentença.

2.         Condenando-se a seguradora no pedido.

3.         Já que contrariamente ao constante da sentença a precipitação anormal e os ventos fortes originaram uma enxurrada de terras, pedras e lixo que se projectou contra o muro de vedação exterior do prédio do recorrente tendo após isto o muro ficado abalado na sua estrutura, ficando inclinado e com rachadelas (quesitos 1.°, 2.°, 3.°, 5.°, 6.°, 6.°, 7.° e 8.°).

4.         O facto de o muro não apresentava nele próprio qualquer sistema de drenagem de águas pluviais tal existência apenas podia eliminar ou minimizar o impulso hidrostático (quesitos 12.°, 13.° e 16.°) e nunca evitar o sucedido.

5.         Releva também o não ter ficado provado que no lado tardoz do muro a inexistência de qualquer sistema de drenagem de águas pluviais (quesito 14.°).

6.         Assim ficou provado o nexo de causalidade conforme conclusão 3.

7.         Ou pelo menos que o constante da conclusão 3. foi uma concausa do ocorrido no muro.

8.         Também a cláusula que estabelece que a precipitação atmosférica seja superior a dez milímetros em 10 minutos no pluviómetro não é invocável nos termos dos artigos 5.° e 8.° do Decreto-Lei 446/85 pois a seguradora não enviou ao recorrente como devia as cláusulas contratuais.

9.         Caso assim se não entenda, o que só por mero raciocínio se concebe, sempre a interveniente deve ser condenada no pedido.

10.       Já que tendo sido citada para os termos da acção - maxime do teor dos articulados das partes e do próprio orçamento que ela elaborou após os danos no muro - não contestou nem tomou qualquer posição nos autos.

11.       Sendo que, tendo feito o orçamento referido, tinha perfeito conhecimento do estado em que ficara o muro e sabia o que teria de ser feito para o repor no seu estado perfeito.

12.       A interveniente, face ao aludido orçamento, sabia que havia que construir um novo muro e qual era o seu custo.

13.       Sendo também que os termos do contrato de empreitada de construção do muro era matéria a invocar pelo interveniente caso deduzisse contestação.

14.       O Tribunal ao decidir como decidiu actuou em suprimento da interveniente,

15      Indevidamente já que não contestando ou tomando posição nos autos a interveniente renunciou aos direitos que porventura tinha a invocar.

16.       Aliás face ao orçamento junto aos autos nunca havia que convidar a interveniente a eliminar defeitos já que o que havia que fazer era construir um novo muro.

17.       Foram violados os artigos 5.°, n.° 3 e 8.°, n.° 1, alínea a) do Decreto-Lei n.° 446/85, 1.223.° do Código Civil, artigo 4.°, n.° 5 do Decreto-Lei n.° 67/2003, 563.°, 483.° e 486.° do Código Civil, 489.° e 496.° do Código Processo Civil.

Termos em que atento o douto suprimento de V. Excias., deve ser dado provimento ao recurso.

  A seguradora/ recorrida pugna pela manutenção da solução acolhida no acórdão recorrido.

   3. As instâncias fizeram assentar a solução jurídica do pleito na seguinte matéria de facto:

A.        O Autor e DD encontram-se inscritos na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso como únicos titulares, por compra, do prédio aí descrito sob o n.° 0000000000, constituído por habitação, com rés-do-chão e primeiro andar, e quintal, mediante a apresentação n.° 2 de 09.04.2003.

B.        Mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.° 0000000000, cuja cópia consta de fls. 13-14 e aqui se dá por integralmente reproduzida, da modalidade intitulada Multi Riscos Habitação – Multi Protecção Lar, foi acordado entre Autor e Ré que esta assumia o dever de indemnizar por danos ocorridos no prédio referido em A), acordo esse com início em 14.04.2003.

C.        Consta das condições particulares inscritas na apólice referida em B) o seguinte:

- Capitais ou salários seguros: € 205 000,00,

- Coberturas: Valores Seguros:

- Cobertura base — edifício € 150 000,00

- Cobertura base — conteúdo € 15 000,00

- Fenómenos sísmicos € 165 000,00

- Opção:

- Premier (edifício + conteúdo)

- Objectos seguros — Edifício: Capitais:

  Edifício de habitação € 150 000,00

- Objectos seguros — Conteúdo: Capitais:

- Conteúdo de habitação € 13 500,00

- Pentium IV + monitor + impressora € 1 600,00 (...)

- Local de risco:

- R. Monte do ....... Tirso;

D.        Depois do final de 2004, o Autor, invocando o contrato de seguro mencionado em B) e C), comunicou à Ré a queda de muros de vedação existentes no prédio referido em A) provocada pela ocorrência de vários temporais com chuvas muito intensas e solicitou à mesma que o ressarcisse pelos prejuízos emergentes da referida queda.

E.         Em resposta, a Ré comunicou ao Autor que se recusava a ressarci-lo pelos prejuízos emergentes da queda dos muros referida em D) por entender que o contrato de seguro referido em B) e C) não abrangia os muros de vedação do prédio referido em A).

F.         Nessa sequência, o Autor, por intermédio da chamada CC, Lda., que realizou a obra, procedeu à construção de muros de vedação exteriores e de suporte de terras interiores do prédio referido em A).

G.        Após o que comunicou ao mediador de seguros da Ré, EE que pretendia alterar o contrato de seguro mencionado em B) e C) para que o mesmo passasse a cobrir o risco de aluimento dos muros de vedação exteriores e de suporte de terras interiores do prédio referido em A).

H.        Para concretizar o referido em G), em 28.04.06, o Autor preencheu a proposta de alteração de contrato de seguro a que respeita a cópia de fls. 15 e 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta a referência à apólice aludida em B) e C) como a respeitante ao contrato a alterar e as seguintes inscrições manuscritas, além de outras:

- Descrição dos valores a segurar:

- Edifício Moradia /Andar (...) € 175 000,00, que inclui € 50 000,00 de muros de vedação exterior e muros de suporte de terras interiores;

I.          Após aceitação da proposta referida em H), a Ré emitiu a acta adicional à apólice cuja cópia consta de fls. 17-18, e aqui se dá por integralmente reproduzida, da modalidade intitulada Multi Riscos Habitação — Multi Protecção Lar, com a data de início de 02.05.2006.

J.         Consta das condições particulares inscritas na acta adicional referida em I) o seguinte:

- Capitais ou salários seguros: € 235 000,00,

- Coberturas: Valores Seguros:

- Cobertura base — edifício € 175 000,00

- Cobertura base — conteúdo € 20 000,00

- Fenómenos sísmicos € 195 000,00

- Opção:

- Premier (edifício + conteúdo)

- Objectos seguros — Edifício: Capitais:

- Edifício de habitação € 175 000,00

- Objectos seguros

- Conteúdo: Capitais:

- Recheio de habitação € 14 300,00

- 2 bombas de água e monitores da piscina € 4 100,00

- Pentium IV ÷ monitor + impressora € 1.600

- Local de risco:

- R. Monte do Rego Santo Tirso;

K.        Consta do ponto 2. Definições das Cláusulas Gerais do Contrato de seguro a que respeitam a apólice e acta adicional mencionadas em B) e 1), o seguinte:

(...) Sinistro: qualquer evento súbito e imprevisível, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato;

L.         Consta do ponto 5.1. das Cláusulas Gerais do Contrato de seguro a que respeitam a apólice e acta adicional mencionadas em B) e 1), o seguinte:

5.1. Qualquer que seja a modalidade segura, o contrato não garante prejuízos directa ou indirectamente resultantes de:

( . . . )

Vício próprio;

M.       Consta do ponto 2. “Tempestades” das Condições Especiais do Contrato de Seguro a que respeitam a apólice e acta adicional mencionadas em B) e 1), o seguinte:

O que se garante

Danos causados aos bens seguros em consequência directa de:

a) Tufões, ciclones, tornados e acção directa de ventos fortes ou choques de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos (sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção, objectos ou árvores num raio de 5 km envolventes dos bens seguros).

Em caso de dúvida poderá o Segurado fazer prova mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade superior a 100 km/hora.

a) Alagamento pela queda de chuva, de neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em a), na condição de que estes danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício seguro.

São considerados como constituindo um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram dos primeiros danos.

O que não se garante

Para além das exclusões aplicáveis constantes das Condições Gerais da apólice, não se garantem perdas ou danos: (…)

c) Em dispositivos de protecção (tais como persianas e marquises) muros, de vedações, portões, estores exteriores, os quais ficam todavia cobertos se forem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontram os bens seguros.

N.        Consta do ponto 2. “Tempestades” das Condições Especiais do Contrato de Seguro a que respeitam a apólice e acta adicional mencionadas em B) e 1), o seguinte:

Em caso de sinistro será deduzido ao valor da indemnização uma franquia calculada na base de 10 % sobre o valor do sinistro, com o mínimo de € 99,76;

O.        Consta do ponto 17. “Inundações” das Condições Especiais do Contrato de Seguro a que respeitam a apólice e acta adicional mencionadas em B) e 1), o seguinte:

O que se garante

Danos causados aos bens seguros em consequência directa de:

a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais — precipitação atmosférica superior a dez milímetros em 10 minutos, no pluviómetro;

b) (...)

c) Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais.

São constituídos como um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram os primeiros danos.

O que não se garante

Para além das exclusões aplicáveis constantes das Condições Gerais da apólice não se garantem perdas ou danos:

( . . . )

a) em dispositivos de protecção (tais como persianas e marquises), muros, vedações, portões, estores exteriores, os quais ficam, todavia, cobertos se forem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontram os bens seguros.

( . . . )

Franquia a cargo do segurado: Em caso de sinistro será deduzido ao valor da indemnização uma franquia calculada na base de 10 % sobre o valor do sinistro, com o mínimo de € 99,76.

P.         No dia 13.12.2006, o Autor comunicou à Ré que, no prédio referido em A), em finais de Novembro de 2006, “verificou-se uma grande intempérie que originou indícios de inclinação e estaladelas no muro de vedação do terreno”, “esta grande intempérie concorreu com um volume de água anormal e abalou a estrutura referida” e “mais recentemente em princípios de Dezembro nova intempérie agravou o estado do muro, estando neste momento em estado de derrocada eminente, pelo que solicitamos rápida (urgente) peritagem” — cfr. fls. 19-20.

Q.        O muro de vedação exterior e de contenção de terras referido em F), a Sul, é constituído por alvenaria de granito de secção constante ao longo de toda a altura.

R.        Durante o final de Novembro e princípios de Dezembro de 2006, choveu no local onde o prédio referido em A) se situa.

S.         No referido período de tempo a precipitação verificada foi acima do normal.

T.         No referido período de tempo ocorreram ventos fortes.

U.        A habitação que integra o prédio referido em A) é isolada.

V.        Como consequência directa e necessária da chuva acima referida, verificou-       -se a enxurrada de terras, pedras e lixo, que se projectou contra o muro de vedação exterior, a Sul, mencionado em Q).

X.        Após o período de precipitação acima referido, o muro mencionado em Q) ficou abalado na sua estrutura, ficando inclinado e com rachadelas.

Z.         A reconstrução do aludido muro orça em € 19.200,00.

AA.     O muro referido em Q), no período referido em R), estava executado em betão com pedras justapostas na face virada para o interior da propriedade.

BB.      O muro referido em Q) é ininterrupto e não apresentava, nele próprio, qualquer sistema de drenagem de águas pluviais.

CC.     O que impedia qualquer escoamento de águas pluviais.

DD.     As terras contidas pelo segmento de muro mencionado em Q) e aportadas pela enxurrada causaram impulso hidrostático sobre o mesmo.

EE. O impulso hidrostático pode ser eliminado ou minimizado por um sistema de drenagem eficiente.

FF.      Em virtude do referido em CC. e DD. ocorreu o referido em X.

GG. A Ré procedeu ao envio ao Autor das “Condições Gerais e Especiais” constantes de fls. 68 a 79 dos presentes autos aquando da celebração do contrato de seguro mencionado em B) e C).

   4. Importa notar liminarmente que no presente litígio se suscitam duas questões que merecem tratamento autónomo e diferenciado:

- a primeira delas, situada no âmbito da disciplina das cláusulas contratuais gerais, decorrente da configuração da relação contratual litigiosa como contrato de adesão, consiste em determinar se foram adequadamente cumpridos pela seguradora os deveres de comunicação e informação, relativamente à alteração da originária apólice, efectivada em Março de 2006, documentada pela acta adicional constante de fls. 17/18 dos presentes autos;

- a segunda dessas questões, situada no plano da causalidade adequada, traduz-se em saber se os danos sofridos pelo muro, objecto do contrato de seguro multi-riscos em causa, devem ser imputados à intensidade da intempérie verificada no local, na data do sinistro, ou seja, ao específico risco segurado, ou antes – e decisivamente – a deficiências ou vícios próprios de concepção e construção do referido muro, decorrentes, nomeadamente, da inexistência de qualquer sistema de drenagem de águas pluviais, potenciando tal deficiência construtiva decisivamente os danos sofridos - excluídos por isso do âmbito dos riscos assumidos pela seguradora;

   A primeira questão teve o seguinte tratamento na sentença proferida na 1ª instância:

   Pelo Dec-Lei n° 446/85 de 25 de Outubro, alterado pelo Dec-Lei n° 220/96 de 31 de Agosto e pelo Dec-Lei nc 249/99 de 7 de Julho, foi fixado o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. Dispõe o art. 1s, n° 1, do referido Diploma Legal que as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma, acrescentando o seu n° 2 que tal diploma se aplica igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar, e o seu n° 3 que o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

Por sua vez, o art. 5S do citado Dec. Lei ns 446/85 prescreve:

"1 -As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.

2- A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3- O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais ".

E o art. 6º do mesmo diploma prescreve por seu turno:

" 1 - O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias: a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique.

2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados."

Há, todavia, que não confundir o ónus c!a prova com c ónus da alegação. Na verdade, se ao contratante que apresenta as cláusulas contratuais gerais incumbe provar que cumpriu adequadamente os deveres de comunicação e de informação, certo é que só terá que o fazer se o outro contratante invocar, nos respectivos articulados, que tais deveres não foram cumpridos.

Na presente acção, o Autor veio alegar que jamais lhe foram enviadas as "Condições Gerais e Especiais" juntas pela Ré e, questionado que foi, sob o nQ 18 da B.I., se a Ré procedeu ao envio ao Autor das "Condições Gerais e Especiais" constantes de fls. 68 a 79 dos presentes autos, a resposta foi de que o fez aquando da celebração do contrato de seguro mencionado em B) e C).

A questão que se coloca prende-se, portanto, com saber se, tendo existido uma alteração ao contrato mencionado em B) e C), o dever de comunicação e informação se satisfazia com o envio anteriormente feito das ditas "Condições"

Vejamos os factos.

Depois do final de 2004, o autor, invocando o contrato de seguro mencionado em B) e C), comunicou à ré a queda de muros de vedação existentes no prédio referido em A) provocada pela ocorrência de vários temporais com chuvas muito intensas e solicitou à mesma que o ressarcisse pelos prejuízos emergentes da referida queda.

Em resposta, a ré comunicou ao autor que se recusava a ressarci-lo pelos prejuízos emergentes da queda dos muros referida em D) por entender que o contrato de seguro referido em B) e C) não abrangia os muros de vedação do prédio referido em A).

Nessa sequência, o autor, por intermédio da chamada CC, Lda., que realizou a obra, procedeu à construção de muros de vedação exteriores e de suporte de terras interiores do prédio referido em A).

Após o que comunicou ao mediador de seguros da ré EE que pretendia alterar o contrato de seguro mencionado em B) e C) para que o mesmo passasse a cobrir o risco de aluimento dos muros de vedação exteriores e de suporte de terras interiores do prédio referido em A).

Para concretizar o acabado de referir, em 23.04.06, o autor preencheu a proposta de alteração de contrato de seguro a que respeita a cópia de f!s. 15 e 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta a referência à apólice aludida em B) e C) como a respeitante ao contrato a alterar e as seguintes inscrições manuscritas, além de outras:

-              Descrição dos valores a segurar:

-              Edifício Moradia /Andar (...) € 175 000.00, que inclui € 50 000,00 de muros de vedação exterior e muros de suporte de terras interiores;

Após aceitação da proposta referida em H). a ré emitiu a acta adicional à apólice cuja cópia consta de fis. 17-18, e aqui se dá por integralmente reproduzida, da modalidade intitulada Multi Riscos Habitação - Multi Protecção Lar, com a data de início de 02-05-2006.

Tendo sido este o concreto contexto em que foi acordada a alteração contratual, afigura-se que, se quanto à generalidade das Condições Gerais e Especiais, não se justificava nova comunicação ou a prestação de qualquer esclarecimento, já quanto ao que especificamente dizia respeito à alteração acordada a boa fé lhe impunha um comportamento distinto, com adequada informação sobre essa matéria, já que, de contrário, qualquer declaratário normal poderia ser levado a concluir que os danos causados nos muros pelos riscos abrangidos pela cobertura do contrato passariam, com tal alteração, a estar garantidos sem qualquer condicionante como aquela que se mostrava prevista nas Condições Especiais que anteriormente lhe haviam sido entregues, qual seja, a de os muros só seriam cobertos se fossem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontram os bens seguros: após a não aceitação, pela seguradora, da cobertura dos danos sofridos pelos muros que precederam os que ora estão em causa, a preocupação do Autor era, manifestamente, a de, caso voltasse a ocorre; o sucedido, tais danos estarem garantidos e garantidos, por si só, isto é, independentemente da verificação de quaisquer outros.

Assim sendo, cremos ser manifesto que, no mínimo, a Ré seguradora devia informar o Autor sobre os aspectos especificamente relacionados com a cobertura dos riscos dos muros, esclarecendo-o de que, não obstante a alteração acordada, os danos em causa só seriam garantidos mediante o preenchimento da já referida condição, não sendo de esperar que o Autor, na ausência de tal informação acrescida, tivesse consciência de que tal condição se aplicava.

No caso, a Ré seguradora não cumpriu, pois, o ónus de prova de que fala o ns 3 do art. 5S do citado decreto-lei.

Ora, o art. 8, nº1, ai. a) do Dec. Lei nº 446/85. prescreve que se consideram excluídas dos contratos as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5º do mesmo diploma e, por seu turno, a ai. b) do art. 8 do mesmo decreto-lei estabelece igual sanção para as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.

Assim, a consequência imediata da aludida falta de comunicação e de informação é ter-se por excluída a referida cláusula no que toca aos muros, mantendo-se válidas as demais cláusulas, tal como prescreve o art. 9º do mesmo diploma legal.

    Não sendo controvertido que o contrato discutido nos autos se configura efectivamente como contrato de adesão, adere-se inteiramente a esta solução, por se considerar que, no concreto circunstancialismo que rodeou a modificação da originária relação contratual, o princípio da boa fé impunha efectivamente à seguradora um particular dever de informação, esclarecimento e comunicação sobre o âmbito efectivo da cobertura – que se não pode considerar adequadamente cumprido com a mera remessa ao segurado da acta adicional constante de fls. 17/18.

   Note-se que a alteração do contrato de seguro decorreu da circunstância de o interessado se ter apercebido de que a cobertura dos riscos emergentes de intempéries, causados ao muro de vedação e suporte de terras da sua habitação, não se mostrava abrangido pelo contrato inicialmente celebrado, pretendendo inclui-los na cobertura agora convencionada – cabendo, deste modo, à seguradora informar, de forma clara e categórica, o segurado dos limites e condições que relevavam em sede de ressarcimento de futuros danos no muro em questão – alertando-o, nomeadamente para a relevante condição estabelecida nas condições especiais, excluindo os danos que não pudessem ser imputados a chuvas torrenciais que implicassem precipitação atmosférica superior a 10 mm em 10 minutos no pluviómetro – criando para o segurado o ónus probatório - que a Relação considerou existente, no acórdão recorrido – de obter informação e confirmação sobre tal matéria nos serviços oficiais de meteorologia como conditio sine qua non para efectivação do seu direito no confronto da seguradora.

   E tais deveres não podem ter-se por adequadamente cumpridos pelo mero facto de , aquando da celebração do originário contrato de seguro, terem sido remetidos ao segurado as condições gerais e especiais, constantes do doc. de fls. 68 e seguintes ( que, como se viu, não incluía os danos sofridos pelo bem supervenientemente segurado: o referido muro de vedação e suporte de terras) : impunha-se, deste modo, à seguradora, não apenas o reenvio de todos os documentos relevantes para o apuramento e adequada e integral cognoscibilidade pelo segurado dos riscos efectivamente objecto de seguro, em que se mostram obviamente incluídas as referidas condições gerais e especiais, relembrando, por essa forma, ao segurado os limites, condições e exclusões da cobertura ora acordada, mas também a prestação de esclarecimento adequado sobre tal tema, tornando claro que danos provenientes de intempéries de intensidade inferior à referida nas ditas cláusulas não seriam assumidos pela seguradora.

   O não cumprimento de tal dever da seguradora implica – como se decidiu na 1ª instância – que tal cláusula limitativa seja efectivamente inoponível ao segurado.

   A segunda questão – perfeitamente autónoma desta – prende-se com a matéria da determinação do nexo causal : deverá considerar-se que a ruína do muro de vedação e contenção radicou decisivamente em vícios próprios de concepção e construção – que o próprio A. subsidiariamente aceita, ao demandar supervenientemente o empreiteiro que o construiu – ou antes ao risco coberto de intempéries , de queda anormal de chuva intensa e consequentes enxurradas e inundações?

   Como é evidente, o problema de definição da causalidade adequada suscita, em primeira linha, uma questão de natureza factual, obviamente insindicável no âmbito de um recurso de revista ( cfr. Ac. de 21/10/10, proferido pelo STJ no P. 513/06.0TBMNC.G1.S1).

   Ora, perante a matéria de facto provada, resulta que a causa naturalística predominante e decisiva  da ruína do muro em questão foi efectivamente a deficiência de concepção e construção, decorrente de – pelo facto de ser ininterrupto e não apresentar qualquer sistema de drenagem de águas pluviais -  impedir qualquer escoamento destas, pelo que as terras contidas pelo segmento do muro em questão e aportadas pela enxurrada causaram impulso hidroestático sobre o mesmosendo estes factos concretos  que determinaram decisivamente o dano estrutural, consubstanciado em o muro ter ficado inclinado e com rachadelas – vide ponto FF da matéria de facto.

   Ora, perante este concreto quadro factual, é manifesto que tem de considerar-se excluída a responsabilidade da seguradora, uma vez que o A. não logrou provar um essencial elemento constitutivo do direito que invocava – sendo os danos decisivamente provocados, não apenas pela anormal intensidade da intempérie, mas essencialmente por um vício ou

deficiência construtiva própria, expressamente excluído do elenco dos riscos objecto de seguro.

   E, deste modo, quanto a este aspecto, nenhuma censura merece o decidido pelas instâncias, não ocorrendo qualquer violação das normas legais especificadas pelo recorrente.

   5. Finalmente, insurge-se o A./recorrente contra a absolvição do interveniente principal provocado : o empreiteiro que construiu o referido muro, afectado decisivamente pelas deficiências de concepção e construção que ditaram a exclusão de responsabilidade da seguradora pelos danos.

   O incidente de intervenção principal provocada consubstancia-se na dedução, por parte do A., de uma verdadeira pretensão contra o chamado a intervir – chamamento este deduzido, no caso dos autos, a título subsidiário, por haver dúvidas fundadas sobre quem está, afinal, obrigado a ressarcir o A.: implica esta fisionomia do incidente ( que o torna radicalmente diferenciado da figura da intervenção acessória provocada) que tal pretensão careça de ter uma causa de pedir consistente, recaindo sobre o chamante o ónus de especificar e concretizar adequadamente os vários elementos factuais integradores da fattispecie normativa que suporta a pretensão material deduzida no confronto do chamado : ora, como bem nota a Relação no acórdão recorrido, a pobreza e escassez da factualidade invocada é manifestamente insuficiente para concretizar uma situação de responsabilidade contratual imputada ao empreiteiro chamado a intervir, por não resultar da lacónica argumentação e insuficiente especificação factual o preenchimento dos vários elementos de que depende a responsabilidade contratual que se poderia eventualmente imputar ao empreiteiro, no quadro de uma relação contratual cujos termos e precisas cláusulas se desconhecem.

   E não releva obviamente o facto de o chamado a intervir não ter deduzido contestação: na verdade, não vigorando, em processo comum ordinário o efeito cominatório pleno, é manifesto que não pode tal inércia do demandado implicar a sua condenação automática no pedido, independentemente da consistência e suficiência da matéria de facto alegada como causa petendi para suportar a pretensão formulada.

   Confirma-se, pois, quanto a este ponto inteiramente o decidido no acórdão recorrido.

   6. Nestes termos e pelos fundamentos atrás enunciados nega-se provimento à revista.

   Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

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[1] Acta adicional é documento que titula a alteração da apólice, podendo essa alteração incidir sobre o âmbito do risco, o objecto do seguro ou as partes contratantes – cfr. José Vasques, “O Contrato de Seguro”, edição de 1999, páginas 97 e 339.
[2] Cfr. artigo 20º da réplica (fls. 93).
[3] Cfr. resposta restritiva ao quesito 2º (fls. 293).
[4] Cfr. acórdão do STJ de 17.05.2001, CJSTJ Ano IX, Tomo II, página 92.