ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
23239/08.6YYLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/25/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GABRIEL CATARINO

DESCRITORES OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO URBANO
FALTA DE PAGAMENTO
RENDA
RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO
TÍTULO EXECUTIVO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
BENFEITORIA
LOCADO

SUMÁRIO

I - A lei confere ao locatário a possibilidade de se substituir ao locador na reparação do locado ou outras despesas que, pela sua urgência, se não compadeçam com as delongas do procedimento judicial e se o fizer pode pedir o respectivo reembolso (art. 1036.º do CC).
II - O direito ao reembolso por despesas com reparações (urgentes) que tenha realizado no locado não exime, exonera ou liberta o locatário de cumprir a obrigação axial do contrato de arrendamento que lhe está adstrita, a saber, o pagamento, atempado, da contraprestação pelo uso e fruição da coisa.
III - O não cumprimento da obrigação imposta pelo sinalagma constituído pela relação contratual locatícia, relativamente ao locatário, não pode ter como base a não realização de reparações necessárias no locado por parte do locador.
IV - Esta impossibilidade prende-se com o facto de a contraprestação imposta ao locatário estar temporalmente balizada e limitada e a realização de eventuais reparações não depender de prazo, porque o locatário se pode substituir ao locador na sua realização, no caso de urgência.
V - A obrigação de pagamento de renda tem como pólo dialéctico da relação contratual locatícia a obrigação, por parte do senhorio, de proporcionar o uso da coisa, não podendo ser oposto o não cumprimento da primeira se não se verificar o correlato incumprimento da segunda.
VI- Não é possível operar a compensação por benfeitorias, eventualmente, realizadas no locado, com rendas não pagas.
VII - Em oposição a execução para entrega de coisa certa, por resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, não pode o locatário executado pretender obter a compensação por um eventual direito de crédito por benfeitorias realizadas no locado, com as rendas não pagas.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL
Recorrente: AA

Recorrida: BB

I. – Relatório.

Em contramão com o decidido no tribunal da Relação de Lisboa, que, na procedência da apelação impulsionada pelo oponente/recorrente, BB, revogou a decisão (liminar) proferida na 1ª instância, que havia considerado manifestamente improcedente a oposição deduzida à execução para entrega de coisa certa proposta pela senhoria, AA, nos termos do artigo 9.º, n.º 7 do NRAU, recorre a exequente, havendo que considerar para a decisão a proferir os sequentes.

I.1. - Antecedentes úteis para a decisão.

A Recorrida, enquanto Exequente, veio em 29.10.2008, deduzir execução para entrega de coisa certa invocando: é proprietária e legitima possuidora da fracção autónoma (…). Por contrato celebrado em 1 de Agosto de 1997, o legal representante da Requerente, menor à data, deu de arrendamento ao Requerido a mencionada fracção autónoma (…) Sucede que o Requerido não pagou a renda que se venceu em 1 de Maio de 2008, pelo que a Requerente pediu em 18.07.08 a notificação judicial avulsa do Requerido para a revogação do contrato vigente, nos termos e para os efeitos do art.º 7 do NRAU, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas no dia 1 de Maio de 2008 e posteriores, no montante total à data de 2.496,08€ notificando o Requerido para ficar ciente de que deve restituir à Requerente de imediato, o locado, caso não pague e expurgue a mora nos termos legais. A notificação mostra-se efectuada com data de 13.10.2008. Entre a data do requerimento da NJA e a data da sua efectivação o Requerido pagou por conta das rendas em dívida, a quantia de 852,83€, em 27.08.2008.

- No requerimento de oposição, apresentado em 1.9.2009, para além da questão do valor dado à execução, que não está em causa no presente recurso, veio o Recorrente, enquanto Oponente, invocar que sendo a execução fundada nos termos do art.º 9, n.º 7 do NRAU, só podia ser proposta três meses após a data da realização da notificação judicial avulsa. Mais se alegou que Foi combinado entre o representante da senhoria e o inquilino a realização de várias obras no imóvel arrendado (art.º 13.º). Essas obras consistiram em reparação de paredes, pavimento e canalizações e, ainda pinturas (art.º 14.º). Tendo sido combinado com o representante da senhoria que o respectivo valor seria deduzido nas rendas (15.º). As obras realizadas configuram-se como benfeitorias necessárias, pelo que não resultam do uso anormal nem pouco diligente da casa (16.º). Antes da degradação natural do imóvel (17.º). E que importaram em cerca de €5.200,00. (18.º).

Na decisão da 1.ª instância considerou-se que a Exequente dispunha de um título válido e perfeitamente exequível, considerando a força executiva dada a documentos como o contrato de arrendamento desde que acompanhado de documentos referidos no art.º 15 do NRAU, e operada que se mostra a comunicação exigida para a entrega do locado.

Mais se entendeu que o Oponente pretendia invocar a compensação de rendas em dívidas invocando ter feito obras no locado em causa, considerando que tal não era fundamento para deixar de pagar as rendas devidas, ainda que o locado não tivesse condições de habitabilidade, importando, quanto muito, como fundamento de resolução do contrato, como também, segundo o clausulado do contrato de arrendamento, tal alegação mostrava-se inócua para efeitos de entrega do locado.

Por despacho de fls. 188 foi ordenado o desentranhamento das alegações do recorrido, por falta de pagamento da taxa de justiça devida.

I.2. - Quadro conclusivo.

Para o pedido que impetra, dessume a recorrente o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.

1) O acórdão recorrido viola o Artigo 1087.º do Código Civil, que estipula que a desocupação do locado é exigível no final do terceiro mês seguinte à resolução.

2) O acórdão recorrido pronunciou-se sobre questão não incluída nas alegações de recurso, tal seja a existência de um acordo com vista a obstar à normal degradação do imóvel, pelo que viola o artigo 668.º, n.º 1, al. d) e 660.º, n.º 2, parte final (sic); 
3) O contrato pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes (artigo 406.º do Código Civil, não sendo admitida prova testemunhal se a declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito como no caso do contrato de arrendamento junto aos autos de execução.”

I.3. - Questões que devem ser objecto de apreciação.

a) - Nulidade da decisão – artigo 668.º, n.º 1, al. d), ex vi do art. 660.º, n.º 2, do Código Processo Civil;  

b) - Oposição à execução; Benfeitorias.

II. – Fundamentação.

II.A. – De Facto.

Com utilidade para a decisão a proferir recenseia-se a factualidade sequente:

“Por contrato de arrendamento celebrado, em 1 de Agosto de 1997, o oponente/recorrido, tomou de arrendamento a fracção J (4.º esquerdo) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na Av. ............., n.º ....., freguesia de S. João de Deus, inscrito na matriz predial sob o artigo 804, mediante o pagamento da renda de 130.000$00;

- O oponente/recorrido deixou de pagar a contraprestação devida desde 1 de Maio de 2008;

- Em 19-07-2008, a exequente/senhoria impulsionou uma notificação judicial avulsa em que por não interessar a continuação do arrendamento sem pagamento atempado das rendas, “pela presente notificação revoga o supracitado contrato, com fundamento na falta do pagamento de rendas vencidas no dia 1 de Maio de 2008 e posteriores, no montante total à data de € 2.496,08 (dois mil quatrocentos e noventa e seis euros e oito cêntimos) devendo o requerido ficar ciente de que deve restituir à requerente de imediato o locado, caso não pague e expurgue a mora nos termos legais”;

- O oponente/recorrido foi pessoalmente notificado do conteúdo da notificação mencionada no item antecedente no dia 13-10-2008;

- Em 29-10-2008 foi requerida a restituição do locado;

- O oponente/recorrido não procedeu ao pagamento das rendas em divida.”

II.B. – De Direito.  

II.B.1. – Nulidade da decisão – artigo 668.º, n.º 1, al. d), ex vi do art. 660.º, n.º 2, do Código Processo Civil.

O recorrente acoima o acórdão revidendo de nulo, por se ter pronunciado “[sobre] questão não incluída nas alegações de recurso, tal seja a existência de um acordo com vista a obstar à normal degradação do imóvel”.

Preceitua a alínea d) do artigo 668.º do Código Processo Civil que [a sentença é nula] “quando o Juiz “[conheça] de questões de que não podia conhecer.”

Para a recorrente, acórdão conheceu de questões que não tinham sido objecto da oposição, nomeadamente que as obras em que o oponente funda a oposição haviam sido efectuadas no início da vigência contrato e como condição de uso e fruição do locado e de que deveriam ser deduzidas no computo das rendas a prestar pelo arrendatário.

O oponente fundou a oposição em dois fundamentos: 1) - inexequibilidade do titulo (por carência de decurso do prazo fixado no artigo 9.º, n.º 7 do NRAU; 2) – realização de obras no imóvel arrendado – cfr. artigos 14.º a 17.º da petição inicial.

Nas conclusões do recurso – cfr. alíneas E) e F) [[1]] - o recorrente precisa que as obras realizadas se destinaram a colocar o locado em condições de habitabilidade - cfr. pontos 10 a 12 das alegações - e que foram realizadas com o consentimento da senhoria.

No acórdão recorrido estimou-se, quanto a esta parte, que “[quanto] à questão das obras que terão sido levadas a cabo pelo Oponente, pretendendo contrariar a sua liminar desconsideração, reafirma o seu carácter necessário visando assegurar a utilidade do locado, tendo sido realizadas com conhecimento e consentimento do locador, estando fora do âmbito das obras previstas na cláusula 9ª do contrato de arrendamento, contrariamente ao que foi entendido em sede da decisão sob recurso.

No conhecimento, e atendendo ao estipulado ao clausulado em sede do contrato de arrendamento, verifica-se que se mostra estipulado na cláusula 8ª que o inquilino obriga-se a conservar (…) as instalações e canalizações de água, luz aquecimento, esgotos e demais equipamentos do local arrendado, pagando à sua custa todas as reparações decorrentes de culpa ou negligência, bem como manter em bom estado os respectivos soalhos, alcatifas, forros, pinturas e vidros, ressalvado fica contudo, o desgaste proveniente do normal e prudente utilização e decurso do tempo, enquanto na cláusula 9ª, se consigna que o Inquilino não poderá fazer quaisquer obras de alteração no local arrendado sem autorização prévia e por escrito dos senhorios, nem levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas, ainda que autorizadamente, nem por elas pedir indemnização ou alegar retenção.

Por sua vez, e no que às obras respeita, mais do que a alegação da sua realização por parte Oponente, enquanto locatário, na sequência de interpelação para tanto do senhorio, e na falta de resposta do mesmo, referencia aquele a existência de um acordo visando a efectivação das enunciadas, prendendo-se com a reparação de paredes, pavimentos, canalizações e pinturas, com vista a obstar à normal degradação do imóvel, orçando em 5.200,00€, bem como a respectiva dedução nas rendas.

Ora, se tais obras, a existirem, não se identificam, de modo geral, com alterações no locado, configura-se que, tal como foi alegado, o factualismo vertido no requerimento inicial, na indicação de um acordo entre as partes, repercutindo-se na obrigação do Recorrente, não se mostra passível de permitir a conclusão liminarmente retirada, em sede da decisão sob recurso, da inocuidade do invocado no concerne à realização das obras em sede de oposição, sem prejuízo, de em momento próprio, virem a ser supridas ou corrigidas as insuficiências detectadas, naquele âmbito, art.º 508, do CPC.”

Contrariamente ao que foi entendido na decisão recorrida, o recorrente alegou que as obras realizadas se destinaram a suprir carências existentes no locado no momento em que o contrato de arrendamento foi celebrado e não “[com] vista a obstar à normal degradação do imóvel”. Para o recorrente as obras realizadas foram-no para permitir o uso e fruição da locação e não como obras de conservação e manutenção desse uso. Foram-no no início do contrato e não no decurso do mesmo. [[2]]

Ao tribunal recorrido, em face da alegação inicial – compensação por obras realizadas no locado com vista à conservação e manutenção da utilidade a que se destinava – estava cominada a necessidade de apreciar a questão que o recorrente introduziu, sendo que nesta apreciação acabou por considerar que as obras se integravam no âmbito “[referencia] aquele a existência de um acordo visando a efectivação das enunciadas, prendendo-se com a reparação de paredes, pavimentos, canalizações e pinturas, com vista a obstar à normal degradação do imóvel (…) ”.

Na integração lógico-dedutiva da decisão e atendendo ao que vem referenciado nas cláusulas 8.ª e 9.ª configura-se inferível que o tribunal recorrido considerou que as obras indicadas pelo recorrido se integravam na manutenção e conservação cominadas na cláusula 8.ª e não como obras realizadas no inicio do contrato e como condição da habitabilidade do mesmo.

O acórdão recorrido não extravasou o conhecimento que lhe era pedido, tendo-se limitado a integrar/incluir as obras que o inquilino dizia ter efectuado numa obrigação decorrente do contrato que assinara. Ao contrário do que ora alega a recorrente o acórdão recorrido não conheceu de questão que lhe estava vedada e que não fora objecto de alegação no processo, tendo, outrossim, procedido a inserção das obras numa das cláusulas do contrato, o que lhe era permitido pela existência de documento capaz e habilitante para a decisão.    

Não ocorre, em nosso juízo, a invocada nulidade.

II.B.2. – Oposição á execução. Benfeitorias.

Pretende o oponente ser ressarcido por benfeitorias necessárias – cfr. artigo 16.º do requerimento inicial - consistentes em reparação de paredes, pavimento, canalizações e, ainda pinturas - cfr. artigo 14.º do requerimento inicial. Refere o oponente que foi combinado com o representante da senhoria que o respectivo valor seria deduzido nas rendas – cfr. artigo 15.º e ainda que as obras realizadas não resultam do uso anormal nem pouco diligente da casa, “antes da degradação natural do imóvel” - cfr. artigo 17.º do requerimento inicial.  

No despacho liminar proferido na oposição considerou-se pretender o oponente compensar o eventual direito de crédito adquirido pela realização das benfeitorias com as rendas vencidas.

Porém, se se atentar nas alegações de recurso – cfr. pontos 10 a 14 - o oponente, desdizendo o que alegara no requerimento inicial da oposição - que o valor indicado era decorrente de benfeitorias necessárias -, vem afirmar que as obras efectuadas se destinaram a assegurar, ab initio, a utilização normal do imóvel “configuram-se, não como uma benfeitoria, entenda-se ela como necessária ou útil já que voluptuária nunca seria), mas simplesmente como uma obra indispensável a assegurar ao locado uma qualidade essencial à finalidade para que fora contratado - habitação.

11. Na verdade, percebe-se facilmente que não é possível habitar um imóvel, sem que este tenha as condições mínimas de habitabilidade, no tocante a pavimentos, canalização, paredes e pintura. o locador omitiu, à data da formação do contrato, que o locado não possuía as condições básicas e elementares para a finalidade para estava a ser contratado.

As obras feitas, com conhecimento e consentimento do locador, destinaram-se assim a fazer convalescer o contrato de arrendamento, por lhe conferirem as qualidades mínimas e essenciais para a sua finalidade.

12. E, nessa perspectiva, e porque feitas "ab initio", não se podem configurar como benfeitorias e muito menos integradas na âmbito das obras e benfeitorias previstas na cláusula 9a do contrato de arrendamento, nem no seu espírito, nem na sua letra. Essa cláusula destinou-se a contemplar todas as obras e benfeitorias feitas ao longo do arrendamento, mas não as destinadas à sua finalidade inicial.

Estando aceite que a oponente fez as aludidas obras, e tratando-se de obras qualificáveis como integrantes do objecto do arrendamento, porque sem elas inexistia arrendamento para habitação, a respectiva indemnização é devida, à luz do art. 908.º, por remissão dos arts. 913.º-1 e 939.º todos do C.C.”

Ou seja no recurso que interpõe o recorrente desdiz o que havia afirmado no requerimento inicial, pretendendo inculcar a ideia de que não pretendia compensar o direito de crédito decorrente da benfeitorias necessárias, mas sim que fosse declarada a nulidade do contrato, porque as obras se destinaram a sanar um vicio inicial do objecto do contrato de arrendamento e que por isso deveria ser indemnizado, por aplicação das regras da compra e venda defeituosa aos contratos onerosos – cfr. 908.º, 913.º e 939.º, todos do Código Civil. (Não teria sido difícil ao recorrido encontrar na secção respeitante à locação dispositivo adrede para imputar ao locador o não cumprimento do contrato, como parece fazer querer com a alegação relativa á compra e venda – cfr. artigo 1032.º do Código Civil)        

A oposição à execução, fundada em título particular, [[3]] como é o caso, destina-se a permitir ao executado deduzir toda a defesa que lhe seria possível numa acção de declaração. Sendo o título executivo um documento particular a lei confere ao executado a utilização dos mesmos meios de defesa que lhe seria possível utilizar como defesa no processo declarativo – cfr. artigo 929.º, ex vi do art. 816.º, ambos do Código Processo Civil. Pode, pois, o executado, alegar nos embargos matéria de impugnação e/ou de excepção, sendo, no entanto vedado deduzir reconvenção. [[4]]

Preceitua o artigo 929.º do Código Processo Civil que “o executado pode deduzir oposição pelos motivos especificados nos artigos 814.º, 815.º e 816.º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias a que tenha direito”.          

O executado no requerimento em que deduz a oposição à pretensão executiva do defende-se, por excepção, ao invocar a existência de um direito de crédito, decorrente de benfeitorias realizadas no locado que, nos termos do convencionado com o representante da senhoria, segundo alega, deveria ser compensado com o pagamento de rendas – cfr. artigo 15.º do requerimento inicial. Vale por dizer que o executado induz, no requerimento inicial uma oposição fundada na equivalência do direito de crédito, pelas benfeitorias realizadas, e o valor das rendas (não indica a que rendas seria adstrito o crédito, entretanto, reivindicado).      

Não constitui controvérsia que o requerimento inicial da oposição se configura como uma verdadeira petição inicial, sendo que através dela que o peticionário se propõe obter a tutela de um direito que se julga com direito a opor ao direito do executado.

Nas palavras do Professor Alberto dos Reis, “[o] perfil da petição inicial desenha-se assim: é um acto pelo qual o autor depois de descrever a caracterizar o litigio substancial entre ele e o réu, exprime a sua vontade de que o tribunal aprecie esse litigio e profira decisão sobre ele, reconhecendo-lhe o direito que se arroga contra o réu.” Na mesma linha Manuel de Andrade define a petição inicial como sendo o “[articulado] em que o demandante propõe a acção deduzindo certa pretensão de tutela jurisdicional com a menção do direito a tutelar e dos fundamentos respectivos.”. [[5]]

É através da petição que o autor fixa, delimita e predispõe a factualidade que expõe ao tribunal para que este em face dela aprecie, sem dependência da indagação do direito – cfr. artigo 664.º do Código Processo Civil - as razões em que se ceva para demandar uma decisão que defina o direito que estima ter sido objecto de violação por um outro sujeito.

Na configuração do requerimento inicial, o executado/oponente pretendeu opor-se à execução por duas vias: uma primeira invocando a inexequibilidade do titulo executivo; e uma segunda invocando o direito de crédito, fundado em benfeitorias, cujo “[respectivo] valor deveria ser deduzido nas rendas”, conforme combinado com o representante da senhoria.

Na configuração apresentada no requerimento inicial o oponente, para além da primeva questão que ficou definitivamente resolvida no acórdão recorrido, pretendeu compensar o valor do crédito resultante das benfeitorias com o valor das rendas (não especifica se as que se encontravam em divida se outras quaisquer, mas presume-se que, tendo paga todas as prestações até Maio de 2008, a pretensão de compensação se reportasse às rendas em divida e que determinaram a resolução do contrato por parte do senhorio).

A excepção de compensação oposta pelo locatário destina-se a contraminar o direito às rendas que estiveram na base da manifestação de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre exequente e executado com um direito de crédito por benfeitorias realizadas no locado. Ou no caso que nos ocupa, se tratando-se de execução para entrega de coisa certa o executado pode pedir a compensação do se débito por rendas não pagas por um direito de crédito, por benfeitorias.

Como se aflorou supra, o executado, tratando-se de oposição fundada em documento particular, pode opor à execução todos os fundamentos que poderia numa acção de declaração e ainda o direito ao pagamento de benfeitorias que haja realizado no locado – cfr. artigo 929.º, n.º1 do Código Processo Civil - sendo que no caso de a oposição ser fundada em benfeitorias o exequente pode caucionar a quantia pedida a titulo de benfeitorias, caso em que [o] recebimento da oposição não suspende o prosseguimento da execução.”      

A questão em tela de juízo coloca-se no plano em que o requerente pretende obter a compensação das rendas em divida, e que foram causa da resolução do contrato e consequente execução para entrega do locado, com um eventual direito de crédito, por benfeitorias realizadas no locado.

A lei confere ao locatário a possibilidade de se substituir ao locador na reparação do locado ou outras despesas que, pela sua urgência, se não compadeçam com as delongas do procedimento judicial e se o fizer pode pedir o respectivo reembolso – cfr. artigo 1036.º do Código Civil.

O direito ao reembolso por despesas com reparações (urgentes) que tenha realizado no locado não exime, exonera ou liberta o locatário de cumprir a obrigação axial do contrato de arrendamento que lhe está adstrita, a saber o pagamento, atempado, da contraprestação pelo uso e fruição da coisa.          

O não cumprimento da obrigação imposta pelo sinalagma constituído pela relação contratual locatícia, relativamente ao locatário, não pode ter como base a não realização de reparações necessárias no locado por parte do locador. A razão de ser desta impossibilidade prende-se, axialmente, com o facto de a contraprestação imposta ao locatário estar temporalmente balizada e limitada e a realização de eventuais reparações não depender de prazo, antes e porque, como já se disse, o locatário se pode substituir ao locatário na sua realização, no caso de urgência. A obrigação de pagamento de renda tem como pólo dialéctico da relação contratual locatícia a obrigação, por parte do senhorio, da obrigação de proporcionar o uso da coisa, não podendo ser oposto o não cumprimento da primeira se não se verificar o correlato incumprimento da segunda. [[6]]       

Do que fica dito concluímos que não é possível operar a compensação por benfeitorias, eventualmente, realizadas no locado, com rendas não pagas, como o recorrido pretende no requerimento inicial.

Do exposto, conclui-se não ser possível, em processo para entrega de coisa certa, por resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas o locatário pretender obter a compensação por um eventual direito de crédito por benfeitorias realizadas no locado, com as rendas não pagas.

III. – Decisão.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder a revista, e consequentemente, revogar a decisão recorrida repondo a decisão proferida na 1.ª instância.

- Custas pelo recorrido.

Lisboa, 25 de Outubro de 2011                               

  

Gabriel Catarino (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

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[1] ““E – As obras feitas no locado, as referidas no art. 14.º da oposição e especificamente as que aludem à reparação de paredes, pavimentos e canalizações e, ainda, pinturas", configuram-se, não como uma benfeitoria, entenda-se ela como necessária ou útil já que voluptuária nunca seria), mas simplesmente como uma obra indispensável a assegurar ao locado uma qualidade essencial à finalidade para que fora contratado - habitação.
F – As obras feitas, com conhecimento e consentimento do locador, destinaram-se assim a fazer convalescer o contrato de arrendamento, por lhe conferirem as qualidades mínimas e essenciais para a sua finalidade, não se podendo configurar como benfeitorias e muito menos integradas na âmbito das obras e benfeitorias previstas na cláusula 9.ª do contrato de arrendamento, nem no seu espírito, nem na sua letra. Essa cláusula destinou-se a contemplar todas as obras e benfeitorias feitas ao longo do arrendamento, mas não as destinadas à sua finalidade inicial.”

[2] Queda transcrito o troço das alegações pertinentes. “10- As obras feitas no locado, as referidas no art. 14.º da oposição e especificamente as que aludem à reparação de " paredes, pavimentos e canalizações e, ainda, pinturas", configuram-se, não como uma benfeitoria, entenda-se ela como necessária ou útil já que voluptuária nunca seria), mas simplesmente como uma obra indispensável a assegurar ao locado uma qualidade essencial à finalidade para que fora contratado- habitação.

11. Na verdade, percebe-se facilmente que não é possível habitar um imóvel, sem que este tenha as condições mínimas de habitabilidade, no tocante a pavimentos, canalização, paredes e pintura. o locador omitiu, à data da formação do contrato, que o locado não possuía as condições básicas e elementares para a finalidade para estava a ser contratado.

As obras feitas, com conhecimento e consentimento do locador, destinaram-se assim a fazer convalescer o contrato de arrendamento, por lhe conferirem as qualidades mínimas e essenciais para a sua finalidade.

12. E, nessa perspectiva, e porque feitas "ab initio", não se podem configurar como benfeitorias e muito menos integradas na âmbito das obras e benfeitorias previstas na cláusula 9a do contrato de arrendamento, nem no seu espírito, nem na sua letra. Essa cláusula destinou-se a contemplar todas as obras e benfeitorias feitas ao longo do arrendamento, mas não as destinadas à sua finalidade inicial.

Estando aceite que a oponente fez as aludidas obras, e tratando-se de obras qualificáveis como integrantes do objecto do arrendamento, porque sem elas inexistia arrendamento para habitação, a respectiva indemnização é devida, à luz do art. 908.º, por remissão dos arts. 913.º-1 e 939.º todos do C.C..
14. Sem embargo das nulidades suscitadas que inquinam o contrato de arrendamento subjacente, tornando-o inválido, e sendo isso excepção de conhecimento oficioso, para além disso, produzindo essa nulidade efeitos desde o início do contrato, somos remetidos para a situação do locatário ser credor – e não devedor – de todas as rendas pagas e que lhe devem ser restituídas (art. 289° do C.C.).”

[3] O título executivo que serviu de base à execução de que o pressente processo serve de oposição consubstancia-se num documento particular, a que o legislador conferiu, nos termos dos artigos 9.º e 15.º da Lei 6/2006, de 27 de Dezembro a virtualidade de servir de titulo executivo. Cfr. Lebre de Freitas, José, in “A Acção Executiva, depois da reforma da reforma”, 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 65. No mesmo sentido Pinto Furtado, Jorge H. da Cruz, in “Manual do Arrendamento Urbano”, Almedina, 5.ª edição, 2011, págs. 1157-1158.  
[4] Cfr. Lebre de Freitas, José, in op. loc. cit. pág. 183-184, e Pinto Furtado, in op. loc. cit. 1157-1158.
[5] Cfr. Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado”, vol. II, 3.ª edição – reimpressão, Coimbra editora, 1981, pág. 340. Em sentido idêntico Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, págs. 232-240; Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1963, pág. 106.
[6] cfr. neste sentido Aragão Seia, Jorge, in “Regime do Arrendamento Urbano”, 5.ª Edição, Almedina, 2000, p. 356.; e Pinto Furtado, J. H. da Cruz, in “Manual de Arrendamento Urbano”, Volume II, 5ª Edição, Almedina, 2011, p. 1065-1066, onde em abono desta tese são citados os acórdãos deste Supremo Tribunal de 04-04-2006 e 05-12-2006, onde se escreveu: “Não releva para tal a alegação por parte do inquilino de excepção de incumprimento por parte do senhorio ou o direito de retenção do locado para garantir direito a indemnização por benfeitorias realizadas naquele.