ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
478/09.7TBCBR.C1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR TAVARES DE PAIVA

DESCRITORES MARCAS
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
FIRMA
CONFUSÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
SINAIS DISTINTIVOS

SUMÁRIO

I - A marca é um sinal distintivo do produto ou serviços, visando individualizá-los, não só para assegurar a clientela, como para proteger o consumidor do risco de confusão ou associação com as marcas concorrentes.
II- Não obstante existirem coincidências entre a firma (denominação social da Autora) consubstanciada na expressão “ Dentalcare” e as marcas da Ré que utilizam também as expressões “ Dental care” e “ Dentalcare “ susceptíveis de aprioristicamente e em abstracto provocar um certo nível de confundibilidade , tanto mais que quer as marcas da Ré, quer a firma (denominação social) da A. são usadas no mesmo ramo de actividade de prestação de serviços de medicina dentária, não significa que em concreto se verifique uma situação de concorrência desleal.
III - Na verdade, este nível de confundibilidade tem de ter tradução na situação em concreto e tendo sido provado que a Autora apenas utiliza as expressão “ Dentalcare” na sua denominação social, mas não a divulga ou utiliza junto da sua clientela ( mercado), sendo aí mais conhecida pelo nome do seu estabelecimento de nominado “ Square Clinic”sito em Lisboa, o que diminui substancialmente essa confundibilidade, tanto mais que o âmbito geográfico em que se desenvolvem as actividades da autora e das clínicas da Ré que utilizam essas marcas são diferentes e fisicamente separadas.
IV - Acresce ainda que tendo hoje aquela expressão “ Dentalcare” uma expressão genérica e de carácter descritivo, cuja eficácia distintiva está substancialmente diminuída e prejudicada ( constitui actualmente facto notório a existência de inúmeras clínicas dentárias que utilizam nos seus estabelecimentos as expressões “ Dentalcare” e “ Dental”- art. 514.º, n.º 1, do CPC).
V - E mesmo a admitir-se em concreto um certo grau de confundibilidade o mesmo é diminuto e quase inexistente e, por isso, é completamente compatível com as normas e uso honestos ( cfr. art. 317.º, n.º 1, do CPI), não sendo susceptível de originar uma situação de concorrência desleal.
VI - O acto de concorrência não é susceptível de ser definido em abstracto e só pode ser apreciada em concreto.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I-Relatório

Dental Care – Centro de Medicina Dentária Ldª intentou em 13/04/2009 com fundamento no disposto nos arts. 239º nº 1 al. e) 266º, 317º alíneas a) e c) do Código da Propriedade Industrial (CPI), acção declarativa soba forma ordinária contra “ Dental Link Consultoria de Gestão Ldª pedindo que:
Os registos das marcas nacionais respectivamente, nº 392.025 e nº 415.182 fossem anulados, nos termos do disposto no art. 266º do CPI;
A R fosse condenada a abster-se de usar a expressão “ DENTALCARE” na composição da marca que viesse a adoptar em substituição das que actualmente usa, bem como nos serviços por si prestados e nos produtos que comercializa;
A R fosse condenada a pagar à A indemnização de valor correspondente aos honorários dos mandatários desta presente acção, a fixar em sede de liquidação /execução de sentença.

A A fundamenta o seu pedido no facto das aludidas marcas da Ré serem susceptíveis de induzir em erro ou confusão o público consumidor dos serviços de medicina dentária com a firma da autora, titular das marcas registadas anteriormente aquelas da Ré.

A R contestou, sustentando a inexistência de susceptibilidade de confusão, concluindo pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, seleccionou-se a matéria de facto assente e a controversa que integrou a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

A A não se conformou e apelou para a Relação, mas sem êxito, porquanto este Tribunal negou provimento ao recurso e confirmou por unanimidade a sentença da 1ª instância.

Deste Acórdão da Relação interpôs a autora revista excepcional ao abrigo da al. b) do art. 721-A do CPC, por entender que a questão que no recurso suscita implica que estejam em causa interesses de particular relevância social, na medida em que não pode ser decidido à luz das estreitas vicissitudes do caso concreto, antes, devendo ser apreciada de forma ampla no sentido da potencial concorrência desleal entre a firma social da recorrente e as marcas da recorrida.

Para o efeito a autora formulou as seguintes conclusões:

O presente recurso deve ser admitido como revista excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 721°-A do CPC, porquanto por força das questões que nele se suscitam se dever concluir estarem em causa interesses de particular relevância social;
2. Considerou esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, citando Miguel Angelo Oliveira Crespo, que na apreciação da relevância social devem ter-se em atenção "... dois tópicos determinantes na verificação do não preenchimento do conceito indeterminado da relevância social da questão de importância fundamental: a não projecção de efeitos para além da esfera jurídica do recorrente, o mesmo é dizer, a evidência da redução da questão aos estreitos limite do caso individual, e a não realização de interesses comunitários de grande relevo ou de largo alcance. Acabando por se reencontrar um no outro, a questão que se restrinja ao recorrente tenderá a não envolver interesses comunitários de relevo." ("O recurso de revista no contencioso administrativo", pág. 255);
3. Estão em causa no caso sub judice direitos privativos com fundamental e perene incidência no mercado nacional, na sã concorrência e, acima de tudo, na adequada protecção do consumidor relativamente à confusão que lhe pode ser suscitada pelo facto de estar em causa uma firma social exactamente igual à componente nominativa de duas marcas registadas;
4. As Instâncias escolheram apreciar exclusivamente a questão à luz da prova produzida acerca do grau concreto e casuístico de concorrência existente entre Recorrente e Recorrida, conforme comprovado nos presentes autos, portanto em termos geograficamente circunscritos e à luz dos factos conhecidos entre a data do registo das marcas - 31 de Julho de 2006 e 10 de Setembro de 2007 - e a presente data, desconsiderando totalmente o facto da firma social e das marcas registada permanecerem válidas e passíveis de livre utilização pelos seus legítimos titulares, os quais podem, portanto, a qualquer momento entrar em concorrência directa, num mesmo mercado e / ou área geográfica, em termos obviamente susceptíveis de causar total confusão no mercado e nos consumidores;
5. Conforme regista o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2002 (Colectânea de Jurisprudência, 2002, Tomo V, pág. 86) "A concorrência desleal, sendo reverso do pretendo direito à lealdade da concorrência de todos os empresários, é regulada no CPI como meio de tutela específico daqueles direitos, mas não se confunde com eles, nem se esgota neles. Como refere Carlos Olavo, "a propriedade industrial corresponde à necessidade de ordenar a concorrência, feita essencialmente por duas formas: por um lado, pela atribuição da faculdade de utilizar, deforma exclusiva ou não, certas realidades imateriais, e, por outro lado, pela imposição de determinados deveres no sentido de os vários agentes económicos que operam no mercado procederem honestamente.
6. No caso subjudice não estão apenas em causa Recorrente e Recorrida, antes sendo visado o mercado e a sã concorrência, no seu conjunto, bem como portanto o universo potencial global de consumidores que podem ser afectados pela concorrência desleal, estando portanto em causa interesse da maior relevância social;
7. Assim sendo, importa que este Venerando Supremo Tribunal de Justiça se debruce e se pronuncie sobre as questões suscitadas nestes autos, em sede de recurso de revista excepcional, em defesa de interesses de particular relevância social, no seguinte duplo sentido: (i) para conferir adequada protecção ao mercado, à sã concorrência e aos consumidores relativamente a potenciais situações futuras de concorrência concreta entre a firma social da Recorrente e as marcas da Recorrida, que certamente motivarão situações de concorrência desleal que a Lei pretende evitar, e (ii) através da produção de adequada jurisprudência sobre o tema tornar claro que a efectiva protecção ao mercado, à sã concorrência e aos consumidores que a Lei pretende garantir, relativamente a todas e quaisquer situações de confundibilidade entre firmas sociais e marcadas registadas, susceptíveis de motivar situações de concorrência desleal, devem ser resolvidas pelos Tribunais em termos abrangentes, que equivalham à efectiva amplitude daqueles direitos privativos, não se fixando portanto em enquadramentos geográficos e temporais meramente casuísticos e circunstanciais.
8. Os registos das marcas da Recorrida deverão ser anulados ao abrigo do disposto nos artigos 266°, 239°, alínea f), e 317° do CPI, uma vez que tais registos podem originar situações de concorrência desleal, independentemente até da sua intenção;
9. As marcas da Recorrida contêm a firma ou denominação da Recorrente;
10. A Recorrente dedica-se à actividade de prestação de serviços de medicina dentária, tendo adoptado a firma "DENTAL CARE - Centro de Medicina Dentária, Lda", com registo desde Setembro de 2001, firma essa que continua a usar
11. A Recorrente exerce a sua actividade de prestação de serviços de medicina dentária ininterruptamente, desde 10 de Outubro de 2001 até à presente data;
12. A Recorrente usa também a expressão "DENTAL CARE" na sua facturação e nos seus recibos;
13. A Recorrida, por sua vez, é titular das marcas nacionais mistas n° 392025 "DENTALCARE cuidamos do seu sorriso" e n° 415182 "DENTALCARE" registadas para assinalar serviços médicos;
14. Os registos das marcas da Recorrida foram concedidos, respectivamente, em 31 de Julho de 2006 e 10 de Setembro de 2007, sendo, pois, posteriores ao registo da firma da Recorrente "DENTAL CARE";
15. Existe uma parcial coincidência entre a firma da Recorrente "DENTAL CARE" e as marcas da Recorrida, uma vez que todas coincidem na expressão "DENTAL CARE" ou "Dentalcare";
16. As marcas da Recorrida e a firma da Recorrente são sinais usados no mesmo ramo de actividade de prestação de serviços de medicina dentária;
17. As marcas da Recorrida e a firma da Recorrente são sinais usados para os mesmos consumidores;
18. A concorrência desleal pode verificar-se independentemente da existência de um qualquer direito privativo contemplado no CPI, por ser aquela um instituto autónomo através do qual se disciplinam comportamentos que não incidem primacialmente sobre os interesses económicos dos concorrentes, mas sobre a concorrência em si considerada, como quadro fundamental da vida colectiva. Ou seja, a concorrência desleal é subsidiária em relação à violação de direitos privativos, constituindo causa autónoma da recusa do registo;
19. A Recorrente entende que, pela factualidade provada, deverá reconhecer-se que existe a possibilidade de haver concorrência desleal independentemente da intenção da Recorrida, nos termos previstos na alínea b) do citado artigo 266° do CPI;
20. A alínea b) do artigo 266° do CPI remete o fundamento da anulabilidade da marca para a ideia de concorrência desleal, nos termos previstos no artigo 317° do CPI e no que ao caso interessa, o que está previsto na sua alínea a), ou seja os actos de confusão: "os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos ou serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio utilizado";
21. A lei exige apenas a susceptibilidade de confusão ou a confundibilidade e não a efectiva confusão;
22. Não é necessário que ocorra, efectivamente, confusão, mas apenas que haja o perigo de ela se verificar pois o que qualifica o acto como desleal é precisamente a sua aptidão ou idoneidade para criar confusão;
23. Os critérios para apreciar o risco de confusão, para efeitos de concorrência desleal, são idênticos aos previstos para efeitos de violação do direito à marca, maxime de imitação de marca, escrevendo a propósito Carlos Olavo que "o risco de confusão pode ser entendido em sentido amplo ou em sentido restrito. Há risco de confusão em sentido restrito quando o consumidor médio não distingue as actividades de uma e de outra empresa. Há risco de confusão em sentido amplo quando o consumidor médio, distinguindo as actividades das empresas em causa, as associa indevidamente" (cfr. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Vol. I, 2a edição Actualizada, Revista e Aumentada, págs.274 e 275);
24. Quando um cliente da Recorrente paga uma factura pelos serviços por esta prestados, está nela aposta a expressão "DENTAL CARE", a qual é igual à expressão usada pela Recorrida nas suas marcas, havendo, por isso, a possibilidade de os consumidores dos serviços de medicina dentária caírem no erro de atribuírem a mesma origem aos serviços prestados pela Recorrente (até porque estes são prestados há mais tempo que os prestado pela Recorrida, sendo, por isso, uma realidade susceptível do consumidor reconhecer como anterior á da Recorrida) e aos serviços prestados pela Recorrida, ou que pensem que existem relações comerciais, económicas ou de organização entre a Recorrente e a Recorrida (ou vice versa);
25. A emissão da factura e recibo ao consumidor, após a prestação dos serviços de medicina dentária, onde figura apenas "DENTAL CARE" (e não "Square Clinic") não é um factor desprezível da apresentação da Recorrente perante a sua clientela, pois o pagamento do preço é um elemento e momento essencial da relação estabelecida entre a Recorrente e seus clientes, que estes não podem desprezar;
26. A clientela confronta-se com a designação social da Recorrente e com as marcas da Recorrida em todo o percurso da relação comercial estabelecida, na qual se destaca o momento do pagamento do preço e apresentação do respectivo documento de quitação, com repercussão jurídica e fiscal;
27. Logo, a Recorrente entende que existe a possibilidade de se verificar um desvio de clientela e que, por isso, estamos perante uma situação em que o uso das marcas da Recorrida é susceptível de causar à Recorrente efectiva ou potencial concorrência desleal;
28. Situação essa que existe independentemente da distância geográfica entre a actividade da Recorrente e as clínicas da Recorrida, porque ambas têm actividades não limitadas a qualquer parcela do território nacional, pelo que a Recorrente poderá ir exercer a sua actividade para as áreas territoriais das clínicas da Recorrida e vice-versa;
29. Acresce que a potencialidade de concorrência desleal não deve ser aferida apenas em termos actuais, pois a firma da Recorrente e as marcas da Recorrida podem ser utilizadas por aquelas sem qualquer limitação temporal, pelo que a potencialidade de concorrência desleal é tanto maior quanto a perenidade expectável da situação de uso simultâneo em termos temporais é consabidamente ilimitada, estando em causa uma realidade dinâmica - um filme, que não uma fotografia - à face da qual a potencialidade de concorrência desleal deve ser apreciada pelas Instâncias;
30. Perante a factualidade provada não pode deixar de se concluir que há risco de ocorrer uma situação de concorrência desleal por parte da Recorrida;
31. Ao contrário do referido no acórdão recorrido, as expressões "Dental", "Dental Care" ou "Dentalcare" não são expressões genéricas ou descritivas;
32. A lei não proíbe que sejam adoptadas expressões comuns de uso generalizado, só sendo de afastar os sinais meramente descritivos no ramo do comércio onde se inserem os serviços em causa;
33. As expressões em causa "Dental", "Care" e "Dental Care" ou "Dentalcare" sendo susceptíveis de fornecer informações sobre as características da actividade em causa, não descrevem essas mesmas características, pelo que se não mostra excluída a sua capacidade distintiva;
34. Por outro lado, estamos em presença de expressões em língua estrangeira, pelo que, como ensina Carlos Olavo "o carácter genérico ou descritivo de determinada expressão deve ser aferido em face da língua portuguesa e dos vocábulos utilizados em Portugal"", pois uma palavra em língua estrangeira é um neologismo em Portugal;
35. Assim, têm tais expressões em língua estrangeira eficácia distintiva, a menos que o seu uso se tenha generalizado de tal forma que faça parte do vocabulário comum e assim passe a ser genérico ou descritivo, o que não é caso, uma vez que "Dental", "Care" e "Dental Care" ou "Dentalcare" não são correntes na nossa linguagem e não o sendo, seguramente, para os consumidores da actividade da Recorrente e da Recorrida, impõe-se concluir que não se podem considerar, actualmente, como expressões genéricas ou descritivas e, por isso, sinais fracos em sentido amplo;
36. O Tribunal da Relação deveria ter interpretado correctamente ao presente caso o disposto nos artigos 266°, n° 1, 239°, alínea f) e 317° do CPI e, em consequência, deveria ter julgado o recurso procedente, e consequentemente, revogado a sentença proferida pelo Tribunal de Ia Instância;
37. Não o fazendo violou, o acórdão recorrido, entre outras, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, as disposições dos artigos 266°, n° 1, 239°, alínea f), e 317° do CPI.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, sendo revogado o Douto acórdão recorrido, e o mesmo substituído por acórdão que efectue a devida interpretação e aplicação do Direito aos factos e, consequentemente, anule o registo das marcas da Recorrida e a condene a abster-se de usar a expressão DENTALCARE na composição das marcas que vier a adoptar em substituição das que actualmente usa, bem como nos serviços por si prestados e nos produtos que comercializa, bem como condenado a Recorrida, em toda a sua extensão, nos exactos termos do pedido, como é, aliás, de elementar
JUSTIÇA!

Este recurso de revista excepcional veio a ser admitido pela Formação com um voto de vencido, nos termos do Acórdão inserido a fls.454 a 458.

A Autora interpôs também recurso de revista normal do Acórdão da Relação, formulando as seguintes conclusões:

1- Os registos das marcas da Recorrida deverão ser anulados ao abrigo do disposto nos artigos 266°, 239°, alínea f), e 317° do CPI, uma vez que tais registos podem originar situações de concorrência desleal, independentemente até da sua intenção;
2. As marcas da Recorrida contêm a firma ou denominação da Recorrente;
3. A Recorrente dedica-se à actividade de prestação de serviços de medicina dentária, tendo adoptado a firma "DENTAL CARE - Centro de Medicina Dentária, Lda", com registo desde Setembro de 2001, firma essa que continua a usar
4. A Recorrente exerce a sua actividade de prestação de serviços de medicina dentária ininterruptamente, desde 10 de Outubro de 2001 até à presente data;
5. A Recorrente usa também a expressão "DENTAL CARE" na sua facturação e nos seus recibos;
6. A Recorrida, por sua vez, é titular das marcas nacionais mistas n° 392025 "DENTALCARE cuidamos do seu sorriso" e n° 415182 "DENTALCARE" registadas para assinalar serviços médicos;
7. Os registos das marcas da Recorrida foram concedidos, respectivamente, em 31 de Julho de 2006 e 10 de Setembro de 2007, sendo, pois, posteriores ao registo da firma da Recorrente "DENTAL CARE";
8. Existe uma parcial coincidência entre a firma da Recorrente "DENTAL CARE" e as marcas da Recorrida, uma vez que todas coincidem na expressão "DENTAL CARE" ou "Dentalcare";
9. As marcas da Recorrida e a firma da Recorrente são sinais usados no mesmo ramo de actividade de prestação de serviços de medicina dentária;
10. As marcas da Recorrida e a firma da Recorrente são sinais usados para os mesmos consumidores;
11. A concorrência desleal pode verificar-se independentemente da existência de um qualquer direito privativo contemplado no CPI, por ser aquela um instituto autónomo através do qual se disciplinam comportamentos que não incidem primacialmente sobre os interesses económicos dos concorrentes, mas sobre a concorrência em si considerada, como quadro fundamental da vida colectiva. Ou seja, a concorrência desleal é subsidiária em relação à violação de direitos privativos, constituindo causa autónoma da recusa do registo;
12. A Recorrente entende que, pela factualidade provada, deverá reconhecer-se que existe a possibilidade de haver concorrência desleal independentemente da intenção da Recorrida, nos termos previstos na alínea b) do citado artigo 266° do CPI;
13. A alínea b) do artigo 266° do CPI remete o fundamento da anulabilidade da marca para a ideia de concorrência desleal, nos termos previstos no artigo 317° do CPI e no que ao caso interessa, o que está previsto na sua alínea a), ou seja os actos de confusão: "os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos ou serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio utilizado";
14. A lei exige apenas a susceptibilidade de confusão ou a confundibilidade e não a efectiva confusão;
15. Não é necessário que ocorra, efectivamente, confusão, mas apenas que haja o perigo de ela se verificar pois o que qualifica o acto como desleal é precisamente a sua aptidão ou idoneidade para criar confusão;
16. Os critérios para apreciar o risco de confusão, para efeitos de concorrência desleal, são idênticos aos previstos para efeitos de violação do direito à marca, maxime de imitação de marca, escrevendo a propósito Carlos Olavo que "o risco de confusão pode ser entendido em sentido amplo ou em sentido restrito. Há risco de confusão em sentido restrito quando o consumidor médio não distingue as actividades de uma e de outra empresa. Há risco de confusão em sentido amplo quando o consumidor médio, distinguindo as actividades das empresas em causa, as associa indevidamente" (cfr. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Vol. I, 2a edição Actualizada, Revista e Aumentada, págs.274 e 275);
17. Quando um cliente da Recorrente paga uma factura pelos serviços por esta prestados, está nela aposta a expressão "DENTAL CARE", a qual é igual à expressão usada pela Recorrida nas suas marcas, havendo, por isso, a possibilidade de os consumidores dos serviços de medicina dentária caírem no erro de atribuírem a mesma origem aos serviços prestados pela Recorrente (até porque estes são prestados há mais tempo que os prestado pela Recorrida, sendo, por isso, uma realidade susceptível do consumidor reconhecer como anterior á da Recorrida) e aos serviços prestados pela Recorrida, ou que pensem que existem relações comerciais, económicas ou de organização entre a Recorrente e a Recorrida (ou vice versa);
18. A emissão da factura e recibo ao consumidor, após a prestação dos serviços de medicina dentária, onde figura apenas "DENTAL CARE" (e não "Square Clinic") não é um factor desprezível da apresentação da Recorrente perante a sua clientela, pois o pagamento do preço é um elemento e momento essencial da relação estabelecida entre a Recorrente e seus clientes, que estes não podem desprezar;
19. A clientela confronta-se com a designação social da Recorrente e com as marcas da Recorrida em todo o percurso da relação comercial estabelecida, na qual se destaca o momento do pagamento do preço e apresentação do respectivo documento de quitação, com repercussão jurídica e fiscal;
20. Logo, a Recorrente entende que existe a possibilidade de se verificar um desvio de clientela e que, por isso, estamos perante uma situação em que o uso das marcas da Recorrida é susceptível de causar à Recorrente efectiva ou potencial concorrência desleal;
21. Situação essa que existe independentemente da distância geográfica entre a actividade da Recorrente e as clínicas da Recorrida, porque ambas têm actividades não limitadas a qualquer parcela do território nacional, pelo que a Recorrente poderá ir exercer a sua actividade para as áreas territoriais das clínicas da Recorrida e vice-versa;
22. Acresce que a potencialidade de concorrência desleal não deve ser aferida apenas em termos actuais, pois a firma da Recorrente e as marcas da Recorrida podem ser utilizadas por aquelas sem qualquer limitação temporal, pelo que a potencialidade de concorrência desleal é tanto maior quanto a perenidade expectável da situação de uso simultâneo em termos temporais é consabidamente ilimitada, estando em causa uma realidade dinâmica - um filme, que não uma fotografia - à face da qual a potencialidade de concorrência desleal deve ser apreciada pelas Instâncias;
23. Perante a factualidade provada não pode deixar de se concluir que há risco de ocorrer uma situação de concorrência desleal por parte da Recorrida;
24. Ao contrário do referido no acórdão recorrido, as expressões "Dental", "Dental Care" ou "Dentalcare" não são expressões genéricas ou descritivas;
25. A lei não proíbe que sejam adoptadas expressões comuns de uso generalizado, só sendo de afastar os sinais meramente descritivos no ramo do comércio onde se inserem os serviços em causa;
26. As expressões em causa "Dental", "Care" e "Dental Care" ou "Dentalcare" sendo susceptíveis de fornecer informações sobre as características da actividade em causa, não descrevem essas mesmas características, pelo que se não mostra excluída a sua capacidade distintiva;
27. Por outro lado, estamos em presença de expressões em língua estrangeira, pelo que, como ensina Carlos Olavo "o carácter genérico ou descritivo de determinada expressão deve ser aferido em face da língua portuguesa e dos vocábulos utilizados em Portugal"", pois uma palavra em língua estrangeira é um neologismo em Portugal;
28. Assim, têm tais expressões em língua estrangeira eficácia distintiva, a menos que o seu uso se tenha generalizado de tal forma que faça parte do vocabulário comum e assim passe a ser genérico ou descritivo, o que não é caso, uma vez que "Dental", "Care" e "Dental Care" ou "Dentalcare" não são correntes na nossa linguagem e não o sendo, seguramente, para os consumidores da actividade da Recorrente e da Recorrida, impõe-se concluir que não se podem considerar, actualmente, como expressões genéricas ou descritivas e, por isso, sinais fracos em sentido amplo;
29. O Tribunal da Relação deveria ter interpretado correctamente ao presente caso o disposto nos artigos 266°, n° 1, 239°, alínea f) e 317° do CPI e, em consequência, deveria ter julgado o recurso procedente, e consequentemente, revogado a sentença proferida pelo Tribunal de Ia Instância;
30. Não o fazendo violou, o acórdão recorrido, entre outras, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, as disposições dos artigos 266°, n° 1,239°, alínea f), e 317° do CPI.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, sendo revogado o Douto acórdão recorrido, e o mesmo substituído por acórdão que efectue a devida interpretação e aplicação do Direito aos factos e, consequentemente, anule o registo das marcas da Recorrida e a condene a abster-se de usar a expressão DENTALCARE na composição das marcas que vier a adoptar em substituição das que actualmente usa, bem como nos serviços por si prestados e nos produtos que comercializa, bem como condenado a Recorrida, em toda a sua extensão, nos exactos termos do pedido, como é, aliás, de elementar
JUSTIÇA!

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir

II-Fundamentação:

As instâncias apuraram a seguinte factualidade:




«(…)Dos Factos Assentes
A) - A A. é uma sociedade constituída em 10 de Outubro de 2001 e registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em 11 de Outubro de 2001;
B) - A A. adoptou a firma “DENTAL CARE - Centro de Medicina Dentária, Ld.ª”;
C) - O objecto social ou actividade principal da A. é a prestação de serviços de medicina dentária;
D) - A A. continua a usar a firma “DENTAL CARE” e exerce a sua actividade ininterruptamente desde há mais de 07 anos, desde 10/10/2001;
E) - A R. é titular da marca nacional mista n.º 392025 “DENTALCARE cuidamos do seu sorriso” e da marca nacional mista n.º 415182 “DENTALCARE”;
F) - Tais marcas estão registadas para assinalar serviços da Classe 44.ª da Classificação de Nice, ou seja, entre outros, serviços médicos;
G) - As marcas da R. assinalam uma rede de clínicas de medicina dentária instaladas em diversas localidades do País, designadamente Coimbra, Ílhavo, Pombal, Aveiro, Figueira da Foz e Leiria;
H) - As referidas clínicas de medicina dentária são designadas por “DENTALCARE clínicas de medicina dentária”, designadamente em material publicitário, no seu sítio electrónico e em diversas notícias divulgadas por órgão de comunicação social;
I) - A A é titular e explora uma clínica dentária em Lisboa, no Edifício Amoreiras Square, Rua Silva Carvalho, n.º 265, letra C;
J) - A A. identifica essa sua clínica dentária por “Square Clinic”;
L) - O registo da firma da A. foi concedido em 17 de Setembro de 2001 e os registos das marcas da R foram concedidos, respectivamente, em 31 de Julho de 2006 e 10 de Setembro de 2007;
M) - As marcas “Dentalcare - cuidamos do seu sorriso” e “Dentalcare” integram os elementos que constam dos documentos juntos, respectivamente, a fls. 87 e 88 e a fls. 89 e 90, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Das Respostas aos Quesitos da Base Instrutória
- A firma da A. é principalmente constituída pela expressão “DENTAL CARE” - resposta ao quesito 1.º.
- As marcas da R e a firma da A, sinais usados no mesmo ramo de actividade de prestação de serviços de medicina dentária, têm consumidores exactamente iguais - resposta ao quesito 7.º.
- A R., apesar de instada por carta pela A., persiste em usar as aludidas marcas - resposta ao quesito 8. º.
- A apresentação comercial da A. perante a clientela consiste na designação “Square Clinic” - resposta ao quesito 9.º.
- A visualização exterior da clínica é composta pela expressão “Square Clinic” - resposta ao quesito 10.º.
- Os cartões de publicidade da A. são compostos também pela designação “Square Clinic” e pelo símbolo constituído por dois quadrados -resposta ao quesito 11.º.
- A recepcionista da A. identifica a clínica como “Square Clinic” quando os clientes ligam - resposta ao quesito 12.º.
- Identificando os seus clientes os seus serviços como “Square Clinic”, e não através da expressão “Dentalcare” - resposta ao quesito 13.º.
- Ao invés, os clientes da R. identificam os seus serviços através das expressões “Dentalcare”, “cuidamos do seu sorriso” e pelo seu grafismo composto por um desenho de um sorriso e pelas cores azul turquesa e lilás - resposta ao quesito 14.º.
- A medicina dentária, tratando-se de serviço especializado, distingue-se mais facilmente que os serviços ou produtos de consumo massificado - resposta ao quesito 15.º.
- O cartão de marcação de consultas distribuído aos clientes da A. também refere a expressão “Square Clinic” - resposta ao quesito 17.º.
- Enquanto que os cartões e flyers de publicidade das clínicas que exploram as marcas n.º 392025 e n.º 415182 são compostos pela expressão “Dentalcare - cuidamos do seu sorriso” e pelas cores fortes de azul turquesa - resposta ao quesito 18. º.
- São actualmente diferentes os âmbitos geográficos da actividade da A. e das clínicas que utilizam aquelas marcas - resposta ao quesito 19.º.».


Apreciando:

Em termos de metodologia de apreciação dos recursos, julgamos mais adequado que a matéria suscitada em sede de revista excepcional, face a conexão existente, seja apreciada em conjunto com o mérito do recurso de revista normal, o que passamos a fazer nos termos que se seguem:

A A pretende através da presente acção a anulação das marcas nacionais respectivamente 392.025 e 415.182 “ Dentalcare”( registada em 10/9/2007) e “ Dentalcare cuidamos do seu sorriso” ( registada em 31/7/2006) , porquanto a expressão “ Dentalcare” integra o nome da firma social da Autora Dental Care- Centro de medicina Dentária Ldª ( registada em 17/9/2001), sendo por isso as marcas da Ré susceptíveis de induzir em erro ou confusão com a firma da autora, o que configura uma situação de concorrência desleal, já que ambas se dedicam à actividade de medicina dentária.




O Prof. Oliveira Ascensão in “ Concorrência Desleal “ ed. Março de 2002. Pags. 422/423 relativamente ao art. 260 a) do revogado CPI de 1995 que, tal como o §1º do Código de 1940 considerava que a concorrência desleal se manifesta “ qualquer que seja o meio empregue” ( expressão igual á da al. a) do art. 317 do vigente CPI) acerca dos conceitos de confusão e imitação , no âmbito de lesão dos interesses dos concorrentes ( e não de consumidores ) refere:
A imitação é um grande princípio da vida social, que permite que as inovações vantajosas se expandam rapidamente. É natural que as empresas de ponta, capazes de maior inovação, tragam os progressos na vida empresarial e que esses progressos se generalizem subsequentemente.
A concorrência exige evolução incessante, e não a multiplicação de monopólios que estancam a expansão das práticas e permitem ganhos parasitários (…).
Há que ter bem presente que a grande directriz que encontrámos nesse domínio não foi o repúdio da cópia ou da imitação, mas reacção contra o risco de confusão.
E apenas por trazer ( e se trouxer ) este risco que o acto de cópia é rejeitado … é necessário que a confusão actue no espírito do público de maneira a fazê-lo tomar um operador ou os seus produtos ou serviços por outros .
Só assim funciona no sentido de uma eventual deslocação de clientela…o que é importante acentuar é que há um certo grau mesmo de confundibilidade, que é socialmente adequado.
Todos os operadores económicos se imitam.
Toda a imitação traz alguma confusão.
Mas esta só é repelida como concorrência desleal se atingir um certo grau de intolerabilidade.
Temos aqui uma das mais importantes manifestações do princípio, atrás enunciado de que a liberdade de concorrência prima sobre a concorrência desleal.
É necessário assegurar essa liberdade perante a ameaça da multiplicação de entraves.
Por isso, um certo nível de confundibilidade é ainda admissível – ou se quisermos, é ainda compatível com as normas e usos honestos” .

Em relação às marcas existe, pois, um dever de não adoptar denominações, sejam elas de que espécies forem, susceptíveis de confundibilidade pelo consumidor comum.

A respeito da concorrência desleal o art. 317 do CPI enuncia de forma não taxativa, actos que constituem concorrência desleal e deles destacamos os referidos na alínea a) pela pertinência com o caso dos autos:

a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços concorrentes, qualquer seja o meio empregue.

Como se referiu no caso em análise está em causa a prática de actos de confusão a partir das marcas utilizadas pela Ré- Dentalcare cuidamos do seu sorriso e Dentalcare - e a denominação social da Autora – Dental Care - Centro de Medicina Dentária Ldª.

Vejamos o que vem provado:

A A dedicando-se à actividade de prestação de serviços de medicina dentária, adoptou a firma “ Dental Care – Centro de medicina Dentária Ldª com registo desde Setembro de 2001, firma essa que continua a usar, exercendo a sua actividade ininterruptamente desde 10/10/ 2001;

No âmbito daquela actividade, a A. é titular e explora uma clínica dentária em Lisboa, no edifício Amoreiras Square, Rua Silva Carvalho nº 265, letra C , que tal identifica por “ Square Clinic”;

A Ré é titular das marcas nacionais mistas nº 39205 “ Dentalcare cuidamos do seu sorriso”e nº 415182 “ Dentalcare” registadas para assinalar serviços médicos.

Estas marcas da Ré assinalam uma rede de clínicas de medicina dentária instaladas em diversas localidades do País, designadamente Coimbra, Ílhavo, Pombal, Aveiro, Figueira da Foz e Leiria, clínicas essas designadas por Dentalcare clínicas de medicina dentária”;

Os registos das marcas da R foram concedidos, respectivamente em 31 de Julho de 2006 e 10 de Setembro de 2007, sendo, pois posteriores ao registo da firma aludida da Autora.

Pressuposto elementar da concorrência desleal é a existência de acto de concorrência.



Postas estas considerações e confrontando-as com o que se passa nos autos, temos primeiramente saber se existe confundibilidade entre as marcas utilizadas pela Ré e a denominação social da autora .
Como é sabido, a marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços, visando individualizá-los, não só para assegurar clientela, como para proteger o consumidor do risco de confusão ou associação com as marcas concorrentes.

Relativamente ao risco de associação o Prof. Coutinho de Abreu in “ Boletim da Faculdade de Direito , Vol. LXXIII, 1997 pag. 145, em estudo sobre as Marcas escreve:
“ (…) o risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como risco de associação.
Verifica-se o primeiro quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro ( os consumidores crêem erroneamente tratar-se da mesma marca e produto ).
Verifica-se o segundo quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro ( crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relação de coligação ou licença , ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos “).

Acerca do critério para determinar a confundibilidade entre as marcas o Ac. deste Supremo de 13/07/2010 Relator – Fonseca Ramos acessível in www.dgsi.pt/stj tirou o seguinte sumário que, aqui, se transcreve:

I-A imitação ou confundibilidade entre as marcas pressupõem, um “ confronto” de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado
II- Esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que , no frenético universo do consumo, o padrão é o consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas
III. Daí que, no juízo a fazer acerca da imitação, se deva ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que essencialmente, as distinguem por serem os dominantes.
IV É assim o critério do consumidor médio, o relevante, para diante dos elementos gráficos, fonéticos ou figurativos (sobretudo nas marcas mistas) de certo produto de uma marca , poder ou não , ter a percepção de que pode confundir essa com aquela outra , ou associá-la a uma já existente , não sendo de exigir que, se tivesse a possibilitar de as confrontar , logo as suas dúvidas pudessem ser dissipadas”.

Como adverte Carlos Olavo in “ Propriedade Industrial “ 2005, pag. 82- que a apreciação do carácter distintivo da marca deve ter em conta “ por um lado … os produtos e serviços a que se destina “ e por outro , em relação a “ percepção que dela tem o público relevante normalmente informado e razoavelmente advertido

Postas em confronto as marcas, aqui em questão, parece não haver dúvidas que existem coincidências entre a firma da A consubstanciada na expressão “ Dental Care” e as referidas marcas da Ré que utilizam as expressões “ Dentalcare “ ou “Dental Care”, susceptíveis de aprioristicamente e em abstracto provocar um certo nível de confundibilidade, tanto mais que quer as marcas da Ré, quer a firma ( denominação social) da Autora são usadas no mesmo ramo de actividade de prestação de serviços de medicina dentária.

Mas este confronto não dispensa uma análise à situação em concreta trazida ao Tribunal e que é a seguinte:

A apresentação comercial da A, perante a clientela consiste na designação “ Square Clinic” , ou seja o consumidor não identifica a A pela expressão “Dental Care” sendo que a própria visualização do exterior da clínica é composta pela expressão “ Square Clinic” , os cartões de publicidade da A são composta pela designação “ Square Clinic” e pelo símbolo constituído pelos dois quadrados .
A recepcionista da a identifica a clínica como “Square Clinic “( quando os clientes ligam) enquanto os clientes da A identificam os seus serviços como “ Square Clinic” e não através da expressão “ Dentalcare”.

Por seu turno, os clientes da Ré identificam os serviços da Ré através da expressões “ “Dentalcare cuidamos do seu sorriso” e pelo grafismo composto por um desenho de um sorriso e pelas cores azul e turquês e lilás.

O cartão de marcação de consultas distribuído aos clientes da A também refere a expressão “ Square Clinic” enquanto que os cartões e flyers de publicidade das clínicas da Ré que exploram as marcas nº 39 2025 e nº 415182 são compostos pela expressão “ Dentalcare – cuidamos do seu sorriso” e pelas cores fortes de azul turquesa.

Acresce também que actualmente são diferentes os âmbitos geográficos da actividade da A ( Lisboa) e das clínicas da Ré ( Coimbra , Ílhavo, Pombal, Aveiro Figueira da Foz e Leiria) que utilizam aquelas marcas.

Portanto, o circunstancialismo fáctico supra descrito e que vem provado, indicia, antes, que A apenas utiliza a expressão “Dentalcare” na sua denominação social , mas não a divulga junto do mercado, aqui, prefere ser mais conhecida por “ Square Clinic” .
E compreende-se que, assim seja, pois, a expressão Dentalcare constitui hoje já uma expressão genérica e de carácter descritivo, cuja eficácia distintiva está actualmente substancialmente diminuída e prejudicada, como bem salienta o Acórdão recorrido.
Efectivamente, constitui facto notório hoje a existência de inúmeras clínicas dentárias que utilizam a expressões “Dentalcare” e “ Dental” – (art. 514 nº1 do CPC).

E assim sendo temos de reconhecer que a confundibilidade, neste contexto fáctico, para o consumidor médio, surge-nos praticamente como inexistente, tanto mais que o âmbito geográfico em que se desenvolvem as actividades da Autora e das clínicas da Ré que utilizam essas marcas são diferentes e fisicamente separadas.

Acresce também que as marcas em princípio deverão ser constituídas por um sinal independente do produto e distintivo devendo ser dotada, para o bom desempenho da sua função de eficácia ou capacidade distintiva, isto é há-de ser apropriado para diferenciar o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes.
E já se viu que a A não utiliza a expressão “ Dentalcare” junto dos consumidores, preferindo, antes, identificar-se por “Square Clinic”.

Isto para dizer que o nível de confundibilidade, no caso em apreço, surge-nos, aqui, bastante diminuído, senão mesmo inexistente e, por isso, mesmo a admitir-se um certo grau de confundibilidade, esta é completamente compatível com as normas e usos honestos ( cfr. art. 317 nº1 do CPI ), não sendo susceptível de originar uma situação de concorrência desleal.

A este respeito no estudo “ Concorrência Desleal e Direito do Consumidor “ da autoria do Dr. Jorge Patrício Paul in ROA , 205, Ano 65 Vol. I- Junho 2005 refere-se:
O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado… A concorrência não é susceptível de ser definida em abstracto e só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa saber é se a actividade de um agente económica atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela… O conceito de concorrência é, pois, um conceito relativo, que não pode ser aprioristicamente definido mas apenas casuisticamente apreciado, tendo em conta a actuação concreta dos diversos agentes económicos e a realidade da vida económica actual… No próprio conceito de acto concorrência está ínsita a sua susceptibilidade de causar prejuízos a terceiros, ainda que tais prejuízos possam efectivamente não ocorrer …o acto de concorrência, para verdadeiramente o ser, tem como seu elemento conatural, implícito na própria noção, o perigo de dano, ou seja, a sua idoneidade ou aptidão para provocar danos a terceiros”

Ora, já vimos que a confundibilidade em concreto praticamente não existe, porquanto em termos de consumidores a actividade da Autora e da Ré desenvolvem-se em áreas geograficamente bem distintas e fisicamente separadas.
A isto acresce que a A não usa junto dos seus clientes/ consumidores a marca de Dentalcare, mas, identifica-se, antes, pela Square Clinic.
Também não vêm apurados quaisquer prejuízos para a Autora pelo facto de a Ré utilizar nas suas clínicas a expressão “ Dentalcare”.

Significa que, no caso em apreço, não se verificam os pressupostos fácticos da concorrência desleal enunciados no art. 317 nº1 al. a) do CPI.

Em conclusão:

1- A marca é um sinal distintivo do produto ou serviços, visando individualizá-los, não só para assegurar a clientela, como para proteger o consumidor do risco de confusão ou associação com as marcas concorrentes.
2- Não obstante existirem coincidências entre a firma (denominação social da Autora) consubstanciada na expressão “ Dentalcare” e as marcas da Ré que utilizam também as expressões “ Dental care” e “ Dentalcare “ susceptíveis de aprioristicamente e em abstracto provocar um certo nível de confundibilidade , tanto mais que quer as marcas da Ré, quer a firma ( denominação social) da A são usadas no mesmo ramo de actividade de prestação de serviços de medicina dentária, não significa que em concreto se verifique uma situação de concorrência desleal.
3- Na verdade, este nível de confundibilidade tem de ter tradução na situação em concreto e tendo sido provado que a Autora apenas utiliza as expressão “ Dentalcare” na sua denominação social, mas não a divulga ou utiliza junto da sua clientela ( mercado), sendo aí mais conhecida pelo nome do seu estabelecimento de nominado “ Square Clinic”sito em Lisboa, o que diminui substancialmente essa confundibilidade, tanto mais que o âmbito geográfico em que se desenvolvem as actividades da autora e das clínicas da Ré que utilizam essas marcas são diferentes e fisicamente separadas
4- Acresce ainda que tendo hoje aquela expressão “ Dentalcare” uma expressão genérica e de carácter descritivo, cuja eficácia distintiva está substancialmente diminuída e prejudicada( constitui actualmente facto notório a existência de inúmeras clínicas dentárias que utilizam nos seus estabelecimentos as expressões “ Dentalcare” e “ Dental”- art. 514 nº1 do CPC);
5- E mesmo a admitir-se em concreto um certo grau de confundibilidade o mesmo é diminuto e quase inexistente e, por isso, é completamente compatível com as normas e uso honestos ( cfr. art. 317 nº1 do CPI), não sendo susceptível de originar uma situação de concorrência desleal .
6- O acto de concorrência não é susceptível de ser definido em abstracto e só pode ser apreciada em concreto.


III- Decisão:


Nesta conformidade e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.

Custas nas instâncias e neste Supremo pela recorrente.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Tavares de Paiva (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva