ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
5720/09.1TVLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/27/2011
SECÇÃO REVISTA EXCEPCIONAL

RE
MEIO PROCESSUAL
REVISTA EXCEPCIONAL
DECISÃO
NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCEPCIONAL
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PIRES DA ROSA

DESCRITORES REVISTA EXCEPCIONAL
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
COMPETÊNCIA
REQUISITOS
QUESTÃO RELEVANTE
RELEVÂNCIA JURÍDICA
CONSTITUCIONALIDADE
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
DECISÃO ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
JUNÇÃO DE PARECER

SUMÁRIO

I - Questão com relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito – a que alude a al. a) do n.º 1 do art. 721.º-A, do CPC – é a que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objectivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis.
II - Não cabe no âmbito de aplicação da revista excepcional a conformidade de disposição legal com os princípios constitucionais – constitucionalidade pura – a qual, verificados os necessários pressupostos, é antes fundamento de recurso para o TC.
III - Em acção de anulação de decisão arbitral não constitui fundamento da revista excepcional a questão da inconstitucionalidade do art. art. 27.º, n.º 1, al. c), da LAV (Lei da Arbitragem Voluntária – Lei n.º 31/86, de 29-08).
IV - Também não preenche o âmbito de aplicação referido em I, a falta de fundamentação da decisão de facto, como fundamento de anulação de decisão arbitral, por interpretação dos art.os 23.º, n.º 3 e 27.º, n.º 1, al. d), da LAV, à luz da sua inconstitucionalidade material, decorrente da violação dos art. 20.º e 205.º, n.º 1, ambos da CRP.
V - Não preenche, ainda, o aludido conceito de relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito, no âmbito de uma acção de anulação de decisão arbitral, o excesso de pronúncia ou a violação do princípio do contraditório, cuja relevância jurídica apenas à questão concreta importe.
VI - O acórdão da Relação que aprecie a questão do “termo a quo” para junção, em sede de recurso, de pareceres jurídicos, apenas pode ser impugnado nos termos do n.º 4 do art. 721.º do CPC, não preenchendo tal questão o requisito de excepcionalidade da revista a que alude o art. 721.º-A do CPC.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

             

                         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça os Juízes que constituem o Colectivo a que se refere o nº3 do art.721º-A do CPCivil:

B... – ESTACIONAMENTOS, S.A.

AA

BB

CC

DD
                                                          
intentaram, em 23 de Agosto de 2009, nos Tribunais Cíveis de Lisboa, acção declarativa comum sob a forma de processo ordinário, que recebeu o nº5720/09.1TVLSB, contra
C... IMOBILIÁRIA, SGPS, SA
                                                                     
pedindo que seja anulada a decisão arbitral proferida no Processo Arbitral nº9/2006/INS/AVS que correu termos pelo Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa, ao abrigo dos arts.27º e 28º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto e artigos 460º e 462º do CPC, e invocando como fundamentos
- violação do princípio da igualdade das partes;
- falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto;
- excesso de pronúncia (condenação no pagamento da cláusula penal);
- excesso de pronúncia (liquidação em execução de sentença);
- violação da convenção de arbitragem;
- incompetência do Tribunal Arbitral por caducidade.
Contestou a Ré dizendo, em resumo:
- nesta acção não se pode reapreciar o mérito da decisão final e de decisões interlocutórias;
- não foi violado o princípio da igualdade, além de que a violação desse princípio apenas releva quando assume importância decisiva na resolução do litígio;
- inexiste excesso de pronúncia;
- é infundada a invocação da incompetência do Tribunal arbitral por caducidade.
Foi proferido despacho saneador-sentença em que se decidiu julgar improcedente a acção e, em consequência, não anular o Acórdão Arbitral proferido a 14/07/2009, absolvendo-se a Ré do pedido.
Inconformados, os AA interpuseram recurso de apelação, que foi admitido com efeito meramente devolutivo ( fls.716 ).
Os AA vieram requerer, a fls.729, a junção aos autos de       « Parecer subscrito pela Profª Paula Costa e Silva ».
Em acórdão de fls.919 a 988, o Tribunal da Relação de Lisboa, sem qualquer voto de vencido, decid|iu|
a) recusar a junção do parecer  jurídico de fls.730 a 848 e ordenar o seu desentranhamento, condenando-se os recorrentes na multa que se fixa em 1 ( uma ) UC;
b) julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Ainda inconformados, os AA/apelantes vêm do mesmo acórdão « interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do art.721º-A do CPCivil.
E colocam como pressuposto do seu recurso a existência de   « questões jurídicas de especial relevância, cuja clarificação é necessária para uma melhor aplicação do direito », como sejam a da « violação do princípio da absoluta igualdade de tratamento ( o acórdão recorrido conclui que a violação do princípio da absoluta igualdade de tratamento das partes só é causa de anulação da sentença arbitral se tiver sido decisiva na resolução do litígio ) » que deve ser configurado como « princípio nuclear do due process »; a « falta de fundamentação como causa ( ou não causa ) de anulação da decisão arbitral; o « excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório como fundamento dessa mesma anulação ».
Acrescentam que « num contexto como o presente em que o instituto da arbitragem assume cada vez maior relevância no comércio jurídico, o controlo efectivo e cuidado da legalidade das decisões arbitrais, constitui matéria de interesse para a comunidade em geral ».
Terminam colocando como questão juridicamente relevante a do « termo a quo da junção de pareceres jurídicos aos autos em sede de recurso ».
A recorrida C... Imobiliária, SGPS, SA pronuncia-se pela inadmissibilidade da revista.
Porque é de revista excepcional que se trata – e só porque de revista excepcional se trata – é que o processo cai no âmbito desta formação, o Colectivo desenhado no nº3 do art.721º-A do CPCivil para a apreciação preliminar sumária dos pressupostos referidos no nº1 da mesma disposição. Isso, e não mais do que isso, é a competência deste Colectivo.
Fazer essa apreciação é começar por dizer que estamos dentro do caldo de cultura processual da revista excepcional. Porque estamos perante uma situação de dupla conforme que fecha – e só ela fecha – a porta, ab origine aberta, do recurso de revista normal.
E estamos também – é preciso não esquecer – dentro de uma acção de anulação de decisão arbitral, tal como vem configurada nos termos do art.27º da Lei de Arbitragem Voluntária ( LAV ), a Lei nº31/86, de 29 de Agosto, alterada pelo Dec.lei nº38/2003, de 8 de Março, porque a sentença arbitral – e é o caso – só pode era anulada pelo tribunal judicial por algum dos fundamentos das várias alíneas do nº1 do referido art.27º.
Dito isto,
do que seja a relevância jurídica que aqui importa ( na verdade, no limite, todas as questões teriam relevância jurídica! ) - a relevância jurídica claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – vem tratando este Colectivo, que cuida da respectiva densificação em variados arestos, dos quais respigamos a título de exemplo o acórdão nº1179/08.9TBSTC.E1:
“(...) só há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica imponha um importante, e detalhado, exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito. O conceito genérico da citada alínea a) implica que a questão ‘sub judice’ surja como especialmente complexa e difícil, seja em razão de inovações no quadro legal, do uso de conceitos indeterminados, de remissões condicionadas à adaptabilidade a outra matéria das soluções da norma que funciona como supletiva e, em geral, quando o quadro legal suscite dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência, a ponto de ser de presumir que gere com probabilidade decisões divergentes (cfr., v.g. e ‘inter alia’, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2009, P.º n.º 01206/09 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no P.º n.º 417/08.2TBCBR.C1.S1; cf. também, ‘una voce sine discrepante’, os Acórdãos dos Processos nºs 1949/08.TBGMR.C1.S1, 9630/08 1TBMAI.P1.S1 e 1742/08.8TBAVR.C1.S1)”.
Ora, dispondo o art.16º da LAV que em qualquer caso, os trâmites processuais deverão respeitar os seguintes princípios fundamentais:
(a) as partes devem ser tratadas com absoluta igualdade,
 não tem qualquer dificuldade ou complexidade, e não levantou quaisquer problemas na doutrina ou na jurisprudência, interpretar a disposição da alínea c ) do nº1 do art.27º quando determina que a violação desse princípio só conduz à anulação da sentença arbitral pelo tribunal judicial se tiver influência decisiva na resolução do litígio.
Ou seja, nem toda a violação do princípio da absoluta igualdade de tratamento das partes é causa de anulação da decisão arbitral mas apenas aquela que tiver influência decisiva na resolução do litígio.
E das duas uma:
ou o que está em causa é saber se, no caso concreto, uma concreta violação do princípio, teve essa influência decisiva, e então essa questão é ainda uma questão de facto e o facto não é fundamento do recurso de revista;
ou o que está em causa, como parece ser aqui a questão colocada pelos recorrentes, é saber se esta disposição legal se conforma      ( ou não ) com os princípios constitucionais e então a questão é de constitucionalidade pura ( se houver recurso será para o Tribunal Constitucional ), mas não da excepcionalidade da revista da qual cura – e apenas cura – esta formação.
Se a questão é de constitucionalidade a entrada recursiva não é a da janela da revista excepcional, mas a da porta do ( eventual ) recurso para o Tribunal Constitucional, se estiverem verificados os necessários pressupostos.
E é como questão de constitucionalidade que os recorrentes a colocam - « qualquer interpretação da norma prevista no art.27º, nº1, al. c) da Lei nº31/86, de 29 de Agosto no sentido de que o princípio da igualdade das partes é compatível com o seu contrário |…| a menos que tenha tido influência decisiva na resolução do litígio, tem de considerar-se uma interpretação normativa inconstitucional que acarretará a inconstitucionalidade do próprio art.27º, nº1, al. c ), por violação do art.20º, nº4 da CRP ».
                                                              ~~
E o mesmo se diga quanto à questão da falta de fundamentação da decisão de facto como causa ( ou não causa ) de anulação da decisão arbitral – os recorrentes concluem o seu percurso argumentativo no trajecto para a revista excepcional  com a afirmação de que « uma interpretação do art.23º, nº3 da Lei nº31/86, de 29 de Agosto que se traduza no entendimento de que só a decisão final tem de ser fundamentada, não carecendo de fundamentação a decisão autónoma sobre matéria de facto, encontra-se ferida de inconstitucionalidade por violação do art.209º, nº2, que inclui os tribunais arbitrais entre as diversas categorias de tribunais ».
E acrescentam:
« De igual modo, a interpretação dos arts.23º, nº3 e 27º, nº1, al. d) da LAV no sentido de que, por um lado, são anuláveis as decisões arbitrais por falta de fundamentação nos mesmos casos em que são nulas as sentenças judiciais por falta de fundamentação e que, por outro, esta deve ser absoluta e não compreende a falta de exame crítico dos meios de prova aptos à fundamentação da matéria de facto, acarretará a viciação de tais normas por inconstitucionalidade material, decorrente da violação dos arts.20º e 205º, nº1 da CRP ».
Pura questão de (in)constitucionalidade que tem/tinha o seu local próprio para ser tratada – não aqui.
                                                     ~~
E mesmo se diga ainda quanto ao « excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório como fundamento dessa mesma violação ».
A relevância jurídica que a questão tem não é, seguramente, a específica relevância jurídica que constitui fundamento da revista excepcional.
Relevância jurídica, já se disse, no limite todas as questões têm e a questão aqui tem apenas a relevância que a situação factual concreta lhe confere, importando apenas à questão concreta em si mesma e não mais do que isso – saber se, in casu, se verificou conhecimento para além do que era devido e não o que seja, na definição do direito, o excesso de pronúncia ou a ausência de pronúncia.
                                                            ~~~
Dito isto, fica dito que não há do acórdão da Relação que apreciamos, recurso de revista – nem normal, porque há dupla conforme, nem excepcional, porque se não verifica o pressuposto de qualquer das alíneas do nº1 do art.721º-A do CPCivil. E isto porque, ab origine, só há recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido ao abrigo do nº1 e da alínea h) do nº2 do art.691º.
E assim afastada fica a questão do « termo a quo da junção de pareceres jurídicos aos autos em sede de recurso » como podendo preencher o requisito de excepcionalidade da pretendida revista. Porque – nº4 do art.721º - se não houver ou se não for admissível recurso de revista das decisões previstas no nº1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão | mas  | num recurso único, a interpor após o trânsito em julgado daquela decisão, no prazo de quinze dias após o referido trânsito.
Por si só a questão não é fundamento de recurso de revista – nem normal e, por isso, também não excepcional.
                                                     ~~
                         D   E   C   I   S   à  O
Não se admite a pretendida revista excepcional.
Custas a cargo dos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

LISBOA, 27 de Outubro de 2011

Pires da Rosa (Relator )

  Silva Salazar

Sebastião Póvoas